Discussões Sobre Modelos de Integração Econômica

Por Sérgio Santos | 02/04/2017 | História

Introdução 

Segundo Giovanni Arrighi, no livro “O Longo Século XX”, um país dominante exerce uma função hegemônica quando lidera um sistema de nações numa direção que lhe convém e é percebido como buscando o interesse comum. Essa atitude é acompanhada de um discurso liberal, porem, distinguindo-se da prática do seu próprio comércio. 

Nesses últimos 50 anos tem ocorrido uma enorme proliferação de acordos regionais devido às demandas geopolíticas e econômicas. Estima-se que cerca de 60% do comércio mundial ocorre dentro de acordos de livre comércio e a constituição de blocos é compatível com o progresso das negociações multilaterais. 

Assim sendo, os estados nacionais negociam acordos e impõem ou retiram tarifas, subsídios e barreiras não tarifárias, representando com isso, os interesses privados de seus países. Sua atuação se deve, em grande parte, ao crescimento do espaço ocupado pelas empresas transnacionais, que atualmente são líderes no processo econômico mundial. 

Abertura Geral de Mercado 

Há evidentes benefícios na abertura geral dos mercados. Escalas maiores e eliminação de tributos certamente propiciam uma redução nos preços internacionais tanto em países pobres como ricos. No entanto, é preciso examinar a afirmação de que as políticas de abertura efetuadas por países periféricos tenham o crescimento econômico garantido. 

Os países asiáticos sempre foram usados como símbolos de sucesso. Eles direcionaram sua produção para o setor exportador, mas as políticas liberais não foram as únicas. Na Coreia do Sul, o governo interveio na economia indicando os setores e dando proteção determinada, devido ao pouco tempo que tinham para se tornarem competitivos.  Somente depois dessas medidas,  a Coreia do Sul abriu a sua economia. Apenas Singapura e Hong-Kong (enquanto ex-colônia britânica) cresceram com a abertura comercial, devido a sua configuração geopolítica atípica. Os 6 países asiáticos (Coreia do Sul, Malásia, Filipinas, Indonésia, Taiwan e Singapura) exportam atualmente 44% do seu PIB anual conjunto (USD 3,6 trilhões) 

O NAFTA (North American Free Trade Agreement), por exemplo, é um bloco regional consistente e sinérgico cujo modelo de integração criou uma zona de livre comércio de taxas reduzidas com um conjunto de regras de serviços, investimento, normas trabalhistas e ambientais, mantendo barreiras comerciais à entrada de produtos de outros países. A parceria entre EUA e Canadá é fortemente complementar e a aliança mexicana é histórica e de conteúdo político, fornecendo mão-de-obra barata, além de tornar cativo o seu mercado consumidor. 

A integração da Europa Ocidental mediante a criação da União Européia  em uma união aduaneira e na integração do sistema financeiro com uma moeda única assinalou o fim da velha Europa construída em torno da França, Alemanha e Itália. Mas as enormes diferenças em termos de desenvolvimento econômico e social representaram desafios institucionais e políticos, sobretudo a sua expansão para o leste europeu. 

O desenho da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), como um padrão de integração do continente americano, previa um crescimento auto-sustentável e equitativo entre norte e sul. O projeto seria a criação de uma ampla zona de livre comércio no continente com taxas reduzidas entre os 34 países signatários, se estendendo do Alasca à Terra do Fogo, englobando as áreas do NAFTA, na (América do Norte), e do Mercosul, na (América do Sul). O bloco representaria um PIB de mais de US$ 20 trilhões, reunindo uma população de aproximadamente 850 milhões de pessoas. 

A ALCA representaria um grande queda de barreiras tarifárias nos países do continente comparando com as tarifas americanas, já que os EUA têm tarifas baixas em relação ao resto do mundo, ou seja, já são praticamente abertos, mas não haviam garantias que os americanos não continuarão a usar seu poder de pressão para impor outros tipos de barreiras como as não-tarifárias. 

O projeto foi recusado pela maioria dos governos latino-americanos quando foi realizada a 4º Cúpula das Américas, sendo praticamente "engavetada", em novembro de 2005, em Mar del Plata, pois não havia nenhuma contrapartida dos EUA (como foi feito pela Alemanha e pela França na criação da CEU aos “primos pobres europeus”) para aqueles países que estariam em baixos níveis de desenvolvimento. 

O Mercosul, consolidado na aliança Brasil – Argentina, definiu uma união aduaneira de tarifas comuns, reduzindo a tarifa média de 50%, em 1990, para algo em torno de 0% a 20%, atualmente. A redução das tarifas de importação de produtos americanos e um custo de produção (custo país) maior no Brasil e na Argentina poderia (no caso do Alca) direcionar parte importante dos investimentos diretos para os EUA, inibindo fortemente o crescimento da base de produção local. 

As regras do Mercosul visam a proteger determinados setores de importações consideradas prejudiciais à indústria local. Atualmente, a tarifa de importação média aplicada para produtos de países de fora do Mercosul é de 13%. De acordo com os mecanismos de proteção, os sócios podem elevar a tarifa para até 35%, que é a tarifa máxima permitida pela Organização Mundial de Comércio. 

Diplomacia Comercial: O Amigo Não Confiável 

Com o fim da guerra fria, a lógica passou da conquista dos países pela conquista dos mercados. Em 1971, a frase mais intrigante da diplomacia comercial americana foi “para onde for o Brasil também terá de ir a América Latina”. Três décadas mais tarde a afirmação já é outra: “O Mercosul é feito por pessoas que não crêem em livre comércio”.  Na lógica da escola diplomática americana, o Brasil seria sempre o “amigo inconfiável”, em contraposição à “inimizade confiável” da Argentina. Isso porque os EUA jamais compreenderam a aproximação do Brasil com os países árabes, as relações com a China e a aproximação com outros países industrializados. 

O Brasil sempre foi amigo dos EUA desde que os americanos declararam o hemisfério ocidental livre da influência europeia, apesar dessa amizade sempre ter sido mais retórica do que prática. Com relação à Argentina, as diferenças com os EUA chegaram a um ponto em que, na II Guerra Mundial, o governo argentino se recusou a mandar tropas aliadas e a cortar o fornecimento de carne e trigo aos países do Eixo. Essas atitudes acabaram retardando sua admissão na ONU, entidade que distinguiu o Brasil com o discurso anual de abertura na Assembleia Geral. 

No governo Ménen (1989-1999), o isolacionismo argentino mudou ao instituir as “relações carnais” com os EUA. Seu realismo defendia que a Argentina tem de se apoiar nos EUA para se desenvolver, tendo em vista que, nos últimos quarenta anos, a Argentina só se prejudicou enquanto que o Brasil tirou vantagens em sua relação especial com Washington. Além disso, existe também a questão chilena que tem a Argentina como a principal rival na América Latina. Nos anos 90, o Chile,  ao adquirir aviões de combate de última geração, incentivou, desnecessariamente, uma corrida armamentista na região. O interesse dos chilenos por aviões europeus em detrimento aos de empresas americanas foi uma represália aos EUA por feito promessas ao Chile de incluí-lo no NAFTA e não a cumpriram. 

A verdade é que tanto a Argentina como o Brasil possuem um sentimento de inconformidade sobre a liderança na região. Por isso, nos anos 90, ela atrelou a sua moeda à moeda americana, acreditando que essa aliança monetária poderia lhe ajudar a competir pela hegemonia regional. No entanto, trocar o Mercosul por dádivas políticas americanas, como status preferencial, foi um mau negócio, já que, no papel de parceiro ideal, o Brasil é comprador dos seus  principais produtos mantendo uma balança comercial deficitária, enquanto que os EUA compram menos da Argentina do que o Estado de São Paulo. 

Tanto o Brasil como a Argentina têm visões estratégicas diferentes, no entanto, em ambas escolas diplomáticas foi visto com estranheza algumas atitudes vindas de Wasghinton. A leitura foi de que seriam tentativas do governo americano de dividir o cone sul, uma vez que  a expansão do Mercosul é uma ameaça à liderança e aos negócios das transnacionais norte-americanas na região. 

União das Américas 

A proposta americana de construir uma área de livre comércio nas américas avançou em aspectos técnicos, mas não no campo político. O fast track – autorização do Congresso norte-americano para que o executivo negocie  acordos comerciais –  era  o elemento fundamental para o futuro da integração do hemisfério. Contudo, os americanos demonstraram postura conservadora no que se refere a negociações de acordos comerciais, devido à possibilidade de empresas americanas migrarem para países com sistemas mais tolerantes em relação a questões ambientais e trabalhistas, gerando impactos negativos em seu mercado de trabalho. 

Caso a competitividade da indústria brasileira não esteja consolidada, a formação dessa união poderia trazer conseqüências negativas para a balança comercial brasileira, com a invasão de produtos norte-americanos no Brasil e fazer com que o país perca seus principais parceiros na América Latina e, até mesmo, o desaparecimento do próprio Mercosul. Por isso, o Brasil exigiu o compromisso do single undertaking (em que todas as decisões serão tomadas por consenso entre os 34 países signatários e que nada entrará em vigor antes que tudo esteja acertado, seguindo as normas da Organização Mundial do Comércio),  gerando a necessidade do atraso para ganhar tempo capacitando sua indústria para a competição. 

Entre os principais países do continente americano  (EUA, Brasil, México e Argentina) cada um deixa claro as posições que defende. O governo americano deseja uma união continental mesmo sem obtenção do fast track, contando com a fragilidade econômica do continente. 

O Brasil, ao contrário da Argentina, nunca defendeu abertamente um modelo semelhante a ALCA, por entender que é necessário tempo suficiente para as economias da região se prepararem para a competição com a economia americana e por considerar que as posições americanas não dão garantias de maior acesso aos produtos agrícolas do Mercosul. 

O México já está integrado aos EUA pelo NAFTA.   A Argentina possui uma posição dúbia, no entanto concorda com uma decisão conjunta com os países do Mercosul.  Quanto aos outros países, estes têm mostrado uma forte timidez nas discussões, aguardando uma definição nas negociações com os EUA sobre o modelo de liberalização, através da OMC. 

Na mesa de negociações existem quatro pontos principais em relação ao comércio dos países do continente com o governo americano de uma integração econômica: 

  • Melhores condições de acesso ao setor agrícola,
  • Redução ou eliminação do apoio interno aos produtos industriais,
  • Eliminação dos subsídios às exportações e
  • Garantias de que as medidas sanitárias e fitossanitárias não serão usadas como barreiras não-tarifárias. 

Os Brics 

O termo BRICS surgiu em 2001, em um artigo publicado por Jim O’Neil, economista do Goldman Sachs, que defendeu a ideia de que Brasil, Rússia, Índia e China (ainda não se referia a  África do Sul) seriam as economias do futuro, devido ao  forte crescimento econômico à época, por suas grandes populações, área territorial e pelo poder aquisitivo que dinamizavam os respectivos mercados internos. 

A partir de 2006, o termo passou a ter significado prático, uma vez que ministros das relações exteriores e de comércio exterior dos quatro países realizaram a primeira reunião formal e, mostraram ao mundo que poderiam formar uma nova coalizão de forças em oposição ao modelo econômico mundial. 

Em 2009, na Rússia, pela primeira vez os chefes de Estado de Brasil, Rússia, Índia e China se reuniram e realizaram a chamada Primeira Reunião de Cúpula dos BRICS, e, desde então, têm realizado encontros anuais. Em 2010, a África do Sul aderiu ao bloco e o grupo passou a se chamar BRICS. 

Apesar das divergências devido a heterogeneidade do grupo, o Brasil exporta 24% para os países dos Brics (somente a China importa 84%, desse montante). O Mercosul que já atingiu 20% das nossas exportações estão em torno de 15%. Os EUA já importaram 25% do Brasil tiveram uma sensível queda para cerca de 12% de nossos produtos. Esses três grupos (Mercosul,  Brics e EUA) respondem por 51% das exportações brasileiras. 

Apesar do ufanismo de construir um novo polo de poder, ha aqueles que suspeitam do real interesse chinês de liderar  o grupo, inclusive no tocante em todas as decisões do banco que foi recentemente criado. 

Alguns acham que quando o termo foi criado, o cenário era mais favorável ao crescimento econômico  que atualmente, como também há os que apostam no fortalecimento do bloco e colocam suas fichas na sua ampliação numa forma de não-alinhamento aos países ricos podendo atrair novos países, na condição de novos membros, como Egito, Nigéria e Turquia. 

Em Conclusão 

Se cada país, pela dificuldade de coordenação continental, resolvesse procurar a melhor solução individual, provocaria um quadro de tensão que acabaria gerando uma situação muito pior para todos. Para um país como o Brasil, a abertura comercial é uma tendência inevitável mas a fragilidade de sua estrutura industrial exige uma estratégia que calibre a qualidade e a velocidade dessa abertura. 

A bandeira do livre comércio é hasteada pelos países desenvolvidos, como sendo de interesse universal, representando a chave para a prosperidade mundial. Há vários argumentos válidos, no entanto, contém ingenuidades quanto à natureza dos fluxos comerciais e à relação de forças entre economias mundiais, ou seja, são poucas as garantias de que os benefícios eventualmente gerados terão distribuição igualitária. 

Dessa forma, depois de tudo o que abordamos, podemos finalizar citando a Lei Justa de A Revolução dos Bichos, de George Orwell: “Todos  são iguais mas alguns são mais iguais do que os outros”.