Direito ao acesso à Justiça
Por Thyago Cezar | 16/05/2010 | DireitoACESSO À JUSTIÇA.
1 Cidadania.
A expressão cidadania tem grande ligação com o Estado e com a política. É a posição do individuo e a possibilidade de exercício de seus direitos. (SIQUEIRA JÚNIOR, 2009, p.240)
Na Grécia e depois na Roma da antiguidade, somente eram considerados cidadãos, apenas os que participavam de forma ativa como membro da sociedade política.
Dalmo de Abreu Dallari, ensina que é cidadão, todo aquele que se integram ao Estado, através de uma vinculação, permanente, fixada no momento jurídico da unificação e constituição do Estado. (DALLARI, 2003, p.100)
Explica Bernardo Sorj, que nos dias de hoje, a cidadania é em primeiro lugar, um mecanismo de inclusão ou exclusão, delimitando quem é parte integrante de uma comunidade nacional. Sendo assim, é uma expressão de uma construção coletiva que organiza as relações entre os sujeitos sociais, que se formam no próprio processo de definição de quem, e quem não é, membro pleno de uma determinada sociedade politicamente organizada.
Continuando, diz ainda, que a cidadania supõe a existência de uma comunidade cultural e social associada a uma identidade nacional. (SORJ, 2004, p.22)
Já Paulo Hamilton Siqueira Júnior, diz que a cidadania, é o ápice dos direitos fundamentais, quando o homem se transforma em ser político, no mais amplo sentido do termo, credencio o cidadão a atuar e praticar efetivamente da vida do Estado como partícipe da sociedade política, transformando-o em elemento integrante do Estado.
Prosseguindo, narra que cidadão é aquele que participa da dinâmica estatal, atuando para preservar, ou ainda conquistar direitos. (SIQUEIRA JÚNIOR, 2009, p.243)
Neste diapasão, a maciça maioria da população brasileira, apresenta um grande gargalo na cidadania, devido à falta de percepção de seus direitos e a falta de acesso à justiça. (FILHO, 2006, p.72)
Portanto, constituinte de 1988 no artigo 1º atribui extrema relevância à cidadania, elencando-a como princípio fundamental à constituição do Estado Democrático de Direito.
2 Direitos Humanos.
Atualmente, quando ouvimos a expressão Direitos Humanos, rapidamente, vêm-nos a ideia de um grupo de pessoas querendo defender os direitos dos criminosos, visando tutelar apenas os direitos destes.
Contudo é no estudo dos Direitos Humanos, que verificamos a presença das garantias mínimas para o desenvolvimento da personalidade humana contra o arbítrio do poder estatal.
Foi com a Escola Iluminista que os primeiros pensamentos sobre o tema foram desenvolvidos.
A independência dos Estados Unidos da América de 1776, seguida da revolução francesa de 1789, foram os primeiros movimentos que marcaram a individualização dos direitos dos sujeitos, traçando limites à esfera de decisão do Estado.
Não haveria nada de novo, em dizermos que os direitos fundamentais e seus valores não foram reconhecidos de imediato. Deu-se paulatinamente no decorrer dos anos, e para conquista desses direitos, muitas vidas foram ceifadas.
Encontramos no cristianismo um grande impulso para a tutela da dignidade do homem, pois o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus.
Existiram outras movimentações neste sentido, como a Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776 e a Declaração Francesa de 1789. (MENDES, 2009, p.232)
Nos dias contemporâneos, a Comissão dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, após o mundo ter sofrido o maior derramamento de sangue da história da civilização humana, durante a Segunda Grande Guerra Mundial, concluiu o projeto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo aprovada em 10 de dezembro do mesmo ano, a qual podemos considerá-la como um código político e moral, que serve como guia à conduta prática dos estados e dos indivíduos. (GORENDER, 2004, p. 25)
Narra José Bittencourt Filho que a noção de Dignidade da pessoa humana se envolve em muitas dimensões da realidade, muito embora tenha como base o fato de que o ser humano, na qualidade de ente autônomo e racional, é capaz de conduzir-se por normas que ele próprio formula e estabelece. (FILHO, 2006, p.51)
Ampliando o entendimento, podemos chegar a conclusão que a dignidade da pessoa humana serve como fundamento da ordem política, da paz e da justiça no mundo, devendo atuar como freio frente ao exercício abusivo dos direitos. (SILVA, 2009, p.153)
Neste prisma, os direitos humanos reconhecidos pela Constituição, comumente são denominados como direitos fundamentais, que são vigentes num ordenamento jurídico concreto, sendo limitados no tempo e no espaço. (SIQUEIRA JÚNIOR, 2009, p.14)
Desta forma, Direitos Humanos, são cláusulas básicas, superiores e supremas que todo indivíduo tem que possuir frente à sociedade de que faz parte. Os Direitos humanos que o Estado reconhece, são denominados como direitos fundamentais, pois frequentemente estão contidos nos textos das constituições. (SIQUEIRA JÚNIOR, 2009, p.22)
Para que pudéssemos falar em cidadania, bem como em Direitos Humanos, muitas pessoas destinaram suas vidas para a conquista dos referidos direitos.
Por isso, o constituinte brasileiro de 1988, também determinou no artigo 1º, inciso III, como preceito fundamental para a constituição do Estado Brasileiro.
3 Acesso à Justiça e seus reflexos.
Com o passar dos séculos a ideia de acesso à justiça vem sofrendo importantes mudanças no estudo do processo.
Inicialmente nos Estados liberais o pensamento predominante era o laissez- faire (não interfiram em português), em que todos eram presumidamente iguais, não se importando com as características das partes.
Não se levava em conta distinções patrimoniais, sociais, ou qualquer outra, de maneira que os problemas reais dos indivíduos sequer adentravam no campo das preocupações doutrinárias em torno do Direito Processual. (THEODORO JÚNIOR, 1997, p.49)
Assim como outros bens, a justiça no sistema laissez-faire apenas poderia ser obtida por quem possuísse condições para arcar com as custas da demanda judicial. Os não que tivesse tal condição eram considerados os únicos responsáveis pela sua sorte.
O juiz federal do Rio Grande do Norte Ivan Lira de Carvalho, ao iniciar a discussão sobre o tema, faz as seguintes indagações.
Será que teve acesso à justiça a pessoa que consegue ajuizar uma ação? Ou será que somente pode ser dito que logrou esse status alguém que efetivamentefoi ao judiciário em posição de igualdade com os seus contendores, obtendo um provimento equilibrado e a tempo de definir e dar efetividade aos seus direitos? Justiça é sempre sinônimo de Poder Judiciario? (CARVALHO, INTERNET E O ACESSO Á JUSTIÇA, p.2)
Ensina Cappelletti que o acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva. Devendo a expressão acesso à justiça trazer o sentimento de que o sistema deve ser igualmente acessível a todos, e deve produzir resultado individual e socialmente justo. (CAPPELLETTI, 1988, p.9)
Concentrando nossa atenção no Brasil, observamos que desde 1946 as constituições pátrias, asseguram de forma expressa o acesso à Justiça (artigo 141, §4º), cumprindo observar que a Constituição de 1988 inovou ao garantir o acesso à justiça também no caso de ameaça a direito.
Devida tamanha importância o tema integra o rol dos Direitos Humanos, pois toca diretamente a dignidade da pessoa humana e age como limitador da atuação do Estado.
O Estado de Direito, tem com um de seus alicerces, o princípio da legalidade, regendo, a convivência social, tal princípio tem tamanha relevância que ganhou vestimenta de garantia constitucional, concedendo o direito de ingressar em juízo, para se defender de ameaças ou agressões, a qual quer bem seja material ou imaterial (artigo 5º XXXV da Constituição da República).
Ter esse direito o acesso à justiça encarado como garantia constitucional, não é privilegio apenas dos brasileiros, observando respectivamente as cartas da Alemanha, no artigo 103 (1); Portugal, 20, (1 e 2); Espanha, 24, (1), verificaremos que outros povos também adotam o mesmo pensamento que o nosso.
Artículo 103-...
(1) Todos tienen el derecho de ser oídos ante los tribunales.
Artigo 20-...
(1) A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
(2) Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
Artículo 24-...
(1) Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión.
Além de ser amplamente difundido, é uma das características basilares do Estado de Direito, porque tem o condão de evitar a autotutela.
Como já visto, podemos dizer que direitos humanos, são as cláusulas básicas, superiores e supremas, que todo indivíduo deve possuir em face da sociedade em que está inserido, estas são oriundas das reivindicações morais e políticas que todo ser humano anseia perante a sociedade e governo, sendo válidas para todos os povos e em todos os tempos.
No que tange o Judiciário, o respeito ao princípio à dignidade humana deve ser o primeiro princípio a ser observado ao interpretar uma norma jurídica. (SIQUEIRA JÚNIOR, 2009, p.142)
Assim podemos dizer que o acesso à justiça atua como elemento instrumental da dignidade humana, pois através dele que os homens podem exigir a efetivação de seus direitos. Devemos considerar que este instrumento não apenas possibilita o ingresso no Judiciário, mas, também garante um processo célere e efetivo respeitando os demais princípios processuais.
Desta maneira, deve ser compreendido como o trajeto que vai do começo ao fim da relação processual, representando muito mais que o simples acesso.
Também traz em seu seio, condições basilares para existência da cidadania no sentido mais amplo da palavra.
Na verdade, acesso à justiça é uma expressão que comporta um elevado grau de complexidade, na proporção em que existe para determinar finalidades, básicas do sistema jurídico, ou seja, o sistema por meio do qual os cidadãos e cidadãs podem reivindicar seus direitos e/ou solucionar litígios sob os auspícios do Estado. Por princípio deve ser considerado que este sistema deve ser igualmente acessível a todas as pessoas, e acima de tudo, deve produzir resultados ? individual e socialmente ? justos. Portanto, o acesso à justiça seria um elemento constitutivo da identidade do Estado de Direito e um fator fundante e essencial para a concretização do Estado Democrático de Direito. E isto em virtude de que o acesso à justiça possui o condão de garantir a concretização de um princípio básico da arquitetura democrática ? a isonomia. Se todas as pessoas são iguais perante a lei, a administração e a aplicação da justiça podem e devem tornar-se instrumentos eficazes no combate à desigualdade. (FILHO, 2006, p.48)
O grande entrave ao acesso à justiça continua sendo os fatores econômicos, e sociais, pois a movimentação da "máquina judiciária", é exacerbadamente dispendiosa, de modo que havendo o monopólio estatal na resolução dos conflitos, verificam-se gastos com funcionários e a formação destes, entre outros materiais, sejam humanos ou não. (CARVALHO, 2010)
Diante do exposto, fica claro que o acesso à justiça é um direito fundamental do cidadão.
Hodiernamente, cada vez mais, aspira-se por uma Justiça que implemente a vontade da lei material, através de órgãos devidamente preparados, do ponto de vista técnico, com o menor custo e maior brevidade. (THEODORO JÚNIOR, 1997, p.45)
A falta do acesso à justiça, e a diminuta percepção dos próprios direitos, são causas que demonstram a grande deficiência na cidadania da grande maioria da população brasileira. (FILHO, 2006, p.72)
E para alcançar a efetivação, há a necessidade de se adotar providencias urgentes, faz-se mister projetar mudanças na estrutura do Judiciário, desde a propositura da demanda, bem como a busca incessante de novas técnicas e tecnologias para o curso do procedimento. (DELGADO, 1999, p.1)
A adoção de novas tecnologias certamente traria melhoria expressiva aos problemas oriundos do acesso à justiça, favorecendo não somente o ingresso, mas todo o deslindo do litígio, fornecendo à "maquina judiciária" meios de se tornar menos dispendiosa ao Estado, trazendo a eficácia tão sonhada aos que procuram o Poder Judiciário.
Flávio Luis de Oliveira, narra que, quando desejamos falar em efetividade destes comandos, há necessidade de os direitos sociais serem plenamente observados pelo Poder Público, com a materialização das políticas públicas necessárias a tanto.
Prosseguindo, ensina que, quando tais direitos não são observados naturalmente, seja por omissão do Poder Legislativo, ou do Poder Executivo, quando se esquivam de suas atribuições, surge para o Poder Judiciário, o dever de fazê-lo. Para tanto, exige que os magistrados, sejam criativos, para desta forma possam colaborar com o alargamento do controle judicial e o avanço da concretização da Constituição. (OLIVEIRA, 2008, p.91)
Como podemos observar, o acesso à justiça é gênero, do qual os demais princípios processuais constitucionais seriam espécie oriunda deste.
Apenas a título informativo observamos que na obra dos professores Cintra, Grinover e Dinamarco, mencionam a existência de princípios gerais do Direito processual, como a imparcialidade do juiz; a igualdade; a ampla defesa e o contraditório; a ação (processo inquisitivo e acusatório); a disponibilidade e indisponibilidade; a livre investigação das provas; o impulso oficial; a oralidade; a persuasão racional do juiz; a motivação das decisões; a publicidade; a lealdade processual; a economia e instrumentalidade das formas; e o duplo grau de jurisdição. (CINTRA, 2009, p.56)
Portanto, todo sujeito tem o direito de obter a prestação da tutela jurisdicional do Estado, e este, deve prestá-la em tempo razoável, de maneira adequada, buscando os ideais de justiça.
4 A Duração Razoável do Processo.
Através dos anos, o Poder Judiciário brasileiro, vem demonstrando sua desmedida falha em proporcionar aos jurisdicionados uma justiça em tempo razoável, tornando-se violentamente, injusto e antidemocrático, na prolação de tardinheiras decisões, que se tornam mais angustiosas e dispendiosas, quando não muito raro, o real motivo da demanda é diminuído ou ainda desaparece. (DINAMARCO, 2010)
A demora na obtenção dos julgamentos tem sido uma das grandes preocupações em todo o mundo. No Brasil, os problemas são altamente gritantes, sendo visível a insuficiência do sistema para atender a demanda.
As causas que obstaculizam o desenvolvimento do processo são de várias naturezas, e estão associadas a fatores políticos, sociais, econômicos, e jurídicos. (HENDGES, 2008, p.20)
A duração razoável do processo é garantia constitucional elencada no artigo 5º, inciso, LXXVIII, que foi incluso pela Emenda constitucional nº45/04, também está presente no artigo 8º, 1, da Convenção Americana dos Direitos Humanos, conhecida popularmente como Pacto de San José da Costa Rica, o qual o Brasil é signatário desde 1978, sendo incorporado em nosso ordenamento jurídico no ano de 1992, pelo decreto 678/92.
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
[...]
Artigo 5º- [...]
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
A referida garantia, emergiu aos nossos olhos a possibilidade de reforçar a exigência de uma tutela jurisdicional mais célere, preservando ainda a boa qualidade da decisão.
Nunca houve nexo em relacionar a longa demora na prestação da tutela judicial com a boa prestação, aceitando este posicionamento, jamais verificaríamos tantas irregularidades nas decisões exaradas pelo Poder Judiciário, como encontramos hodiernamente.
No mesmo teor, concordo com o que disserta a juíza federal Carla Evelise Justino Hendges, quando diz que são desastrosas as consequencias da entrega tardia da prestação jurisdicional, interferindo na implementação dos próprios direitos e garantias, e ainda tornam desacreditados o Estado e as instituições jurídicas.
Continuando, narra que, os reflexos desta tardia prestação jurisdicional, prejudicam a sociedade num todo, e não apenas a esfera jurídica. A lentidão interfere na economia do país, estimula a especulação e a inadimplência. Repercutindo mais gravemente, nos interesses dos desfavorecidos, podendo esses denegar os seus direitos, ou ainda na ânsia de ver sanada a demanda, compor acordo que lhe deprecie totalmente o pleiteado.
Já afirma com muita propriedade, Sergio Massaru Takoi, não é necessária muita imaginação para vislumbrar o sofrimento de uma pessoa que fica privada de seu bem jurídico enquanto perdura o processo.
O Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, José Carlos Barbosa Moreira, ensina que:
Importa verificar que significa a elevação da norma ao nível constitucional. Para não relegá-la ao plano das simples normas "programáticas", sem impacto direto na realidade, deve-se cogitar, ao meu ver, de pelo menos duas conseqüências primaciais: 1ª) será incompatível com a Carta da República, e portanto inválida, qualquer lei de cuja aplicação haja de decorrer claro detrimento à garantia instituída no texto; 2ª) a violação da norma, por parte do Poder Público, acarretará a responsabilidade deste pelos danos patrimoniais e morais ocorridos.2 Só haverá o risco de que, multiplicando-se os pleitos desse gênero, fiquem ainda mais congestionadas as vias judiciais e, com isso, mais se entorpeça o andamento dos processos. (MOREIRA, 2006, p.62)
Demarcado o direito ao acesso à justiça, como direito fundamental do homem e demonstrado o clamor do povo por um modelo de justiça que seja célere, que vise resguardar os valores e ideais de justiça, fica mais uma vez gravado o pedido de um cidadão que deseja um dia ver os direitos da coletividade devidamente cumpridos.
REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre. Fabris, 1988.
CARVALHO, Ivan Lira de. A internet e o Acesso à Justiça. Disponível em: