Disputa De Titularidade Entre Os Municípios E As Concessionárias Estatais Nos Serviços Públicos De Água E Esgoto
Por Edson Depieri | 25/08/2008 | DireitoDISPUTA DE TITULARIDADE ENTRE OS MUNICÍPIOS E AS CONCESSIONÁRIAS ESTATAIS NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ÁGUA E ESGOTO.
Edson Luis de Melo Depieri 1
Resumo
A política nacional de saneamento básico foi travada, até o ano de 2.007, pela disputa de poder. O Estado brasileiro encarou os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário desde o período colonial, como objeto de ambição por parte de grupos de interesse.
A expressiva divergência sobre a regulamentação do setor de saneamento e a disputa entre estados e municípios sobre a titularidade dos serviços, (quem tem a obrigação de prover e o direito de receber do consumidor pelo fornecimento, captação e tratamento), tem sido tema prioritário entre os governantes, prescindindo a questões elementares e essenciais, como o direito à água potável e a coleta e tratamento do esgoto sanitário.
O novo marco regulatório do setor de saneamento básico, Lei Federal 11.445/07, avocam ações concretas dos governantes em atendimento à sua responsabilidade. No entanto, as dúvidas que motivam as disputas e interesses permanecem, tais como:
ØQuais os procedimentos que deverão ser adotados pelos municípios cujos serviços públicos de água e esgoto estejam sendo prestados por entidades governamentais estaduais ou de economia mista com administração pública alheias às órbitas, criadas para tal fim, sem contratos de concessão, isto é, sem instrumento que as formalize, ou com contratos vencidos?
ØOs municípios podem contratar diretamente, isto é, sem a realização de um certame licitatório ou mesmo prorrogar contratos existentes com dispensa de licitação?
ØComo serão calculadas e ressarcidas eventuais indenizações devidas a essas concessionárias?
Palavras-chave: Saneamento Básico. Disputa. Titularidade. Municípios. Estatais.
Introdução
O atendimento ao serviço público de fornecimento de água tratada e esgotamento sanitário em grande parte dos municípios brasileiro é realizado por empresas estatais ou mistas. Isso, decorrente do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), implantado no início da década de 1970 pelo governo do regime militar, com o objetivo de passar a prestação desses serviços ao controle do Estado. Foi quando os municípios foram impelidos a transferir a responsabilidade para concessionárias estatais, criadas para esse fim, sob o risco de não mais terem acesso a recursos financeiros federais e estaduais.
Com o início do período democrático no país inicia-se o processo de regulamentação, objetivando por fim às disputas entre Estados e municípios, definindo a titularidade, reforçando os deveres dos entes federativos em relação à prestação adequada de serviços públicos de saneamento básico de forma que o país enfrentasse a melhoria da qualidade de vida do seu povo.
As controvérsias que ainda permanecem estão sendo dirimidas pelo Supremo Tribunal Federal, quanto ao processo de retomada da prestação dos serviços por parte de seus titulares, principalmente no que tange ao encontro de contas entre o concedente e o antigo concessionário, a respeito da eventual indenização dos investimentos não amortizados.
Outra questão polêmica e que tem merecido especial atenção do STF é quanto ao cumprimento do poder discricionário do concedente em prestar os serviços públicos de saneamento por gestão direta (pelo próprio titular do serviço mediante um órgão ou entidade administrativa, como, por exemplo, a criação de autarquias) ou por delegação à iniciativa privada através de concessão precedia de licitação pública.
Enfim, o presente trabalho trata sobre as diretrizes nacionais para o saneamento básico, dispondo, entre outras questões, a respeito dos princípios fundamentais, do exercício da titularidade e dos procedimentos que deverão ser adotados pelos entes federados para cumprimento da universalização desses serviços.
1.A titularidade e a competência para a prestação dos serviços
Um dos maiores desafios da sociedade brasileira é a superação do déficit e das desigualdades no acesso aos SERVIÇOS DE SANEAMENTO e que devem ser incluídas como uma das questões fundamentais para o desenvolvimento da humanidade.
Competência para prestação de serviços públicos locais (art. 30 da CF/88)
Art. 30. Compete aos Municípios:
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
Prestação direta ou indireta de serviços públicos (art. 175 da CF/88)
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
É competência da união dada pela Constituição Federal (1988)
Art. 21 – Compete à União:
XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento Urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos.
Cumprindo a exigência constitucional em instituir as diretrizes para o saneamento básico, começa a vigorar, a partir de sua publicação em fevereiro de 2.007, o Marco Regulatório do Saneamento que estabelece, dentre outros, como devem ser regidas as prestações dos serviços por entidades alheias à órbita do poder concedente.
Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007
Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico:
Art. 10. A prestação de serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante convênios, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.
O poder concedente possui suas atribuições, mesmo quando a prestação dos serviços é delegada a terceiros:
Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995
Estabelece normas para a concessão de serviços públicos pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
"Art. 29. Incumbe ao poder concedente:
I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação;
II - aplicar as penalidades regulamentares e contratuais;
III - intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previstos em lei;
IV - extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato;
V - homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma desta Lei, das normas pertinentes e do contrato;
VI - cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão;
VII - zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas;
VIII - declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis;
IX - declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, os bens necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis;
X - estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio-ambiente e conservação;
XI - incentivar a competitividade;
XII - estimular a formação de associações de usuários para defesa de interesses relativos ao serviço".
2.O marco regulatório do saneamento
A partir de 05 de janeiro de 2007, passou a vigorar a Lei 11.445 que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico.Apesar de a Constituição Federal prever que os serviços públicos devem ser prestados sob regulação, ou seja, na forma da lei, essa não tem sido a prática atual, justamente pela ausência, até então, de um marco legal específico para o saneamento básico. Por conta disso, a Lei 11.445/07 fez previsão que a regulação e a fiscalização são obrigatórias, mesmo que não tenha havido a delegação. Além disso, a regulação deve ser instituída por meio de norma local que, a depender de seu conteúdo, pode ser lei ou ato administrativo normativo.
Com o advento da Lei 11.445/07, a validade dos contratos que tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico ficou condicionada:
..."a existência de plano de saneamento básico; a existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômica-financeira da prestação universal e integral dos serviços; a existência de normas de regulação que prevejam os meios para cumprimento das diretrizes da Lei 11.445, incluindo a designação da entidade de regulação e de fiscalização; a realização de prévia audiência e de consulta públicas sobre eventual edital de licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato".
A partir da vigência da Constituição de 1988 e, especialmente, com a Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos, de 1995, os novos contratos devem conter termos totalmente diferentes e mais detalhados, não sendo mais admitido que os Municípios apenas entreguem os serviços para as empresas estaduais, confiando numa regulação federal. A partir de 1993, com os primeiros vencimentos de contratos e a insatisfação com os serviços prestados, alguns Municípios retomam os serviços das empresas estaduais de saneamento, para prestá-los diretamente ou por meio de concessão à iniciativa privada, através de procedimento licitatório, indispensável para a delegação destes serviços.
Presidente do TJ/RO Des.ª Zelite Andrade Carneiro, suspensão de liminar nº 200.000.2008.002070-4 / RO – Os aspectos legais melhoraram com o advento da Lei 8.987/95, e ficou mais explícita com a complementação feita pela Lei 11.445/07, onde se confirmou a competência municipal para decidir se vão explorar os serviços de forma direta, ou fazê-lo por delegação, como bem descreve o art.9º, não deixando de abordar a situação das empresas que, à semelhança da CAERD, estão hoje prestando os serviços, mas que não tenham as autorizações legais para fazê-lo. Neste caso, observa-se o art. 42 da lei 8.987/95, que até possibilita a continuidade da prestação do serviço até 2010, mas que para isso impõe vários requisitos.
3.A retomada dos serviços pelo poder concedente e as eventuais indenizações
A Lei 11.445/07 alterou a redação do artigo 42 da Lei 8.987/95, fixando prazo máximo de validade das concessões de caráter precário com prazo vencido e que estiverem em vigor por prazo indeterminado, inclusive aquelas que não possuem instrumento que as formalize. Porém, para que estas concessões tenham validade até a data pré-determinada, ou seja, 31 de dezembro de 2.010, deverá ser cumprido, cumulativamente, até 30 de junho de 2.009, três condicionantes, quais sejam resumidamente:
"I – levantamento mais amplo e retroativo dos elementos físicos constituintes da infra-estrutura de bens reversíveis e dos dados financeiros, contáveis e comerciais relativos a prestação dos serviços; II -celebração de acordo entre poder concedente e o concessionário sobre os critérios e a forma de indenização de eventuais créditos remanescentes de investimentos ainda não amortizados ou depreciados; III – publicação na imprensa oficial de ato formal de autoridade do poder concedente, autorizando a prestação precária dos serviços por prazo de até 6 (seis) meses".
Em alguns casos as empresas públicas sentem-se prejudicadas pela retomada dos serviços por parte do poder concedente e reivindicam indenização, ingressando em juízo para suspensão dos procedimentos de atos concretos, dentro dos ditames legais, que objetivam buscar a efetividade da ordem constitucional através da assunção dos serviços para execução direta ou para delegação dos mesmos à terceiros, na forma da lei.
Valor Online (www.valoronline.com.br) em 12/09/07 - "A respeito do cálculo dessa indenização, é preciso esclarecer que a mesma se refere somente aos investimentos realizados e ainda não depreciados. Isto porque, segundo o artigo 325, inciso I, alínea "b" do Decreto nº. 3.000, de 1999 (atual regulamento do Imposto de Renda), a depreciação dos bens necessários à prestação dos serviços em uma concessão deve ser realizada dentro do prazo de vigência do contrato de concessão. Portanto, sendo passíveis de serem indenizados somente os investimentos realizados ao fim do contrato de concessão e que, devido ao término desses, não puderam ser amortizados e depreciados.
O dever de indenizar está previsto não somente nos convênios e contratos firmados, mas, especificamente, na legislação vigente aplicável ao setor. Porém, esta indenização, como já afirmado, é restrita às parcelas dos investimentos vinculados aos bens necessários à prestação dos serviços, ainda não amortizada ou depreciada ao fim do contrato, e que tenham sido realizados com o objetivo único de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido. Desta forma, o valor a ser pago não deverá compreender a totalidade dos investimentos realizados ao longo do prazo de concessão.
Ainda a esse respeito, outra questão que se impõe é: como aplicar essa determinação legal a contratos firmados há mais de 20 anos? O inciso I do parágrafo 3º da nova redação do artigo 42 da Lei nº. 8.987, dada pelo artigo 58 da Lei nº. 11.445, afirma que, para a realização do cálculo da indenização desses investimentos, devem ser observadas disposições legais e contratuais que regulavam a prestação do serviço de saneamento ou a ele aplicável, nos 20 anos anteriores ao da publicação da Lei nº. 11.445.
Assim, o cálculo das indenizações devidas às antigas prestadoras do serviço deverá considerar as determinações e entendimentos da Lei de Concessões e Permissões, que também prevê o comum acordo entre as partes, não podendo a indenização ser utilizada como elemento de coerção para forçar uma parte a aceitar uma determinada solução em detrimento de outra que, eventualmente, melhor atenderia ao interesse público. Em último caso, se não houver acordo entre as partes, a questão deverá ser levada ao Poder Judiciário, que, após o devido processo judicial suprido pelos necessários laudos periciais, determinará o valor da indenização a ser paga.
A abertura à competição e a regulamentação do setor, uma vez que os municípios têm na prestação do serviço um importante ativo, possibilitará à indústria do saneamento básico condições de atingir metas ambiciosas, como a universalização da oferta dos serviços de água e esgotos tratados em um prazo de 20 a 30 anos. Entretanto, isto só será possível com a oferta maciça de recursos não somente públicos, mas principalmente privados, já que se estima que o Brasil necessitará de cerca de R$ 180 bilhões, neste período, para investir no setor".
Durante todo o prazo da concessão, a concessionária terá preservado sua margem de lucro, que, por sua vez, deve permanecer inalterada, independente dos fatos fortuitos e de força maior, uma vez que devem ser respeitados o equilíbrio econômico–financeiro do contrato e a prestação dos serviços com qualidade. Não é à toa que os contratos de concessão de serviço público têm, invariavelmente, longa duração.
Marçal Justen Filho,(In Teoria Geral das Concessões de Serviço Público, Dialética, 2003, p. 570). - "A reversão não se faz gratuitamente. Como regra, o valor dos bens reversíveis é amortizado no curso do prazo de concessão. As tarifas são fixadas em valor que permita não apenas remunerar o concessionário pelo custo operacional do serviço mas por toda as despesas necessárias. Mas ainda, as tarifas deverão ser calculadas de modo a amortizar o valor dos bens empregados pelo particular e que serão consumidos na prestação do serviço ou integrados no domínio público ao final do contrato".
O mesmo ocorre com os bens consumidos na prestação de serviço público, denominados bens depreciáveis, ou seja, aqueles cuja vida útil é menor que o prazo do contrato de concessão. Também estes têm seu custo deduzido na política tarifária aplicada pela concessionária. Mais uma vez cita-se o escólio de Marçal Justen Filho para esclarecer o assunto:
"Ao longo do prazo de concessão, a amortização dos bens faz-se segundo o método do custo histórico. Ou seja, o modelo tradicional adotado para a composição tarifária toma em vista o custo histórico dos bens aplicados ao serviço concedido, de modo a diluir esse custo ao longo do tempo de vida útil deles".
É sabido e ressabido que o poder concedente, com concessões cujos prazos estejam vencidos, inclusive as que não possuam instrumento que as formalize, devem retomar os serviços, os quais poderão ser prestados por órgão ou entidade do poder concedente, ou delegado a terceiros, mediante novo contrato. Nesses casos, os possíveis direitos a ressarcimentos estão previstos na própria legislação federal normatizando a forma de como isso se procederá. No entanto, possíveis indenizações não podem ser obstáculos para a imediata retomada dos serviços pelo poder concedente, pois impossibilita ao Município o pleno exercício da competência prevista nas referidas normas legais.
Ministro Herman Benjamin, medida cautelar nº 13.343-SC – "Numa palavra, não me parece razoável, com a devida vênia, privilegiar-se o direito da concessionária a indenizar, como se o bem afetado ao serviço público fosse uma espécie de garantia e não o instrumento para o cumprimento das finalidades essenciais do Estado".
O procedimento para cálculo de eventual indenização é moroso, pois se trata do levantamento mais amplo e retroativo possível dos elementos físicos constituintes da infra-estrutura de bens reversíveis e dos dados financeiros contábeis e comerciais relativos à prestação dos serviços, em dimensão necessária e suficiente para a realização do cálculo de eventual indenização relativa aos investimentos ainda não amortizados pelas receitas emergentes da concessão, observadas as disposições legais e contratuais que regulavam a prestação do serviço ou a ela aplicáveis nos 20 (vinte) anos anteriores ao da publicação da lei. Logo, o poder concedente, titular absoluto desses serviços, deve tomar tais providências imediatamente, sob pena de responder por omissão e conseqüentemente sofrer as penalidades cabíveis. Vale ressaltar que o procedimento previsto no artigo 42 veio dar ares de legalidade, mesmo que de forma precária, àquelas concessões vencidas, em benefícios às concessionárias estatais, que estão com os dias contados, caso não cumpram com as exigências das Leis 11.445/07 e 8.987/95, bem como àquelas impostas pelo poder concedente. Caso não ocorra um acordo entre poder concedente e concessionária e não ocorra o cumprimento destas condicionantes, a retomada dos serviços deve ser imediata e o cálculo da indenização de investimentos apurados na forma prevista no § 4º do artigo 42, sendo que o pagamento de eventual indenização deverá ser feito na forma prevista no § 5º do artigo 42, posteriormente à retomada do serviço.É bom frisar que o direito à indenização da concessionária não pode ser obstáculo para a imediata retomada dos serviços pelo poder concedente, conforme entendimento já consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça:
Presidente do TJ/RO Des.ª Zelite Andrade Carneiro, suspensão de liminar nº 200.000.2008.002070-4 / RO – " Na espécie o requerente entende que tais lesões se sobrepõem a liminar concedida em 1º Grau a qual suspende a Concorrência Pública nº 003/CELM/2007 do Município de Rolim de Moura. De fato, a suspensão da ocorrência ordenada pelo magistrado a quo fere, ao menos em princípio, a ordem pública administrativa, pois obsta que a Municipalidade tome providências urgentes tendentes a solucionar o grave problema relativo ao saneamento básico do Município de Rolim de Moura. Cumpre ressaltar que a concessão de Serviços de Saneamento de Águas e Esgotos Sanitários de todo o Município, por si só, dispensa demonstração de relevância do interesse público envolvido. Não se pode olivar, mesmo, em tese, que a liminar impugnada põe em risco o fornecimento regular de serviço público essencial, cuja falta ou mau funcionamento comprometem a saúde pública....
... a permanência da CAERD frente à prestação dos serviços, e a suspensão da licitação pelo Juízo, certamente causa dano irreparável e grave lesão à ordem pública, uma vez que a concessionária se encontra em condição de clandestinidade por ausência de qualquer forma de contratação".
Ministro Edson Vidigal,agrg na ss 1307 / PR agravo regimental na suspensão de segurança 2003/0232353-2:– "Extinto o contrato de concessão - destinado ao abastecimento de água e esgoto do Município -, por decurso do prazo de vigência, cabe ao Poder Público a retomada imediata da prestação do serviço, até a realização de nova licitação, a fim de assegurar a plena observância do princípio da continuidade do serviço público (Lei nº 8.987/95). A efetividade do direito à indenização da concessionária, caso devida, deve ser garantida nas vias ordinárias".
Ministro Edson Vidigal:– "Ao impedir a municipalidade, como poder concedente que é, de reassumir tais serviços, após o decurso do prazo contratual, a liminar concedida em primeiro grau tem o potencial de causar grave lesão à ordem pública, nesta compreendida a administrativa, porquanto impossibilita ao Município o pleno exercício da competência prevista nas normas de regência legal e constitucional (CF, art. 175), qual seja: a prestação e a manutenção de serviço público essencial e indispensável à qualidade de vida da população".
Ministro Barros Monteiro,agrg na sls 165 / SP agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença 2005/0131681-0: – "Sendo o ente público municipal o detentor atual da posse das instalações, a alteração do quadro processual, a esta altura, com o restabelecimento da posse em favor da sociedade de economia mista é suscetível de causar um dano ainda maior, tanto aos cofres públicos, como à própria população, além de provocar evidente insegurança jurídica".
Ministro Barros Monteiro,agrg na sls 802 / SP agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença 2007/0294659-5: – "Lesão à ordem e à saúde públicas configurada, pois, em primeiro lugar, impede a municipalidade de exercer plenamente a sua condição de poder concedente. Demais, a devolução da exploração das atividades à empresa concessionária poderá ocasionar dano maior, tanto aos cofres públicos como à própria população, além de provocar evidente insegurança jurídica".
Ministro Nilson Naves,agrg na ss 1021 / SC agravo regimental na suspensão de segurança 2002/0023198-5 – "Houve ocorrência de lesão à ordem e à saúde públicas (art. 4º da Lei nº 4.348/64), visto que a municipalidade, por força de liminar, ficou impossibilitada de exercer plenamente sua condição de poder concedente. - A concessionária possui, nas vias ordinárias, meios eficazes de garantir eventual indenização".
Ministro Nilson Naves, agrg na ss 1072 / GO agravo regimental na suspensão de segurança 2002/0075640-3 – "A decisão suspensa, ao impedir que a municipalidade exerça, em sua plenitude, o direito consagrado por norma legal e constitucional como poder concedente que é, possui potencial suficiente para causar grave lesão à economia e à ordem públicas".
Assim, cabe aos alcaides de cada município, titular destes serviços, atuar de forma incisiva e enérgica para garantia dos direitos de seus governados, para o cumprimento das diretrizes impostas pela Lei 11.445/07, bem como não se omitirem a regularizar, regulamentar e normalizar tais serviços, em benefício de toda a coletividade.
Buscando a referida regularização, o poder concedente não pode prorrogar contratos, celebrar convênios, termos de parceria, contratos de programas, acordos de qualquer natureza precária com terceiros, estranhos à sua administração direta ou indireta.
Lei 11.445/07 - Art. 10: A prestação de serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante convênios, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.
Art. 11- São condições de validade dos contratos que tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico:
IV - a realização prévia de audiência e de consulta públicas sobre o edital de licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato.
4.Os contratos e suas possíveis prorrogações
A necessidade de licitação para a concessão de serviço público, mesmo tratando-se de sociedade de economia mista, é imperioso.
As teses levantadas a respeito da inexigibilidade de processo licitatório, quando se trata de empresa de economia mista a quem será outorgada a concessão ou permissão, dado sua natureza jurídica, envereda na discussão sobre serviço público, titularidade, essencialidade, delegação e competência.
Muito se tem visto das empresas de sociedade de economia mista, com administração pública, alheiasà órbita do concedente, principalmente aquelas que exploram serviços de saneamento básico, defender didaticamente que os serviços públicos podem ser prestados pela Administração Pública, diretamente, como atividade que lhe é essencial; ou por terceiros que se disponham a prestá-los mediante paga e submissão a regras previamente estabelecidas, e à fiscalização por parte do poder público. Por estarem integradas às administrações públicas indireta, criadas com fim específico de saneamento básico, as Sociedades de Economia Mista defendem que sua relação jurídica empreendida entre com o titular do serviço público merece trato diferenciado e que dentro do quadro desenhado, os interesses comuns entre as partes permite ignorar a existência de competência concorrente. Também, é imperioso reconhecer a franca possibilidade do alargamento da competência de um em prejuízo da de outro. Tal circunstância, de acordo com estas sociedades de economia mista, geraria uma diferenciação no contrato de concessão firmado entre o titular do serviço público, (art.30, V da CF) e a concessionária, distinguindo-se a chamada concessão propriamente dita da concessão imprópria. O cerne da diferenciação entre este tipo de concessão denominada imprópria e a propriamente dita, é a ausência de interesses distintos entre a concedente e a concessionária, já que ambos são integrantes da Administração Pública, quer direta ou indireta.
Não é outra a visão da doutrina dominante sobre o tema, conforme transcrito:
Marçal Justen Filho,"Existe concessão-descentralização, onde a pessoa política titular da competência para prestar o serviço não aliena de si o poder de controle sobre a prestação. Atribui o serviço a ente integrante da Administração Indireta (autárquica ou não), sob o controle e tutela seus. Não há transferência de gestão do serviço para a órbita alheia, nem existem interesses distintos de concedente e concessionários, como sujeito com interesses próprios. A prestação do serviço não é retirada da órbita administrativa do sujeito que é titular para sua prestação."
Para a dispensa de licitação visando a concessão do serviço público, necessário se faz que o ente titular do Poder Concedente e o ente da Administração Pública indireta, sejam da mesma esfera da do titular do serviço público. A prestação do serviço público não pode ser retirada da órbita administrativa do sujeito que é titular.
Assim, é irrefutável que a titularidade é do Município, e exclusiva dele, não podendo ser delegada, ou transferida, ou repartida pela concessionária, nem mesmo quando esta é integrante da Administração Pública indireta, quer sendo pertencentes à mesma órbita de competência do titular do serviço público ou não.
Tanto é assim que, Celso Antonio Bandeira de Mello, em consulta formulada pela Associação Brasileira das Concessionárias de Serviços Públicos de Água e Esgoto – ABCON a respeito da necessidade do poder concedente em realizar licitação (Municípios podem contratar diretamente, isto é, com dispensa de licitação, entidade governamental estadual prestadora de serviços públicos de água e esgoto? O art. 24, VIII, da Lei nº 8.666, de 21.05.93, alterada pela lei nº 8.883, de 08.06.94, autoriza tal entendimento?), exara a seguinte conclusão:
Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, OAB-SP nº. 11.199, Titular da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São Paulo. - "Os serviços públicos de abastecimento de água tratada e esgotamento sanitário, em seu âmbito territorial, são de titularidade e competência exclusiva dos municípios, (CF/88 - art. 30, V). Desta forma cabe a eles decidirem discricionariamente se irão prestá-los diretamente, através de seu corpo administrativo, podendo nesta opção criar autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista, porém sempre pertencente a sua órbita governamental, ou se os referidos serviços serão delegados terceiros, estranhos a sua administração direta ou indireta, sempre através de licitação pública.
Neste último caso, posto que a atividade em apreço será exercida por alguém que não possui titulação própria para desempenhar o serviço, este alguém não terá outra qualificação de direito para pretender assumir o exercício de tal serviço, senão à de interessado em travar negócios com a entidade pública titular do serviço que esteja desejosa de vincular-se com terceiros em relações suscetíveis de produzirem proveitos econômicos para a contraparte.
O Poder Público tem o dever jurídico inescusável de tratar com igualdade quaisquer sujeitos de direito que queiram e possam se candidatar ao travamento de vínculos negociais com ele, maiormente se tais vínculos ensejam, como é natural, a captação de proveito econômico. Pois bem, a busca do cumprimento deste dever de isonomia, como se sabe, efetua-se mediante licitação, instituto este cuja finalidade é, nos termos da lei própria (art. 3° da lei n° 8.666, de 21.06.93, modificada pela lei n° 8.883, de 08.06.94), precisamente o de assegurar, de um lado, tratamento isonômico aos interessados e de outro proporcionar ao promotor do certame a realização do negócio mais vantajoso.
A lei n° 8.987 de 13.12.95, que é diploma posterior e específico de concessões de serviço público, pressupõe, como resulta notadamente do parágrafo único de seu art. 17, que a prestação de tais serviços, quando pretendida por entidades estatais alheias à órbita da concedente, depende de disputa efetuada na intimidade do competente procedimento licitatório.
As observações feitas, absolutamente curiais, despertam, todavia, atenção para um tópico que se constitui no próprio cerne da Consulta; qual seja: mesmo que o possível interessado em obter concessão de serviço público seja entidade estatal, nem por isto ficará liberado de disputá-la em licitação aberta para tal fim, amenos que pertença à própria órbita administrativa do eventual concedente.
Com efeito, a entidade estatal alheia à órbita administrativa da concedente, não se encartando, pois, na esfera onde reside à titularidade do serviço, só pode pretender exercê-lo com o propósito de captar proveito econômico na exploração de tal atividade ou (admita-se, ao menos para argumentar) com o despreendido intento de ofertar uma colaboração graciosa a outro Poder Público.
Municípios não podem contratar diretamente, isto é, com dispensa de licitação, entidade governamental estadual prestadora de serviços públicos de água e esgoto, porque a lei n° 8.987 I de 13.12.95, que é diploma posterior e específico de concessões de serviço público, pressupõe, como resulta notadamente do parágrafo único de seu art. 17, que a prestação de tais serviços, quando pretendida por entidades estatais alheias à órbita da concedente, depende de disputa efetuada na intimidade do competente procedimento licitatório".
Ainda a respeito da prorrogação, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, na ADIN 3.521-5 Paraná, firmou entendimento de que a prorrogação das concessões na forma prevista no artigo 42 da Lei 8.987/95 até o ano de 2010, fere o artigo 175 da Constituição Federal, sendo, portanto, inconstitucional. Vejamos:
ADI 3521 / PR - PARANÁ
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. EROS GRAU
Ementa
Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 42 e 43 da lei complementar
n. 94/02, do Estado do Paraná. Delegação da prestação de serviços públicos.
Concessão de serviço público. Regulação e fiscalização por agência de
"serviços públicos delegados de infra-estrutura". Manutenção de
"outorgas vencidas e/ou com caráter precário" ou que estiverem em
vigor por prazo indeterminado. Violação do disposto nos artigos 37, inciso XXI;
e 175, caput e parágrafo único, incisos i e IV, da Constituição do Brasil.1.
O artigo 42 da lei complementar estadual afirma a continuidade das delegações
de prestação de serviços públicos praticadas ao tempo da instituição da
agência, bem assim sua competência para regulá-las e fiscalizá-las. Preservação
da continuidade da prestação dos serviços públicos. Hipótese de não violação de
preceitos constitucionais. 2. O artigo 43, acrescentado à LC 94 pela LC 95,
autoriza a manutenção, até 2.008, de "outorgas vencidas, com caráter
precário" ou que estiverem em vigor com prazo indeterminado. Permite,
ainda que essa prestação se dê em condições irregulares, a manutenção do
vínculo estabelecido entre as empresas que atualmente a ela prestam serviços
públicos e a Administração estadual. Aponta como fundamento das prorrogações o
§ 2º do artigo 42 da Lei federal n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1.995. Sucede
que a reprodução do texto da lei federal, mesmo que fiel, não afasta a afronta
à Constituição do Brasil. 3. O texto do artigo 43 da LC 94 colide com o
preceito veiculado pelo artigo 175, caput, da CF/88 - "incumbe ao poder
público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos". 4. Não há
respaldo constitucional que justifique a prorrogação desses atos
administrativos além do prazo razoável para a realização dos devidos
procedimentos licitatórios. Segurança jurídica não pode ser confundida com conservação
do ilícito. 5. Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar
inconstitucional o artigo 43 da LC 94/02 do Estado do Paraná.
Decisão:
O Tribunal, por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade do artigo 43 da Lei Complementar nº 94, de 23de julho de 2002, do Estado do Paraná, nos termos do voto do Relator, vencido, em parte, o Senhor Ministro Marco Aurélio, que dava interpretação conforme ao dispositivo contido no artigo 42 da mesma lei complementar. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Não votou o Senhor Ministro Cezar Peluso por não ter assistido ao relatório. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Celso de Mello e Carlos Britto. Falou pelo amicus curiae o Dr. Alexandre Pasqualini. Plenário, 28.09.2006.
Doutrina:
JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de serviços públicos - Comentários às Leis ns. 8.987 e 9.074, de 1995. Dialética, 1997. p. 370, 372.
Conclusão
Os questionamentos apontados na abertura do presente trabalho podem ser assim respondidos:
1.Os procedimentos que deverão ser adotados por municípios cujos serviços públicos de água e esgoto estejam sendo prestados por entidades governamentais estaduais, criadas para tal fim e cujos contratos de concessão estejam com prazo vencidos ou as que estejam em vigor por prazo indeterminado, inclusive aquelas que não possuam instrumento que as formalize, são:
ØCumprimento ao disposto no artigo 42 da lei federal nº 8.987/95 objetivando a retomada dos serviços por parte do município e definição discricionária do alcaide em prestá-los diretamente, ou delegá-lo a terceiro por meio de concessão, sempre através de procedimento licitatório, indispensável para a delegação destes serviços;
ØElaboração do plano de saneamento básico;
ØRealização de estudo comprovando a viabilidade técnica eeconômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços;
ØImplantação de normas de regulação que prevejam os meios para cumprimento das diretrizes da Lei 11.445, incluindo a designação da entidade de regulação e de fiscalização;
ØRealização de prévia audiência e de consulta pública sobre eventual edital de licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato.
2.Municípios não podem contratar diretamente, isto é, com dispensa de licitação, empresas privadas ou entidade governamental estadual prestadora de serviços públicos de água e esgoto, sendo vedada também, a sua disciplina mediante convênios. Fica vedada a prorrogação das concessões de caráter precário com prazo vencido e que estiverem em vigor por prazo indeterminado, inclusive aquelas que não possuem instrumento que as formalize.
3. O procedimento para cálculo de uma eventual indenização será feito a partir do levantamento dos elementos físicos que compõem os bens reversíveis e dos dados financeiros, contábeis e comerciais referentes à prestação dos serviços, relativo aos investimentos ainda não amortizados pelas receitas da concessão desde fevereiro de 1997. Para o pagamento, caso não ocorra um acordo entre as partes, a quitação de eventual indenização será realizada na forma prevista no § 5º do artigo 42 da lei nº 8.987/95, posteriormente à retomada do serviço.Repisamos que o direito à indenização da concessionária não pode ser obstáculo para a imediata retomada dos serviços pelo poder concedente. A indenização da concessionária, caso devida, deve ser garantida em vias ordinárias.
Referência
RIBEIRO, Jefferson Renato Teixeira. Curitiba: Serenco Serviços de Engenharia Consultiva Ltda. Engenheiro Civil Sênior - Consultor da Fundação Getúlio Vargas. Especialidade em projetos de Abastecimento de Água, Esgotamento Sanitário e Drenagem Urbana.
SOARES, Fabiano Elias. Itapema: Soares & Alexandre Advogados Associados. Advogado - Especialidade em concessões, permissões e contratos públicos.
SCORSIM, Ericson Meister. Consultor Jurídico – www.conjur.com.br. Advogado especialista em Direito do Estado.
BREVE, Nelson. ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – www.abes-sc.org.br.