DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS...
Por Laura Rita Sousa Cardoso | 26/10/2016 | DireitoDIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS: UM ESTUDO COMPARADO COM O SISTEMA NORTE-AMERICANO DA TUTELA COLETIVA.
Laura Rita Sousa Cardoso [1]
Renara Castelo Branco de Mello [2]
RESUMO
Diante da complexidade das relações oriundas da modernidade, necessário se fez ampliar o rol de possibilidades de proteção das garantias constitucionais, ultrapassando-se o mero individualismo do direito de ação e atribuindo-lhe caráter coletivo. Dentre os direitos passíveis de tutela coletiva temos os difusos, coletivos e individuais homogêneos, guardando este último estrita relação com a class action for damage do direito norte-americano. O presente estudo visa assim, por meio do direito comparado, analisar o sistema da class action norte-america e a tutela coletiva exercida no Brasil, sinalizando as proximidades entre os sistemas e influências sofridas.
INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro diante da complexidade das relações interpessoais e principalmente da crescente ofensa a direitos amplos e coletivos possibilitou diversas formas de tutela coletiva dos direitos. O Código de Defesa do Consumidor em dialogo a Lei de Ação Civil Pública, definiu três situações nas quais se faz possível, sendo elas: direitos difusos, direitos coletivos, direitos individuais homogêneos.
Os últimos deles, os direitos individuais homogêneos, apresentam uma característica interessante, pois tratam em verdade de direitos com faceta individual, mas que por terem decorrido de um fato comum a determinadas pessoas, podem ser tutelados coletivamente. Depreende-se disso que tais direitos devem apresentar-se enquanto decorrentes de um fato comum, e ainda ser homogêneos, para que assim sejam passíveis de demanda coletiva.
Não muito distante dessa lógica, encontram-se as class action for damages, que em verdade são uma espécie da class action, que nada mais é o do que o modelo norte-americano de tutela coletiva. A class action, nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno (1996) consiste no procedimento no qual uma pessoa ou um pequeno grupo, desde que existente um interesse comum, passam a representar um grupo maior de pessoas. E a class action for damages é a espécie onde há predominância das questões comuns sobre as individuais, e ainda aquela onde a tutela coletiva se apresenta como meio mais adequado para solucionar a lide do que a resolução individual.
Assim, notória é a influência exercida pelo modelo norte-americano sobre o modelo brasileiro, a possibilidade de direitos individuais serem tutelados por uma coletividade por decorrem de um fato comum, nada mais é do que reflexo da class action for damages. No entanto, tais sistemas derivam de modelos jurídicos diferentes, sendo o modelo norte-americano regido pelo Common Law e o brasileiro pelo Civil Law, o que em si já denota haver diferenças entre ambos.
E é no âmbito das diferenças que serão abordadas as principais tais como à legitimidade da ação civil pública e a impossibilidade de ser exercida por uma pessoa física, enquanto na class action será normalmente proposta por pessoa física. E também a formação da coisa julgada nos dois sistemas, e a flexibilidade atribuída ao magistrado na class action para julgar a representatividade adequada.
Por fim, apresenta-se o critério da representatividade adequada como forma de estimular e moldar seu uso ao modelo brasileiro, uma vez que o mesmo garantiria o devido processo legal e o devido respeito às partes litigantes via representação.
- A “CLASS ACTION” NO DIREITO NORTE-AMERICANO
O sistema norte-americano da class action influenciou o modelo de tutela coletiva existente no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo-se necessário assim conhecer primeiramente esse sistema. Pelos ensinamentos de Cassio Scarpinella Bueno (1996) a class action pode ser definida como procedimento no qual uma pessoa ou um pequeno grupo, desde que existente um interesse comum, passam a representar um grupo maior de pessoas. Ressaltando ainda que para que isso seja possível, necessário se faz que a reunião de todas essas pessoas em um só processo seja insustentável.
A tutela coletiva norte americana é regulada Rule 23 do Federal Rules of Civil Procedure com a redação de 1966, que estabelece os pré-requisitos e regula a aplicação das class action no direito norte-americano. Segundo tradução dada ao art.23 (a) da Rule 23 pelo atual ministro Luis Roberto Barroso (2005), tem-se como pré-requisitos:
- número de pessoas envolvidas: a classe tem de ser numerosa, tornando impraticável a reunião de todos os seus membros; (2) questões comuns: a existência de questões de fato e de direito comuns a toda a classe; (3) teses jurídicas típicas: os argumentos deduzidos pelos representantes da classe devem corresponder (devem ‘ser típicos’) aos interesses de toda a classe; (4) representatividade adequada: os representantes da classe deverão proteger de maneira justa e adequada os interesses da classe (BARROSO, p.16, 2007)
O direito norte americano se ocupa mais de fatos do que de ficções legais, por tal motivo que foram criadas formas de controlar a representatividade adequada como meio a garantir aos demais que esta sendo representado o efetivo direito de terem suas pretensões ouvidas judicialmente, acredita assim que somente um membro do grupo deve ocupar a posição de representação dos demais. (GIDI, 2007 apud RICHTER, p.221, 2012). A Rule 23 (a) (4) trás como condição da class action a adequação da representação, ou seja, o representante deve ser adequando justamente por força do devido processo legal, uma vez que a sentença alcançará indivíduos que não estiveram presentes em juízo (RICHTER, p.222, 2012).
As class action admitem subdivisões em três modalidades diferentes, sendo a primeira delas a “hipótese em que a propositura de ações individuais poderia criar o risco de decisões contraditórias, ou afetar, prejudicar os interesses de outros membros da classe”. Ponto característico dessa modalidade é o fato dos membros não poderem proceder ao “opt out”, ou seja, não existe possibilidade de se ver excluído dos efeitos da decisão. (BARROSO, p.49, 2007). Essa modalidade esta prevista na Rule 23 (b) (1):
Uma ação pode desenvolver-se como class action desde que satisfeitos os pressupostos da alínea a, e, ainda, se: (1) o ajuizamento de ações separadas por ou em face de membros do grupo faça surgir risco de que: (A) as respectivas sentenças nelas proferidas imponham ao litigante contrário à classe comportamento antagônico; ou que (B) tais sentenças prejudiquem ou tornem extremamente difícil, a tutela dos direitos de parte dos membros da classe estranhos ao julgamento.
Uma segunda modalidade “relaciona-se com aquelas hipóteses em que a parte oposta à classe tenha atuado ou tenha se recusado a atuar de acordo com padrões geralmente aplicáveis a toda a classe”. (BUENO, p.7, 1996). Enuncia assim a Rule 23 (b) (2): “o litigante contrário à classe atuou ou recusou-se a atuar de modo uniforme perante todos os membros de classe, impondo-se um final injunctive relief ou um declaratoru relief em relação à classe globalmente considerada”. Ora, tratando-se de um ato ou uma omissão que fere os padrões de respeito a classe, o que espera-se é a ação ou desfazimento, ou seja, implica em uma obrigação de fazer ou não fazer.
A última modalidade diz respeito à class action for damages, que possuem como requisitos específicos admissibilidade (de acordo com a Rule 23, b, 3) a predominância das questões comuns e a superioridade da tutela por ação de classe. Ou seja, nessa modalidade os interesses comuns sobrepõem-se aos individuais e a ação de classe é o meio mais adequado para a tutela dos direitos. Pode ainda aqui o membro solicitar sua exclusão (direito ao opt out) expressamente, se não o fizer a decisão afetará a todos os membros. (BARROSO, p.50-52, 2007).
Para aferir o cumprimento desses requistos a Corte se vale de alguns fatores (não exaustivos) que devem ser considerados, sendo eles:
(i)análise de qual é o interesse dos membros da classe em proporem ou se defenderem em ações individuais; (ii) a extensão e a natureza dos litígios, já iniciados ou não, pelos sujeitos que poderiam dar ensejo à formação de uma class, ou em face dos mesmos; (iii) a conveniência de concentrar o litígio perante um só juízo, que seja apto para resolução da controvérsia, implicando que tal medida minimize a potencialidade de duplicação dos esforços (economia processual), bem como, a possibilidade de decisões contrárias (segurança jurídica); (iv) as dificuldade a ser administrada ou gerenciada a alçao na forma de class actions. (BUENO, p.9 , 1996)
É essa última modalidade que apresenta maior proximidade com o modelo brasileiro, exercendo forte influência na construção do Código de Defensa do Consumidor.
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A TUTELA COLETIVA NO DIREITO BRASILEIRO
Depois de esclarecida brevemente o sistema da class action, necessário se faz para continuidade da atividade comparativa que se apresente e explane o sistema brasileiro de tutela coletiva, pautando-se primordialmente no Código do Consumidor e no Código de Processo Civil.
A sociedade moderna é permeada pela complexidade, observa-se um grande número de violações a interesses coletivos, que ultrapassam a lógica tradicional do individualismo e intensificam a necessidade de propiciar o acesso à justiça para os grupos sociais e a coletividade. Assim sendo, a Constituição Federal de 1988 ampliou a noção de cidadania possibilitando ao cidadão que aja em defesa dos interesses coletivos por meio de corpos intermediários, tais como os sindicatos, associações e organizações civis, além do Ministério Público. (BORBA, 2013)
O ordenamento jurídico pátrio ao tratar de tutela coletiva elenca três situações nas quais se faz possível, sendo elas: direitos difusos, direitos coletivos, direitos individuais homogêneos. O presente tópico pretende esclarecer cada uma dessas situações, à exemplo do que faz Luis Roberto Barroso (2007):
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