Dignidade Da Pessoa Humana
Por Rodrigo Hage | 15/04/2008 | Direito"...Família, família
Cachorro, gato, galinha
Família, família
Vivi junto todo dia
Nunca perde essa mania..."
(Titãs)
O Texto Constitucional de 1988 conferiu maior eficácia a institutos primordiais do Direito Civil, sem comprometer sua essência de caráter privado e revitalizando, assim, valores como garantias e direitos fundamentais do cidadão. Iniciava-se uma nova fase para o Direito Civil, a era da constitucionalização do direito, inclusive aqueles pertencentes ao ramo do direito privado, tal qual é o Direito Civil.
Surgia, portanto, a era do Direito Civil-Constitucional, expressão que, nas palavras de Cristiano Chaves essa expressão “quer apenas realçar a necessária releitura do Direito Civil, redefinindo as categorias jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais, da nova tábua axiológica fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), solidariedade social (art.3º, III) e na igualdade substancial (arts. 3º e 5º).”
Assim, a constitucionalização do Direito Civil Brasileiro repudiou a concepção ultrapassada, individualista, tradicional e conservadora elitista da época.
Sob a ótica perlingieriana, deve-se proceder uma releitura do Código Civil à luz da Constituição da República, com uma visão de que “as normas constitucionais – que ditam princípios de relevância geral- são de direito substancial, e não meramente interpretativas.”
Diante desse fenômeno da constitucionalização surge uma nova tábua axiológica de valores em matéria de filiação que são: a funcionalização das entidades familiares à realização da personalidade de sues membros, a despatrimonialização das relações entre pais e filhos e a desvinculação entre a proteção conferida aos filhos e a espécie de relação dos genitores.
A sociedade passou a entender que o homem devia ser compreendido de acordo com os seus anseios, para que assim obtivesse sua realização pessoal, o que contribuiria para o desenvolvimento da família da qual ele era integrante e essa preocupação veio traduzida expressamente na carta magna de 1988, o que veio solidificar a idéia de valorização da pessoa humana nos suas mais específicas necessidades.
O direito tratado no Código Civil de 1916, preocupava-se precipuamente em defender interesses patrimoniais, inclusive nas relações familiares, em que o casamento era instituto que refletia tais interesses, o que o colocava em uma situação de preferência com relação às outras forms de constituição de família, tais como a união estável, desencadeando com isso, uma discriminação entre as formas de constituição de família.
A doutrina mais moderna, portanto, passou a adotar a despatrimonialização do direito, utilizando uma compreensão mais socializada, mais comprometida com uma função social, tendo como escopo a busca por um maior equilíbrio das relações sociais.
Assim, alterações legislativas foram sendo implantadas gradativamente, de modo a melhorar a posição dos sujeitos de família em sua condição de existência na sociedade, respeitada, acima de tudo, a sua dignidade.
A promulgação da Constituição de 1988 representou um marco para o tratamento jurídico da família, ao eleger o respeito à dignidade da pessoa como princípio fundamental do sistema jurídico brasileiro, consoante dispõe o art. 1º, in literis:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana;
O princípio constitucional da dignidade passou a servir de base nas relações da família, o que implicou efetivamente na consolidação da valorização do indivíduo, integrante da instituição familiar como ser em sua individualidade, devendo ser respeitado e atendido nas suas necessidades mais gritantes.
Eleita como princípio norteador do sistema jurídico, a dignidade da pessoa humana elevou o indivíduo como principal fim de proteção e de desenvolvimento de sua personalidade como objetivo primordial.
A dignidade da pessoa humana é colocada no ápice do ordenamento jurídico e encontra na família a base apropriada para o seu desenvolvimento. As relações familiares são, portanto, funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe.
Influenciados por esse novo movimento de constitucionalização do direito, microssistemas foram criados para assegurar ainda mais a proteção da dignidade dos indivíduos. Tais microssistemas, juntos, protegem o indivíduo desde a sua formação, através do Estatuto da criança e do Adolescente até a velhice com o Estatuto do idoso, conforme dispõe nos seguintes dispositivos da Constituição Federal de 1988:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Tem-se com isso que a dignidade é inerente à essência da pessoa humana, donde se extrai que o ser humano é digno enquanto pessoa, simplesmente por existir.
A dignidade tem como macroprincípio a liberdade de escolha, que implica no caso das relações de família, em poder optar pelo tipo de entidade familiar que se quer constituir e que melhor corresponda à realização existencial de cada indivíduo. E, principalmente, esse tipo de escolha não pode ser questionado.
Afinal, a família moderna é formada a partir dos laços de afeto e não mais a partir de convenções como o instituto do matrimônio e o mais importante, essa liberdade é reconhecida constitucionalmente, o que vem a proteger das incansáveis discriminações que ainda subsistem na nossa sociedade.
Dessa forma, tenta-se evitar que a discriminação se prolifere e que o indivíduo não fique à mercê do legislador para eleger o modelo de família mais adequado.
Nesse sentido, não só as relações de família como todo o tipo de relação entre os seres humanos, devem ser tratados sob a ótica do princípio da dignidade humana, tendo em vista a proteção da pessoa na sua individualidade, já que coloca o ser humano como núcleo de qualquer tipo de situação que venha a envolvê-lo.
O filho, fruto da relação entre homem e mulher, independentemente do tipo de relação formada, matrimonializada ou não, deve ser respeitado em sua integralidade, individualidade, e acima de tudo, na sua dignidade.
Assim, o reconhecimento da paternidade deve ser acessível a todos de uma forma eqüitativa, independente de qual seja o método utilizado, o que importa é que o indivíduo conheça as suas raízes, a sua origem, o ponto de partida da sua vida, pois guardará consigo essa referência para onde quer que vá.
Bibliografia
ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto. Aspectos da Paternidade no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 42, 54 e 55.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Direito de Família e o Novo Código Civil – Texto: Das relações de parentesco. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 107.
FARIAS, Cristiano Chaves. Direito Civil - Teoria Geral. 2º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 205, p.29.
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Temas Atuais de Direito e Processo de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 5.
PERLINGIERI, Pietro. La personalitè umana nellórdenamento giuridico, Carmerino: Jovene, 1972, p.11. Em Indioma original: " La persona como valore, cioè la personalità constituisce la parte caraterizzante lórdenamento giuridico sí da garantirne lúnitarietà."