Direito Global
Por Marcelo Cavalcante | 06/02/2008 | DireitoTrabalho Direito Global -Roteiro
Tema: Defesa Comercial no Brasil (Antidumping, subsídios e salvaguarda)
- Sistema de defesa comercial anterior ao GATT? (Como o Brasil se protegia antes de GATT?)
- O que é defesa comercial hoje?
Qual o seu objetivo
Quais são os instrumentos de defesa comercial?:
- Antidumping no Brasil
- Antidumping, subsídios e medidas compensatórias.
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Desde os primórdios de sua história, o homem procurou se organizar em grupos, sociedades mais tarde, pois viu que este tipo de formação seria fundamental para a sua sobrevivência.
O estabelecimento de regras para esse convívio permeou toda a sua trajetória, desde os povos ágrafos, donde verificamos o surgimento das primeiras características do Direito, utilizando-se como base a "inspiração" para a feitura de regras e ou códigos. Passamos, então, pela época do "Crescente Fértil" e também das primeiras leis escritas.
Com o estabelecimento destes códigos antigos, o ser humano vai organizando as sociedades, em suas mais diversas camadas, criando regras para o seu funcionamento. Daí ter advindo conflitos, gerados em primeiro grau no inter-relacionamento de seus integrantes, passando, posteriormente, para a guerra entre cidades-estado, povos em geral.
O reconhecimento do direito de propriedade, do comércio, dentre outros itens, foi se aperfeiçoando e, como pano de fundo desta história distante, encontramos a busca, truculenta e incessante, através de guerras, por solos férteis, para que pudessem ser estabelecidos processos agrícolas visando a subsistência do próprio ser humano. O Rei Heródoto, do Egito, disse que o "Egito era uma dádiva do Nilo", pois suas terras eram banhadas pelo rio Nilo e traziam abundantes colheitas para o seu povo. A manutenção do poder se dava, basicamente, pela aceitação do Rei, por parte de seu povo, em função de fartas colheitas e, impregnados pela religiosidade, esses Reis diziam-se escolhidos pelos deuses para tal função.
Nos tempos mais próximos de nossa história, verificamos que, de certa forma, muita coisa mudou no relacionamento entre nações, mas, em sua base, alguns pontos permaneceram perpassando todo o processo evolutivo do homem. As mudanças dos povos, os descobrimentos de novas "terras", os ciclos cognitivos e o surgimento de diversos pensadores, fizeram à história deste homem mudar, e muito.
No que tange ao tema para este trabalho, verificamos que o comércio entre nações assume proporções gigantescas no processo de globalização que assistimos tomar força a partir do século XX, sendo o comércio exterior um dos "vetores para o fortalecimento da economia, geração de empregos e conseqüente desenvolvimento social de qualquer país". (D'ALMEIDA, Verônica – Ensaios em Comércio Internacional – Ed. Singular – 2005 – p. 255).
Nossa história do "desenvolvimento" como um tema internacional se inicia na Conferência de Bandoeng, em abril de 1955 e se prolonga com a primeira reunião dos países não-alinhados - que se concretizaria no Grupo dos 77 - em Belgrado, em setembro de 1961.
A primeira Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) se reúne em 1964 e o primeiro impacto do tema na comunidade internacional se dá com a criação, em 1965, no GATT, de um capítulo especial para os países em desenvolvimento (assinado em 08/02/65). Surge a chamada Carta do Grupo dos 77 em 1967, numa reunião realizada na Argélia e é cunhada a expressão "Nova Ordem Econômica Internacional" numa Resolução da ONU datada de 1974, a partir da qual foi iniciado um programa de ação para sua instauração (Res. 3201 (5-VI) e 3203 (5-VI)).
O grande dogma da Nova Ordem era o direito ao exercício da soberania econômica conferido aos Estados: "Cada Estado detém e exerce livremente uma soberania inteira e permanente sobre todas suas riquezas, recursos naturais e atividades econômicas, inclusive a posse e o direito de utilizá-las e de delas dispor" [1]. Deste direito reconhecido universalmente, resultou que os países em desenvolvimento - que ainda não teriam tido acesso pleno à soberania econômica - fossem beneficiados pela aplicação dos princípios de não–reciprocidade [2] de tratamento preferencial [3] e de medidas diferenciadas para promover seu próprio desenvolvimento.
Diante do exposto, entendemos que o Brasil enfrentava, mesmo antes da criação do Acordo Geral de Tarifas ao Comércio, enormes dificuldades para se proteger, por falta de mecanismos internos e também por não haver dispositivos internacionais que visassem à proteção da relação comercial entre os povos.
O Brasil levou muito tempo para que fossem criados mecanismos que produzissem efeitos na esfera de sua defesa comercial, demorando bastante para implementar tais projetos. Hoje, podemos dizer que o País conta com um sistema de defesa comercial razoavelmente organizado. Ele está localizado no âmbito do Ministério do Desenvolvimento e conta com técnicos habilitados, padecendo, porém, com sua lentidão, pois hesitam na aplicação dos direitos provisórios. Sofrem a influência de técnicos de outros ministérios, integrando o colegiado de defesa nacional, porém com visão mais interna, sob a ótica de suas pastas, distanciando-se, assim, dos princípios que regem o comércio internacional.
O objetivo da defesa comercial no Brasil é o de tentar corrigir as práticas desleais de comércio de produtos que chegam ao nosso País, com preços inferiores aos praticados no mercado de origem, causando sérios danos à produção nacional, destruindo, desta forma, importantes setores de nossa indústria.
Países apontados como baluartes do liberalismo econômico, como é o caso dos Estados Unidos e dos países da União Européia, não hesitam em aplicar essas medidas na defesa de seus interesses comerciais. No Brasil, entendemos que não deva ser diferente, pois o País precisa da efetividade destes instrumentos para defender os seus interesses.
As medidas antidumping que anulam práticas desleais adotadas por empresas visando à conquista do mercado internacional, os direitos compensatórios que procuram anular os efeitos dos subsídios concedidos por países aos seus exportadores, as medidas de salvaguarda que defendem o mercado interno contra o aumento abusivo da importação de determinados produtos são institutos próprios do comércio internacional em um mundo de economia aberta e cada vez mais globalizada.
Não podemos perder de vista que mesmo com o GATT, encontram-se hoje 142 países em busca de fluxos comerciais sem obstáculos de qualquer natureza, tutelados pela Organização Mundial do Comércio. Com oito rodadas de negociações, envolvendo muitos anos de propostas, posições contrárias, dificuldades de implementação das mesmas, e a identificação de barreiras tarifárias e não-tarifárias, o Brasil precisa estar atento principalmente às manobras que envolvem as barreiras não-tarifárias, por serem subjetivas em suas conceituações originárias e também pelo fato de os países hoje integrarem blocos comerciais de peso, não tendo mais que invocar seus direitos perante organismos internacionais reguladores de contenciosos, de forma individual.
Assim, as "contendas" acontecem através de blocos, como a União Européia, por exemplo, com experiência individual de seus membros que remontam séculos, contra apenas 507 anos de nosso descobrimento.
A aplicação dos instrumentos de defesa para as ameaças que sofremos nas áreas têxteis, de eletro-eletrônicos, de brinquedos e outras, por exemplo, faz-se necessária, com a correta aplicação, com visão nacional, para, ratificando, anular os efeitos de subsídios concedidos nos países de origem, formação de cartéis, implantação de direitos provisórios – salvaguarda – dentre outros.
No Brasil, a última palavra sobre impor ou não direitos compensatórios, medidas de salvaguarda ou antidumping, cabe a dois colegiados constituídos por representantes de diversos ministérios. Assim o governo vai se estruturando, mesmo que lentamente, para promover a defesa dos interesses comerciais do nosso País. Cremos, sim, ser urgente uma aceleração neste processo, pois como vimos em pesquisas que fizemos sobre o tema, nosso País participa muito pouco de comitês técnicos ou grupos de trabalho sobre este assunto.
Preocupa, em termos de nação, esta falta de aprofundamento de conhecimentos das técnicas globais inexoravelmente impostas às nações, pois prova disso, foi o resultado de um estudo encomendado pelo INMETRO, em que é verificado o alto grau de desconhecimento do empresariado nacional, por exemplo, acerca da legislação internacional que rege a matéria (barreiras técnicas e barreiras não-técnicas).
Urge, para a economia nacional, e para o País, como elemento fomentador do seu crescimento, que haja não só o aperfeiçoamento tecnológico, a evolução da cadeia produtiva com olhar globalizado, mas que, para tanto, seja acompanhada de um crescente avanço nos conhecimentos normativos internos e externos de nosso empresariado e dos técnicos do governo, também.
Cremos, também, que devam ser adotados procedimentos semelhantes aos existentes nos países de maior desenvolvimento para a imposição de direitos compensatórios ou medidas antidumping provisórias, a fim de permitir que uma empresa brasileira atingida pelas práticas desleais de comércio possa resistir ao tempo de duração do processo de investigação.
Podemos afirmar que, classicamente, são três os mecanismos de defesa comercial, a saber:
a)antidumping – medidas contra produtos importados com preços realmente
baixos e, assim sendo, desleais;
b)medidas compensatórias – visam a compensação em relação a produtos
importados com preços subsidiados na origem; e
c)salvaguardas – distintamente das medidas antidumping e das compensatórias
não tem como objetivo a defesa contra práticas desleais, mas
contra prejuízos causados por aumentos abruptos nas importações dedeter-
minados produtos.
Para que possam ser tomadas medidas antidumping, em nosso País, teremos que ter configurado o dumping, por parte do exportador, no momento em que a prática do preço do seu produto, a ser exportado para o Brasil, for constatado como sendo menor que o preço normalmente praticado. Para tanto, devem ser analisados os danos causados por tal prática às indústrias nacionais, aliada a outros fatores.
Caso seja constatado o dano, a parte interessada (indústria brasileira) peticiona ao órgão competente (DECOM/SECEX), para abertura do processo. Durante o transcurso das investigações, poderão ser impostas medidas antidumping provisórias para que se impeça um dano maior à indústria nacional durante o processo, ou já houver transcorrido sessenta dias do início do mesmo.
Este processo poderá resultar em medidas antidumping definitivas, caso seja comprovada a existência final da prática de dumping, de dano àquela indústria brasileira e nexo causal entre eles.
Já para subsídios que são contribuições financeiras concedidas, por governo ou órgão público, implicando na transferência direta de fundos, receitas públicas devidas que sejam perdoadas ou deixem de ser recolhidas e, finalmente, fornecimento de bens e serviços, além daqueles destinados à infra-estrutura geral, temos aqui uma operação envolvendo diretamente o governo, diferentemente do dumping, que envolve somente a(s) empresa(s). As medidas resultantes de um processo contra subsídios são conhecidas por medidas compensatórias.
Os procedimentos de investigação para os subsídios são similares aos do dumping, havendo consulta prévia entre governos antes da abertura das investigações e, para as medidas compensatórias, sua validade não se estenderá por mais de quatro meses.
Assim, ao procedermos a uma análise genérica deste trabalho que visou o entendimento do Direito Global em uma área delimitada, cremos ser o assunto bastante instigante, pois, para nós brasileiros, com apenas quinhentos anos no mercado, aprendemos que temos muito que caminhar nesta área, visando à proteção de nossas empresas e nosso povo, em sentido mais amplo, pois através da globalização cada vez mais acelerada, não podemos permitir que a falta de conhecimento do aplicador do Direito, nesta área, venha a redundar em prejuízos para os brasileiros.
[1]Segundo a Carta dos Direitos, mais e Deveres Econômicos dos Estados adotados pela Assembléia Geral da ONU em 12/12/74, Art. 2º, Par. 1º.
[2] GATT, Art. XXXVI. Os países desenvolvidos não exigiriam reciprocidade na reduçãode tarifas e outras barreiras, em favor de países em desenvolvimento.
[3] O Sistema Geral de Preferências, em 1968, criou, no GATT, esta noçãode tratamento preferencial, que foi ratificado pela Rodada Tókio, em 1979. Também em 1979, foram adotadas as medidas de salvaguarda para os fins de desenvolvimento, doc. MTN/FR/W/20/Rev. 2.2B.