Divergência quanto à descriminalização da conduta presente no art. 28 da Lei de Drogas (nº11. 343/06): Crime, contravenção ou infração penal?¹

Por gracielen costa do nascimento | 23/10/2014 | Direito

Gracielen Costa do Nascimento²

Julia Motta Costa³

Maria do Socorro Almeida de Carvalho4

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Abordagem Geral Sobre a Nova Lei de Drogas; 2 Natureza Jurídica da conduta do art. 28; 2.1 Crime; 2.2 Contravenção Penal; 2.3 Infração Penal; Conclusão; Referências.

 

RESUMO: O presente trabalho visa analisar a aplicação do art. 28 da lei nº 11.343/06 (lei de drogas) no que concerne à natureza jurídica daquele que pratica tal ato ilícito, uma vez que a nova redação do dispositivo permite interpretações diversas – podendo ser entendido como crime, contravenção penal, ou ainda, infração. Deste modo, o estudo será delineado à luz dessa divergência, estabelecendo primeiramente uma abordagem geral dessa nova lei e suas implicações, apresentando nos tópico subsequentes a argumentação utilizada pelos seus defensores acerca da concepção da natureza jurídica, e por fim, àquela que condiz ao ato tipificado.  

Palavras-chave: Descriminalização. Crime. Contavenção-penal. Infração.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho traz em seu bojo uma análise acerca do art. 28 da Lei de Drogas, uma vez que é um assunto bastante discutido na doutrina brasileira, em face de que apesar de ter havido a descriminalização da conduta presente no supracitado artigo, não houve a sua legalização, ou seja, essa conduta continua sendo ilícita, apesar das penas não serem tão severas como outras condutas, ainda é um ato punido.

De acordo com o previsto no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal: “Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas”. alternativa ou cumulativamente”, a conduta prevista no art. 28 da Lei de Drogas não configura como crime nem como contravenção, por isso a discussão acerca da descriminalização dessa conduta.

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¹ .Paper apresentado à disciplina de Direito Penal Especial III, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

².Aluna do 6º período do Curso de direito vespertino, da UNDB.

³ Aluna do 6º período do Curso de direito vespertino, da UNDB.

4 Professor orientador.

Tal discussão doutrinária acerca da natureza jurídica enseja questão controversa, portanto, de suma importância para o estudo do tipo penal, em razão da apresentação de penas alternativas para a conduta. Partindo-se do pressuposto de que tal matéria deva ser apreciada de forma mais enfática em razão dessa divergência doutrinária, é que se torna notável a necessidade de apreciação da relação entre os tipos de usuários e a sociedade, em razão da proteção jurídica destes – uma vez que sob o prisma do direito à privacidade e por ser questão personalíssima, a conduta não poderia ser discriminada como crime, uma vez que fere tão somente a esfera particular do indivíduo (JUNIOR, 2008, p. 14).

Em outras palavras, diz-se que o Estado não poderia criar figuras que viessem agredir a essência da pessoa, suas liberdades, ou seja, sua dignidade e por consequência, sua privacidade (LEITE, 2010, p. 7-9).

Destarte, apesar desse questionamento, é oportuno salientar que tal posição se encontra em notável inaplicabilidade para fins de determinação da natureza jurídica, tanto por ser uma norma de aplicação limitada quanto por caracterizar perigo iminente para a sociedade, culminando no aumento da criminalidade.

Resta observar, portanto, que a insuficiência na determinação da natureza jurídica conferida pela previsão do delito no art. 28 da lei 11.343/06 resultou na disseminação de posições diversas acerca da matéria, gerando de certo modo, uma insegurança jurídica frente a tal classificação do tipo penal, e até mesmo, por uma interpretação mais ostensiva, na própria aplicação da pena, seja esta respondendo como crime, contravenção penal ou ainda infração penal.

Conforme entendimento de Plínio Antônio Britto (2008, p. 15), tem-se que a imprecisão do legislador em prover de tal determinação quanto à natureza jurídica do ato, recaiu, de certa forma, no aspecto da eficácia da norma jurídica – que significa norma válida e vigente passível de ser concretamente aplicada e gerar efeitos. Ou seja, norma possível de ser aplicada sem a difusão de óbices jurídicos na sua aplicação, tal como ocorre com a nova redação da Lei de Drogas.

É nesse liame que se encontra a relevância indubitável do presente estudo que pretende trazer à baila as divergências doutrinárias trazidas pela Nova Lei de Drogas n. 11.343/2006 quanto à determinação da natureza jurídica da conduta, conforme disposto no art. 28 da mesma lei.

Sendo assim, o estudo será delineado primeiramente na abordagem da concepção das drogas e na sua consequente disciplina, dada pela lei n. 11.343/2006, abordando os princípios relacionados à conduta, a interferência do Estado por meio de políticas públicas, bem como a apresentação das vertentes divergentes acerca da natureza jurídica da conduta prevista no art. 28 da lei. De forma subsequente, os tópicos irão tratar dessas posições doutrinárias defendidas acerca da natureza jurídica – seja esta de crime, contravenção ou infração penal – esmiuçando a argumentação dos autores que as defendem, bem como a sua aplicabilidade no contexto jurídico atual.

1 ABORDAGEM GERAL SOBRE A NOVA LEI DE DROGAS

A Nova Lei de Drogas faz parte do SISNAD (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas). Anteriormente à sua vigência, existia a Lei de Tóxicos (10.409/2002), que diverge da atual na distinção entre usuário (pessoa que faz uso indevido) e dependente. Outra diferença é que a Nova Lei de Drogas substitui o termo “substância entorpecente” por “droga”, que em seu conceito legal refere-se a substâncias capazes de causar dependência e que estejam especificadas em lei ou até mesmo relacionadas em listas atualizadas feitas pelo Poder Executivo da União. (GOMES, BIANCHINI, CUNHA, OLIVEIRA, 2006, p. 19-21).

Retomando o SISNAD, o qual está disposto no título II da Nova Lei de Drogas, apontando suas finalidades no art. 3º: “articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários de dependentes de drogas (inciso I) e com a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas (inciso II)”. Também está disposto nos artigos 4º e 5º, respectivamente, um rol de princípios e os objetivos do SISNAD. Segundo entendimento de Emanoel Ferreira Maia, dois incisos do art. 4º merecem destaque como princípios: I- o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade; III- a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro, reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados. E dos objetivos os incisos II, II e III: “contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torna-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados; promover a construção e a socialização do conhecimento sobre drogas do país; promover a integração entre as políticas de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao tráfico ilícito e as políticas públicas setoriais dos órgãos do Poder Executivo da União, Distrito Federal, Estados e Municípios”. (MAIA, 2008, p. 30-31).

Dentre as modificações propostas pela nova lei, encontram-se, entre outras, a substituição da pena privativa de liberdade – culminando em uma discussão doutrinária acerca da então natureza jurídica da conduta – pelas dispostas no art. 28; bem como a inserção no tipo penal do §1º, que estabelece a conduta de “semear, cultivar ou colher, para consumo pessoal (...)”, que diferentemente do encontrado na legislação nº 6.368/76 (que equiparava a conduta ao tráfico de drogas), encontra-se atualmente tipificado na legislação; houve também o acréscimo de duas novas condutas, além de punir aquele que “adquiria, guardava ou trazia consigo, passa o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” (art. 16 da Lei 6.368/76), a Lei 11.343/06 passou a incriminar também as condutas de “ter em depósito ou transportar”, alargando as hipóteses de enquadramento do usuário. (MAIA, 2008).

A Nova Lei de Drogas passou a existir como um meio de complementar e superar falhas que existiam nas leis anteriores a ela (6.368/76 e 10.409/02), assim como evidenciar as novas abordagens acerca dos meios eficazes que o Direito Penal Brasileiro deve utilizar perante os usuários e dependentes de drogas.

 

2 NATUREZA JURÍDICA DA CONDUTA DO ART. 28

Conforme a nova redação da Lei Antidrogas, que de forma mais precisa, estabeleceu no art. 28 sanções que substituem a aplicação da pena privativa de liberdade – anteriormente aplicada pela lei 6.368/76 – suscitou questões controversas, no que tange o questionamento acerca da permanência ou não do caráter estipulado pela nova tipificação da conduta como crime.

Permitiu, desta forma, que a doutrina ampliasse o entendimento desse novo tipo penal, conforme as peculiaridades técnicas e também, que se estendem ao caso concreto, divergindo acerca da natureza jurídica da conduta, e, portanto, sua consequente descriminalização. Sendo assim, surgiu –sobretudo – três vertentes de posicionamentos quanto à esta disposição penal: primeiramente, a que coaduna o entendimento da permanência do caráter de crime; a segunda, estipula que a conduta constitui não mais um crime, mas tão somente contravenção penal, e por último, a que estabelece que a conduta se encaixa não mais como crime, e tampouco contravenção penal, mas constitui infração penal “sui generis”.

 

2.1 CRIME

A conduta presente no art. 28 da Lei de Drogas tem natureza jurídica de crime, como afirma a maior parte da doutrina. Um argumento que tem sido o principal para defender essa natureza é a localização topográfica, uma vez que o artigo 28 está presente no Capítulo III “Dos crimes e das penas”, e essa foi uma escolha do legislador, logo, prevê que a conduta deste artigo é um crime. Outro argumento é o de que no próprio caput do artigo a medida imposta aos infratores é a pena, o que remete a compreensão de que tal conduta caracteriza-se como crime. (CABETTE, 2006, online).

      A conduta do art. 28 encaixa-se na definição de crime feita pelo autor Fernando Capez (2011, p. 134), em seu Curso de Direito Penal:

Sob o Aspecto material o crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social. E sob o aspecto formal: o conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo. Considerar a existência de um crime sem levar em conta sua essência ou lesividade material afronta o princípio constitucional da dignidade humana. Sob o ângulo analítico, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito.

Considerando que a conduta presente no art. 28 da Lei de Drogas, entre outras da mesma lei, vem sendo um problema de tamanha proporção no Brasil, a mesma tem perfeito encaixe no aspecto material supracitado, pois expõe a perigo, chegando até a lesar um bem jurídico fundamental, que é a saúde pública. A afirmação de saúde pública como bem jurídico é defendida por Vicente Greco Filho, que afirma que o bem jurídico protegido na Lei de Drogas é a saúde pública, não só àquele que ingere, como também a integridade social. (GRECO FILHO, 2009). No aspecto formal, ocorre o que já foi dito anteriormente, se a conduta se encaixar no tipo penal, o agente terá que cumprir com uma pena. E o analítico, o fato se encaixando no tipo penal e sendo também fato ilícito, é um crime, o que se associa a conduta determinada no art. 28 da Lei de Drogas.

 

2.2 CONTRAVENÇÃO PENAL

Alguns doutrinados do Direito Penal brasileiro acreditam que, dessas condutas do art. 28, ocorre a descriminalização, uma vez que as sanções impostas são abrandadas. Partindo do que está disposto no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, o porte de droga para consumo pessoal perde o caráter de crime: “considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, penas de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”, uma vez que as sanções cominadas não são de prisão, possuindo mais um caráter educativo “advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos” (art. 28, incisos I, II e III).

Como sendo a conduta do art. 28 contravenção penal, defende o professor Rodrigo Iennaco (2006, online; apud CABETTE, 2006, online) “não houve descriminalização. O art. 28 da Lei 11.343/06 descreveria uma contravenção penal, na medida em que seria uma infração penal que não é punida com reclusão ou detenção. Além disso, a Lei prevê que em caso de descumprimento das penalidades arroladas no art. 28, poderá haver a aplicação de pena isolada de multa (§ 6º, II), de forma a coadunar-se a referida infração penal ao conceito de contravenção penal delineado pelo art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Dec.-Lei 3.914/41)”.

O mesmo autor, em sua mesma obra, chega à conclusão de que, em contrapartida, no que tange a sanção penal, houve sim a descriminalização das condutas de porte de droga ilícita para consumo próprio, pois possui punição que não chega a ser tão severa quanto às punições concernentes aos crimes, o que é característica de contravenções penais. (IENACCO, 2006, online; apud MAIA, 2008, p. 50).

 

2. 3 INFRAÇÃO PENAL

Tem-se que crime, no contexto brasileiro, corresponde à infração penal, punida com reclusão ou detenção, conforme disposto no art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-lei 3.914/41) que aduz “considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”. Desta forma, o ato concebido como posse de drogas para consumo pessoal, apresentado através da lei nº 11.343/06, por meio do art. 28, deixaria de ser crime, uma vez que as sanções impostas não correspondem àquelas da determinação legal para configurá-lo.

Sendo assim, de acordo com os defensores dessa posição, resultado da redação nova de tal lei, tem-se que a posse de droga para consumo próprio sofreu uma descriminalização, uma vez que esta, ao contrário da revogada, não apresenta entre as sanções, a pena privativa de liberdade, resultando no abolition criminis, disposto in verbis (GOMES, 2006, p.110-112):

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:I - advertência sobre os efeitos das drogas;II - prestação de serviços à comunidade;III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

A nova redação do dispositivo, além de ter promovido a ampliação das hipóteses de incidência do usuário, também alterou, de forma substancial, a previsão de penas para essa conduta: da pena privativa de liberdade, prevista pela lei nº 6.368/76, passou-se à pena de advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (CHAGAS, p. 34).

Desta forma, para os que defendem a descriminalização, argumenta-se que o caráter ilícito da conduta foi retirado, embora não haja, ainda assim, a sua legalização – tendo em vista que ainda há a aplicação de sanções diversas à prática da conduta.  Ou seja, a posse de drogas ainda é um ilícito, mas constitui uma infração penal “sui generis”, que significa “única em seu gênero” (SOUZA, p. 17).

Segundo Luiz Flávio Gomes (2006, p.111), a nova redação aboliu o caráter criminoso da posse de drogas para consumo pessoal, ou seja, deixou de ser crime, embora ainda corresponda à um ato contrário ao direito, e portanto, ilícito. No entanto, embora ilícito, corresponde à um fato não penal, ou seja, sui generis.

No entanto, conforme entendimento de Eva Maria Cogo da Silva e Rodrigo Cogo (2009, p. 48) compreende-se que “o fato de retirar da esfera do Direito Penal pode deixar de ser um ilícito penal, mas continua sendo sancionado administrativamente ou com sanção de outra natureza”.

Tem-se, portanto, em suma:

Não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova Lei de Drogas, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de “infração penal” porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração “penal” no nosso País (GOMES, 2006)

Conforme o mesmo autor – que corrobora de forma mais enfática para a argumentação - dispõe que o fato da conduta ter localização topográfica no Capítulo III, do Título III da mesma lei (“dos crimes e das penas”), não confere o caráter de crime, uma vez que não deve prevalecer o apego ao rigor técnico, até mesmo porque o próprio legislador, em outras disposições, considerou crime mera infração. Desta forma, o rigor técnico não deve ser alicerce para o fundamento da natureza jurídica de crime, uma vez que este é insuficiente, e por vezes, reducionista, da intelectualidade do legislador (GOMES, 2006)

Ademais, preceitua ainda Luiz Flávio Gomes (2006), de que o §4º do art. 28 estabelece a reincidência, e esta possui como consequência o aumento de cinco para dez meses o tempo de cumprimento das medidas previstas nesse artigo; portanto, se a contravenção e o crime não gera reincidência técnica, não seria plausível admiti-la em práticas menos ofensivas para o direito, como a infração penal “sui generis” e o crime, ou a contravenção.

Cumpre salientar ainda, de acordo com o §2º, do art. 48, que o usuário será levado com procedência ao Juiz, e não ao Delegado, o que retira da tipificação da conduta o aspecto “criminoso”, ao contrário dos casos em que a lei estipula os atos infracionais. Além disso, tem-se que não há previsão em lei de medida privativa de liberdade cabível ao usuário, como forma de coação, que não pratica as determinações do art. 28. Ou seja, não há possibilidade de conversão dessas penas alternativas em pena de prisão (GOMES, 2006).

Ressalta-se ainda que conceber como crime, de acordo com o art. 28, e, portanto, estipular qualificação do possuidor de drogas para consumo pessoal como “criminoso”, caracterizaria um retrocesso punitivo não compatível com a redação da nova lei de drogas (nº 11. 343/06), e é em razão disto, que se contempla a conduta, segundo tal corrente, não como crime ou contravenção, mas como uma infração penal sui generis (GOMES; SANCHES, 2006, p. 61).

CONCLUSÃO        

O presente trabalho teve como objetivo analisar, à luz da nova legislação acerca da posse de drogas para consumo pessoal, disciplinada pela lei nº 11.343/06, conhecida como a Lei Antidrogas – em reconhecimento a mudança das sanções estabelecidas, e a consequente ampliação da incidência do usuário – a natureza jurídica da conduta disposta no art. 28 da mesma lei.

O porte de drogas para uso pessoal, em razão da atualidade e importância que o cerca, tem suscitado questionamentos, além de controvérsias, principalmente por configurar, para o Estado, o dever de proteção do sujeito que pratica a conduta, ao mesmo tempo em que estabelece o direito da sociedade, de exigir do Estado, a garantia da saúde, proteção e liberdade frente às questões controvertidas que ensejam o contexto das drogas.

Desta forma, encontra-se descrita no art. 28, da lei Antidrogas, que à conduta praticada por tais usuários, será aplicada as sanções de “advertência sobre os efeitos das drogas, a prestação de serviços à comunidade e a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

Portanto, ao contrário do que estabelecida a Lei de Drogas anterior (nº 6368/76), sobre a mesma conduta, aplicava-se para as condutas, pena privativa de liberdade, por meio da detenção ou ainda a reclusão, in verbis: “adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a  50 (cinqüenta) dias-multa” (art. 16).

Destarte, tal alteração na legislação, gerou questionamento acerca da descriminalização da conduta, insurgindo três questionamentos principais acerca da natureza jurídica: quanto à de crime, de contravenção penal, ou ainda de infração penal “sui generis”. Entretanto, apesar da argumentação realizada por estas, tem-se entendido que o caráter benéfico da nova redação não descriminalizou a conduta, tão somente por não aplicar mais sanção privativa de liberdade. Ademais, tem-se que a argumentação da despenalização também não poderia ser aplicada, uma vez que a conduta não deixou de ter penas, ou seja, estas continuam a ser cominada, em conformidade tanto com o Código Penal, quanto com os preceitos da própria Constituição Federal.

Portanto, a conduta tipificada no art. 28 da Lei Antidrogas é crime, tanto por configurar um ato contrário ao direito, e por sua localização topográfica no capítulo “dos crimes e das penas”, até mesmo porque a estipulação de uma pena privativa de liberdade não é necessária para a caracterização de uma conduta criminosa.

Corroborando para a concepção da natureza jurídica da conduta como crime, posicionou-se o STJ (Habeas Corpus nº 73432 de Minas Gerais. Ministro Félix Fischer. 14.06.200) no sentido de que a interpretação da Lei de Introdução ao Código Penal não deve ser realizada de modo absoluto, uma vez que embora esta tenha sido recepcionada pela Constituição, constitui-se por lei ordinária, e sendo esta, pode estabelecer critérios diversos ou ainda, estabelecer pena diferente da privativa de liberdade, uma vez que esta configura apenas uma das hipóteses do legislador, a luz do art. 5º, XLVI (SILVA; COGO, 2009, p. 55).

Em suma, de acordo com os argumentos trabalhados no decorrer do trabalho, tem-se que a natureza jurídica da conduta tipificada no art. 28 da lei nº 11.343/06, ainda que persistam alguns questionamentos diversos, é indubitavelmente de crime.

REFERÊNCIAS

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