DIREITOS HUMANOS NA EUROPA
Por Helma Janny Barros Guimarães | 17/03/2017 | DireitoHelma Janny Barros Guimarães
Sumário: 1 Introdução. 2 Aspectos gerais do instituto premial da delação premiada. 3 Requisitos da delação premiada. 4 Benefícios da delação premiada. 5 Questões contrárias e favoráveis ao instituto. 6 Considerações finais. Referências.
RESUMO
O presente paper tem como propósito a compreensão e a análise do instrumento processual, reconhecido pela expressão Delação Premiada, utilizado como uma espécie de ferramenta de combate ao Crime Organizado, onde é oferecido um benefício, material ou processual, para aquele que, na condição de réu, colabora com a justiça informando detalhes sobre o ato típico e ilícito cometido. Inicia-se com um breve estudo conceituando o instituto e demonstrando visões diferenciadas. Em seguida, serão abordados os benefícios concedidos ao delator, e, ainda as questões controversas da delação premiada, com opiniões doutrinárias contra e a favor.
Palavras-chave: Delação premiada. Crime organizado. Conceito. Delator. Controvérsias.
1 INTRODUÇÃO
A realidade global moderna apresenta um panorama onde fica destacada uma onda delituosa organizada com feições cada vez mais complexas que se adentram na sociedade. O Crime organizado apresenta-se em constante mutação, e a todo o momento criam-se peculiaridades novas, o que torna cada vez mais difícil o acesso ao seu núcleo dificultando ou até mesmo impossibilitando uma tutela de resposta Estatal.Dentre os instrumentos faz presente à figura do instituto denominado como Delação Premiada, meio este, utilizado como forma de alcance probatório com a finalidade de reunir elementos decorrentes das Organizações Criminosas onde o colaborador auxilia os investigadores repassando o retrato claro do ambiente criminoso o qual integrava em troca de um benefício.
Cada vez mais a figura premial vem sendo utilizada em nosso meio jurídico, dentro dos processos e perquirições penais, tornando-se cada vez mais presente na realidade brasileira. Inserido no ordenamento pátrio pelo artigo 7º da Lei nº 8.072/1990, a figura premial surge como forma de auxilio ao combate do Crime Organizado.
Mesmo já recepcionada pelo ordenamento pátrio a Delação Premiada passa pelo crivo de parte da doutrina, que se posiciona de forma contrária a figura premial, havendo entre nossos doutrinadores a divergência no uso do instrumento a acerca da questão ética e moral em sua aplicação.
Não se pretende aqui esgotar de forma alguma a temática. Muito pelo contrário. Objetiva-se com o auxílio dos pontos de vista de renomados estudiosos, fomentar ainda mais a discussão acerca do intrigante e complexo tema a ser abordado.
2.ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO PREMIAL DA DELAÇÃO PREMIADA
Recentemente aplicado em casos de grande repercussão no país, o instituto da delação premiada, já conta com quarenta anos de uso, desde que foi instituído pela lei de crimes hediondos, mas desde muito cedo já havia resquícios de sua utilização no país, como por exemplo, na conjuração mineira, quando alguém teve a maliciosa ideia de se livrar de problemas financeiros delatando colegas (SANTOS, 2006; apud FONSECA 2008) e, consequentemente condenando-os à forca, e na conjuração baiana, quando um soldado foi delatado por um capitão e, também, a consequência das denúncias foi a morte em troca de favores e em prol de interesses.
Tratando-se de causa especial de diminuição da pena, o reconhecimento da delação premiada é tarefa exclusiva do Poder Judiciário, que há de reconhecê-la ou negá-la na terceira e última etapa de dosimetria da pena privativa de liberdade. A medida encontra origem no chamado “direito premial”, pois o Estado concede um prêmio ao criminoso arrependido que decide colaborar com a persecução penal. (MASSON, 2014).
De acordo com CORDEIRO (2010), não há duvidas de que o instituto da delação premiada vem sendo aplicado no Brasil e incentivado pelo poder Legislativo como forma de enfrentamento dos crimes mais socialmente danosos, gerando resultados positivos, possuindo então o apoio de Tribunais na sua aplicação e entendendo o beneplácito como direito subjetivo do réu, devendo ser aplicado se alcançados todos os pressupostos.
Em relação ao conceito do nome destinado ao instituto, conforme orienta NUCCI ( 2008, p.444):
Delatar significa acusar, denunciar ou revelar. Processualmente, somente tem sentido em delação quando alguém, admitindo a prática criminosa, revela que outra pessoa também ajudou de qualquer forma. Esse é um testemunho qualificado, feito pelo indicado ou acusado. Naturalmente, tem valor probatório, especialmente porque houve admissão de culpa pelo delator.
Já para SILVA ( 2009, P.42), a delação premiada, por ele chamada de colaboração premiada, pode ser conceituada como:
A colaboração processual é meio de obtenção de prova que ocupa importante função na tarefa de apurar a criminalidade organizada, porque ajuda a romper a “lei do silêncio” imposta às lideranças e aos membros em troca da concessão de benefícios e da proteção do colaborador ou dos seus familiares. Justifica-se na necessidade da produção da prova sobre fato que não seria conhecido peloemprego de outras formas de investigação. Sua finalidade básica é romper e desestruturar a hegemonia e a solidariedade instalada entre os membros do grupo criminoso.
O instituto em nosso ordenamento se faz presente inicialmente com o advento da Lei nº 8.072 de 25 de julho de 1990 que vem a criar a lei dos Crimes Hediondos. A partir deste marco surgem alguns efeitos decorrentes desta lei como a introdução do parágrafo 4º no artigo 159 do Código Penal. A Delação Premiada não é aplicada a todo e qualquer delito, sendo tratada em nosso ordenamento de forma difusa, ou seja, não está normatizada em apenas uma única lei havendo assim a existência de diversas figuras normativas que fazem referência em seu texto legal ao instituto premial.
A análise do instituto quanto a sua natureza jurídica gera uma dificultosa conceituação apresentando diversos entendimentos doutrinários em virtude dos variados aspectos os quais apresenta. A Delação Premiada se configura quando o colaborador confessa a participação e indica demais integrantes, diante desse contexto, seguindo essa premissa a doutrina tem reclinado apontando a Figura Premial como uma forma probatória de natureza testemunhal.
Nessa mesma vertente tem trabalhado o professor NUCCI (2008), onde discorre sobre o tema deferindo seu parecer no sentido de que a Delação Premiada é um meio de testemunho qualificado, feito pelo indiciado ou acusado. Naturalmente, tem valor probatório, especialmente porque houve admissão de culpa pelo delator. Já GRECO FILHO (2010), afirma que, na verdade, a confissão não é um meio de prova. É a própria prova, consiste no reconhecimento da autoria por parte do acusado. A confissão pode estar contida no interrogatório ou ser espontânea oferecida pelo acusado a qualquer tempo, caso em que será lavrado termo de ocorrência.
Alguns atribuem força incriminatória à delação, ao passo que outros a renegam, aceitando a valoração da delação como meio de prova apenas se ela estiver em sintonia com todo o conjunto probatório. ARANHA (2006, p.133) é um dos que admite a força incriminadora da delação premiada, desde que ela esteja “vestida”, isto é, seja compatível com o núcleo central acusatório. E acrescenta:
A acusação do co-réu não deve ser uma simples afirmação, antes precisa ser enquadrada numa narração completa. Efetivamente, não basta dizer que alguém tomou parte do crime, mas é necessário descrever a modalidade dessa participação, pois o pormenor pode revelar a veracidade ou a falsidade do que se narra.
Diversamente, MITTERMAYER (1996, p.195), adepto da doutrina que relega a força condenatória da delação premiada, ventila que:
O depoimento do cúmplice apresenta também graves dificuldades. Tem-se visto criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se esforçam em arrastar outros cidadãos para o abismo em que caem; outros denunciam cúmplices, aliás inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente tomaram parte no delito, ou para tornar o processo mais complicado, ou porque esperam obter tratamento menos gravosos, comprometendo pessoas em altas posições. (MITTERMAYER, 1996, p. 195).
Com isto, verifica-se que a valoração da declaração do co-réu delator é uma das questões mais controvertidas do procedimento probatório da criminalidade organizada. A par desta realidade, a delação suscita certo cuidado ao ser coligida como prova de força condenatória. O mais sensato é admiti-la como elemento essencial para a formação do livre convencimento do juiz se analisada em conjunto com todos os demais meios de prova (GREGHI, 2007).
Como já anteriormente mencionado, a delação premiada é tratada de forma esparsa no ordenamento jurídico, sendo oriunda de diversas fontes legais: o Código Penal Artigo 159, Parágrafo 4º, Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, com redação dada pela Lei nº 9.269 de 02 de abril de 1969, em seu texto legal prevê:
Art. – 159 Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço de resgate. Parágrafo 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.
A Lei dos Crimes Hediondos a Lei nº 8.072 de 25 de julho de 1990 artigo 8º parágrafo único dispõe em seu texto a seguinte redação:
Art. – 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único – O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.
Também a Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional a Lei nº 7.492 de 16 de junho de 1986 artigo 25 parágrafo 2º, incluído pela Lei nº 9.080 de 19 de julho de 1995, contempla a delação premiada e dispõe em seu texto a seguinte redação:
Art. 25 – São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes. Parágrafo 2º - Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de uma a dois terços.
As fontes legais mencionadas acima são apenas alguns dos muitos exemplos em que a delação premiada pode ser vislumbrada. O que faz perceber que o instituto apresenta-se de forma difusa constando em diversos regramentos que surgiram de forma sucessiva em nosso ordenamento.
3.REQUISITOS DA DELAÇÃO PREMIADA
- a) Colaboração espontânea:
É necessário inicialmente diferenciar o termo espontâneo da colocação voluntário. As terminologias espontânea e voluntária remetem a idéia de uma vontade livre sendo diferenciado no tocante a forma à qual decorre do agente. Dentro da voluntariedade admite-se que a idéia de prestar as informações possa emanar de forma diferente que não do próprio agente. Na forma espontânea, a vontade livre decorre do próprio agente sem influência externa. Nesta forma não há uma figura coercitiva que influencia na vontade do agente que presta a informação (SARMENTO, 2013). Seguindo o raciocínio, conclui-se a necessidade de que a contribuição seja de forma livre e sem influências como a coação, ou seja, o colaborador não pode ser forçado a prestar informações, em contrário, acarretando a consequência da prova obtida configurar como ilícita. Desse modo, excessos empregados para a obtenção da confissão e indicação da participação alheia na prática do crime resultarão da ilicitude da prova obtida.
A Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), em seu art. 5º, inc, LVI, veda a utilização da prova ilícita quando estabelece que: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. (VADE MECUM, 2014). Decorrente deste preceito, com ausência do elemento espontaneidade, estaria à prática em desrespeito as normas constitucionais afrontando o principio nela contido. Em consonância com a CRFB/88, o art. 157 do Código de Processo Penal em seu caput traz a seguinte previsão: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais” (VADE MECUM, 2013. P. 601).
Conclui-se, portanto que a colaboração deve originar da livre e íntima vontade do colaborador, devendo partir do próprio agente sem qualquer tipo de pressão externa sob pena de restar à prova obtida desprovida de valoração desta forma refletindo em todo o processo podendo restar em prejuízo à causa.
b)Relevância das declarações
As declarações do investigado ou réu terão que ostentar importância em relação ao fato objeto da investigação ou do processo, resultando das mesmas a possibilidade, por exemplo: de identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime; a localização da vítima; a recuperação total ou parcial do produto do crime. (GREGHI, 2007)
Em vista disso, deve-se buscar nas declarações do delator informações que de qualquer forma venham a contribuir com o interesse da Justiça, devendo ser vedada qualquer iniciativa de “acordo” que não vislumbre sinais de relevância em relação ao fato –como por exemplo, quando os dados prestados pelo co-réu já foram alcançados através de outros meios de obtenção de prova.
- c) Efetividade das informações
Auxilio efetivo é aquele caracterizado pela participação ativa do acusado na realização das diligências, na demonstração de um especial empenho pessoal no exitoso desdobramento das investigações. Trata-se de norma imperativa, atributiva de direito subjetivo ao réu, bastando seja demonstrada a sua efetiva participação, tanto no curso da investigação, quanto na fase de ação penal (SARMENTO, 2013). O atual elemento está atrelado ao fator onde não basta que o colaborador apenas forneça informações concernentes ao grupo criminoso, o agente delator deve estar em constante auxilio comparecendo ou acompanhando os atos tendentes ao caso.
- d) Personalidade do colaborador
Devem-se ponderar as informações fornecidas pelo agente delator com sua personalidade, onde o mesmo possui em seu âmago valores voltados à quebra de condutas morais e normativas. Sua declaração pode vir carregada de forte interesse pessoal considerar os motivos que levaram o agente a prestar a informação. NUCCI (2008, p. 144), em uma passagem de seu Manual ensina que: “nunca deve o magistrado deixar de atentar para os aspectos negativos da personalidade humana, pois não é impossível que alguém, odiando outrem, confesse um crime somente para envolver seu desafeto, que na realidade, é inocente.”
Deve se atentar ao fato de que o réu colaborador surge de uma realidade onde questões como honra, verdade, certo ou errado, não estão presentes em seu dia a dia. Vive ele sob a regra marginal onde a violência e a desonestidade estão presentes. Assim o magistrado deve pesar confrontando o afirmado pelo delator com os aspectos subjetivos decorrentes de sua personalidade.
4) BENEFÍCIOS DA DELAÇÃO PREMIADA
Como já explanado anteriormente, a Delação Premiada é utilizada como um mecanismo pela justiça no qual é oferecido um benefício, material ou processual, para aquele que, na condição de réu, colabora com a justiça informando detalhes sobre o ato típico e ilícito cometido. O ordenamento brasileiro prevê os benefícios decorrentes do mecanismo sob dois momentos sendo eles como causa de extinção de punibilidade ou causa de diminuição de pena. (SARMENTO, 2013)
Se o colaborador responder aos requisitos previstos em lei, apresentar a condição de primariedade, demonstrar aspectos subjetivos relacionados a personalidade, circunstância, gravidade e repercussão social do fato criminoso, a seu favor, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequência extinção da punibilidade ao acusado (BITTAR, 2011. p. 181)
Nos casos em que houver a condenação a penas restritiva de liberdade, desde que cobertos os requisitos legais, deve ser aplicada a redução na nas proporções de 1 (um) a 2/3 (dois terços) sobre a pena aplicada. Ainda duas outras hipóteses figuram entre as benesses decorrentes da delação correspondendo ao cumprimento da pena em regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito. A primeira está ligada a redução auferida ao colaborador onde, preenchidos os requisitos, poderá o colaborador ser beneficiado com a progressão de regime cumprindo a pena em regime aberto (SARMENTO, 2013).
Há que se frisar que o delator não fica imune a regressão de regime caso venha a descumprir os elementos exigidos em lei para tal. Tendo diferente da hipótese do perdão judicial e tendo agido o colaborador com parte dos requisitos necessários poderá o réu fazer gozo da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito.
5 QUESTÕES CONTRÁRIAS E FAVORÁVEIS AO INSTITUTO
Segundo a ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura (2006 apud FERNANDES 2009) a Delação Premiada, prevista em diversas leis brasileiras, não atende a exigências éticas, requisito cuja presença é essencial ao ordenamento jurídico e deve orientar a totalidade das ações do Estado e dos agentes. Várias questões conduzem o entendimento de parte da doutrina na questão referente aos preceitos subjetivos da ética e da moral violados pela prática da delação premiada. Nesse contexto agiria o Estado de forma antiética e imoral no momento em que estaria premiando o delator para que o mesmo entregasse seus semelhantes dessa forma incentivando a prática da traição; Outro aspecto se configura no problema de adequação constitucional relacionado ao pólo do delator, da relação de proporcionalidade entre a medida da pena de uma lado, e a gravidade objetiva do fato e culpabilidade do autor de outro. (SARMENTO, 2013).
Outro questionamento consiste na hipótese de que o Estado estaria negociando com o crime se valendo da cooperação do criminoso na busca da justiça. Vislumbra-se ainda o meio de colaboração como forma de estÍmulo a falsidade nas declarações agindo o colaborador com intuito de vingar-se dos demais membros da organização. O instituto também estaria influenciando de forma negativa onde haveria um aumento de delações ineficientes decorrente do então somente beneficio.
Comunga da posição desfavorável à delação premiada o autor TOURINHO FILHO (2002), que alerta para a seguinte questão:
Reconhecendo o réu, no seu interrogatório, a sua culpa e, ao mesmo tempo, imputando a outrem co-participação, ele se transmuda em testemunha. E o que é pior: testemunha que não presta compromisso, que não pode ser processada por falso testemunho, que não pode ser contraditada, nem se admitindo que o delatado faça perguntas ou reperguntas
Já em relação à violação às garantias individuais parte da doutrina tem se posicionado sob o embasamento de que ao aplicar a Delação Premiada estaria o colaborador sendo violado em suas garantias constitucionais sendo elas o direito ao silêncio, o papel do interrogatório como meio de defesa, o nexo retributivo entre a pena e o delito, o princípio da materialidade, a moralidade pública, a ampla defesa e o contraditório (PEREIRA, 2013. p. 53 e 54).
O que se observa então é que no âmbito constitucional, os argumentos contra a delação premiada mostram-se dominantes em relação aos favoráveis. Refuta ARANHA (2006) que a delação premiada como meio de prova seria anômala, totalmente irregular, pois viola o princípio do contraditório, uma das bases do processo penal, e também princípio defendido em nossa Constituição Federal.
Assim se mostra a opinião de outros autores renomados como, por exemplo, TOURINHO FILHO (2002), que combate a questão de não existir o contraditório na persecução penal no âmbito do instituto da delação, e afirma que não se pode, sem absurdidade, admitir como prova a “chamada do co-réu”. Na verdade, quando do interrogatório, a lei não permite a intervenção do defensor, nem do acusador. Ele não passa pelo crivo do contraditório. Se a Lei Maior erigiu o contraditório à categoria de dogma de fé, se o devido processo legal, outro dogma, pressupõe o contraditório, o mesmo acontecendo com a ampla defesa, é induvidoso que a “delatio” de co-réu não pode ser tido como prova, mas sim como fato que precisa passar pelo crivo do contraditório, sob pena de absoluta e indisfarçável imprestabilidade
No mesmo sentido se posiciona SUANES (2004), que critica severamente o instituto, relembrando que a Constituição Federal assegura ampla defesa, que por sua vez não se pode excluir o princípio do contraditório, e este não é assegurado na aplicação do instituto, uma vez que não é permitida a presença de um corréu no interrogatório do réu que o acusa.
Muito embora alguns doutrinadores adotem os posicionamentos acima indicados, há outros que rebatem tais críticas, como NUCCI ( 2008, P. 446-447):
No universo criminoso, não se pode falar em ética ou valores moralmente elevados, dada, a própria natureza da prática de condutas que rompe com as normas vigentes, ferindo bens jurídicos protegidos pelo Estado; Não há lesão à proporcionalidade na aplicação da pena, pois esta é regida, basicamente, pela culpabilidade (juízo de reprovação social), que é flexível. Réus mais culpáveis devem receber pena mais severa. O delator, ao colaborador com o Estado, demonstra menor culpabilidade, portanto, pode receber sanção menos grave; O crime praticado por traição é grave, justamente porque o objetivo almejado é a lesão a um bem jurídico protegido. A delação seria a traição de bons propósitos, agindo contra o delito e em favor do Estado Democrático de Direito; Os fins podem ser justificados pelos meios, quando estes forem legalizados e inseridos, portanto, no universo jurídico(...) A ética é juízo de valor variável, conforme a época e os bens em conflito, razão pela qual não pode ser empecilho para a delação premiada, cujo fim é combater, em primeiro plano, a criminalidade organizada.
BITTAR (2011) reconhece a antieticidade do instituto da Delação Premiada, porém, ressalta que na maioria dos casos, pela imoralidade do comportamento dos colaboradores, em nada afeta a questões meramente jurídicas, pois são campos de investigação distintos. No mesmo sentido, FERNANDES (2010) afirma que existe a necessidade de discutir sobre a base ética da Delação Premiada e, notadamente, debatê-la nas situações em que a preservação da vida humana está em jogo. Reconhece também a conveniência em permitir a aplicação do instituto aos casos relacionados à criminalidade organizada, observando o princípio da proporcionalidade, apesar da questão ética ressaltada.
No mesmo sentido, GUIDI (2006, p. 126 ) em sua obra, afirma:
Afastar-se totalmente a delação ou testemunho de co-réu não nos parece a melhor opção, mesmo porque o processo penal não prescinde da verdade material. Por outro lado, argumentar que é tendencioso e parcial o depoimento de co-autor, porém é partir de um pressuposto nem sempre correto. Mentiras podem acontecer em qualquer depoimento
A respeito das questões éticas que permeiam o instituto, existe uma corrente contrária que combate os argumentos citados por grandes autores, e mostram que, diante da questão ética é possível o réu se beneficiar do instituto da delação, não possuindo caráter imoral ou antiético. Para GUIDI (2006), é possível a aplicação do benefício da redução de pena e do perdão judicial, pois quando o criminoso confessa o delito cometido, ele se guia pelo arrependimento. Diante disso, pode-se aduzir que quando o indivíduo confessa o delito praticado movido pelo arrependimento ele estará, nesse momento, compreendendo o aspecto negativo do ato que praticou, passando a aceitar o castigo a que esteja sujeito e fica insatisfeito consigo mesmo pela violação da lei, estando disposto a não mais fazê-lo, bem como de alguma forma reparar o dano causado.
Corroborando com este entendimento, CARVALHO (2004) se posiciona com indignação:
Ora, a partir de que ponto dos estudos acerca da ética pode-se chegar à conclusão de que a violação ao segredo da organização criminosa, isto é, ao segredo relativo aos crimes praticados, pode revelar-se eticamente reprovável? Existiria uma ética afastada de quaisquer considerações morais, já que a revelação da existência do crime é a revelação da existência de uma conduta evidentemente contrária à ética e ao Direito? Existiria enfim uma ética criminosa?
Nota-se então que o instituto da delação premiada está longe de ser completamente aceito pelos estudiosos, que apresentam duras críticas. Sendo assim, algumas possíveis soluções podem ser vislumbradas. Para GUIDI ( 2006), a possível solução, seria a implementação de uma lei específica, reunindo os requisitos necessários à aplicação do instituto a todos os crimes por ele abrangidos. Uma vez não existindo uma pacificação de elementos necessários a concessão do benefício, se reunidos todos os exigidos comumente pelas leis esparsas, pode-se entender subjetivo o direito para o delator se obedecidos quatro elementos, os quais seriam a espontaneidade da delação, a relevância das declarações, ou seja, se teve eficácia no caso concreto ou não, a efetividade das informações e as circunstâncias do agente e do crime.
De acordo com ZANOIDE (2010), o instituto é pouco utilizado no Brasil porque falta uma lei mais específica e detalhada. Poderiam ser estabelecidas formas de colaboração pré-processual, garantindo que a pessoa não vai ser acusada. Se eventualmente a ação penal tiver que existir, que se estabeleça qual é o papel do delator e o que ele tem que levar de contribuição. Deve ser possível estabelecer se a contribuição que o delator levou ao caso foi realmente útil e efetiva. As regras para a propositura da delação precisam ser claras, para não gerar insegurança para o delator ou para o juiz. Para o magistrado, porque pode ser “obrigado” a dar o benefício para, alguém que falou algo já sabido ou que inevitavelmente seria descoberto. E insegurança do delator porque acredita que por ter confessado terá direito a algum benefício. Essa insegurança acaba por desestimular o acordo.Se o instituto for visto apenas por meio de questões éticas, a delação irá se tornar quase uma arbitrariedade, uma tortura psicológica para se obter a confissão, uma pressão psíquica que se faz sobre o réu. Os poderes arbitrários e violentos do Estado acabarão prevalecendo sobre a dignidade da pessoa. Mas é necessário equilibrar esses dois extremos, ofender o mínimo possível a ética e ao mesmo tempo assegurar que réus, acusados, polícia, Ministério Público e a Justiça sejam beneficiados.
O autor ainda conclui:
É necessário que o mecanismo seja regulamentado. Por uma razão muito simples: se o jogo que você me convida a participar não tem regras, eu não me sinto seguro o suficiente para participar dele. Seja eu juiz, promotor, advogado, acusado ou polícia. Só regulamentado esse instituto funcionará mais e melhor.
O instituto precisa com urgência de regulamentação para que as pessoas ao participar se sintam mais seguras. No que se refere às críticas acerca dos princípios éticos e morais, sempre vão existir, Contudo, podemos verificar que a necessidade da existência deste instituto em prol do combate ao crime, é necessária, porém, precisa ser regulamentado. Embora várias leis tratem sobre a delação premiada em nosso ordenamento jurídico, podemos observar que não são uniformes no que tange ao instituto, assim, os requisitos para que o delator receba o benefício da delação premiada em uma lei, não necessariamente, serão os mesmos previstos em outra lei. O mesmo ocorre com relação aos benefícios, apesar de todas elas preverem a redução de pena, diferentemente ocorre em relação à aplicação de regime prisional mais brando, o que, ao contrário daquela, só é disposto na Lei de Lavagem de Capitais
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do estudo feito para confecção do presente paper, foi possível concluir que, apesar de problemas aparentes no instituto da delação premiada, é possível adaptá-los com pequenas mudanças e aplicá-lo de modo eficiente para resolução de crimes em geral, principalmente os que são cometidos em concurso de pessoas e possuem objetos de difícil apreensão, restrição de liberdade da vítima e crimes de grande repercussão.
Desde muito cedo foi possível a utilização do instituto da delação premiada com sucesso na resolução de crimes hediondos, os considerados mais gravosos no ordenamento jurídico pátrio. Referente às discussões doutrinárias a respeito da juridicidade do instituto, há de se sopesar àquelas que são a favor do instituto, pois não há que se dizer que este não se encontra positivado no ordenamento, mesmo constando de leis distintas.
No campo constitucional, as opiniões que criticam o instituto possuem fundamento nos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, relevantes a serem discutidos, pois na concepção da aplicação do instituto não está expresso a obediência a esses princípios. O que ocorre, porém, é que, na prática aplicada pelos Tribunais brasileiros existem exigências para que o delator possa se beneficiar do instituto, e assim ficam claramente respeitados os citados princípios. No que tange às discussões no campo ético, não há que se falar em falta de ética do delator no momento em que presta informações à Justiça a respeito de um crime que, teoricamente está arrependido de ter cometido e sobre demais infratores, que pela sua conduta já estão desrespeitando a ética e os valores morais. Assim, não há que se duvidar da validade do instituto, demonstradas todas as variáveis possíveis no âmbito de sua aplicação.
Dessa forma, não tendo o Estado meios potentes para enfrentar esta batalha, acredita-se que a colaboração premiada traz um benefício maior do que os pontos negativos apresentados. Neste caso, os fins parecem justificar os meios em nome de um bem jurídico maior, e talvez assim o Estado consiga combater a impunidade que assola a sociedade.
REFERÊNCIAS
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