''Direitos fundamentais: tutela e concretização''

Por Claudete de Souza | 22/08/2012 | Direito

“DIREITOS FUNDAMENTAIS: TUTELA E CONCRETIZAÇÃO” 

"FUNDAMENTAL RIGHTS: PROTECTION AND ACCOMPLISHMENT " 

Claudete de Souza[1] 

RESUMO

Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988;   tutela constitucional programática e a efetiva;  natureza jurídica e dimensões dos direitos fundamentais;  instrumentos disponibilizados pelo Estado para a defesa dos direitos fundamentais; responsabilização do Estado pelo descumprimento da ordem constitucional.  

PALAVRAS CHAVE: 

DIREITOS FUNDAMENTAIS; TUTELA CONSTITUCIONAL; AUSÊNCIA DE CONCRETIZAÇÃO; DESCUMPRIMENTO DE MANDAMENTO CONSTITUCIONAL. 

ABSTRACT

Fundamental Rights in the Constitution of 1988;  the constitutional programmatic protection and the effective;  legal dimensions of fundamental rights; instruments offered by the State for the defense of fundamental rights; accountability of the State for breach of constitutional order. 

KEY-WORDS

FUNDAMENTAL RIGHTS;  CONSTITUTIONAL PROTECTION; NO ACHIEVEMENT; BREACH OF CONSTITUTIONAL COMMANDMENT.

1.- Introdução 

Ao se discorrer a respeito de determinado instituto, a melhor didática recomenda,  primeiramente, conceituá-lo.  Isso para que o leitor comum tenha condições de aperceber-se exatamente sobre o que se aborda, ainda que a matéria seja específica de um determinado setor, ao qual ele não tenha acesso ou contato usual. 

O título desse trabalho cita três institutos do Direito, a serem definidos:

1)                      “direitos fundamentais”,

2)                      “tutela” e  

3)                      “concretização”. 

Mas, antes mesmo da conceituação, e visando compreender exatamente o contexto, há que se restringir essa análise distinguindo alguns fatores determinantes.  O primeiro deles é em que região (país) está inserido o instituto discutido;  qual o regime de governo implantado naquele país;  qual é o perfil de seus governantes;  o grau de instrução que é oferecido aos governados; se estes governados dão real importância para a política vigente ou se seguem felizes, alheios ao que se passa, como uma acomodada massa manipulada...e por aí adiante. 

A  discussão aqui proposta será restrita a um específico país (Brasil);  em determinada época (século XXI, ano de 2012, sob a égide da Constituição Federal de 1988), vivenciando uma das espécies dentre aquelas que são entendidas como pertencente ao gênero Estado Democrático de Direito;  na forma republicana de governo;  com uma população estimada em 190.755.799 milhões de habitantes[2], distribuída irregularmente por um território de 8,5 milhões de m2;  com uma massa de cerca de 92% da população sem acesso à educação elementar de qualidade  (e, consequentemente, sem noção alguma sobre a “Constituição Federal” vigente em sua pátria, quanto mais sobre a “tutela” que essa Carta lhe garante).

O último censo realizado no Brasil em  2010 pelo IBGE[3], acusa que o número de  pessoas com pelo menos o curso superior completo aumentou de 4,4% para 7,9%!  Esse dado, apesar da notável melhoria no índice de brasileiros que cursam o ensino superior,  mostra um retrato cruel  das dificuldades encontradas na efetivação da tutela constitucional de garantia ao acesso à instrução, a todos os cidadãos brasileiro[4]. Um povo sem instrução caracteriza-se numa massa que não se organiza e politiza a ponto de reivindicar, ao legítimo tutor, a tutela a que faz jus.

Os direitos fundamentais se encontram positivados em nossa Carta Magna de 1988, contrariamente do documento ditatorial que anteriormente vigia em nosso país.  O regime da ditadura que precedeu o vigente,  é descrito pelo Dicionário Aurelio como “forma de governo em que todos os poderes se enfeixam nas mãos dum indivíduo, grupo, partido ou classe; tirania”. Assim, lógico que sob um regime tirânico não haverá discussão sobre direitos fundamentais dos cidadãos.  Só há direito para quem está no poder.

Com o evento da chegada da abertura democrática e a elaboração da Constituição Cidadã, houve uma preocupação primordial dentre os constituintes: inserir em reiterados artigos da Carta a garantia da proteção dos direitos fundamentais.  

Porém, sabe-se que nem todos direitos individuais que a Constituição elenca são efetivamente acessados por grande parcela da população brasileira.  Exemplo?  O direito à educação de qualidade.  O direito à saúde.  O direito ao trabalho.  O direito à dignidade.

Ou seja, vai-se tentar discutir o título proposto sob a visão crítica da autora, no momento atual.  Caberá ao leitor fazer sua própria reflexão, concordar ou discordar,  criando seus próprios conceitos e conclusões sobre o assunto que agora se examina. 

 

2.- Conceituação

 

2.1.- Direitos Fundamentais

 

No Brasil, conceituar “direitos fundamentais” é empreitada a que muitos doutrinadores se dedicaram exaustivamente.  Dentre os vários e bem elaborados conceitos doutrinários existentes, pode-se acatar aquele formulado por Uadi Lammêgo Bulos[5], que os traduz como um conjunto de normas, princípios e também deveres estatais, garantidores da convivência pacífica, digna, livre e igualitária do cidadão.  Ou seja,  levar-se em conta os direitos fundamentais significa que estes devem ser realmente respeitados,  sempre.  Também há que entendê-los intrínsecos e indispensáveis para que toda a população sobreviva dignamente, como ser humano que é, independentemente de sua raça, cor, origem, condição econômica ou social. 

Utilizando-se de uma ilustração lúdica, faz-se uma abstração:  imaginar que existe, circundando e protegendo o conceito de “direitos fundamentais”,  a forma de um grande globo inviolável, blindado.  Dentro dele o conceito de direitos fundamentais flutua, com a tranquilidade e segurança de um bebê revestido pela protetora placenta.  A matéria dessa grande bola,  desse  invólucro transparente é um princípio protetor, que visa resguardá-lo para que não seja infringido, arranhado ou alcançado por nenhum poder imposto, com intuito de ser removido ou relegado ao esquecimento. 

Esse globo protetor é formado pelo princípio contido no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, qual seja,  o “Princípio do Estado Democrático de Direito”.  

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:”

 

Assim, o Princípio do Estado Democrático de Direito assegura a defesa dos direitos fundamentais dentro da República Federativa do Brasil,  já que o regime político democrático foi o abraçado pela Carta de 1988.  Pressupõe-se que as liberdades individuais (direitos inalienáveis) são, pois,  absolutamente garantidas nesta República Democrática de Direito. 

 

2.2.- Tutela

 

Esta palavra tem origem latina e significa defesa, proteção, amparo, vigiar...[6] Alguém que necessite de tutela em determinada circunstância será considerado inapto para realizar aquele ato.  Pode-se exemplificar com o menor de idade, que é tutelado pelos pais até que atinja a maioridade, alcançada,  em nosso Código Civil,  ao se completar 18 anos de idade. 

Pensando em “tutela” e seu significado, mister complementar com a ideia da “autotutela”.  A história conta que a certa altura da evolução humana o Estado tirou, do indivíduo, o poder de resolver suas pendências ou problemas surgidos naturalmente no convívio social, seja entre pessoas ou grupo de pessoas.  Significa que o Estado avocou para si a tutela sobre o cidadão que vivencia as muitas espécies de conflitos provocados pela convivência entre comuns. Impediu, dessa forma, o exercício da autotutela.  A partir desse momento já não se poderia utilizar força própria e bruta para defender interesses individuais ou fazer justiça com as próprias mãos.  Daí em diante, deveria ser deixado ao encargo do Estado essa difícil missão de conhecer dos conflitos sociais ou individuais e aplicar a medida exata de justiça a cada caso concreto. 

Proibida a autotutela em todo Estado regido por Constituições democráticas,  aquele passou a ter a obrigação de solucionar os conflitos sociais (dever de fazer), o que se intitulou “tutela jurisdicional”.  Esta proteção estatal deve ser prestada a todo aquele que residir nos limites geográficos do país.  O art. 5º, inciso XXXV, Constituição Federal de 1988 deixa clara essa incumbência, quando diz “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”;.

O Estado, ao se propor defender os direitos do cidadão fazendo valer os deveres que tem com cada um que habita seu território teve, consequentemente,  de criar os instrumentos adequados para a solução de cada uma das espécies de conflito. 

Diversos foram os instrumentos desenvolvidos pelo tutor estatal a fim de proteger os direitos fundamentais de seus tutelados.  Cada uma dessas espécies destina-se a uma especificidade de tutela e tem seu ritual próprio.  Serão relacionados e citados, neste trabalho,  no momento adequado. 

Importante ressaltar que em âmbito internacional também se efetiva essa tutela aos direitos humanos. A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, em 10 de dezembro de 1948, aDeclaração Universal dos Direitos do Homem”, que em seu art. 10 dispõe:

“Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente, e com equidade, por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e deveres, ou para o exame de qualquer acusação contra ela dirigida em matéria penal”. 

 

Presume-se, dessa forma, que a tutela proposta pelo Estado deveria ser exercida sobre todo aquele que habita seu território, não ficando restrita à letra da lei, mas devidamente efetivada.   Ou mais, que a letra da lei deve, necessariamente, ser acolhida pelo povo e exercitada pelos tutores para que não se torne letra morta ou letra ignorada.  O que é prometido na Carta Maior deve ser cumprido, a risco de colocar em estado de anomia toda a sociedade, abalando os pilares básicos da estrutura de um país democrático.

Abre-se aqui um parênteses, para explicar, segundo Émile Durkheim, sociólogo (1858-1917), a importância e o significado do termo “anomia”, acima empregado.

A sociedade é um todo integrado.  Se tudo, na sociedade, está interligado, qualquer alteração nela efetivada irá afetá-la como um todo.  Isso significa que, se algum de seus setores não vai bem, toda ela sentirá o efeito dessa disfunção.

Partindo desse raciocínio, Dürkheim desenvolve estreita ligação entre dois conceitos:  “Instituição” e “Anomia”.

 

2.2.1.- Instituições sociais e o estado de anomia social

 

A instituição social é um mecanismo de proteção da sociedade.  É o conjunto de regras e procedimentos padronizados, socialmente reconhecidos, aceitos e sancionados pela sociedade, cuja importância estratégica é manter a organização do grupo e satisfazer as necessidades dos indivíduos que dele participam.

As instituições (família, escola, governo, estado, igreja...) são, dessa forma, conservadoras por essência e transmitidas de uma para outra geração.  Geralmente reagem, fazendo força contra as mudanças, caminhando no sentido da manutenção da ordem.

Através da educação, a sociedade transmite, de uma geração a outra,  todo esse conjunto de normas e valores que regem cada uma das instituições, de tal forma que se preserve a existência das mesmas durante todo o caminho de sua evolução.

Devido à defesa que empreendeu em favor da preservação das instituições, Dürkheim foi tachado de conservador, gerando certa antipatia por sua obra.  Mas, quando defende as instituições, ele o faz partindo de um ponto fundamental: a necessidade que tem o ser humano, em se sentir seguro, protegido, respaldado.  Afinal, as instituições,  estatais ou não,  existem para isso!

Ainda no contexto histórico do século XIX, quando viveu o autor citado, percebeu-se que as instituições sociais encontravam-se enfraquecidas.  Existia grande questionamento sobre a saúde de suas estruturas.  Valores tradicionais eram rompidos com facilidade, surgindo outros novos e inconsistentes.  Grande parte da população vivia em condições miseráveis, desempregados, doentes e marginalizados.

Por tudo isso, Émile Dürkheim considerou esses problemas como uma patologia social, classificando aquela sociedade como “doente”.

“Anomia”, portanto, é a ausência generalizada de respeito a normas sociais, devido a contradições ou divergências entre estas. (Dicionário Aurélio).   Ou seja, anomia traduz o estado doentio de uma sociedade, caracterizado pela desintegração das normas que regem a conduta dos homens e asseguram a ordem social; significa anarquia,  convívio conivente com a ilegalidade.

Dürkheim vaticinou ser a anomia a grande inimiga da sociedade, algo que, a seu tempo, necessitava urgentemente ser vencido, eliminado literalmente.  Vislumbrava que a Sociologia seria o instrumento ideal a ser utilizado para realização dessa autentica cirurgia de extirpação de um mal social.  O importante e imprescindível papel do sociólogo, para ele, seria estudar, entender e ajudar a sociedade a retirar de suas entranhas esse estado de desrespeito às instituições, restaurando a saúde social.

Aceita-se como válido, aqui, o raciocício dürkheimiano.  Quando as instituições, pilastras fundamentais do edifício Estado perdem a credibilidade ou deixam de funcionar como colunas básicas de sustentação firme e regular para o mesmo (o que seria da sua essência), a desordem social se instala.  Isso ocorre como um reflexo da constante inobservância das leis e regras implantadas, em princípio,  em consenso entre o próprio cidadão e o ordenamento jurídico que rege o país.  Afinal, a organização jurídica tem como principal  função orientar o convívio social, tornando-o pacífico e ordeiro. 

Na experiência que se tem sobre a realidade brasileira, nota-se, em diversos setores,  a inoperância da prestação da tutela pelo Estado e o descumprimento da letra da lei.  Pode-se citar a grande dificuldade demonstrada em se manter a ordem e a segurança necessárias à vida saudável de seus cidadãos.

O tráfico praticado ostensivamente nos morros do Rio de Janeiro (e em tantas outras grandes e pequenas cidades) é um desses casos vislumbrados como de difícil solução.  Hoje temos esse mal social fortemente arraigado na estrutura social local, devido á falta de repressão e controle quando de seu nascimento.  Seu desenvolvimento foi alimentado pela inépcia e incompetência do Estado, até que se instalasse de forma definitiva.  Atualmente várias ações têm sido empreendidas no sentido de diminuir a incidência de violência e ilícito nessas áreas, mas não há vislumbre da extirpação desse cancro social.

Mas o Estado esteve ausente tempo demais, deixando que as raízes do mal se infiltrassem de forma sólida,  difusa e ampla, tornando-se tão eficiente quanto o é a distribuição e funcionamento do sistema vascular do corpo  humano.  As represálias que se tenta empreender agora são como paliativos incipientes para um câncer que tomou conta de todo o corpo social, atingindo não só os grandes centros, mas agindo eficientemente em todas as extremidades.

Outro exemplo digno (ou indigno) de se lembrar são os constantes escândalos ocorridos dentro do ambiente político nacional.  Qual a lição que se transmite às novas gerações sobre ética, idoneidade, moral, bons costumes, se a criança se transforma em adolescente e finalmente em adulto, assistindo a impunidade?  

A desfaçatez irônica dos políticos corruptos que representam o povo brasileiro e não exibem o mínimo respeito por seu representado é presenteada com uma impunidade que chega a ser institucional!  Os verdadeiros bandidos de gravata  que usurpam e conduzem para seus bolsos as verbas que deveriam ser direcionadas à educação, habitação, saúde, etc., perpetuam-se no poder e dizem, escancaradamente para a mídia, que o brasileiro esquece logo das suas calcatruas e continua neles votando.  Aliás, o cidadão brasileiro raramente sabe em quem votou no último pleito.  Por esse motivo não tem nem a quem cobrar comportamento digno ao representá-lo politicamente.  

Nenhuma punição efetiva ao comportamento danoso desses políticos é vivenciada. É o mau exemplo se institucionalizando e sendo acatado como modelo pelo jovem brasileiro.  Ouve-se explicitamente,  em alto e bom tom a opinião de grande parcela da juventude brasileira: “- É trouxa quem é honesto”!

Dessa anarquia generalizada, advém o raciocínio que tem se impregnado e condicionado o raciocínio lógico e comportamento político e social do jovem do século XXI: “Não vale a pena ser honesto ou probo, já que todos os desonestos se dão bem e nem sempre aquele que leva uma vida inteira de maneira íntegra, consegue ter o mínimo para sobreviver ou garantir sua dignidade como ser humano”. Embora, há que se frisar,  em alguns casos a família muito se esforce para lhe transmitir conceitos decentes.   

Um exemplo: nem de longe a grande maioria dos jovens brasileiros tem o sonho de ser professor.  Por que?  Porque o magistério deixou de ser, há muito tempo, uma profissão digna.  Onde está a tutela estatal no sentido de propiciar a dignidade merecida ao professor, formador e informador em todas as fases mais importantes do cidadão? 

De certa forma não há como contestar essa triste coerência do jovem acadêmico.  Ele assiste a luta que anualmente os professores empreendem para tentar alcançar, em vão,  um salário digno.  Enquanto o alto esquadrão do funcionalismo público aposenta-se com a integralidade de seu farto provento, um professor aposentado no Brasil mal tem condições de comprar os remédios necessários à debilidade da saúde da terceira idade.  Incoerência das incoerências.  Aquele que tem a mais responsável função (formar o cidadão brasileiro), tem como retribuição à sua digna profissão um salário “de fome”.

O que será do setor educacional, em 10 ou 20 anos, a persistir essa alienação dos governantes com respeito ao salário do professor?  Será que teremos professores gabaritados para transmitir, às futuras gerações, os elementos necessários a formação do conhecimento?   

Questiona-se, após parcos exemplos:  a tutela oferecida pela Constituição Federal de 1988, no sentido do exercício de defesa, proteção e amparo ao cidadão é realmente disponibilizado pelo tutor (Estado) sobre todos os seus tutelados?  É o que se vai discutir mais a frente. 

 

2.3.- Concretização

 

Do verbo concretizar, ou seja, tornar-se concreto, real ou viável.

Concretização da tutela aos direitos fundamentais sugere o entendimento de que todos os artigos da Constituição Federal de 1988 que firmam o compromisso de protegê-los, são realizados, são reais, são viáveis.

Concretizar a tutela dos direitos fundamentais traduz, na interpretação legal,  algo que efetivamente existe, que não está no mundo da idealização, mas realizada pelo tutor, em prol do tutelado.

Porém, a tutela real (já que inserida na Carta que traça o perfil de todo o ordenamento nacional) é bem diferente da tutela viável (sabemos, também,  que esta referida Constituição Cidadã é classificada como programática, ou seja, tem a intenção de, um dia, realizar tudo o que programou). 

E é bem aqui que a discussão se inicia.  A tutela constitucional a respeito dos direitos fundamentais é exercitada pelo tutor (Estado) sobre os tutelados (povo) deste país? 

O título deste artigo, quer nos parecer,  pretende que se discuta exatamente qual é a proteção concreta, real, prática que é dada, no Brasil,  aos direitos fundamentais, devidos a todo ser humano.

 

3.- Direitos humanos e direitos fundamentais

 

Os direitos fundamentais, tal como discorrido na introdução, são variáveis no tempo e no espaço, alterando-se conforme o contexto da sociedade na qual é discutido.[7]  Esses direitos são entendidos como essenciais para o bom andamento da vida dos membros dessa dita sociedade e assim entendidos pela Constituição vigente nesse momento histórico.  Podem e devem ser exigidos do Estado que os positiva em sua Carta Magna, pelos tutelados.

Já os direitos humanos (direitos do homem), independem das noções de tempo e espaço,  inerentes que são à natureza do ser humano.  Este é um conceito ligado à teoria jusnaturalista, que os entende devidos a todo ser humano,  independentemente da situação geográfica de seu país, do período histórico vivenciado, ainda que um sistema jurídico não o preveja.  É um conceito mais amplo que o anterior, pois “são dotados de caráter inviolável, universal e atemporal”.[8] 

 

4.- Natureza jurídica e dimensões dos direitos fundamentais

 

O conceito “direitos fundamentais” engloba todo um conjunto de normas constitucionais que determinam limitações jurídicas aos Poderes Públicos.

São três as dimensões alcançadas por esse conceito: a)  em âmbito civil, a expressão direitos fundamentais traduz direitos da pessoa humana; b) numa segunda perspectiva, a política, correspondem aos direitos de participação na ordem democrática;  c) quanto ao enfoque econômico-social, a expressão condiz com direitos econômicos e sociais.

Em resumo, todas as liberdades da atuação humana,  em qualquer das suas direções e âmbitos são entendidas como direitos fundamentais. 

Sua natureza jurídica é a de normas constitucionais positivas, que deveriam, em tese, impor ao Estado, primeiramente,  o cumprimento de prestações sociais (saúde, educação, lazer, moradia, etc.).  Em seguida, deveria ser asseverada a proteção contra atos de terceiros (segurança, inviolabilidade de domicílio, direito de reunião, etc.).  E, finalmente, efetivação da tutela contra discriminações (desrespeito à igualdade, proibição ao racismo, preconceito religioso, etc.)

Para se discutir a tutela efetiva dada aos direitos fundamentais pela Constituição Federal, faz-se mister conhecer, minimamente, a  evolução dos direitos fundamentais através dos tempos.  Esse desenvolvimento foi marcado por gerações, qual seja, períodos que demarcaram a evolução das liberdades públicas.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência utilizam-se de critério didático na exposição dessas etapas pelas quais passaram os direitos fundamentais, permitindo melhor compreensão do instituto.

O posicionamento do STF[9] se torna esclarecedor, propiciando um panorama do posicionamento desse Órgão no término do século XX:

“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos), que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas, acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”. (STF, Pleno, MS 22.164/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, 1, de 17-11-1995, p. 39206). 

 

A doutrina,[10] por seu lado, expõe e delimita as fases pelas quais pode se acompanhar a evolução dos direitos fundamentais:

 

4.1.- Direitos fundamentais de primeira geração

 

O final do século XVII é um marco do respeito às garantias individuais, propondo ao Estado uma série de prestações negativas (dever de não fazer), no sentido de respeito ao direito à vida do cidadão, à sua liberdade de ir e vir, à livre expressão, religião, associação...

 

4.2.- Direitos fundamentais de segunda geração

 

Com o término da Primeira Grande Guerra, reivindica-se agora do Estado, uma série de prestações positivas, no sentido de assegurar bem-estar, igualdade, trabalho, assistência social, amparo tanto na infância quanto na velhice...São os chamados direitos sociais.

 

4.3.- Direitos fundamentais de terceira geração

 

Compõe, essa espécie de direitos, os incorporados pelas Cartas Constitucionais de todo o mundo, entendidos como responsabilidade não só do Estado, mas de todos.  São os direitos difusos (vida saudável e pacífica, meio ambiente equilibrado, progresso, desenvolvimento da tecnologia...), assim consagrado pelo STF, já no século XXI:

“...Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas.  Essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.  Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ, 158:205-206, Rel. Min. Celso de Mello), de um típico direito de terceira geração (ou novíssima dimensão), que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstancia essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social”. (STF, ADIn 3.540-1-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 01-09-2005).

 

4.4.- Direitos fundamentais de quarta geração

 

Mudanças substanciais ocorreram na vida do ser humano nos últimos dois séculos, acarretando necessidade de se prestigiar uma nova gama de direitos.

Exigência do fenômeno “globalização”, a informática inseriu-se inexoravelmente como meio moderno de agilização das relações sociais.  Até mesmo o Poder Judiciário, um dos mais resistentes a modernidades, rendeu-se a imprescindibilidade de implantação dos modernos meios de comunicação para possibilitar mais ágil concretização dos ritos processuais e, consequentemente, do andamento mais célere dos processos judiciais.

Nessa geração de direitos incluem-se, além da informática, os de softwares, alimentos trangênicos, eutanásia, biociências, clonagem,  biodireito - direito sucessório dos filhos gerados por inseminação artificial, p. ex.

Quanto a eventualidade da existência de uma nova geração de direitos (5ª geração), que alguns doutrinadores entendem já efetiva, deixa-se de questionar, por falta de subsídios, no momento,  que solidifiquem essa nova fase. 

 

5.- Localizando os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988

 

 Em 1964 foi implantado no país, após um golpe de Estado,  um regime excepcional (Ditadura),  que perdurou por 21 anos. 

O ano de 1985 configurou-se como o início de um processo de redemocratização do país culminando com a elaboração, em 1988, de uma nova Constituição Federal.  Esse processo não só tinha por ideal reimplantar a democracia no Brasil, mas, implícita estava a intenção em aderir à tendência mundial de amparar e garantir os direitos fundamentais, já que estes são estrutura básica, alicerces e colunas que sustentam o Estado Democrático de Direito. 

A Lei Maior trouxe expressamente, logo em seu preâmbulo, a promessa da defesa dessa espécie de direitos:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.

 

A ordem da Constituição Cidadã de 1988 mexeu com a tradição de se enunciar direitos e garantias fundamentais posteriormente aos Títulos que correspondem á organização do Estado e dos Poderes Estatais. Inverteu a posição, reconhecendo tacitamente, com essa nova organização, a maior importância desses direitos, colocando-os cronologicamente antes mesmo daqueles que retratam o Estado e os Poderes. 

Como já dito anteriormente,  quando da elaboração da nova Ordem Magna de 1988 o Brasil caminhava no sentido da saída de um regime duro, autoritário, inflexível.  A Carta ousou inovar numa clara demonstração que não haveria mais espaço, dali para a frente, para autoritarismo, tortura, arbitrariedades ou qualquer tipo de desrespeito a integridade do cidadão brasileiro.

Colocada no Título I – Dos princípios fundamentais, artigo 1º, inciso III da Carta, a dignidade da pessoa humana foi evidenciada, deixando bem claro que a República Federativa Brasileira guarda, no respeito a essa dignidade, um de seus fundamentos. 

O Título II – Dos direitos e garantias fundamentais traz um rol extensivo que abrange direitos fundamentais e garantias fundamentais, categorias diversas, mas agora arroladas sem distinção uma da outra. 

Porém, há que se distinguir os direitos fundamentais (direitos reconhecidos como pertencentes ao cidadão, ou seja, bens da vida, tais como o direito a liberdade, direito a propriedade, direito a vida privada), das garantias fundamentais (disposições assecuratórias que servirão para defender esses direitos, impedindo o arbítrio estatal). 

Esses diversos instrumentos disponibilizados pelo Estado,  serão utilizados em caso de vilipêndio aos direitos fundamentais. Pode-se citar, como um dos principais, o habeas corpus, que resguarda o direito de locomoção garantido constitucionalmente a nacionais ou estrangeiros em tempos de paz,  contra atos ou tentativas de lesão.

Distinguindo um do outro,  direitos fundamentais “são bens e vantagens disciplinados na Constituição Federal”. Enquanto que as garantias fundamentais “são as ferramentas jurídicas por meio das quais tais direitos se exercem, limitando os poderes do Estado”.[11]

Conforme compreensão de Ruy Barbosa[12], “os direitos fundamentais consagram disposições meramente declaratórias (imprimem existência legal aos direitos reconhecidos).  Já as garantias fundamentais contêm disposições assecuratórias (defendem direitos, evitando o arbítrio dos Poderes Públicos). Ocorrendo situações onde esses direitos forem violados, usar-se-á o remédio constitucional adequado (garantia) à correção ou reparação dos mesmos. 

Distribuídos por toda a extensão da Carta, extensa é a amplitude desses direitos e garantias fundamentais.  Observa-se e situa-se os mais importantes a seguir, embora este rol seja meramente exemplificativo: [13] 

a)                      Direitos individuais e coletivos, no art. 5º e incisos

b)                      Direitos sociais, nos arts. 6º e 193 e ss

c)                      Direitos à nacionalidade, no art 12

d)                     Direitos políticos, nos arts. 14 a 16

e)                      Direitos dos partidos políticos, no art. 17

 

 

 

 

5.1.- Mecanismos constitucionais de proteção dos direitos fundamentais

 

Vários são os remédios constitucionais disponibilizados pela organização estatal, a serem utilizados na premência de defesa dos direitos fundamentais.

Interessante uma segunda distinção doutrinária feita entre os termos “remédios constitucionais” e “garantias constitucionais”, com a qual se coaduna.

Segundo André Ramos Tavares, [14]  “...remédios, no sentido de que são meios colocados à disposição dos indivíduos e cidadãos para provocar a atuação das autoridades em defesa do padecimento de direitos declarados.  E a noção de remédios, usada em seu sentido figurado, por óbvio, é boa, já que tanto denota o fato de servirem para prevenir lesões, como para reparar aquelas que eventualmente já tenham ocorrido”.

O mesmo autor cita Ada Pellegrini Grinover[15], advertindo que “...o termo ‘garantia’ tem abrangência maior do que ‘remédio’ constitucional, já que por garantia poder-se-á compreender todo e qualquer instrumento necessário à concretização dos direitos declarados pela Constituição, por exemplo, tanto a ação propriamente dita como  a própria defesa em juízo (de uma ação proposta sem fundamento)”.

  Elenca-se, a seguir, a série prevista na Constituição Federal de 1988, dos mecanismos de defesa disponíveis ao cidadão na defesa dos direitos entendidos como fundamentais:

 

5.1.1.- HABEAS CORPUS – Art. 5º, LXVIII, LXXVII,  CF - Base legal: arts 647, ss do Código de Processo Penal; Lei 9265/1996 – Gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania;   

 

É o instrumento constitucional que não requer qualquer formalidade.  Pode ser feito em um simples pedaço de papel, por todo aquele que prescinde em reaver o seu direito de livre locomoção.

Tem ampla legitimidade ativa, sendo dispensável capacidade postulatória.  Qualquer pessoa (impetrante) pode impetrá-lo contra autoridades públicas (por ilegalidade ou abuso de poder),  bem como contra particulares (apenas por ilegalidade). De ofício poderá ser concedido pelo judiciário.

Instrumento que traz como objeto imediato a tutela da liberdade física ou da liberdade de locomoção.  Protege a liberdade do indivíduo, evitando ou fazendo cessar um atentado à liberdade de ir e vir causado por ato de autoridade que possa ser considerado abusivo ou ilegal, ou ato ilegal de um particular. 

 A existência de ato lesivo ou de sua ameaça à liberdade de locomoção é a primeira condição para concessão do habeas corpus (“que tenhas o corpo”). Pode ser um instrumento preventivo, a fim de que se evite a violação da liberdade de locomoção. 

 Como segundo requisito, deve haver ameaça ou  lesão decorrente de violência ou coação.  Violência é o emprego da força física;  coação são outros meios não físicos, pelos quais se pode cercear a liberdade de locomoção.

A Constituição também exige para seu cabimento, que a violência ou coação seja proveniente de ilegalidade ou abuso do poder.  O termo “ilegalidade” abrange tanto a falta de fundamento legal, como também incompetência da autoridade violadora da liberdade de locomoção.  “Abuso do poder”,  pressupõe a competência da autoridade.  Implica o desvio de finalidade:  no abuso de poder a autoridade é competente para a prática do ato, mas se serve dos poderes de sua função no sentido de atingir finalidade diversa daquela para a qual esse poder foi previsto em lei. 

 

5.1.2.- MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL – Art. 5º, LXIX, CF; Lei 1533/1951 – Mandado de Segurança; Lei 4348/1964 – Normas processuais Mandado de segurança. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – Art. 5º, LXX, CF; Lei 7347/1985 – Ação civil pública.

 

Quando uma autoridade, investida do poder público que lhe cabe em razão de sua função, atua de forma omissiva ou comissiva, abusando ou praticando ato ilegal contra cidadão que é portador de direito líquido e certo, ser-lhe-á concedida proteção do mandado de segurança.  Caberá esse instrumento nos casos em que não puder ser concedido habeas corpus ou habeas data.

Diferentemente do habeas corpus, o mandado de segurança requer,  por parte do impetrante (pessoa física ou jurídica e também órgãos dotados de capacidade processual),  ser representado judicialmente por advogado habilitado, caso não seja titular da capacidade de atuar em juízo. 

Comporta liminar, desde que presentes os requisitos fumus boni júris e periculum in mora.

É a única ação constitucional que impõe prazo (decadencial) de 120 dias (art. 18, § 3º, Lei 1533/51), para sua para impetração. Se o impetrante não for titular da capacidade de atuar em juízo, será necessário ser representado judicialmente por advogado habilitado. 

  Ao se falar na espécie “coletivo”, traduz um direito difuso de todos os membros de uma associação, sindicato, etc... Destina-se a proteger direitos de toda uma coletividade. 

Os legitimados para a impetração do mandado de segurança coletivo não necessitam do consentimento dos membros da coletividade para fazê-lo.  Muito embora, tratando-se da legitimação do partido político ao impetrar mandado de segurança coletivo, claro é que não há desvinculação dos direitos individualmente considerados dos membros daquela entidade.  Não teria senso um partido político defender direito de qualquer de seus membros sem o devido consentimento. 

 

5.1.3.- MANDADO DE INJUNÇÃO – Art. 5º, LXXI

 

Este é um remédio constitucionalmente previsto como novidade na Carta Cidadã de 1988.  Visa combater a inefetividade da ordem emanada das normas constitucionais. 

Assim que se torna inviável o exercício de uma prerrogativa constitucional por ausência de norma regulamentadora daquele direito discutido, tem-se a viabilidade do uso do mandado de injunção. 

Pode ser usado tanto individual, quanto coletivamente, com o intuito do Poder Judiciário dar ciência ao Poder Legislativo, sobre a inviabilidade, por ausência de norma, do exercício dos direitos e garantias constitucionais no que diz respeito à defesa da nacionalidade, soberania e cidadania. Não há restrição quanto ao seu emprego por pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira.  Mas é um direito personalíssimo, só podendo ser impetrado pelo titular do direito violado, através de advogado. Não é gratuito.    

No polo passivo estará sempre o Poder Público omisso na sua função legislativa. 

 

5.1.4.- HABEAS DATA – Art. 5º, LXXII, LXXVII, CF; Lei 9507/1997 – Rito processual do habeas data

 

Disponível tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, nacionais ou estrangeiras.

A legitimidade passiva é das entidades governamentais (políticas e administrativas) e entidades privadas que possuam registros ou banco de dados de caráter público (SPC e Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos).

Ação de cunho personalíssimo, só é viável sua utilização por interesse pessoal do impetrante.  É ação gratuita, mas o legitimado deve comprovar que a autoridade negou-se em fornecer os dados requeridos, ou deixou escoar o prazo prescrito para fazê-lo.  A via administrativa deve ser esgotada anteriormente. 

Como finalidade, o habeas data visa trazer ao conhecimento do impetrante os dados a seu respeito, que constem em cadastro ou banco de dados.  Um segundo escopo desse instrumento, é fazer a retificação desses dados, caso estiverem inexatos.

 

5.1.5.- AÇÃO POPULAR – Art. 5º, LXXIII, CF; Lei 6938/1981 – Política nacional do meio ambiente; Lei 4.717/1965 - Regula a Ação Popular no Direito Brasileiro.

 

A necessidade de se aprimorar a defesa do interesse público e da moral administrativa inspirou o constituinte a viabilizar esse instrumento ao cidadão brasileiro, com a intenção de fazer dele um fiscal do bem comum.  O cidadão age ativamente como substituto processual do Poder Público.  Basta que seja nacional no gozo de seus direitos políticos (eleitor).

Por meio da ação popular é viável obtenção de uma sentença que declare nulos ou torne nulos atos do Poder Público que sejam lesivos ao patrimônio da coletividade.  O patrimônio violentado pode provir de entidades estatais, de autarquias, sociedade de economia mista ou de qualquer entidade da qual o Estado participe.

O autor da ação popular está isento de custas e do ônus da sucumbência, respondendo se comprovada má-fé em sua intenção.

 

5.1.6.- DIREITO DE PETIÇÃO – Art. 5º, XXXIV, a, CF

 

Independentemente do pagamento de taxas esse instrumento administrativo constitucional não requer nomeação de advogado.  Direito que pertence a qualquer pessoa, física ou jurídica, nacional ou estrangeira. 

Embora geralmente seja exercitado individualmente,  pode-se também utilizá-lo para a defesa de interesses que extrapolem a esfera pessoal do peticionário. Nesse caso, torna-se um instrumento de exercício da cidadania,  na medida que permite a fiscalização do Poder Público diretamente pelo cidadão, imputando-se à autoridade responsável pelo ato responsabilização civil, administrativa e penal (conforme o caso concreto).

Utilizado em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder das autoridades públicas.  Exige resposta em prazo razoável, sob pena de configurar-se violação ao direito líquido e certo do peticionário, sanável por intermédio de mandado de segurança.

O direito de petição tem suas origens históricas na Inglaterra, Idade Média.  O conhecido instituto do Bill of Rights, de 1689, era alcançado por meio do right of petition (direito de petição).  Permitia, num gesto incomum e avançado àquela época, que os súditos dirigissem petições diretamente ao rei.  A Constituição francesa de 1791 também abraçou esse direito altamente democrático. 

O instituto é essencialmente informal, apesar de sua forma escrita. Utilizado sob várias formas ou denominações:  queixa, informação, representação, etc..

 

5.1.7.- DIREITO DE CERTIDÃO – Art. 5º, XXXIV, b;   Lei 9051/1995 – arts. 1º e 2º - Disciplina a expedição de certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações.

 

A gratuidade é uma das características desse direito constitucional, reservado a nacionais e estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas, individual ou coletivo, sempre que houver necessidade de obter, em repartições públicas, certidão que defenda direito líquido e certo ou esclareça situações de cunho pessoal.  

São três os requisitos exigidos para exercício do direito de certidão. 

a)                      O art. 2º da Lei 9051/95 destaca, primeiramente,  que deve ser comprovado o legítimo interesse, ou seja, os motivos que justificam o pedido de certidão. 

 

b)                      O requisito da ausência de sigilo do ato administrativo é, dependendo do caso concreto,  relativizado. Quando a divulgação de determinado documento implicar em comprometer a segurança da sociedade e do Estado, será justificada sua negativa, conforme jurisprudência firmada:

Direito de certidão e tutela da intimidade: “O direito de certidão há de ser interpretado de modo a não colidir com outras garantias constitucionais.  O acesso à intimidade dos negócios de terceiros, cujo conhecimento o Poder Público obteve por razão de ofício, não é irrestrito, pena de violar-se, com o patrocínio do Estado, a garantia de intimidade e privacidade”. (TRF, 4ª Região, 2ª T., REO 89.04.08179/RS, Rel. Juiz Teori Albino Zavascki, decisão de 11-6-1992, RTFR, 10:214, DJ, 2, de 19-8-1992, p. 24708).[16]

 

c)                      A prévia existência das informações solicitadas é requisito significativo, já que a administração pública só poderá disponibilizar dados, documentos ou certidões que realmente existam em seus registros.  Uma certidão é documento comprobatório da existência de um fato verídico, com força de fé pública.  Portanto, não se enquadra no art. 5º, XXXIV, b, simples conjecturas ou suposições de fatos que ainda irão acontecer.  Esse instrumento constitucional reserva-se para aplicação apenas nos casos concretos, já ocorridos. 

 

6.- Responsabilidade do Estado pela efetiva aplicação dos remédios constitucionais e real cumprimento dos direitos fundamentais

 

A partir do momento em que o Estado assume a tutela dos direitos entendidos como fundamentais, fornecendo os remédios constitucionais acima elencados para a defesa desses direitos, entende-se que se obriga, inexoravelmente,  a realizar uma série de atos positivos que gerem essa tutela efetiva: propiciar segurança, liberdade, educação, trabalho, saúde...

Não basta disponibilizar os instrumentos para defesa dos direitos fundamentais se o Estado não mantém estrutura jurídica sólida para a concretização. O Estado deve (e não “pode”) olvidar esforços no sentido de empreender ações que propiciem acrescentar qualidade de vida a todos. Essas imprescindíveis ações são conhecidas como “prestações positivas devidas pelo Estado ao cidadão”.[17]

Por outro lado, o Estado, ao assumir o papel de tutor, obriga-se a deixar de realizar (não deve praticar) qualquer ato que restrinja a liberdade de ação do indivíduo. Estas são as conhecidas como “liberdades públicas negativas”.[18]

De nenhuma forma o Estado pode constranger ou forçar a fruição da liberdade individual de cada um dos que habitam seu território.  Caso isso ocorra, deverá assumir civilmente a responsabilidade do dano ou prejuízo causado.  Assim, viável seria que o cidadão fizesse uso dos remédios constitucionais que visam garantir os direitos fundamentais contra o próprio Estado que se omite ou pratica atos comissivos que prejudicam seus direitos. 

Os direitos fundamentais têm natureza de princípio e como tal devem ser respeitados.  O mandamento constitucional é no sentido de que sejam respeitados os direitos fundamentais, na medida e proporção das condições do Estado. 

Os destinatários diretos das normas constitucionais são os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.  Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha se posicionado contra a limitação e relativização dos direitos e garantias individuais e coletivos, é certo que se tem notado crescente prática de ilicitudes e isenção da responsabilidade civil e penal dos infratores. 

Precedente.  “Está muito em voga, hodiernamente, a utilização ad argumentandum tantum, por aqueles que perpetram delitos bárbaros e hediondos, dos indigitados direitos humanos.  Pasmem, ceifam vidas, estupram, sequestram, destroem lares e trazem a dor a quem quer que seja, por nada, mas, depois, buscam guarida nos direitos humanos fundamentais.  É verdade que esses direitos devem ser observados, mas por todos, principalmente por aqueles que impensadamente, cometem os censurados delitos trazendo a dor aos familiares da vítima”. (STJ, 6ª T., RHC 2.770-0/RJ, Rel. Min. Pedro Acioli, Ementário de Jusprudência n.8, p.721).[19]

 

Pior cenário é constatar a violação dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro ao assistir a sequência escandalosa dos casos de corrupção no ambiente dos três Poderes, no sentido inverso da probidade que deveria representar, inexistindo, na grande maioria, qualquer punição aos culpados ou, ao menos,  apuração dos verdadeiros autores.

O povo, destinatário indireto ou mediato dos direitos e garantias fundamentais fica na dependência de aplicação efetiva dos mesmos, o que quase sempre não se verifica.  Declarar, simplesmente, que os direitos fundamentais são protegidos e garantidos,  neste país,  pelos instrumentos criados para tanto não é suficiente para tirar essa proteção do plano normativo. 

Notório que a Constituição Federal do Brasil é um dos documentos constitucionais contemporâneos que mais adequadamente idealizou direitos e garantias referentes á proteção dos direitos fundamentais.  Isso graças ao esforço dos constituintes, em reagir e expulsar definitivamente o regime de exceção que perdurou no Brasil por mais de vinte anos antes que a Carta fosse editada.

Porém, também é de conhecimento de todo aquele que investiga sobre a efetividade da aplicação dos remédios constitucionais para defesa dos direitos fundamentais, a latente impunidade instalada nos meios pertinentes.  Esse fato abala as estruturas do Estado Democrático de Direito como doença terminal.  Ameaça, assustadoramente,  a credibilidade não só do Poder Legislativo que dá péssimos exemplos de probidade e eficiência na defesa dos interesses de seus mandatários.   Tanto o Poder Executivo, como também o Poder Judiciário perdem, gradativamente,  a reputação perante o cidadão. 

Fato gravíssimo a constatação de o Judiciário demonstrar submissão,  em muitas de suas decisões,  a vontade e determinação do Poder Executivo, como se dele dependesse.  A defesa arbitrária de interesses particulares daqueles que estão exercendo o poder coloca em sério risco a estrutura de toda a sociedade, quase que definitivamente descrente de seus mandatários e instituições, em todos os níveis.  

Estamos, neste momento, vivendo novos escândalos que atrelam membros do Poder Judiciário aos mandos do partido governante. 

7.-  O Princípio da Separação dos Poderes e a efetivação dos direitos sociais contidos no artigo 6º CF/1988

 

Sabe-se que o Princípio da Separação dos Poderes foi, primitivamente,  gerado em Aristóteles, desenvolvido na obra de John Locke e Jean-Jacques Rousseau, tendo sua difusão se perpetuado pelo iluminista Charles Montesquieu, na obra “Do espírito das leis”.  Em nossa Constituição Federal de 1988 esse princípio é ínsito do artigo 2º, como cláusula pétrea. In verbis:

“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

 

Segundo acreditavam os grandes pensadores mentores da célebre divisão dos poderes, caso alguém ou algum grupo exercesse simultaneamente esses três poderes, instalar-se-ia o poder absoluto, subjugando ao seu mando e desmando todos os demais. 

A função inicial dessa divisão de poderes era evitar a concentração demasiada de poder na mão de um só homem, o soberano, figura instituída no Estado Absolutista.  Visava garantir a proteção aos direitos fundamentais dos comuns.  Posteriormente constituiu-se em “arma de que se valeu a doutrina para combater sistemas tradicionais de opressão política".[20]

Dessa forma, foi idealizado que a competência de fazer as leis deve ser detida pelo Poder Judiciário.  Executá-las caberá ao Poder Executivo.  Reservada ao Poder Judiciário a função de julgar crimes e divergências naturais da vida social.

Um sistema de freios e contrapesos foi idealizado posteriormente,  para que o poder limitasse o próprio poder, visando impedir abusos e arbítrio de autoridades. 

Esse princípio, que de início serviria para a diminuição da atuação do Estado e utilizar-se-ia de ajustes de acordo com as realidades constitucionais dos Estados que os empregaria, sofreu muitas mudanças.  O atual Estado Social clama por seu alargamento e aumento das responsabilidades estatais no que concerne a efetivação dos direitos fundamentais dos governados. 

A modernidade exigiu que o princípio em foco fosse ajustado e (re)visto sob novas luzes de uma realidade constitucional menos rígida, com exceções cada vez mais presentes. Hodiernamente temos o Chefe do Poder Executivo editando Medidas Provisórias (art. 62, CF/ 1988), ou editando Leis Delegadas (art. 68, CF/1988).    Além da viável figura do Mandado de Injunção previsto no artigo 5º, Inciso LXXI, CF/1988. 

O Poder Judiciário também cria normas de âmbito geral. Ao instituir a Súmula Vinculante, novidade trazida pela Emenda Constitucional  nº  45/2004, as decisões judiciais tornam-se atreladas ao novo instituto, diminuindo o poder de decisão dos magistrados nos casos em que haja identidade da matéria do caso concreto.  As súmulas vinculantes são práticas legislativas tanto quanto as Jurisprudências, que criam, literalmente,  o Direito.  Juízes e Tribunais são considerados autênticos “law-makers[21], finalidade distante de sua original competência de julgar.   

Por outro lado, os Tribunais de Contas e Ministério Público também detém competências que não se encaixam em nenhum dos três Poderes.

Partindo-se da constatação dessa realidade onde há verdadeira confusão entre os três Poderes,  não há mais lógica para manter-se a separação dos orçamentos e pastas dos mesmos.  O argumento de que o planejamento orçamentário das três pastas não pode ser confundido entre si,  com frequência impede a efetivação de políticas públicas que viabilizem o cumprimento dos direitos sociais devidos ao cidadão brasileiro.

Há que se remanejar recursos de uma pasta para outra com o intuito de injetar verba sacada de um determinado Poder para outro, mais necessitado, sempre visando o melhor para o cidadão.

Muitas vezes esse é o argumento utilizado pelos mandatários escolhidos pelo povo brasileiro, para tornar inviável a concretização do mandamento constitucional contido expressamente no art. 6º, CF/1988.  Mas, a garantia desses direitos sociais a todo cidadão deve ser perseguido pelo Estado e, principalmente pelo cidadão, sempre no vislumbre de propiciar melhores condições de vida aos mais fracos e necessitados, na busca da isonomia real. In verbis:

Art. 6º  São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

 

  Segundo o ambientalista Celso Antonio Pacheco Fiorillo,[22] este artigo contém o que chama de “piso vital mínimo”.  Ou seja, ele lembra que o brasileiro tem direito usufruir minimamente dessas condições elencadas na Constituição, para ter respeitada sua dignidade como ser humano.  São entendidos como os direitos fundamentais que o Estado brasileiro tem se omitido em propiciar ao governado, utilizando-se de amparos legais que já não são cabíveis no mundo moderno. 

Não há mais a separação dos Poderes como foi primitivamente idealizada, dada a evolução.  Portanto, todos os recursos devem ser empreendidos pelos mesmos três Poderes, no sentido de eliminar os óbices que impedem o cidadão brasileiro de viver com dignidade, de ver respeitados os seus direitos fundamentais. 

Urge a participação estatal maior e mais efetiva.  

Necessário provocar a discussão e relocação de recursos, sempre que necessário, para efetivar os direitos sociais contidos no artigo 6º, CF/1988.

 

8.- Conclusão

 

Tentou-se em rápida análise, suscitar a discussão sobre os direitos prometidos pela Constituição Federal de 1988, chamada Constituição Cidadã, e os direitos fundamentais que efetivamente o cidadão brasileiro usufrui dentro do território nacional.  Entende-se que o ruído provocado ao se polemizar um assunto é sempre mais benéfico do que o silêncio gerado pela quietude e conformismo.

A concretização da tutela constitucional aos direitos fundamentais, na realidade, está bem longe da letra expressa dos artigos da Lei Maior brasileira.

Um Estado que se classifica como Democrático de Direito, caso do Brasil, deve respeitar literalmente as propostas introduzidas em sua Carta Magna.  Não é o que vem ocorrendo neste caso. 

Desculpas como a falta de orçamento ou falta de estrutura já não se adéquam ao alto grau de desenvolvimento econômico do qual este país é detentor.  Apresentou-se a flexibilização e movimentação de orçamentos de uma pasta para outra como uma viável solução para a geração de recursos de forma imediata,  com intuito de sanar os problemas brasileiros mais prementes,  em cada época, em cada situação vivida e em cada necessidade real. 

Inconcebível a alegação de falta de recursos para se efetivar os direitos fundamentais elencados no artigo 6º da Constituição Federal de 1988.  Escola, saúde, alimentação, moradia não são artigos de luxo que se possa disponibilizar apenas quando possível e viável para o governante.  São itens básicos de sobrevivência para o cidadão e como tal devem ser tratados. 

Em tempos de terremoto ou maremoto, deve-se investir em reconstrução de casas para abrigo daqueles que sofreram os reflexos do evento natural.  Em tempos de seca destina-se parte maior do orçamento no sentido de minimizar o problema, levando água a quem tem sede.  Em tempos de guerra certamente que os recursos não serão empregados na manufatura de artigos fúteis! 

Este país sofre um problema endêmico de miséria de grande parte de sua população. Fato que pode ser constatado a olho nu não só nos sertões nordestinos, mas até mesmo nos grandes centros urbanos.  Um dos retratos urbanos dessa miséria está na formação de imensas favelas,  mazela típica e corriqueira das grandes capitais.  Se assim é, por que investir tantos milhões de dólares num evento como a Copa do Mundo? 

Houvessem os governantes empreendido um grande programa de erradicação da miséria e marginalização (promessa do inciso III do artigo 3º da Carta) ao invés de defender interesses políticos que uma Copa do Mundo pode trazer ao país e, logicamente, aos defensores dessa absurda ideia,  ter-se-ia vislumbrado uma ponta de racionalidade e de boas intenções. 

Para receber esse evento construir-se-ão grandes estádios para realização dos jogos,  aí queimando verbas que poderiam ser alocadas para setores que realmente necessitam receber estímulo. Minimizar a pobreza de parte da população brasileira não seria programa mais necessário do que apresentar-se perante o mundo como anfitrião de um evento de repercussão política mundial?   

O Estado deve respeito ao contribuinte que gera as verbas que ele disponibiliza a seu bel prazer.  É seu dever justificar-se perante o cidadão, fundamentando cada decisão que toma, cada centavo que investe neste ou naquele setor.

Os direitos fundamentais devem ser respeitados, um dia, na medida exata da proposta constitucional.  O artigo 6º da Carta diz que deve (e não pode) ser disponibilizado ao cidadão, os direitos sociais que todo ser humano merece ter.  Afinal, são esses direitos que garantem um mínimo de respeito e dignidade ao cidadão. 

Em nenhum momento a Constituição Federal prevê priorizar o “pão e circo” ao invés da educação, da saúde ou da moradia.  Também não há previsão, em qualquer de seus artigos, da solução hoje encontrada pelos governantes, em dar o peixe (bolsa isso, bolsa aquilo...), ao invés de ensinar a pescar.  Ensina-se a pescar propiciando educação fundamental de qualidade e não dando migalhas mensais, ou pior, construindo estádios de futebol.

Porém, infelizmente,  devido a falta de incentivos na educação constrói-se gerações e gerações de indivíduos sem esclarecimento e sem visão para o que se passa perante seus olhos.  O paliativo da migalha mensal (o peixe que não precisa ser pescado) leva a acomodação dos governados e perpetuação de governantes que se locupletam com a situação, permanecendo no poder. 

Encerra-se este trabalho, que mais se assemelha a um desabafo, em sua conclusão, com um texto, auto-ilustrativo,  de Immanuel Kant[23]. 

         “Tenha a coragem de servir-se de sua própria razão! Eis o lema da ilustração.

                     Fraqueza e covardia são as causas pelas quais a maioria das pessoas permanece infantil, mesmo tendo condição de de libertar da tutela mental alheia.  Por isso, fica fácil para alguns exercer o papel de tutores pois, muitas pessoas, por comodismo, não desejam se tornar adultas.

                     Se tenho um livro que pensa por mim;  um sacerdote que dirige minha consciência moral;  um médico que me prescreve receitas e, assim por diante, não necessito preocupar-me com minha vida.  Se posso adquirir orientações, não necessito pensar pela minha cabeça: transfiro ao outro esta penosa tarefa de pensar.

                     Por sua vez, os tutores das pessoas procuram demonstrar que a emancipação para a vida adulta, além de muito difícil, é uma aventura perigosa.

                     Assim, é difícil para cada pessoa em particular sair dessa menoridade, quase convertida em sua própria natureza.

                     No entanto, apesar das dificuldades, é possível que as pessoas se ilustrem (conquistem autonomia intelectual), desde que tenham liberdade para isso.

                     Vivemos atualmente em um século já ilustrado, já esclarecido?  Não. Mas num século em marcha para a ilustração, para o esclarecimento.

                                                                  Immanuel Kant (1724-1804)

                                                                            O que é ilustração?

 

Esse texto, escrito há dois séculos atrás, nunca pareceu tão próximo da atualidade.

A anomia social vista por Dürkheim no século XIX perdura até hoje, século XXI, já que grande parte da letra da Lei é tida como morta. 

A Carta Magna dá, ao cidadão, instrumentos para proteger seus direitos fundamentais contra arbitrariedades e ilegalidades, contra o desvio de finalidades, contra a omissão e os atos comissivos que prejudiquem o exercício dos direitos sociais, tidos como líquidos e certos, mas o cidadão ainda não ousou os utilizar contra o Estado.

Superados o comodismo, a ignorância, a conivência de alguns e a indolência de muitos, poderão, os cidadãos brasileiros, empreender esforços no sentido de superar os muitos obstáculos que os impedem de exigir, dos governantes, a tutela prometida na Lei.  

 

BIBLIOGRAFIA

 

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira Ltda., 1993.

ARENDT, Hannah. ORIGENS DO TOTALITARISMO. 5º reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

___________. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Ed. Perspectiva,  2005.

BOBBIO, Norberto. TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora UnB, 1999.

__________. ESTADO, GOVERNO, SOCIEDADE: PARA UMA TEORIA GERAL DA POLÍTICA. 10º ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.

BONAVIDES, Paulo. DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1972.

CANOTILHO, J.J. Gomes; VITAL MOREIRA.  CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA. 3ª Ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1984.

__________. DIREITO CONSTITUCIONAL. 6ª Ed.rev.Coimbra: Almedina, 1993.

COMPARATO, Fábio Konder. A AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS. São Paulo: Saraiva, 2004.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da.  A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E A RESERVA DO POSSÍVEL. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (org.). Leituras complementares de direito constitucional – Direitos humanos e direitos fundamentais. 3 ed. Podium: Salvador - BA, 2008.

DURKHEIM, Émile.  As regras do método sociológico. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002.

______________. Da divisão do trabalho social.  1ª ediçãoTrad. Miguel Lemos. Coleção Os Pensadores.  São Paulo: Victor Civita, 1973.

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders – sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidadeTrad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro:  Graal, 1979.

HOLANDA, Aurélio Buarque de.  Dicionário Aurélio. Grupo Positivo: Curitiba,  2004.

KANT, Immanuel. CRÍTICA DA RAZÃO PURA. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Pensadores,  1979.

LOCKE, John.  Ensaio acerca do entendimento humano. 2a. Ed. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Pensadores,  1978.

MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo:  Malheiros, 2006.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MONTESQUIEU, Charles.  O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

 

MORAES, Alexandre de.  Direito Constitucional. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2006.

________. Direitos Humanos Fundamentais. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003. 

MORUS, Thomas.  A Utopia. Tradução de Luiz de Andrade.  Biblioteca Clássica, Volume XVIII, 3ª edição. São Paulo: Atena Editora, s.d.

MOTTA, Sylvio;  BARCHET, Gustavo.  Curso de Direito Constitucional.  Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 2007.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, Coleção Os Pensadores, 1985.

SANTOS, Gustavo Ferreira. O Princípio da Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Limites e Possibilidades. Rio de Janeiro: Editoria Lúmen Júris, 2004.

TAVARES, Andre Ramos.  Curso de Direito Constitucional.  7a. Edição Revista e Ampliada.  São Paulo: Saraiva, 2009.

ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed., ver, ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006.

FREITAS, Eduardo.  Em <http://www.brasilescola.com/brasil/a-populacao-brasileira.htm>, acesso em 28/04/2012.

BIBLIOGRAFIA ELETRONICA

Disponível em <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/02_335.pdf>, acesso  em 25/04/2012.

Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_gerais_amostra/default_resultados_gerais_amostra.shtm> , acesso em 27/05/2012.

KANT, Immanuel.  Disponível em <http://www.filosofia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=127>, acesso em 29/05/2012, 15h:32.

MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 378, 20jul. 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5281>. Acesso em 28 maio 2012.

 


[1] Mestre em Direito pela  Universidade Metropolitana de Santos -  UNIMES; Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo;  Bacharel em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul - IMES;  Advogada Cível;  Professora Universitária.

 

 

[2] Disponível em <http://www.brasilescola.com/brasil/a-populacao-brasileira.htm>, consulta em 28/04/2012.

 

[3] Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_gerais_amostra/default_resultados_gerais_amostra.shtm> , acesso em 27/05/2012.

 

 

[4] Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_gerais_amostra/default_resultados_gerais_amostra.shtm >, consulta em 27/05/2012.

 

[5] Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional, p. 401

 

[6] Dicionário Acqua Viva, p.1237.

 

[7] Sylvio Motta e Gustavo Barchet.  Curso de Direito Constitucional, p. 147.

 

[8] Ibidem, p. 148.

 

[9] Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional, p. 403. 

[10] Ibidem. 

[11] Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional, p. 404. 

[12] República: teoria e prática – textos doutrinários sobre direitos humanos e políticos consagrados na primeira Constituição da República, p. 121, in Uadi Lammêgo Bulos, p.404. 

[13] Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional, p. 405. 

[14] Andre Ramos Tavares.  Curso de Direito Constitucional, p.859. 

[15] Ibidem, p.859. 

[16] Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional, p. 559, ss. 

[17] Andre Ramos Tavares.  Curso de Direito Constitucional, p.465. 

[18] Ibidem 

[19] Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional, p. 407. 

[20] Paulo Bonavides.  Do estado liberal ao estado social, p. 47. 

[21] Cunha Jr. A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E A RESERVA DO POSSÍVEL, p. 358. 

[22] Celso A.P. Fiorillo,  CURSO DE DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO, pg. 68. 

[23] Disponível em <http://www.filosofia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=127>, acesso em 29/05/2012.