DIREITOS E DEVERES DO ALUNO (COMÉDIA DA VIDA REAL)
Por Sílvia Aparecida de Souza Nascimento | 13/05/2013 | EducaçãoDIREITOS E DEVERES DO ALUNO (COMÉDIA DA VIDA REAL)
O aluno é uma das peças que formam o jogo da educação e como tal possui direitos e deveres. Vamos conhecer alguns deles.
O aluno tem direito ao transporte escolar gratuito. Ai da prefeitura se não fornecer o transporte. Quando as estradas de zona rural estão intransitáveis por causa das chuvas, por exemplo, um ou dois dias sem transporte já é motivo para as mães ligarem na prefeitura para reclamar (Vou escrever um texto especialmente sobre as famílias dos alunos. Aguardem.). Mas se o transporte está sendo feito normalmente, o aluno tem o direito de faltar quando quiser. Em um dos anos que lecionei na sexta-feira à noite, um ônibus ia buscar os alunos no distrito e de lá não trazia nem cinco alunos.
Tudo na escola acontece no tempo exato. O horário da entrada, o tempo de duração de cada aula, o tempo destinado ao intervalo, o horário da saída. Se o sinal atrasa um minuto, já é motivo para reclamações por parte dos alunos. Mas o aluno pode se dar ao luxo de chegar atrasado alguns minutos ou pode atrasar a entrega de trabalhos. Sempre haverá um pouco mais de tempo, sempre haverá um pouco mais de tolerância. Um jovem perde um vestibular ou o ENEM porque chegou atrasado cinco minutos, mas o mesmo jovem chega dois dias antes para um show de um cantor de sua preferência ou para comprar ingressos para um jogo de futebol do seu time do coração. Dormem na fila, no chão, sem banho...
Antigamente, os alunos usavam uniformes. Mas hoje não se pode exigir que o aluno use uniforme porque existem alguns que são carentes e não podem comprá-lo. Ou seja, o aluno tem o direito de frequentar a escola sem usar o uniforme. Ele não pode ser barrado pela falta do uniforme. As moças podem ir com blusas com mega decotes? Sim. Podem ir com calças que mostram parte das nádegas (o famoso cofrinho)? Sim. Podem ir com calças de malha super apertadas? Sim. Deus é justo, mas tem calças que as moças usam que são mais. Que contradição! Você deve ter pensado agora. E eu concordo com você.
O aluno tem direito à educação. Duzentos dias letivos, cinco aulas por dia, totalizando 1000 horas-aulas. Mas destes, ele precisa frequentar somente 750 horas-aulas. Isto porque o aluno tem o direito de faltar a 250 horas-aulas. Mesmo que falte mais do que 250 horas-aulas, ele ainda pode levar um atestado médico que justifique suas faltas. Se mesmo assim a quantidade de faltas exceder o limite, o aluno pode fazer uma reclassificação e poderá ser facilmente aprovado. A reclassificação é um direito dele. Assim como a recuperação, a intervenção pedagógica e a progressão parcial (a famosa dependência). É mais fácil ganhar na Mega Sena ou na Tele Sena do que ser reprovado na escola.
O aluno tem o direito de receber gratuitamente todos os livros. Como não sabem quanto os livros custaram e como eles não foram adquiridos com sacrifício, o aluno não os encapa, risca, rabisca, suja, faz desenhos, arranca capas, amassa, escreve palavrões... Além disso, não leva o livro para a escola. Dizem “Os livros são pesados!”. Ou quando os leva, fica girando o livro no dedo, como fazem os jogadores de basquete com a bola.
O aluno tem direito à merenda escolar de boa qualidade. Alguns, depois de comer, escondem os pratos e garfos pelos cantos da escola. E alguns chegam a quebrar pratos fazendo brincadeiras sem nenhuma graça após comer. E se a escola usa pratos de plástico, os alunos reclamam que estes são ruins.
O aluno tem o direito de estudar numa escola limpa e bem cuidada. Mas os alunos jogam todo tipo de lixo no chão. Riscam paredes, rabiscam carteiras (fazem todo tipo de desenhos nas carteiras), estragam cartazes, arrancam grades, estragam alambrados... E depois, reclamam que a escola está feia.
O aluno tem o direito de receber material escolar gratuitamente (caderno, borracha, lápis, cola...). Alguns alunos usam folhas limpas do caderno para fazer bolas enormes para jogar nos colegas ou fazem aviões para lançar durante as aulas. Tem aula que parece o aeroporto Santos Dumont. Alguns alunos fazem aviões menores e colam no teto das salas. E tem ainda a turma que gasta caderno escrevendo bilhetes, cartas de amor ou desenhando. Pra que tanto desenho? Diga-me, caro leitor! Isto tudo, durante as aulas, mais especificamente durante as explicações, que é o momento que o professor ou a professora fica de costas para a classe para escrever no quadro. Se o professor leva um filme, o aluno não assiste e quando assiste não presta atenção e ainda diz “Prefiro assistir filmes em minha casa!”. Se o professor passa um PowerPoint, o aluno aproveita o escurinho da sala para dormir um soninho. E por aí vai. A borracha ganhada, muitas vezes, é picada em pedaços bem pequenos (do tamanho de carne moída) e vira arma de guerra entre alunos. Isto sem contar o corretivo líquido, eterno inimigo de carteiras, paredes e escolas limpas. As paredes da escola são telas em branco, painéis em branco, sempre esperando uma declaração de amor feita com corretivo líquido.
O aluno não pode ser ofendido, constrangido, humilhado, sofrer bullying ou qualquer tipo de humilhação. Mas os professores e os demais funcionários são ofendidos e humilhados diariamente e de muitas formas. Coitado daquele que se voltar contra um aluno! Aparece a família toda do aluno (inclusive os tataravós), o conselho tutelar, a polícia, o promotor, o juiz, a televisão, o jornal, a revista, a internet, o Fantástico, a ONU, a UNESCO, os Power Rangers, o homem aranha. Pior que isso... Vem até o José Luiz Datena!
O aluno não pode ser castigado ou punido. Suspensão nem pensar. Expulsão então... Fazer cópias, por exemplo, é um absurdo. Esse comportamento (escrever cópias) é do tempo da palmatória, do castigo de joelhos no milho, do castigo de ficar no canto da sala de aula olhando para a parede, do chapéu de burro.
O aluno tem o direito de ser bem tratado. O professor não deve chamá-lo pelo número da chamada, mas sim, pelo seu nome. Já o professor ou professora é o “fessor” ou “fessora”, “tio” ou “tia”. Na minha escola me chamam só de “dona”. Eu respondo. Às vezes, me chamam de Dona Rita, ou de Dona Sandra, ou de Silva e eu respondo, é claro.
Eu era uma pessoa educada antes de ser professora, mas o convívio com os alunos “deseducou-me”. A troca de experiências na escola é muito grande. Aprendi todo tipo de gesto obsceno e palavrões que eu nem sabia que existiam. Agora conheço todas as letras e coreografias de Funk. E ainda tem quem goste desse tal de Funk. Vou escrever um texto muito caprichado sobre Funk, aguardem cenas dos próximos capítulos. O aluno tem o direito de expressar-se livremente. Ai do professor que falar um palavrão na sala de aula ou em outro lugar da escola.
Conclusão: os alunos de hoje em dia só têm direitos. Nem dever de casa os alunos têm mais porque os professores já desistiram disso. Uns poucos alunos faziam os deveres, alguns copiavam pronto dos colegas (a turma da “pega pronto do quadro”) e a maioria não fazia de jeito nenhum. Enquanto isso, os professores e demais funcionários dão o sangue pela escola. O governo cobra muito dos professores e passa a mão na cabeça dos alunos. Assim, o governo está formando uma geração de alunos, de indivíduos, de cidadãos que conhecem apenas um lado da moeda, um lado da vida. Pessoas conscientes de seus direitos e ignorantes de seus deveres. É essa a educação que você quer para seu filho (a)? Para seu neto (a)? Para Minas Gerais? Para o Brasil? É óbvio que não. É preciso mudar essa realidade com urgência ou então nossos alunos, daqui a alguns anos, saberão o que significa a palavra DEVER somente se consultarem um dicionário.
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