DILEMA DO PRISIONEIRO E A DELAÇÃO PREMIADA...

Por Dérick Macêdo Silva | 07/11/2016 | Direito

DILEMA DO PRISIONEIRO E A DELAÇÃO PREMIADA: POSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO, APÓS O COMETIMENTO DO CRIME, DE “PERMISSÃO” PARA ASSIM TER FEITO¹

Dérick Macêdo Silva²

Paulo Silas Pereira Boás³

José Cláudio Cabral Marques4

 

RESUMO

Estudo realizado sobre a aplicação da jogada do instituto da delação premiada, advinda do Estado, como jogada que, embora objetive combater a criminalidade, ao mesmo tempo concede “permissão legal” para sua ocorrência e consequente imunidade ao agente criminoso. Para tanto, analisar-se-á a Teoria dos Jogos, a qual visualiza o processo penal como um jogo, explicitando o Dilema do prisioneiro, que condiz com o referido instituto, nela encontrada. Em seguida, se explicitará em que consiste a delação como gênero e sua espécie premiada, bem como as particularidades de ambas. Por fim, debater-se-á se, valendo-se do instituto, pode-se mesmo conseguir a referida permissão e não

INTRODUÇÃO

Prêmio: barra de ouro para um dos jogadores. Jogo: futebol de botão. Espaço: tabuleiro. Regras: várias. Um juiz. Dois jogadores: time A, time B. Placar: 1x1. Tempo acabando. Parte-se para o ataque ou espera-se o contra-ataque? Tenta-se levar a partida para os pênaltis ou o oponente sabe defender e chutar melhor? Espera-se um deslize ou vai para o tudo ou nada? O que fazer? O que, provavelmente, o oponente fará?

Prêmio: absolvição ou menor pena possível para um jogador e, para o outro, ver o réu responder pelo que fez. Jogo: processo penal. Espaço: tribunal. Regras: várias. Um juiz. Dois jogadores: acusação, defesa. Placar: 1x1. Processo acabando. Mantém-se firme quanto ao posicionamento? Parte-se para um novo viés? Um acordo, talvez?  O que fazer? O que, provavelmente, o oponente fará?

Ao se comparar as situações, facilmente se constata que o processo penal é como um jogo. Vê-lo assim inclusive simplifica seu entendimento, por vezes difícil. Assim como em qualquer jogo, no jogo processual há, dentre outras coisas, a análise das melhores estratégias e táticas a serem escolhidas frente às do oponente. Há uma interação não cooperativa entre os jogadores. Estão interdependentes um do outro, pois só poderia seguir com o melhor caminho depois de analisar qual seria o caminho a ser seguido pelo outro. Eis justamente a Teoria dos Jogos.

Basicamente, a Teoria dos Jogos afirma que, antes de jogar, deve-se verificar qual será a jogada do oponente para não haver precipitação e erros. Porém, nem sempre a resposta é tão simples. No exemplo do jogo de futebol de botão, o arriscar, ou não, pode trazer a derrota certa, pois não há mais tempo para correções. Do mesmo modo ocorre em diferentes momentos do jogo chamado processo penal.

No processo penal, muitas vezes é dada ao acusado a possibilidade de dedurar o(s) companheiro(s), inclusive havendo a possibilidade de aquisição de alguns benefícios caso assim o faça. Trata-se do instituto da delação, ou chamamento, do corréu, no qual encontramos a espécie da delação premiada. Aqui, o acusado se utiliza bastante da teoria já mencionada. Há a análise das possíveis atitudes a serem tomadas, tendo como parâmetros prováveis atitudes da acusação, bem como das consequências advindas de cada uma, sejam positivas, sejam negativas. Dessa análise, porém, comumente vem um dilema: trair ou confiar, delatar ou não delatar, pois, a depender da escolha, pode-se ir de bom a pior. Trata-se do Dilema do Prisioneiro, encontrado na Teoria dos Jogos.

Apesar de o Dilema do Prisioneiro, por ser um “dilema”, já denotar um problema, o que se abordará nos capítulos a seguir não será ele em si, mas o que se tem “a partir” dele e das opções vistas com a utilização da teoria supracitada. Atente-se a esta situação: A e B não são amigos nem inimigos. Notaram que, em razão da qualidade de cada um, poderiam cometer um crime e ficar milionários. Muito malandro, A faz um levantamento sobre o caráter e o passado de B, e nota que ele nunca traiu seus companheiros (Dilema do Prisioneiro previamente analisado). Conhecendo o instituto da Delação Premiada e seus prêmios, A prepara tudo para ver atendidos seus requisitos e fortemente fazer jus ao benefício da extinção da pena e ainda ficar com parte do que fora roubado. Em outras palavras, A prepara tudo para adquirir uma “permissão legal” para ter cometido o crime, não responder por ele através da jogada calculada do instituto da Delação Premiada e, ainda, levar parte do produto.

A Delação Premiada, sem dúvida nenhuma, não foi criada com o fim de conceder “permissão legal” para cometer crimes. Porém, indaga-se se não houve um equivoco e isto, de algum modo, acaba por acontecer. Deste modo, segue-se com um estudo mais detalhado sobre a Teoria dos Jogos no processo penal, incluindo seu ponto Dilema do Prisioneiro, para posteriormente tratar da Delação premiada e, por fim, responder a indagação.

1 Teoria dos Jogos: vamos jogar processo penal?

Tudo, senão quase tudo na vida pode ser visto como um jogo, independente de seu tempo de duração (longo, médio ou curto). A teoria responsável por essa visão consiste na Teoria dos Jogos. Ver as coisas dessa maneira facilita e simplifica a compreensão de muita coisa, inclusive do processo penal, como já mencionado.

A noção de jogo é antiga e, com Johan Huzinga – Homo Ludens –, pode-se dizer que é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve. E todo jogo significa alguma coisa no sistema da vida, especialmente na descarga de adrenalina, nos estados de tristeza e êxtase que proporciona. No jogo se pode unir tensão, estratégia, táticas, alegria, dissabor mudanças repentinas de posição, enfim, o jogo é a metáfora da vida. Daí a pretensão de integrar o jogo no campo do processo penal. (ROSA, 2014, p. 15)

Carvalho (2007, p. 215 apud REIS; OLIVEIRA, 2011) conceitua a teoria ora em análise como “um método utilizado para representar e compreender as decisões tomadas por agentes que interagem entre si. Também é correto afirmar que, a partir dessa compreensão, constitui um meio para a adoção da melhor escolha nos casos de interação”. Essa interação diz respeito ao “conflito de interesses, o que obriga a que cada participante do jogo escolha a melhor estratégia para si, mas considerando, também, a melhor estratégia para cada um dos demais jogadores”, afinal, cada um busca maximizar seus ganhos e, consequentemente, minimizar os dos outros.

Valendo-se das palavras de Alexandre de Morais Rosa (2014, p. 23-24, grifo nosso) para reforçar essa interdependência e consequente necessidade de análise prévia para que então se possa tomar a melhor escolha, tem-se que a “metáfora da teoria dos jogos como instrumento de compreensão do processo penal parte da pressuposição de que o resultado processual não depende exclusivamente da performance de um dos jogadores [...]”.

Em suma, a Teoria dos Jogos estabelece que se faça a análise do melhor caminho a ser seguido, frente os existentes, as consequências advindas de cada um e o caminho mais provável de escolha pelo outro jogador dentre os que ele possui como alternativas. “[...] através dessa teoria os jogadores se posicionam da melhor forma para obter o resultado desejado” (ALMEIDA, 2006, p. 01). Trazendo-se essas alegações no contexto processual penal, antes de a acusação ou defesa arguir qualquer coisa, deve pensar em qual serão os apontamentos do outro para se prepararem ainda mais, prevenirem atos que desmereçam o que vão elencar, enfim, seguirem com a melhor linha de raciocínio em prol de seus fins.

Na introdução, citaram-se dois jogos: de futebol de botão e de processo penal. Na descrição da situação de ambos os jogos, mencionaram-se o prêmio, espaço, tempo, regras, juiz e jogadores de cada um. Isto é, no processo penal há, como em todo e qualquer jogo, tais elementos. Quanto aos quatro primeiros (ROSA, 2014, p. 16):

No jogo processual as regras são impostas pelo Estado e sustentadas pelo magistrado. Limita o tempo, desde a denúncia até o transito em julgado, bem assim o espaço (Tribunal) em que será jogado. É dinâmico e com a possibilidade de mudança, alternância, vitória, empate ou derrota. E pode se renovar (jogos repetitivos ou noutras instancias recursais). 

Enquanto que em relação aos dois últimos (ROSA, 2014, p. 39):

Considerada a estrutura do processo penal se postam dois jogadores> acusação (e seu assistente) e defesa (direta e indireta). Em ambos os casos considera-se, em princípios, como agentes racionais em busca de realização da estratégia pretendida, ou seja, vitória. Não se confunde com o julgador, cuja função é coordenar e decidir o jogo, garantindo o cumprimento de suas regras.

A Teoria dos Jogos é posta em prática todo momento e muitos não a percebem. Usam-na e não a percebem. Quem nunca foi comovido por uma data comemorativa, a exemplo da páscoa, dia das mães, natal, virada do ano? Ora, juízes, bem como promotores, delegados, etc., possuem coração e, portanto, estão aptos a sentirem compaixão, ternura. Muitas defesas são elaboradas tendo isto em mente. São estratégias e táticas escolhidas, frente ao que o outro jogador apresentará, em prol da maximização de seus ganhos. É a interação, a interdependência, o jogo não é individual. É a teoria posta em prática.

[...]

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