Do campo para cidade: Um pinote para a violência simbólica

Por Railton Tomaz Fernandes | 13/04/2017 | Educação

Introdução:

As ideias contidas nesta etnografia são resultados de um trabalho de pesquisa no curso da disciplina de Complemento de Prática I. As observações foram realizadas na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Monsenhor José Borges. O que motivou a escolha desta escola não foi somente por razões territoriais, já que moro na mesma cidade, mas também porque fui aluno e trabalhei na rede de ensino daquele município. Isso me deu uma acessibilidade pouco maior, tendo em vista que eu já conhecia grande parte dos funcionários e alunos daquela instituição. Mas também por este motivo agarrei-me a algumas precauções com base nas premissas das ciências sociais com relação à pesquisa de campo. Uma delas e na minha percepção, a mais importante é a necessidade de uma distância mínima que garanta ao investigador o máximo possível as condições de objetividade em seu trabalho. E tendo consciência da minha familiaridade com esse campo de pesquisa, enfrentei apoiando-me em (VELHO, 1978) o desafio que cerca todo etnólogo, o estranhamento daquilo que cerca sua própria realidade, transformando assim o familiar em exótico.

Porém é de grande importância salientar que, o interesse maior dessa pesquisa foi revelado em campo durante as observações. A princípio o seu objetivo resumia puramente a uma atividade disciplinar. Contudo, com o decorrer do processo de observação das formas de interação social dentro daquele espaço e a análise dos dados fornecidos pela escola, surgiu à necessidade de compreender as relações de violência simbólica exercida pela escola, contra os alunos que provém do Sítio e os que moram na rua. E desta forma poder compreender a relação entre uma possível violência simbólica exercida pela escola e o baixo número de alunos que fazem a prova do ENEM principalmente alunos da zona rural. Para isto, me apropriarei da teoria de Pierre Bourdieu para compreender este contexto social.

Neste sentido foi realizada uma pesquisa qualitativa com observação participante, embasada na teoria de reprodução social de Pierre Bourdieu. Utilizando do método etnográfico que é por excelência o método utilizado pela antropologia na coleta de dados, desta forma em um contato intersubjetivo realizei sem grandes problemas o trabalho de campo. Neste caso, eu observei que o trabalho etnográfico, acontece por meio do contato intenso e prolongado do pesquisador com o grupo a ser estudado para descobrir assim, como determinados grupos se organizam e como se organizam seus sistemas de significados culturais. Desta forma, com um problema de pesquisa em mãos, uma teoria, eu enquanto me inseri na situação social da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Monsenhor José Borges para explorar, coletar e analisar dados.

A pesquisa foi realizada em vários estágios. Partiu-se primeiro da coleta de dados, na qual tive algumas dificuldades pelo fato de que fui candidato a prefeito da cidade e expus dados relevantes durante minhas falas naquela ocasião. No entanto, como já foi dito anteriormente, a proximidade com grande parte dos funcionários e alunos daquela instituição, me ajudaram a realizar uma pesquisa sem muitos problemas. Em seguida pedi autorização da direção escolar que me apresentou sem hesitar, ao professor de sociologia com quem eu conversei e expliquei o motivo da minha presença naquele recinto e foi demasiado compreensivo autorizando que eu assistisse a sua aula. Desta forma realizei a observação de como ocorriam às aulas, assim como também observei como ocorriam os intervalos. Por fim, após vários dias de observação, comecei a entrevistar alguns alunos tanto da zona rural como da zona urbana presencialmente e também por uma por uma rede social, a fim de analisar e comparar as maneiras como eles vê o outro e se veem no ambiente escolar.

Fundamentação teórica

Para compreender a realidade sociocultural dos alunos foi preciso se voltar para a questão do habitus que ajuda a entender a relação entre os condicionamentos sociais e sua apropriação pelos indivíduos. De certo modo, esta análise ajuda também a pensar as características de uma identidade social, tornando mais explicita as relações entre o consciente e o inconsciente. A noção de habitus traz consigo uma ligação com o passado e com a história, por isso se torna tão importante para compreender a construção das identidades atuais.

Para analisar estas identidades por essa perspectiva foi utilizado como linha teórica os pensamentos de Bourdieu (1998, 2003, 2007) e GOFFMAN (1998) que auxilia na compreensão dos mecanismos de aprendizagem utilizados pela escola, que por sua vez, transforma as diferenças iniciais transmitidas pela herança familiar em desigualdades dentro do espaço escolar.

Como queremos compreender esse processo que faz parte da nossa sociedade é preciso também entender os mecanismos de poder que move cada indivíduo e que acaba, de modo geral, fortalecendo certas identidades em detrimento de outras. Na concepção de Bourdieu essa organização cultural está ligada a construção do habitus individual que é formado por instituições interdependentes e produtoras desses valores culturais, por exemplo; a família, a escola e os meios de comunicação. Bourdieu (2003) aponta para a existência de um poder invisível que faz parte das relações sociais:

No entanto, num estado do campo em que se vê o poder por toda a parte, como em outros tempos não se queria reconhecê‐lo nas situações em que ele entrava pelos olhos dentro, não é inútil lembrar que – sem nunca fazer dele, numa outra maneira de o dissolver, uma espécie de “círculo cujo centro está em toda a parte e em parte alguma” – é necessário saber descobri‐lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (BOURDIEU, 2003, p. 08)

Para Bourdieu(2003), esta forma de poder está presente nas representações culturais, pois os sistemas simbólicos são instrumentos de conhecimento e comunicação que exercem um poder estruturante porque são estruturados, ou seja, condicionados. Eles dão sentido ao mundo social e por isso se torna um poder de construção da realidade. No entanto, essas produções simbólicas estão relacionadas diretamente com os interesses de uma classe dominante e se tornam representações de toda a sociedade. Desta a cultura que unem os indivíduos no jogo das relações sociais é segundo Bourdieu(2003)  o mesmo que os separa.

A cultura que une (intermediário de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem‐se pela sua distância em relação à cultura dominante . Bourdieu (2003, p.11)

Na perspectiva de Boudieu(2003), é desta maneira que as relações de comunicação estão diretamente ligadas às relações de poder. Desta forma, a escola também acaba se tornando um potente mecanismo social de legitimação desse poder, de modo que, ao impor uma única maneira de interpretar a realidade ela está inconscientemente contribuindo para reforçar essa dominação. Seguindo a linha de pensamento vemos que a Imposição e resistência são as principais características dessa luta. E os que não se adéquam ao “Padrão” são excluídos.

É importante, portanto compreender também a noção de habitus, que por sua vez, irá buscar um meio termo entre a interferência do social nas realidades individuais. Para Bourdieu (2003) toda a ação põe em presença a história no seu estado objetivado, isto é, a história acumulada em diferentes períodos e a história no seu estado incorporado, que se tornou habitus. De modo grosseiro o habitus é um sistema de esquemas simbólicos e individuais que se estrutura na sociedade e passa a ordenar a subjetividade dos indivíduos na sua vida cotidiana. Segundo este autor o habitus:

É a sua posição presente e passada na estrutura social que os indivíduos, entendidos como pessoas fisicas, transportam com eles, em todo tempo e lugar, sob forma de habitus. Os indivíduos "vestem" os habitus como hábitos, assim como o hábito faz o monge, isto é, faz a pessoa social, com todas as disposições que são, ao mesmo tempo, marcas da posição social e, portanto, da distância social entre as posições objetivas, entre as pessoas sociais conjunturalmente aproximadas e a reafirmação dessa distância e das condutas exigidas para "guardar suas distâncias" ou para manipulá-las estratégica, simbólica ou realmente reduzí-las, aumentá-las ou simplesmente mantê-las (1983, p. 75)

O conceito de habitus está por sua vez, diretamente ligado ao de campo. Que na perspectiva do autor é o espaço simbólico onde se relacionam os grupos sociais distintos, regidos pelas relações de poder. As ações, comportamentos e as escolhas são produtos das relações que se estabelecem entre o habitus individual e a conjuntura na qual o sujeito está submetido. Esse campo é movido por interesses específicos que entram em choque com interesses contrários de classes sociais diferentes. A relação entre o habitus de uma classe e o campo a que estão submetidas podem ser intencionalmente diferentes.

A razão e a razão de ser de uma instituição (ou de uma medida administrativa) e dos seus efeitos sociais, não está na <> de um indivíduo ou de um grupo mas sim no campo de forças antagônicas ou complementares no qual, em função dos interesses associados às diferentes posições e dos habitus dos seus ocupantes, se geram as <> e no qual se define e se redefine continuamente, na luta – e através da luta – a realidade das instituições e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos. (BOURDIEU, 2003, p. 81)

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