DIREITO PARA TODOS: Saindo da ficção para realidade

Por Anderson Flávio Lindoso Santana | 29/05/2009 | Direito

O conhecimento de noções básicas de cidadania e Estado na educação infantil e fundamental assegurando uma base para no ensino médio ter uma disciplina voltada ao estudo simples da codificação de áreas consideradas mais importantes do Direito, diminuiria uma grande quantidade de delitos cometidos por falta de conhecimento a natureza ilícita do ato, os casos de contratos de má fé sendo assinados por pessoas leigas e diminuiria a quantidade de desrespeitos aos direitos em geral. A apresentação do mundo do dever-ser deverá ser aplicada desde a concepção de democracia, cidadania e estado no ensino fundamental até chegar ao contato superficial com normas do ordenamento no ensino médio de forma a preparar gradativamente o jovem para o contato futuro com o mundo jurídico com as normas que o acompanham desde o seu nascimento e que vão regular sua vida de forma mais ativa quando fora atingida a maioridade atualmente prevista pelo código civil de 2002 aos 18 anos completos.
Palavras-chave: Inserção. Noções. Direito. Educação básica. Cidadania. LDB.

1 INTRODUÇÃO

O art. 3º da lei 4.657/42, popularmente conhecida com a lei de introdução ao Código Civil (LICC), prescreve: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece." Dentre três teorias apresentas durante as aulas de Direito civil I da professora Maria Tereza[2], a descrita por ela como Teoria da ficção do conhecimento da lei diz, nas palavras da professora: "Mesmo sabendo-se que a lei não pode ser conhecida por todos através da publicação, afirma-se com o fundamento na irrealidade, na imaginação que ela é conhecida." Coloca-se em questão o que é feito para diminuir a possibilidade do desconhecimento da lei.

Se é um fato que, devido ao grande número de leis em nosso ordenamento jurídico, torna-se quase impossível o conhecimento da totalidade delas até mesmo pelos grandes doutos do Direito, por que não se investir na divulgação e popularização das leis desde as series mais básicas do sistema de ensino brasileiro?

É viável a inserção de uma disciplina jurídica básica no ensino, devido a grande quantidade de profissionais no mercado e com certa adaptação didática e pedagógica. Se disciplinas que tiram o sono de muitos alunos de ensino médio podem ser estudadas a esse nível, sendo que muitos dos assuntos deixaram de ser aplicados por grande parte dos estudantes, por que não inserir a uma disciplina que daria noção de direito, abrangendo direitos básicos de ordem civil, penal e trabalhista, que a meu ver são de imediato os mais importantes na vida de qualquer cidadão. Mas essa disciplina seria precedida por outras que dariam um norte. Uma introdução as ciências políticas e a cidadania.

Nada mais justo que a divulgação do direito desde a noção de cidadania e Estado, para formar no Brasil uma nova geração de pensadores e de pessoas que verão com mais privilegio e clareza como, onde e por que reclamar seus direitos. É de fundamental importância que se tenha no país um mínimo de conhecimento das leis que regulam a vida social. Direito é fato, é um fato social e da máxima ubi societas, ibi ius, podemos abstrair que o direito é essencial para a vida em sociedade e logo é necessário ter um mínimo de conhecimento sobre suas normas e seus valores. Lembro que não proponho uma didática sobre o ensino do direito, o meu objetivo aqui é tão somente mostrar a importância do ensino de tal disciplina na base da educação para a formação de cidadãos conscientes e a par dos atos do mundo do dever-ser, o mundo jurídico, o mundo das normas.

2 DIREITO NA EDUCAÇÃO DE BASE: uma abordagem a luz da LDB

A lei Nº 9.394, sancionada em 20 de dezembro de 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, regula a educação do país estabelecendo as suas diretrizes e bases. Portanto, se busco uma fundamentação legal para inserção de uma disciplina de introdução jurídica no ensino de base, devo utilizar essa lei como fundamento legal.

Logo em seu art. 1º a LDB conceitua a educação,

Art. 1º - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

Destarte, se o Direito como quer REALE[3] é um fato ou fenômeno social,

Daí a sempre nova lição de um antigo brocardo: ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade está o Direito). A recíproca também é verdadeira: ubi jus, ibi societas, não se podendo conceber qualquer atividade social desprovida de forma e garantia jurídicas, nem qualquer regra jurídica que não se refira à sociedade.

O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a sua sociabilidade, a sua qualidade de ser social.

Essa característica de ser social do Direito o encaixa como objeto da educação quando a lei dispõe em seu artigo primeiro que "A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem (...) nos movimentos sociais e organizacionais." Sendo assim evidencia-se, mais uma vez, que o conhecer o Direito e, no caso da educação básica ter noções de suas prescrições normativas, é de indubitável valor para a formação social dos cidadãos brasileiros.

O parágrafo segundo do referido artigo ainda prever vinculação da educação escolar ao mundo do trabalho e à prática social. Afirmando mais ainda a necessidade das noções do Direito serem abarcadas no programa curricular da educação básica.

Passado para o titulo II da LDB que trata dos princípios e fins da educação nacional, encontramos mais dispositivos legais que afirmam a viabilidade e o encaixe do ensino de Direito básico desde séries iniciais. O art. 2º da LDB diz que

Art. 2º - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Desse dispositivo destaca-se a finalidade da educação a prepara o educando para o exercício da cidadania. Como exercer essa cidadania no escuro quanto a leis? Não se torna mais fácil exercer os atos civis tendo ao menos um conhecimento básico das normas que regulam essa vida? Não é proposto que saiam conhecedores profundos das leis que regulam a vida social, mas que tenham apenas o conhecimento necessário para exercer deveres e reclamar direitos, podendo assim usar-se de sua personalidade jurídica garantida pelo código civil de 2002. O art. 3º, XI, também vincula a educação às práticas sociais.

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(...)

XI vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as praticas sociais.

Assim podemos ver que a doutrina que trata o Direito como fato social somada a LDB que vincula a educação com as práticas sociais, torna o ensino de noções de Direito na educação básica, não somente legalmente viável como, as próprias experiências cotidianas exemplificam, o tornam também necessário.

A LDB em seu titulo V "Dos níveis e das modalidades de educação e ensino" no capitulo II que trata especificamente da educação básica dispõe no art. 22 que "a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores." Assim é visível a preocupação do legislador em tornar legal e obrigatória a preparação para uma vida cidadã. Essa preparação deveria ser aprimorada com o conhecimento das básico das normas vigentes no país, facilitando a vida e a inserção sócio-política do jovem cidadão que está sendo formado.

Em suma a idéia que perpassa por toda a LDB é a de formação para uma vida cidadã. E para isso ser consumado de fato seria necessário a inserção de disciplinas que preparassem o educando para uma vida jurídica, colocando-o a par do mundo do dever-ser.

3 ENSINO DE NOÇÕES DE ESTADO E CIDADANIA

A teoria de Estado e da cidadania é de fundamental importância para o exercício da cidadania de forma mais ativa e correta sem a prática de ilicitudes. O conhecimento das funções do legislador, do chefe do executivo e do magistrado credencia o cidadão a reclamar, cobrar e fiscalizar a gestão de cada um dos políticos eleitos do Brasil.

Poucos brasileiros têm conhecimentos a respeito da forma de governo e de administração do país, em uma pesquisa realizada em meio a universitários recém saídos do ensino médio de escolas publicas e privadas fora quase total, 96%, dos entrevistados[4] não souberam tecer comentários contundentes sobre a forma de governo e as funções de cada poder. Os conhecimentos eram os mais irrisórios possíveis e teoricamente na universidade federal entram somente alunos da elite estudantil de uma região.

Dessa forma, prima-se a inserção de uma disciplina especifica na educação fundamental que vise o preparo do aluno para o encontro futuro com a realidade democrática de direito do país onde essas são domiciliadas.

4 NOÇÕES DE DIREITO NA EDUCAÇÃO DE BASE

Como já fora abordado anteriormente, a inserção do ensino das noções de direito no ensino de base é perfeitamente possível no âmbito legal. A própria lei de diretrizes e bases da educação prever o preparo para a vida social e o direito é fato social citando Miguel Reale.

4.1 Objetivos da inserção de uma disciplina jurídica na educação de base

O principal objetivo da inserção de uma disciplina que trate de noções de direito e estado é preparar o jovem para um mundo de relações jurídicas, onde a grande maioria dos atos é regida por normas, desde o seu nascimento com vida até sua morte, passando por sua educação, trabalho, casamento e tantas outras situações nas quais o direito é aplicado de fato.

4.2 Possíveis conseqüências do conhecimento juridico

Pablo Stolze denomina fato jurídico, lato sensu, como "todo acontecimento natural ou humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir relações humanas." [5] Analisando o conceito de fato jurídico em sentido amplo proposto por Stolze podemos ter uma noção da importância do conhecimento básico do ordenamento que rege a vida de um cidadão. Todo acontecimento natural ou humano, daí podemos tirar uma serie a perder de vista de exemplos de acontecimentos que são regidos por lei e que tem efeitos jurídicos e que a falta de conhecimento sobre as normas que os regem podem causar vários conflitos entre cidadãos, sendo observadas muitas ilicitudes devido ao pouco conhecimento.

Se forem mostradas desde o ensino básico noções a respeito de todo o ordenamento brasileiro, uma serie de conflitos deixariam de existir. Muitas ilicitudes deixariam de ser praticadas, visto que a população teria maior domínio das leis e, conhecendo seus direitos, não se deixaria enganar por pessoas de má fé.

4.3 COMPLEXIDADE DO ENSINO JURIDICO NA EDUCAÇÃO DE BASE

Uma pergunta que pode ser feita a respeito da inserção da disciplina jurídica na educação de base seria sobre a sua complexidade. Claro que não seria um estudo aprofundado sobre as discussões jurídicas que são apresentadas nas academias de direito. Mas seria um estudo voltado para o preparo para uma vida social na qual grande parte dos acontecimentos é regida por leis.

Aqui apenas discute-se a necessidade da apresentação do ordenamento (constituição, códigos, leis...) e das noções gerais de direito e estado na educação de base, não entrando no mérito pedagógico. Pretende-se apenas amadurecer a idéia que deverá ser discutida por profissionais da educação a fim de adaptar a capacidade do educando em suas varias fases.

Mas evidencia-se a necessidade da adequação, sendo necessário o estudo por profissionais especializados no intuito de apresentar o direito de forma clara e precisa, fácil e interessante. O estimulo ao estudo e ao conhecimento do ordenamento para que se tenha pela convicção de todos os atos jurídicos praticados em sua vida social é de fundamental importância para o estudante.

A aplicabilidade prática do direito é um dos fatores que mais prevêem o sucesso que uma disciplina como essa pode fazer em meio a tantas outras cuja aplicabilidade cotidiana é duvidosa. Deve-se privilegiar nesse estágio da aprendizagem uma abordagem cotidiana do direito, mostrando as leis que regem a vida social cotidiana do aluno, reservando a teoria processual e as codificações mais complexas e menos usuais para a graduação.

5 QUESTÕES SOCIAIS

Do ponto de vista social, o estudo do direito mesmo que de forma superficial seria um salto sem igual para a maior democratização da sociedade e para a caminhada contra a corrupção e contra as ilicitudes. Conhecer o ordenamento, ter noções de direitos e sobre as sanções aplicadas as varias modalidade de crimes e outros atos anti-juridicos pode ter impacto considerável na luta contra a situação atual de um país "Em tempos de embustes universais (...)" no qual, "(...) dizer a verdade  se  torna  um  ato  revolucionário" (George  Orwell).

As crianças seriam usadas de forma indireta e sem prejuízo como forma de controle em suas próprias casas. Pois ao conversarem com seus pais sobre o dia na escola poderão falar sobre as leis e as sanções previstas. Funcionaria em um sentido semelhante ao da educação ambiental no qual as crianças são preparadas para serem fiscais e não poluírem mais. As crianças fiscalizariam os pais e a se mesmas para não cometer atos ilícitos que podem gerar uma sanção.

Isso sem contar com a formação de futuros cidadãos conscientes e ativos na vida política. A democracia seria exercida de forma mais embasada e diminuir-se-ia a quantidade de lesões causadas. Os movimentos sociais ganhariam mais respaldo e fundamento. Não se tornaria elitizado o direito, mas seria mais popular como o próprio ordenamento prever.

6 CONCLUSÃO

A inserção de uma disciplina de noções de direito na educação de base do Brasil é legal e sociologicamente viável, podendo se apresentar como medida de combate as ilicitudes cotidianamente observadas. A análise da LDB mostra a viabilidade do ensino de noções sobre o ordenamento jurídico no sentido de preparar o educando para a vida social. Miguel Reale ao ver o direito como fato social reforça a idéia da necessidade do direito na educação de base para que se forme um cidadão que possa viver a plenitude social.

Entrevistas mostram a falta de conhecimento sobre as formas de estado, o eleitor mal sabe quais as funções do candidato ao poder legislativo ou executivo, logo não pode esse avaliar as propostas de cada candidato para ver se são viáveis ou foram apenas para enganar e conseguir votos. Para tentar amenizar esse problema seria necessário o ensino da teoria de estado, mostrando a realidade política do Brasil e preparando a criança para receber informações da área jurídica na sua adolescência.

Mas não entramos nesse mérito, pois discussões como essa devem ser feitas depois de aprovada a inserção das noções de direito na programação pedagógica da educação de base no Brasil e por profissionais especializados.

Destarte, o direito seria de fundamental importância e utilidade se junto com a teoria de estado e cidadania fosse incluído na educação brasileira. Com mais essas disciplinas formar-se-iam cidadãos mais aptos a encararem a vida social e política.

LAW FOR ALL: Coming out of fiction to reality

Referencias

REALE, Miguel. LIÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO. 25ª edição 22ª tiragem, 2001. Editora Saraiva.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume I : parte geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 10 ed. Ver. e atual. São Paulo. Saraiva, 2008.

BRANDÃO, Carlos da Fonseca. LDB: passo a passo: lei de diretrizes e bases da educação nacional(lei nº 9.394/96), comentada e interpretada artigo por artigo / Carlos da Fonseca Brandão. São Paulo : Avercamp, 2003.

BRASIL. Código civil. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,1988.



[2] Professora do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

[3]REALE, Miguel.LIÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO. 25ª edição 22ª tiragem, 2001. Editora Saraiva.

[4] Pesquisa realizada pelo autor. Foram ouvidos 150 alunos que ingressaram na universidade no ano de 2008 e que terminaram o ensino médio no ano de 2007.

[5] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume I : parte geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 10 ed. Ver. e atual. São Paulo. Saraiva, 2008. p. 294