Direito e Cultura
Por Fernando Milani | 29/10/2014 | Direito- 1. DIREITO E CULTURA
1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CULTURA NACIONAL
A evolução da cultura nacional é uma tarefa difícil de se precisar, pois existiram e existem diversas fontes que influenciam nossa população a chegar exatamente ao ponto em que se encontra.
Podemos dizer que não existe uma cultura brasileira absolutamente endêmica, apenas a formada pelos povos indígenas, que em alguns casos mantem até os dias atuais suas raízes e tradições inalteradas.
Nossa maior herança é indubitavelmente de origem portuguesa, pois apesar da enorme extensão territorial brasileira, nosso idioma mantem-se uniforme por todo o espaço geográfico, algo raro de se observar em qualquer lugar do globo, alem de termos uma semi-unidade religiosa, que consagra o catolicismo como uma religião extremamente difundida entre os quatro cantos do país.
Temos como primeira fonte de influência os europeus, mais especificamente os portugueses, que foram nossos colonizadores e tambem os exploradores, trazendo pessoas, cultura, modificações e outras nuances para nosso país durante os primeiros séculos de sua colonização.
Após a chegada e o estabelecimento de diversas colônias portuguesas, teve início o desembarque de uma série de diferentes povos africanos, trazidos como escravos, o que contribuiu ainda mais para a difusão de diversos aspectos culturais até hoje arraigados em nossa população, tais como nas danças, música, religião, culinária e no idioma.
Durante os séculos em que permaneceu o tráfico de escravos entre o transatlântico, bastou para que deixassem marcas indeléveis em nossa história. Com o passar do tempo, mais especificamente no começo do século XIX, deu início uma espécie de incentivo à imigração européia para o Brasil, no intuito de modificar nossa cultura e angariar mais mão de obra para suprir aquelas dos negros e indígenas. Tivemos a chegada massiva de imigrantes italianos e tambem de portugueses, alguns diversos grupos de imigrantes alemães tambem. Chegaram tambem alguns grupos de imigrantes espanhóis e arábes, e de forma um pouco mais limitada chegaram tambem grupos de imigrantes japoneses.
Como consequência dessa miscigenação peculiar e única no planeta, tivemos diversos legados culturais que se perpetuam no espaço e no tempo até os dias atuais, tais como na arquitetura, literatura, culinária, música, nas ciências, nos esportes, e no nosso modo de viver e pensar tambem.
1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL
Temos considerado como as primeiras manifestações de propriedade intelectual aquelas demonstradas na Grécia e na Roma antigas, pois necessitavam diferenciar alguns produtos de outros, e para assim distinguirem seus produtos, utilizavam símbolos, figuras ou letras.
Porem, nesse período, protegia-se apenas o objeto materialmente constituido, não havendo portanto uma proteção sobre a idéia que estava nele embutida.
Com o passar do tempo, as empresas e os fabricantes sentiram a necessidade de demarcar seus produtos com sinais que os diferenciassem de seus concorrentes.
Podemos considerar que a Propriedade intelectual moderna nasce de acordo e pari passo com as mudanças na sociedade ocorridas a partir da Revolução Industrial, onde acontece um aceleramento do mercantilismo e dos processos de desenvolvimento de novas tecnologias, e até os dias atuais, pois vivemos em uma sociedade globalizada e altamente informatizada. Assim, cresce a necessidade de se estruturar uma nova categoria de direitos da propriedade, visando assegurar direitos exclusivos sobre a produção, ou mais pontualmente, sobre a idéia que permite a concepção de um produto.
Desde nossa primeira Constituição Republicana, excetuando-se a Carta de 1937, os direitos autorais ganharam amparo constitucional. Na Constituição atual, o texto referente à propriedade intelectual se divide em dois incisos do artigo 5º. No primeiro inciso (XXVII), o texto constitucional indica que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.
No segundo inciso, a Carta Magna nos mostra o seguinte: “são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;”.
- 2. DIREITO CONSTITUCIONAL A CULTURA
Atrelados aos princípios de igualdade, que remontam à Revolução Francesa (1789-1799), os direitos culturais são considerados como Direitos Fundamentais de Segunda Geração, pois compreendem direitos coletivos e de caráter positivo, demandando uma ação por parte do Estado em efetivar tais direitos.
A norma máxima representativa do nosso Estado Democrático de Direito consagra, em seu capítulo III, Seção II, artigos 215 e 216[1], o direito fundamental à cultura e ao direito de exercício a cultura.
Apenas para ressaltar a importância dos direitos relativos à cultura, temos tambem menção a este direito na Declaração Universal dos Direitos do Homem (UDHR, no inglês), documento promulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), onde podemos ler:
“Artigo 27°:
- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.
2. Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria.”
Sendo assim, podemos dizer que a cultura abrange nossa língua, nossos costumes e tradições, a religião, os símbolos comunitários, nosso modo de extrair subsídios dos minerais, vegetais e dos animais, a nossa organização política, tanto nacional quanto internacional, e o nosso meio social, enquanto passível de transformação pela própria sociedade. A cultura significa dizer que cada homem ou mulher integrante da sociedade, num dado momento da história, é moldado pela cultura em que nasce e se desenvolve. Tratando-se de algo universal, cada comunidade, por suas qualidades e circunstâncias histórias e geográficas, possui a sua própria cultura, distinta, conquanto sempre em intenso contato com as outras e sofrendo influências. Mas, nos dias de hoje, a circulação nunca antes vista de bens culturais e de pessoas nos leva, de maneira contraditória, a tendências padronizadoras e de multiculturalismo.
A Constituição de um país é um fenômeno cultural, pois não pode ser entendida e compreendida afastando-se da cultura da sociedade de onde ela é proveniente, e por ser um produto e um bem cultural.
A Constituição nada mais é que um reflexo da formação, das crenças, da consciência coletiva, da geografia e das condições econômicas da sociedade, e ao mesmo tempo ela tem como função principal a de organizar, dispor sobre os direitos e os deveres dos cidadãos incluídos na sociedade abrangida por essa Constituição, regular suas atividades de maneira geral, e visa garantir a vida coletiva como um todo, hora na função de agente, hora na função de transformador e hora na função de conservador.
Assim sendo, podemos concluir que uma Constituição apenas torna-se efetiva e eficiente, prolongando-se no tempo, quando há um esforço coletivo através da sociedade como um todo, buscando reafirmá-la a todo momento e lhe dar concretude, sempre em sintonia (intelectual e material) com a sociedade em que ela se faz inserida.
Esse esforço, no entanto, está condicionado ao grau de cultura cívica e de cultura constitucional que esta sociedade possui.
Como a cultura é uma das dimensões da vida do ser humano, e a Constituição significa o estatuto jurídico do Estado, a Constituição jamais poderia deixar de abordar o tema cultura. Diz-se que, assim como a Constituição deve assegurar a propriedade e a liberdade de comércio e indústria, as Constituições devem salvaguardar também a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, que indiretamente compreendem a certa ordem cultural.
O meio jurídico, em meio a sociedade moderna, passa a ser visto também como um fornecedor e garantidor de acesso aos bens e serviços do conhecimento e da cultura, por isso existe uma importância muito significativa em haver uma Constituição que expressamente assegure este direito.
O ordenamento jurídico nacional tem o compromisso de preservar e propagar toda a historicidade do povo brasileiro. Visto isso, a Constituição Brasileira reservou abundante tratamento para a cultura. Nota-se isso pelo fato de que em todos os seus títulos, ainda que indiretamente, há alguma ou até mesmo farta disciplina jurídica sobre o assunto. Também por isso pode ser chamada de Constituição cultural, como também pelo fato de possuir seção específica para o tema, em cujo artigo inaugural – 215 – se lê que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. [2]
[1] Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:(...)
[2] CUNHA FILHO, 2004