Discurso, poder e a representação da realidade

Por ANA CRISTINA ROCHA SILVA | 10/05/2013 | História

Discurso, poder e a representação da realidade 

Ana Cristina Rocha Silva[1]

Por longo período, os estudos acerca da linguagem estiveram fortemente influenciados pelo positivismo linguístico. Sudatti (2007) faz compreender que tal corrente ideológica sustentava-se sobre uma concepção reducionista da língua e da sociedade. Onde a língua padrão era tida como um sistema abstrato desprovido de interesses entre classes e com funcionalidades iguais à todas elas. Opondo-se a essa concepção surge o Círculo de Bakhtin defendendo não ser possível aceitar a aplicação mecânica do conceito de superestrutura à língua. Para os pensadores do Círculo, a análise e compreensão de qualquer fenômeno, inclusive o linguístico, não pode desconsiderar o permanente movimento da realidade. A dialética presente na vida material é internalizada na enunciação. O movimento é corporificado pela língua natural, uma língua viva que, como a própria história, está sempre em movimento (SUDATTI, 2007. p.111). Assim, para o Círculo de Bakhtin, a palavra é portadora de conteúdo ideológico, uma vez que revela a posição dos sujeitos sobre a realidade sócio-histórica.  Discurso e ideologia estão, portanto, intimamente ligados.

 Roger Chartier (1988) – historiador que faz a leitura e releitura da história através da cultura – oferta sua contribuição ao debate e defende que as percepções sociais são discursos intencionais que produzem estratégias e práticas que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, ou seja, são construções de poder e de dominação. Para o autor, as percepções do social não são de forma alguma discursos neutros. São sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.

Peter Burke, na obra A Fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luís XIV, oferta magnífico estudo discutindo como o discurso implícito nas propagandas sobre o monarca vai imprimindo no imaginário popular a concepção de um rei dotado de poderes divinos. O autor apresenta uma série de instrumentos utilizados para representar a força, o poder e superioridade do Rei Sol. São iconografias, medalhas cunhadas para representar seus grandes feitos, tapeçarias, esculturas feitas em bronze, arcos de triunfo, peças teatrais onde o próprio rei atuava, óperas e outros. Ao analisar todas essas representações, Burke revela como a máquina da propaganda vai inventando a imagem de Luís XIV. Ensina assim, que os discursos são dotados de conteúdo ideológico capazes de direcionar as relações entre os homens na sociedade.

Pelo exposto, estar atento aos discursos é tarefa obrigatória não apenas ao historiador como a qualquer outro profissional das ciências humanas. Destacando a metalinguística de Mikhail Bakhtin, é imperioso que o pesquisador da área das humanidades se liberte de análises textuais centradas em aspectos linguísticos. Ao pesquisador dessa área é indispensável compreender os aspectos existentes por trás do texto. Para Bakhtin, as condições sócio históricas onde um texto é produzido podem revelar muito mais sobre ele do que as palavras nele contidas.

Referências

BURKE, Peter. A Fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988.

SUDATTI, Ariani Bueno. Dogmática jurídica e ideologia: o discurso ambiental sob as vozes de Mikhail Bbakhtin. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2007.



[1] Amapaense, natural de Serra do Navio. Graduada em História e Especialista em História da Amazônia pela Faculdade de Macapá (FAMA). Mestranda em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). É professora efetiva da rede pública de ensino do estado do Amapá. Na graduação e especialização desenvolveu pesquisas acerca o discurso de progresso do Governo Territorial amapaense acerca a implantação da Estrada de Ferro do Amapá (EFA). Atualmente, sua pesquisa de mestrado se volta para as políticas públicas de proteção e salvaguarda do patrimônio ambiental cultural arqueológico do estado do Amapá.

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