Direito e Vingança: O Julgamento de Nuremberg

Por Claudio de Araujo Ferreira | 06/09/2017 | Direito

Direito e Vingança: O julgamento de Nuremberg

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP - Atividade da Matéria de Filosofia do Direito – Direito e Vingança – Prof. Tércio Sampaio Ferraz Junior

Cláudio de Araújo Ferreira

DOUTORADO EM DIREITO

RESUMO

O objetivo do presente artigo é discutir o conceito de Direito e Vingança a luz do Julgamento de Nuremberg. Para tanto, se torna importante discorrer sobre os fatos que antecederam o julgamento, qual seja, a Segunda Guerra Mundial, o ódio aos judeus, o sistema político alemão, a existência ou não de legitimidade que permitisse este julgamento, o julgamento em si e suas motivações. 

Palavras-chave: Nuremberg; Direito e Justiça; Vingança; Tribunal de Exceção.

1. Introdução

O Julgamento de Nuremberg foi um marco histórico no direito mundial. Após perder a guerra e cometer terríveis atrocidades, a Alemanha nazista se rendia aos aliados deixando para trás o assassinato de de milhares de judeus e prisioneiros em campos de concentração.

Os Aliados, representados, por Estados Unidos, Inglaterra, URSS e França decidem julgar os crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos pelos nazistas por meio da realização do conhecido “Julgamento de Nuremberg”. A criação de um tribunal para julgamento de um crime já ocorrido e sem uma clara legislação previamente existente (com base em princípios de direitos humanos e convenções internacionais) gera controvérsias até hoje.

Entender este julgamento no âmbito da preservação do Estado Democrático de Direito versus o conceito de vingança ou justiça se faz necessário para contextualizar o julgamento como algo “justo” ou como apenas uma representação para legitimar a punição aos vencidos pelos vencedores.

2. A Alemanha Nazista e a Segunda Guerra Mundial

Após o término da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha viu sua economia devastada, inflação em descontrole, alto desemprego, baixo crescimento econômico, ascenção do sentimento nacionalista e antissemitismo.

Neste contexto, após algumas tentativas (em eleições e um golpe fracassado), o partido nazista (partido nacional socialista dos trabalhadores alemães) chega ao poder na Alemanha em 1932 pelas vias eleitorais e indica Hitler como primeiro ministro do presidente Hindemburg. Quando este morre Hitler assume a presidência iniciando um regime totalitário que se encerraria em 1945 com o término da Segunda Guerra Mundial. O ideário político de Hitler encontra-se descrito no livro “Mein Kampf” (Minha Luta), cujos principais pilares são: superioridade da “raça ariana”, necessidade de espaço vital (expansão territorialista), antissemitismo, e existência de um Estado forte.

Buscando sua expansão territorialista em 1939 a Alemanha invade a Polonia e inicia a Segunda Guerra Mundial. De um lado tínhamos Alemanha, Italia e Japão conhecidos como as Forças do Eixo e de outro URSS, Estados Unidos e Inglaterra representando as principais forças do bloco conhecido como “Aliados”. Importante ressaltar que os Estados Unidos ingressaram na guerra somente em 1941 após o ataque a Pearl Harbour. Enquanto a guerra ocorria, a Alemanha criava dezenas de campos de concentração/extermínio para os quais judeus e prisioneiros de guerra eram enviados e exterminados. Foram milhares de mortes por meio gás e milhares de relatos de torturas e experimentos desumanos com os respectivos prisioneiros.

Em 1945 a Alemanha perde a guerra, Hitler se suicida, esta assina sua rendição e diversos membros do alto escalão do governo nazista são presos e levados ao julgamento conhecido como o Julgamento de Nuremberg.

3. O Conceito de Direito e Vingança

Antes de retornar à discussão do tema específico se faz necessário percorrer o debate do conceito de “direito e vingança” a fim de contextualizarmos e entendermos os motivadores do direito penal como conhecemos hoje.

Qual seria o verdadeiro papel da pena, seria o de curar o sentimento da parte agredida? Ou seria o de penalizar a parte agressora? Seria de educá-la? Ou seria de exemplificar o consciente coletivo, de maneira a buscar evitar que outras agressões venham a ocorrer. Neste contexto ainda, se faz importante debater o papel da emoção e emocionalismo no respectivo julgamento, conforme discorre Richard A. Posner em seu texto Emotion versus Emotionalism in Law.

Quando discorremos sobre o papel da pena como de cura da dor do ofendido, talvez isto seja a visão que mais se aproxima do conceito de vingança, uma vez que o agredido seria “curado” mediante uma penalidade ao agressor. Porém, avaliar apenas sob este prisma é de certa forma ignorar o nascimento e papel do Estado sob a visão de Tomas Hobbes, em “O Leviatã”[1] de que a organização na forma de Estado é uma forma de evitar o caos. Assim, a pena passa por um caráter de dissuadir membros de determinado Estado da realização de determinada conduta julgada e tipificada inapropriada para um respectivo Estado.

Já, aprofundando no tema de emoção e emocionalismo, o mencionado autor (Richard Posner) trata do papel da emoção em determinado julgamento. Neste sentido, vale a pena debater se um tema de relevância que é se um juiz ou júri deveria considerar o emocionalismo ou emoção quando de um julgamento. Em tese estes não deveriam considerar “estar emocionados” para julgar determinado assunto, mas sim utilizar da potencial emoção que uma determinada conduta gerar para buscar se colocar na respectiva situação de agredido e agressor. Não se trata de vingança, mas sim de buscar vivenciar determinada situação par determinar o seu julgamento.

4. O Julgamento de Nuremberg

Conforme mencionado no capítulo 2, em novembro de 1945 foi criado um tribunal de guerra ou tribunal internacional para julgar os crimes cometidos pelos nazistas, em especial pelos oficiais de alto escalão.

Existe um questionamento possível sobre a legalidade deste julgamento uma vez que as leis que permearam este não estavam previamente estabelecidas. Ou seja, pode haver um paralelo sobre a teoria de estabelecimento do Estado e do poder constituinte originário e derivado.

Os principais crimes julgados envolveram crimes de guerra (violação de tratados de guerra) e também crimes contra a dignidade humana ocorridos em campos de concentração/extermínio. Nos campos de concentração havia uma desintegração da personalidade humana, com maus tratos, humanos sendo usados como cobaias de experimentos e todos passavam a ser tratados como números. O julgamento durou 315 dias e ocorreu no palácio da justiça da cidade de Nuremberg.  22 pessoas participaram do julgamento, 2 se suicidaram antes; o procurador americano, Robert H. Jackson, coordenou a representação contra os acusados e os juízes foram indicados pelas quatro potências (ING, EUA, URSS e FRA). Durante a etapa de acusação e apresentação de provas (boa parte das quais foi levantada junto a um militar do serviço secreto alemão) e oitiva de testemunhas o que era mostrado e relatado chocou toda a audiência e juízes, o que nos traz a tona a discussão do papel da emoção em determinado julgamento debatido no capítulo anterior; também chamou a atenção a maior parte dos argumentos de defesa dos acusados que era o de que estavam apenas cumprindo ordens. Afinal, cumprir ordens sendo um oficial militar, seria uma excludente de responsabilidade? Seria uma atenuante? E se estes não obedecessem às ordens? No final a grande maioria dos acusados foram condenados a duras penas.

Conclusão

O Julgamento de Nuremberg foi o primeiro tribunal internacional que julgou crimes contra a humanidade. Sua criação e legalidade é questionada sob a ótica de que este seria apenas um grande teatro para justificar a punição de vencidos por vencedores de uma guerra, uma vez que as regras foram estabelecidas a posteriori.

Seguramente a emoção deve ter tido um papel de grande relevância no julgamento por parte dos juízes, uma vez que as cenas e relatos apresentados foram aterrorizantes. Novamente valeria uma discussão sobro tema da influência da emoção na decisão dos julgadores.

Neste contexto, é possível também discutir a questão se o julgamento foi uma vingança dos vencedores contra os vencidos por terem estes começado a guerra ou de certa forma uma maneira de curar a dor de um povo que foi quase eu dizimado.

6. Bibliografia

Ferraz Junior. Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito.4ª edição. São Paulo. 2003. Atlas.

Hobbes. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1997. P. 142-143 (Os Pensadores))

Posner/ Richard. Emotion versus Emotionalism in Law.

Filme “O Julgamento de Nuremberg” - https://www.youtube.com/watch?v=qRw1gIp8J_s (23/6/2017)

[1] (Hobbes. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1997. P. 142-143 (Os Pensadores))

Artigo completo: