Direito Fundamental de Nascer e Morrer do Feto Anencefálico
Por Letícia Borges Euqueres Partata | 30/10/2010 | DireitoLetícia Borges Euqueres Partata
JoãoAlfredo de Melo Neto
Silvana Regina Garcia Costa e Silva
RESUMO
O direito de nascer e morrer dos fetos anencefálicos traz à tona uma polêmica discussão sobre os direitos humanos, em todas as suas vertentes. A anencefalia é uma má-formação congênita que impede o fechamento do tubo neural. Nestes casos a estrutura encefálica é inexistente ou, caso existente é amorfa, como não ocorre a formação dos hemisférios cerebrais e nem do córtex cerebral sendo impossível qualquer sinal de "consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade, sendo a morte algo inevitável. Nossa pesquisa procurou refletir eticamente e constitucionalmente sobre o tema, pois o aborto do feto anencefálico é considerado crime desde que não coloca a gestante em risco de vida, porém traz-lhe profunda angústia e depressão, pois a força a viver durantes nove meses a espera da morte, porém ninguém pode obrigar uma mulher a interromper uma gestação de um feto anencéfalo, cabendo esta decisão só a ela. O Supremo Tribunal Federal até o final de 2008 deve decidir a questão do aborto de feto anencefálico, dando fim a toda esta polêmica. Esperamos que os membros de Supremo Tribunal Federal vejam o feto anencefálico como ser humano vivo, tutelado pela Constituição Federal e por diversas leis internacionais, em especial pelo artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e não o considere como nada.
PALAVRAS-CHAVE: feto anencefálico, aborto, vida, morte.
1-INTRODUÇÃO
O presente projeto de pesquisa, cujo tema é "O direito de nascer e morrer do feto anencefálico" traz à tona uma polêmica discussão sobre os direitos humanos, em todas as suas vertentes. A anencefalia é uma má-formação congênita que ocorre por volta do vigésimo quarto dia após a concepção, quando o tubo neural (estrutura fetal precursora do sistema nervoso central) sofre um defeito em seu fechamento, esta anomalia pode estar ligada à deficiência de vitaminas do complexo B, em especial o ácido fólico, a ingestão de álcool, o tabagismo, questões genéticas e, até mesmo, a submissão da gestante a altas temperaturas (MARTINEZ, 2005).
A pendência de decisão final do Supremo Tribunal Federal acerca da questão do aborto de feto anencefálico, segundo Bernardes (2005) suscita discussões referentes a um dos temas de maior efervescência na filosofia jurídica contemporânea, mas que ainda não foi devidamente tratado no Brasil. O legislador deveria ter incluído a hipótese do feto anencefálico entre os casos em que o aborto não é considerado crime? E quais são os limites da atuação do judiciário em face da lacuna legislativa a respeito?
Como cita Alves Jr (2007) o aborto do feto anencefálico, junto com a eutanásia, suicídio, homossexualidade, racismo, clonagem, células-tronco dentre outras difíceis questões, são temas delicados e que provocam paixões desenfreadas que não permitem uma discussão racional e civilizada. Em uma sociedade aberta e democrática, todos os interessados devem ter a oportunidade de ouvir e conhecer as diversas opiniões, em todas as suas perspectivas.
Assim, nossa pesquisa justifica-se pela necessidade de uma profunda reflexão ética e uma adequada interpretação constitucional sobre o tema, pois, a nosso ver o feto anencefálico é ser humano vivo e a vida humana é tutelada pela Constituição Federal e por diversas leis internacionais, em especial pelo artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não podendo, então, ser considerado como nada.
Nessa direção, o objetivo geral do estudo é analisar em que medida os princípios e fundamentos constitucionais podem proteger o feto anencefálico, mesmo que seja apenas para garantir o seu nascimento e conseqüente morte natural.
Serão cumpridos os seguintes objetivos específicos: verificar qual o papel do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na garantia de uma vida dita "desprovida de razão"; mostrar, através de variados pontos de vista, que o feto anencefálico, independente de sua forma ou estágio, é pessoa humana, sujeito, e nunca uma coisa ou um ser qualquer e destacar, com base na Constituição Federal de 1988, que num Estado Democrático de Direito os mais frágeis devem ser os primeiros a serem protegidos e não mortos ou terem antecipado terapeuticamente sua morte.
Procuraremos responder as seguintes indagações: Só o nascituro com viabilidade extra-uterina é merecedor de proteção jurídica? O feto anencefálico não tem o direito de morrer naturalmente? É um ser dotado de uma essencial dignidade e merecedor de uma especial proteção ou é um subumano, uma coisa em forma humana? Seria o feto anencefálico um outro, um ser humano vivo, ou não passa de um pedaço de carne que deve ser retirado do corpo da gestante e concluindo responder até que ponto os avanços da medicina e da ciência devem atropelar as concepções éticas de uma sociedade?
ANENCEFALIA E ABORTO
Nos fetos anencéfalicos a estrutura encefálica é inexistente ou, caso existente é amorfa, estando solta no líquido amniótico ou deste separada por uma membrana. Não há, portanto, a formação dos hemisférios cerebrais e nem do córtex cerebral. Assim, não é possível nos fetos portadores desta anomalia qualquer sinal de "consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade" (SANTOS, 2006).
É difícil precisar sua incidência visto que na maioria das vezes o abortamento ocorre espontaneamente, porém números existentes apontam a incidência de 0,6 portadores de anencefalia para cada mil fetos nascidos vivos, sendo o Brasil o quarto país no mundo com o maior número de incidência de fetos anencefálicos, ficando atrás apenas de México, Chile e Paraguai (SANTOS, 2006).
O diagnóstico pode ser feito a partir do terceiro mês de gestação, através de ultra-sonografia (depressão da parte superior do crânio) ou exame de sangue (aumento de alfa-fetoproteínas no sangue materno). (SANTOS, 2006). O diagnóstico médico da anencefalia pode ser feito a partir do terceiro mês de gestação, através de ultra-sonografia (depressão da parte superior do crânio) ou exame de sangue (aumento de alfa-fetoproteínas no sangue materno) (SANTOS, 2006). Porém, ocorrem casos diagnosticados como de fetos anencefálicos, os quais em decorrência da proibição do aborto, acabam por nascer e contrariamente as expectativas medicas não ocorre o óbito imediato, sobrevivendo os bebês por um período variado de tempo. Esta situação complica ainda mais os ânimos sobre a questão da legalização do aborto, pois revelam uma medicina falha, visto que estes bebês não eram anencéfalos totais o que suscita a ocorrência de milagres, dada a pouca e plena vida de tais bebês.
Para a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Associação Pró-Vida e Pró-Família o tema é cercado de questões ético-jurídicas. Para tais entidades a discussão sobre o início da vida e sua destinação e do legítimo poder humano sobre outra vida humana diz respeito ao gênero humano, em sua totalidade, não apenas a uma determinada confissão ou convicção religiosa sendo a defesa da vida humana uma causa universal.
ANENCEFALIA:ABORTOLEGAL?
Segundo Alvarenga (2004) para a legislação brasileira, o feto anencefálico é um morto cerebral ou se chegar a termo, só está à espera do nascimento para morrer clinicamente. A gravidez pode ser interrompida sem os constrangimentos da ameaça penal. A razão desta impunibilidade prende-se a ausência de tipicidade, fundada na falta do objeto jurídico, do sujeito passivo próprio e de objeto material.
Contrariamente para a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (2004) o tema é cercado de questões ético-jurídicas: a discussão sobre o início da vida e sua destinação e do legítimo poder humano sobre outra vida humana diz respeito ao gênero humano, em sua totalidade, não apenas a uma determinada confissão ou convicção religiosa sendo a defesa da vida humana uma das causas universais desta entidade.
De acordo com o parecer de José Néri da Silveira numa ponderação hierárquica os direitos e valores concernentes à vida e à dignidade humana devem também ser garantidos ao nascituro anencefálico, vivo e em desenvolvimento no ventre materno.
Assim como citado em Alves Jr (2007) em uma sociedade democrática, aberta, livre e pluralista, o tema do aborto do feto anencefálico é problemático, não encontra uma reposta fácil e imediata e diz respeito não somente a mulher gestante, mas a todos os membros interessados da sociedade, motivados não por crenças religiosas, mas pela fé e esperança na própria sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O feto anencefálico, independente de sua forma ou estágio, é pessoa humana, sujeito, e nunca uma coisa ou um ser qualquer.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana deve ser amplo a ponto de garantir a vida até dos desprovidos de razão e a Constituição Federal de 1988, que prima por um Estado Democrático de Direito, deve lutar pela proteção dos mais frágeis, no caso os fetos anencefálicos, e não deixar que estes sejam mortos ou tenham antecipado terapeuticamente sua morte.
Porém o Estado não pode obrigar uma mulher a carregar durante nove meses no útero um feto que não sobreviveria fora dele, como cita a geneticista Mayana Zatz "ninguém pode obrigar um mulher a interromper uma gestação de um feto anencéfalo, sendo esta decisão só dela".
Como cita Alves Jr (2007) em uma sociedade democrática, aberta, livre e pluralista, o tema do aborto do feto anencefálico é problemático, não encontra uma reposta fácil e imediata e diz respeito não somente a mulher gestante, mas a todos os membros interessados da sociedade, motivados não por crenças religiosas, mas pela fé e esperança na própria sociedade. Esperamos que os membros de Supremo Tribunal Federal vejam o feto anencefálico como ser humano vivo, tutelado pela Constituição Federal e por diversas leis internacionais, em especial pelo artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e não o considere como nada.
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