DIREITO À IDENTIDADE E O TRANSEXUAL: AS GARANTIAS CIVIS QUANTO À OPÇÃO SEXUAL

Por Ivan Wilson de Araujo Rodrigues Junior | 15/05/2017 | Direito


Ivan Wilson de Araujo Rodrigues Junior[1]  

Sumário: Introdução; 1 – Garantias civis da pessoa natural; 1.1 – Quanto aos direitos individuais; 1.2 – Quanto aos direitos da família; 2 – Mutação Constitucional; 3 – Direitos da personalidade; 3.1 – Registro Civil; Considerações finais; Referências.

RESUMO

O presente trabalho vem abordar questões do hodierno, sendo embasados, portanto em analogias passadas, no tocante aos direitos dos transexuais, aos quais foram conquistando espaço na lei, sendo analisados quanto ao direito da família assim como ao registro civil no que se pode constatar em modificações na lei.

 

Palavras-chaves: Transexuais; Direitos; Mutação; Garantias.

INTRODUÇÃO

A presente obra vem envolver o tema apresentado para uma análise do caso no tocante as garantias conquistadas pelos transexuais no que diz respeito à mutação constitucional em que o STF (Supremo Tribunal Federal) analisou e aprovou na CF (Constituição Federal) artigos 226 §3º.

Serão analisadas diante do exposto no sumário as garantias civis da pessoa natural, quanto ao nome, estado e domicilio, o primeiro relacionado ao registro civil que será detalhado no último capítulo da obra, mas não menos importante, o qual enfatizará os direitos e deveres dos transexuais. Assim como o direito em relação à família, envolvendo a decisão do STF sobre a mutação constitucional já referida em parágrafo anterior e que será detalhada, tendo um capítulo próprio para tal tema.

Por fim, seguindo ao terceiro capítulo e último da obra, será analisado, ou melhor, detalhado, o que foi citado no primeiro capítulo, o direito da personalidade em relação ao nome do indivíduo, sendo destrinchado no que diz respeito ao registro civil, o qual é um dos direitos adquiridos pelos transexuais.

De fato o que foi explicitado nesta síntese será detalhadamente destrinchado ao longo da presente obra. Tendo como tema principal a conquista de direitos e garantias pelos transexuais, importando á estes, que por um direito natural, fizeram com que a constituição sofresse uma mutação assim como obtivessem direitos no código civil. 

  1. GARANTIAS CIVIS DA PESSOA NATURAL

1.1.   Quanto aos direitos individuais

A primórdio e como já suscitado no início desta pesquisa, este tópico será voltado a analisar os direitos individuais de cada ser, no que diz respeito ao seu nome, estado e domicílio. Tais aspectos são o que levam a individualização do indivíduo dos demais, trazendo assim um registro de sua pessoa física, as diferenciando, por sua vez, das pessoas jurídicas.

O nome é algo que integra a personalidade da pessoa natural, este será mais bem detalhado no último capítulo, ao qual envolve o registro civil. O que podemos antecipar desde já para uma melhor compreensão é o que já cita a conceituada civilista Maria Helena Diniz em seu livro Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 1:

 “O nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade; daí ser inalienável, imprescritível e protegido juridicamente” (DINIZ, Maria Helena)[2]

Fica claro, portanto que o nome é algo fundamental à pessoa natural, pois é a partir deste que o individuo estará protegido juridicamente.

A partir deste pensamento podemos citar também alguns artigos do código civil de 2002, que assegura o nome como um direito do individuo, dando a segurança jurídica, já citado no parágrafo anterior. São estes os artigos 16, 17, 18 e 19, ao qual garantem segurança ao nome da pessoa natural.

Quanto ao estado da pessoa natural podemos trazer o seguinte conceito:

“O estado da pessoa é a qualificação que ela tem na sociedade, seu modo particular de existir.” (BEVILÁQUA, Clóvis)[3]

Este estado, ou modo de existir, como defende Beviláqua, é dividido em três modos, o individual, o familiar e o político.

O estado individual dá-se no tocante ao sexo, seja ele, masculino ou feminino, idade, sendo maior ou menor e quanto à saúde, caso a pessoa seja são ou insana. Trazendo a idade para ser debatida, esta tem fundamental importância, pois é a partir dela, assim como a saúde, que o sujeito apresenta-se capaz ou incapaz para realizar atividades civis no meio da sociedade, assim como prescrevem os artigos 1º ao 10º do código civil de 2002. Portanto, podemos dizer que este estado é “o modo de ser da pessoa sob aspecto de sua constituição orgânica”[4].

O estado familiar consiste na posição da pessoa na família, considerando-o como solteiro, casado, viúvo e ainda separado ou divorciado, como cita Maria Helena Diniz, em relação ao matrimônio. Ou também podemos presenciar a posição do indivíduo quanto ao parentesco familiar, sejam eles pai, mãe, filho, avô etc.

O estado político é aquele que define a naturalidade da pessoa, caso esta seja estrangeira, natural ou naturalizada. Tal estado pode ser definido através da nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 12, cujos incisos I e II classificam assim tal estado do indivíduo.

Seguindo, portanto, o pensamento, temos ainda o domicílio da pessoa natural, ao qual este está resguardado pelo Código Civil em seu livro I, título III, são estes os artigos 70 aos 78. Analisaremos tal pensamento através da seguinte citação:

 “O domicílio civil, segundo o art. 70 do Código Civil, é o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com ânimo definitivo, tendo, portanto, por critério a residência. E acrescenta no art. 72 que: ‘É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida’. Com isso admite-se o domicílio profissional, quebrando-se o princípio da unidade domiciliar. Tanto o local da residência como o do exercício da profissão são considerados domicílios, por ser comum, hodiernamente, nos grandes centros urbanos, que as pessoas residam numa localidade e trabalhem em outra.”[5] (DINIZ, Maria Helena)

Desta maneira devemos analisar que Maria Helena Diniz deixa claro quanto ao domicilio da pessoa natural, e que se deve constar aqui que enquanto o domicilio da pessoa natural pode ser plúrimo, ou seja, podendo haver dois ou mais domicílios como exposto em tal citação, para a pessoa jurídica seu domicílio é apenas sua sede.

Estes são alguns aspectos dos direitos individuais da pessoa natural. Sendo assim partiremos ao segundo tópico referente aos direitos da família.

1.2.   Quanto aos direitos da família

Prosseguindo, portanto na mesma linha de raciocínio do tópico anterior, abordaremos aqui os direitos da pessoa natural no meio familiar, ou melhor, seus direitos quanto à formação da família e seu conceito trazido pela constituição.

Antes de tudo, para que um indivíduo possa constituir família este deve ser capaz de fato, ou seja, aquele que após atingir a maioridade civil possa interagir em atividades civis na sociedade, pois já sera capaz de tais fatores. Maria Helena Diniz, em seu livro, cita que “a capacidade jurídica é a condição ou pressuposto de todos os direitos”[6].

Desta maneira o sujeito é capaz quando assim cessa sua incapacidade, tal característica está prescrita no artigo 5º do código civil[7]. Após isto o indivíduo estará apto a casar-se, compondo assim família. Há exceção, que a incapacidade cessará antes da maioridade como previsto no parágrafo único deste artigo[8].

A partir destes pontos o individuo possui o direito de fato, no tocante ao casamento, para que assim possa ser formada uma nova família.

Devemos considerar também que para a Constituição Federal, artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Mas, para a presente obra é relevante que destaquemos o §3º deste artigo, assim como o artigo 1723 do código civil, aos quais conceitua família e que será abordado no próximo capítulo.

 

  1. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

À primeira vista devemos analisar o significado do presente capítulo. O que seria mutação constitucional? Para isso embasaremos este estudo também em livros de Direito Constitucional, como o de Gilmar Mendes.

Para Gilmar Mendes:

“... a Constituição muda, sem que as suas palavras hajam sofrido modificação alguma. O texto é o mesmo, mas o sentido que lhe é atribuído é outro. Como a norma não se confunde com o texto, repara-se, aí, uma mudança da norma, mantido o texto. Quando isso ocorre no âmbito constitucional, fala-se em mutação constitucional.”[9]

Desta maneira é válido afirmar que a mutação constitucional altera a interpretação da norma constitucional, sem que o texto físico, formal, seja alterado.

É mediante este fator que os transexuais conquistaram o direito de união estável, ou melhor, o direito de família, na Constituição Federal, no tocante que após tal mutação os homossexuais possuem proteção do Estado como família, caso haja união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Tais direitos estão previstos no artigo 226 da Constituição Federal, como já citado acima, mas com foco principal em seu §3º[10]. Tal artigo sofreu uma mutação constitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o qual por unanimidade de votos foi aceito de acordo com a ADPF 132, o qual assim cita:

“DESPACHO: Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental na qual se requer ‘que esta Corte declare: (a) que é obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; e (b) que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo’” (fl. 2). (STF)[11]

 

Através de tal despacho é que se garante o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e é válido, portanto afirmar que a partir deste ponto pode-se perceber uma evolução quanto aos direitos dos transexuais assim como uma modernização da Constituição, pois se sabe que tal decisão importa uma questão cultural.

Todavia, mediante este fator, o artigo 1723 do Código Civil[12] deva ser interpretado da mesma maneira que a Constituição, embasando-se na ADPF 132.

Assim, de igual modo, os transexuais foram conquistando direitos e garantias, tais serão detalhados no próximo capítulo, o qual explanará à respeito do direito de alteração do nome após a cirurgia destes, assim como demais direitos conquistados.

 

  1. DIREITOS DA PERSONALIDADE

3.1.   Registro Civil

No tocante a este capítulo, para este tópico, abordaremos de início o direito dos transexuais na alteração do nome. Mas primeiro analisaremos as possibilidade de alteração do nome no código civil.

Assim como exposto no primeiro capítulo desta obra, a respeito do nome, este é a individualização do sujeito. O nome como caracterizado no artigo 16 do código civil, assim expõe: “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. O prenome é o usual primeiro nome, enquanto que o sobrenome é também conhecido por patronímico.

A alteração do nome só é permitida ao prenome e para casos específicos. O patronímico não é permitido mudança. Tratando-se do prenome, Maria Helena Diniz, em seu livro Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 1, identifica que a sua alteração só é possível em casos que:

  • Expuser o seu portador ao ridículo;
  • Houver erro gráfico evidente;
  • Causar embaraços no setor eleitoral;
  • Houver apelido público notório;
  • For necessária alteração de nome completo para proteção da vítima;
  • Houver parentesco de afinidade em linha reta.

Tais fatores são reconhecíveis e plausíveis de mudanças, mas o que nos interessa é um caso que não foi citado ainda, caso haja mudança de sexo. Tal fato é possível após a cirurgia de mudança do sexo, ou seja, dos transexuais, mas o que deve ser debatido é em que situações são possíveis tais cirurgias.

De acordo com a Constituição, tais cirurgias, seja ela de mudança de sexo, são proibidas por acarretarem em mutilação do próprio corpo, sendo lícitas apenas quando prescritas por exigência médica, ou correção de alguma anomalia etc. De acordo com o Enunciado n. 6 aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CJF), assim dispõe: “A expressão exigência médica contida no art. 13, refere-se ao tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente”.[13]

Desta maneira, como suscitado acima, a cirurgia de transexualidade fica permitida, assim como a mudança do prenome caso esta seja praticada. Mas devemos perceber que a alteração do prenome é válida, contudo o sexo na carteira de identidade não é alterado.

Partindo deste ponto, Maria Helena Diniz nos traz um exemplo relevante ao caso em que estamos debatendo. Um caso ocorrido em São Paulo, 1992:

 “... pela primeira vez o Cartório de Registro civil averbou retificação do nome João para Joana, consignando no campo destinado ao sexo ‘transexual’, não admitindo o registro como mulher, apesar de ter sido feita a cirurgia plástica, com extração do órgão sexual masculino e inserção de vagina, na Suíça. Não permitindo o registro no sexo feminino, exigiu-se que na carteira de identidade aparecesse o termo ‘transexual’ como sendo o sexo de sua portadora. O Poder Judiciário assim decidiu porque, do contrário, o transexual se habilitaria para o casamento, induzindo terceiro em erro, pois em seu organismo não estão presentes todos os caracteres do sexo feminino (Processo n. 621/89, 7ª Vara da Família e Sucessões).”[14]

Através deste exemplo podemos constatar, que apesar dos grandes avanços que os transexuais obtiveram ainda não se pode conceder tamanha garantia quanto a mudança do nome, pois além de mudanças civis, envolve toda uma questão sexual, no que diz respeito a situação de o transexual ser habilitado ao casamento induzindo um terceiro ao erro, ou seja, certo sujeito casar-se com um transexual sem saber de tal procedência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto no presente trabalho, é derradeiro concluirmos, que os transexuais possuem opção pela escolha do sexo, sendo garantida a eles tal opção, inclusive no que diz respeito à composição de família em união de pessoas do mesmo sexo, direito obtido pela mutação constitucional explanada no capítulo dois desta obra.

Apesar das grandes mudanças que foram enfrentadas nas leis e códigos que regem o país, ainda há certa “pobreza” quanto a essas garantias dos transexuais, no tocante que tais mudanças ainda são recentes.

Essas mudanças que vieram à tona nesta década acarretam fatores sociais, envolvendo certa cultura patriarcal vivida pelos brasileiros que aos poucos vão se modificando. Tais mudanças não podem ser impostas de imediato para que não cause tumulto quanto às questões dos direitos.

Portanto, é válido que ratifiquemos que o direito a identidade do transexual, como proposto no tema é claramente debatido nos capítulos explicitados, ficando claro quanto as suas garantias assim como deveres que hodiernamente já constam perante a Constituição Federal de 1988.

De fato, o que foi debatido aqui e o que esta sendo vivido, tem acarretado em inúmeras mudanças na legislação brasileira.

Concluímos, portanto, com vista em todo o exposto no presente trabalho esta pesquisa, que se findou apenas em explanar o tema, embasando-se em consagrados autores para o Direito Civil, assim como Constitucionalistas, tendo um olhar crítico para a evolução desses direitos e garantias e deveres que os transexuais alcançaram e vem alcançando.

REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013. 

VIANA, Marco Aurelio S.. Curso de direito civil: parte geral. V. 1. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. 

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso. 

BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007. 

MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2013. 

HOGEMANN, Edna Raquel. O biodireito de mudar: transexualismo e o direito ao verdadeiro eu. Disponível em: < http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9668>. Acessado em: 18/05/2013. 

CHAVES, Marianna. O julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277 e seus reflexos na seara do casamento civil. Disponível em: . Acessado em: 18/05/2013. 

[1] Acadêmico do Curso de Direito pela UNDB;

[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013, cit., p. 230.

[3] BEVILÁQUA, Clóvis Teoria Geral. Cit., p. 80.

[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso. Cit., v.1, p. 76.

[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013, cit., p. 251.

[6] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013, cit., p. 131.

[7]Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”.

[8]Parágrafo Único: Cessará, para os menores, a incapacidade:”

[9] MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2013. Cit., p. 134.

[10] §3º “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

[11] Acesso em: . Acessado em: 18/05/2013.

[12] Art. 1723 “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

[13] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013, cit., p. 140.

[14] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013, cit., p. 240.