Dignidade da pessoa humana e prestação jurisdiconal

Por Derineide Barboza Cordeiro | 25/02/2012 | Direito

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

 

Derineide Barboza Cordeiro[1]

 

 

 

Resumo: O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana é estruturante da nossa Constituição Cidadã, onde mostraremos a sua importância no contexto da busca por respeito aos direitos do homem e a cidadania tão sonhada. Veremos como os operadores do Direito devem utilizar o princípio como norma – valor que deverá impor uma prestação jurisdicional célere e eficaz, influenciando todo o Sistema Jurídico, para que ele funcione com respeito aos direitos humanos e fazendo resgatar o humanismo no processo.

 

Palavras – chaves: dignidade da pessoa humana – prestação jurisdicional - humanismo

 

Introdução

 

                  Hoje o tema dignidade da pessoa humana, vem sendo bastante pronunciado em estudos de alguns juristas, principalmente os constitucionalistas, sobre o princípio que está inserido no artigo primeiro da nossa Carta Magna, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, é necessário um debate mais aprofundado sobre a importância e o respeito e valoração do princípio – valor da dignidade da pessoa humana. É obrigação de todos e principalmente os que lidam com o Direito respeitar e este princípio e criar mecanismos para que os direitos fundamentais já consagrados no ordenamento jurídico tenham sua efetivação baseado na dignidade da pessoa humana e possamos através dessa observância trazer o resgate do humanismo.

 

     

 

 1-  O  Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana

 

                  A dignidade da pessoa humana é posta como um dos princípios da República e  de todo o sistema constitucional e dá guarida aos direitos individuais. Na nossa Constituição Federal encontramos importantes artigos que protegem a dignidade da pessoa humana, como no art. 1º., inciso III, coloca a mesma como fundamento da República[2] e no art. 5º. Caput, que coloca todos iguais perante a lei.[3]

                        O princípio da dignidade da pessoa humana deve estar acima de qualquer figura jurídica. É preciso respeitar o homem como um todo, pois que a dignidade nasce com a pessoa. É – lhe inata. Inerente à sua essência.   A pessoa humana por sua inteligência e possibilidade de exercer sua liberdade, destaca-se por natureza dos demais seres irracionais, todas estas características expressam um valor e fazem do homem, não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana. Portanto, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir , independente de condição social, traz consigo a superioridade racional a dignidade de todo ser. . (NUNES, 2007, p. 49) 

                  O estudo da dignidade leva, desse modo, necessariamente, a considerar o homem em sua globalidade, dessa forma o respeito à dignidade  deve ser reconhecido como um direito absoluto do homem e a luta pela justiça é fundamental, é a busca da consagração da dignidade da pessoa humana, que se opõe ao formalismo jurídico.

                  O fato é que a dignidade da pessoa humana, continua, talvez mais do que nunca, a ocupar um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, do que dá conta a sua já referida qualificação como valor fundamental da ordem jurídica, para expressivo número de ordens constitucionais, pelo menos para as que nutrem a pretensão de constituírem um Estado Democrático de Direito.

                  Ainda é válido lembrar que a dignidade não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida que este a reconhece, já que se cuida do valor próprio da natureza  do ser humano como tal, e é justamente neste sentido que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais, e ao nosso sentir, da comunidade em geral , portanto, não podendo ser a dignidade perdida ou alienada, devendo o Estado guiar as ações que preservem a dignidade existente e crie condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da mesma.

                  Ainda no sentido de clarificar o que seja dignidade da pessoa humana, é importante considerar que só a dignidade de determinada pessoa poderá ser desrespeitada, pois inexiste atentados contra a dignidade da pessoa em abstrato. Comojá era transparente no pensamento Kantiano, que a dignidade era atributo da pessoa humana individualmente considerada, razão pela qual não se poderá confundir as noções de dignidade da pessoa e de dignidade humana, quando esta se referir à humanidade como um todo. No contexto da Constituição de 1988, ao referir-se à dignidade da pessoa humana como fundamento da República e do nosso Estado democrático de Direito, neste sentido, a concepção de dignidade tem por escopo o indivíduo, pessoa humana, e não a dignidade de toda a humanidade, conforme estudos de (SARLET, 2007, p. 53)[4]

                  NUNES[5] afirma, que não se pode permitir textos constitucionais que violem o princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de repúdio – efetivo – universal, é uma luta de todos os estudiosos do Direito e de todos os que com o Direito lidam.

                  HÄRBELE,  afirma que a dignidade humana apresenta-se, de tal sorte, como “valor jurídico mais elevado”  dentro do ordenamento constitucional, figurando como valor jurídico supremo”. O caráter pré-positivo da dignidade humana é, neste sentido, implicitamente evocado. [6]  Portanto é notório que a dignidade humana é o fim supremo de todo direito, é a fonte das fontes, e está na base de todos os direitos fundamentais.

 

2 - Jurisdição

 

O termo jurisdição deriva do latim jurisdictio – ação de administrar a justiça, (judicatura), formado, como se vê, das expressões jus dicere, jus dictio, é usado precisamente para designar as atribuições especiais conferidas aos magistrados, encarregados de administrar a justiça. Assim, em sentido eminentemente jurídico ou propriamente forense, exprime a extensão e limite do poder de julgar de um juiz. (PLÁCIDO E SILVA, 1984, p. 27).

Para Marques (1987, p. 69), a jurisdição pode ser conceituada como função que o Estado exerce para compor processualmente conflitos litigiosos, dando a cada um o que é segundo o  Direito objetivo. No sentido genérico, jurisdição é o poder do Estado de fazer justiça – de dizer o direito. Em linguagem técnica, porém, costuma-se definir a jurisdição como sendo uma função do estado, exercida através do juiz, dentro de um processo, para solucionar um litígio entre partes, conforme definição de Funhrer (1993, p. 45)

Os seres humanos não podem, fazer justiça com as próprias mãos e decidir por elas mesmas quem tem razão, haja vista que o Estado, nas questões de direito onde há controvérsias, passa a assumir o poder-dever , no lugar dos litigantes, de dizer o direito.

A jurisdição, tal como o processo, tem caráter instrumental, por destinar-se a impor a vontade concreta da lei, pois os órgãos que a exercem passam a atuar para que a lei, quando violada ou incerta, seja aplicada. Portanto, o juiz é a longa mão do legislador, a jurisdição constitui meio e modo para a aplicação do direito objetivo.

 

3 -  Princípios que regem a jurisdição

 

  São três os princípios fundamentais reguladores da jurisdição:

                  a) a jurisdição só pode ser exercida por quem se acha dela investida. Refere-se ao funcionário encarregado de exercer a jurisdição, conforme o art. 1º. do nosso CPC: “ A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo território nacional, conforme as disposições que este código estabelece.”

O poder jurisdicionado é privativo dos juízes, que devem prestar concurso público, obter, através dele sua nomeação, e tomar posse, para que se tornem dele investido.

                  b) a jurisdição não pode ser delegada; Não há possibilidade do juiz exercer sua função através de outra pessoa. O seu poder jurisdicional há de ser exercido pessoalmente.

                  Se, todavia, precisa ser cumprida uma diligência em outro local fora da Comarca, nem por isso o mesmo delega poderes. Ele depreca a outro juiz que o faça, mas exercendo este outro, sua própria jurisdição.

                  c) a jurisdição não pode ser exercida fora do território fixado ao juiz;  este princípio é de ordem geral, o juiz não pode exercer  a sua jurisdição fora do seu território que lhe foi traçado. Significa que fora da sua Comarca, o juiz não é senão um cidadão como outro qualquer.

Há ainda um princípio especial retratado expressamente no art. 2º. do nosso Código de Processo Civil: “ Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.” Significa  que o juiz não pode agir ex officio, mas impulsionado pela parte. (RODRIGUES, 1993, p. 17).

 

   4 -  Espécies de jurisdição

 

A jurisdição pode ser de várias espécies, segundo a matéria, a graduação e o objeto da causa. Quanto à matéria pode ser penal ou civil. A penal tem por objeto a resolução de litígios penais; a civil, obviamente, de litígios não penais. A lide penal se define como aquela derivada de uma pretensão punitiva do Estado, que tem por objeto aplicação de uma pena ou medida de segurança. As duas jurisdições distinguem-se uma da outra apenas em razão da matéria, visto que, funcionalmente e estruturalmente, são idênticas em tudo.

Quanto à graduação pode ser inferior, de primeira instância ou primeiro grau e superior, de segunda instância ou segundo grau, que são os recursos.

Quanto ao objeto, pode ser contenciosa ou voluntária.  A jurisdição contenciosa é a verdadeira jurisdição, consiste na faculdade de conhecer e julgar os litígios, executando suas próprias decisões.  E a jurisdição voluntária, constitui mais função ligada à administração do que à jurisdição, correspondendo a atos praticados pelos juízes, mas que poderiam ser por outros funcionários ou autoridades, conforme Rodrigues (1993, p. 18).

 

5 –  Prestação jurisdicional

 

Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas , em 1948, estabelece no seu art. 10,  temos:

 

Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

                             

A referida Declaração consagrou, no artigo citado, o direito ao processo, quer na justiça penal, quer no juízo cível. O princípio assegurado pelo artigo referido alcançou no texto constitucional brasileiro atual as suas últimas conseqüências. Determina a Carta Magna que não pode ser subtraída do exame do Poder Judiciário nenhuma lesão de direito, nem mesmo nenhuma ameaça a direito, segundo Herkenhoff ( 2001).

                  Carvalho[7], afirma que mesmo possuindo legitimidade e finalidade garantidas constitucionalmente através dos princípios fundamentais do Estado, apesar de ser imprescindível, não implica uma efetividade na prestação jurisdicional. Hoje o tema da efetivação da prestação da jurisdição, tem sido um dos maiores desafios dos processualistas contemporâneos.

                  Tivemos um avanço nesse sentido para que alcancemos essa efetividade na prestação jurisdicional com a Emenda Constitucional No. 45/2004, cujas alterações constitucionais implicaram de forma incisiva no direito processual brasileiro. O art. 1º. da E.C 45/2004, alterou o art. 5º da Constituição Federal acrescentando o seguinte inciso: “LXXVIII         - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

                  A Constituição Federal de 1988 confere atenção especial aos direitos fundamentais, visto que as normas possuem aplicabilidade imediata, conforme Art. 5º, parágrafo primeiro. Como sendo um direito fundamental a efetiva prestação jurisdicional e decorrente da própria existência dos direitos. 

      O acesso efetivo à justiça é um direito fundamental, por ser suporte imprescindível ao exercício da cidadania e a própria dignidade da pessoa humana, denegá-lo, fere não só o direito de cidadão, mas também, a própria dignidade do ser humano, segundo Duarte (apud CARVALHO, 2005 ).

                  Em face disto, cremos que está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir sua atuação social pautando-se no princípio fundamental estampado no Texto Constitucional, pois o mesmo é um verdadeiro supraprincípio que ilumina todos os demais bem como as normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas, conforme lição de Nunes (2007, p. 51). Para tanto, e necessário um esforço constante, pois sempre haverá aqueles que pretendem dizer ou supor que Dignidade é uma espécie de enfeite, um valor abstrato de difícil captação. Porem, bem ao contrário do que se pensa , este princípio é vivo, real, pleno e deve ser respeitado em qualquer situação.

                  Alguns juristas afirmam que para que se respeite a dignidade da pessoa humana tem-se que assegurar concretamente os direitos sociais previstos no art. 6º.  da Magna Carta, normas essas que garantem como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, e outros elencados na Constituição, somando-se aos demais direitos fundamentais, tais como o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à vida privada, à honra e ainda, a efetiva prestação jurisdicional.  Portanto, é dever de todos os operadores do Direito a luta contra as violações reais da Dignidade da pessoa humana, uma vez que é preciso implementá-la e torná-la eficaz.

 

6 – O  processo e a desumanização da Justiça

 

                  Herkenhoff[8] diz que o pedido de Justiça brota do mais profundo da alma. Em conseqüência, a tarefa de julgar não pode ser desligada do ser humano, feita de abstrações, apartada da concretude da vida. Mostra o jurista que o juiz não poderá separar o processo da parte que clama por Justiça, não poderá esquecer o homem que está por trás dos autos processuais. Ainda, afirma que o apelo de ser escutado, além de ser atributo inerente à condição humana, à necessidade psicológica do ser, é também um direito de cidadania.

                  O grande processualista italiano Carnelutti (2002, p. 30), inspirado nas palavras do Evangelho de São João sustenta:

 

Jesus, entretanto foi para o Monte das Oliveiras . De madrugada voltou novamente para o templo, e todo o povo ia ter com ele; e, assentando, os ensinava. Os Escribas e fariseus trouxeram à sua presença uma mulher surpreendida em adultério e, fazendo-a ficar de pé no meio de todos , disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério . E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes? Isto diziam eles tentando-o, para terem  de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo. Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro que lhe atire pedra. (São João 8: 1-7)

 

                  Afirma que estas palavras são suficientes para se perder o ânimo, pois, para sentir-se digno de castigar, é preciso estar livre de pecado, portanto, somente então, o juiz estará acima da coisa julgada, se bem pensasse o ser humano, o que é necessário para julgar outro ser humano, ninguém aceitaria ser juiz. Mas, conforme o grande jurista, é necessário encontrar juízes. Esse é o drama do direito. Um drama que deveria estar presente a todos, juízes e jurisdicionados, no momento em que se desenvolve o processo.

                  Acerca dito prossegue o referido mestre (2002, p. 30-32):

 

Que o crucifixo que pende sobre a cabeça dos juízes durante as sessões judiciais, ficaria melhor se fosse colocado à frente dos juízes, para que eles o olhassem com freqüência. O crucifixo recorda a indignidade dos juízes, ao retratar a vítima mais insigne da injustiça humana. Somente a consciência da sua indignidade pode ajudar o juiz a ser menos indigno.

                 

                  Assim, quase metaforicamente,  o processualista italiano retrata a difícil missão de julgar as pessoas, pois, segundo este,  é necessário estar o juiz limpo de quaisquer coisa que possa interferir para que o julgamento seja justo, onde o juiz passa a ser mais que um homem, esse é o drama do julgar.

                  Dinamarco (apud HERKENHOFF, 2001, p. 149) afirma que as pessoas buscam o processo para eliminar conflitos que as envolvem, esperando decisões justas. Ainda, completa que o processo é colocado à disposição das pessoas para que elas sejam mais felizes. Ante esta visão comporta a pergunta: será que as pessoas que procuram encontrar, através de processos judiciais, soluções para seus litígios estão realmente encontrando através da Justiça essa felicidade com a qual sonha o jurista Herkenhoff?

                  Todos sabem que as dificuldades são tamanhas e é necessário uma série de medidas para que se possa ter uma Justiça melhor e mais popular, como o acesso maior de todas as camadas sociais às universidades, a participação da juventude na vida nacional, uma educação de qualidade para que formem homens pensantes e comprometidos com a raça humana, onde sairão os futuros juizes.

                  Atualmente, os juízes têm excesso de trabalho, a Justiça está mal equipada, mal instalada, os processos caminham a passos de tartaruga.  Como já afirmava Rui Barbosa, a Justiça além de cega é paralítica e a maioria não está nem aí com tantas injustiças que acontecem todos os dias, é necessário uma luta diária, por que para muitos só interessa defender as fronteiras que separam o pequeno grupo dos ricos e a imensa multidão de pobres.

                  Há uma ausência de solidariedade, de amor ao próximo no âmbito da Justiça. A este respeito, segundo Cury (2006, p.75), somente Cristo tinha conhecimento da miséria do ser humano, queri aliviar essa carga de ansiedade e angústias que carregamos em nossa vida. Embora tivesse plena consciência da angústia social e do autoritarismo político que as pessoas viviam em sua época, Jesus detectava uma miséria mais profunda do que a sociopolítica, uma miséria presente no íntimo do ser humano e fonte de todas as outras misérias e injustiças humanas. Por esta razão, pregava que somente por meio de uma revolução silenciosa e íntima seríamos capazes de vencer a paranóia do materialismo não inteligente e do individualismo e desenvolver os sentimentos mais altruístas da inteligência, como a solidariedade, a cooperação social, a preocupação com a dor do outro, o prazer contemplativo, o amor como fundamento das relações  sociais.

                  A Bíblia, considerada o “Livro dos Livros” , não obstante escrita há muitos anos, é um livro indispensável ao estudo científico e histórico da humanidade, pois por suas leis, profecias e testamentos de fé e possível acompanhar a evolução das mazelas sociais. Os ensinamentos de Cristo são verdadeiras aulas de direitos humanos de honestidade, de ética e amor a humanidade, respeitando, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.

                  Em artigo publicado por meio eletrônico, Maia Neto[9] destaca que a vida de Jesus Cristo foi inteiramente baseada nos 10 Mandamentos recebidos no Monte Sinai, por Moisés, estadista bíblico e autor do Velho Testamento, composto por grandes livros como: Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio, onde encontramos no Capítulo 16, versículo 18-20:

 

  Juízes e oficiais construirás em todas as cidades que o Senhor teu Deus te der  entre as tuas tribos, para que julguem o povo com reto juízo.

  Não torcerás a Justiça, não farás acepção de pessoas, nem tomarás suborno; porquanto o suborno cega os olhos dos sábios e subverte a causa dos justos.

  A Justiça seguirás, somente a Justiça, para que vivas, e possuas em herança a terra que te dá o Senhor teu Deus. (DEUTERONÔMIO, 16: 18-20)[10]

 

                  As Escrituras mostram a preocupação patente com a Justiça, com a necessidade de serem os Juízes pessoas honestas e que não se corrompessem para subverter a causa dos justos. E  notório que naquela época já existiam magistrados corruptos que denegriam a instituição e maculavam o verdadeiro significado de Justiça.

                  É importante que os juízes reciclem seus paradigmas e conceitos culturais do que seja Justiça, de como aplicar a lei e julgar os processos,  não esquecendo que os autos representam pessoas e que, como Cristo,  não esqueçam do maior de todos os mandamentos “Amar ao próximo como a si mesmo”, com o coração, com a alma e com obras. Amar é doar-se, é promover e procurar fazer Justiça, pois sentimentos de vingança e ódio são a própria negação de amor ao próximo e a Cristo.

                  Há juízes que lavam as mãos como Pilatos, com suas supostas justiças, fechando os olhos e recusando-se a ver a verdade, condenando com facilidade o próximo, em nome da Justiça e das leis imperfeitas ou das convenções humanas, esquecendo da lei maior que através dos tempos se encontra presente a qualquer operador do direito, a lei de Deus.

                  Na Bíblia Sagrada é falado  sobre o juízo temerário no livro de Mateus:  “Não julgueis, para que não sejais julgados”, entenda-se o julgamento sem provas convincentes, sem o amor devido ao próximo. Continuando, diz: “Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com a medida com que tiverdes medido vos medirão também”. (MATEUS, 7: 1-2).

                  Notamos que os ensinamentos de Cristo sobre julgamento e justiça são bem diferenciados dos nossos, vez que o mesmo preocupou-se muito com a legalidade do julgamento, a idoneidade dos juízes e a dignidade humana, principalmente que não fosse esquecido em momento algum o amor, que é um dom supremo.

                  Carnelutti, como vimos, fala que as misérias do processo penal é um aspecto da miséria fundamental do direito. Pois que se deve tratar-se de desenganar o homem comum a respeito da crença de que basta ter boas leis e bons juízes para se alcançar a civilização. Seria necessário só o respeito de um ser humano pelo outro, para que o direito fosse manejado e construído da melhor forma possível. Para Carnelutti, para além das fronteiras da justiça humana está a caridade. E apenas em Deus a justiça e a caridade se encontram. E além dos limites do respeito, está o amor. O amor, somente ele, une. Assim, para que a haja uma humanização da justiça é necessário que os juízes tenham comprometimento em conhecer as partes, a vida dos litigantes, chegar a ouvir o clamor do oprimido como bem fala Herkenhoff, porque o processo é precário, muitas vezes a verdade não é a dos autos e o que está no mundo pode não está nos autos.   

 

7 – O processo e o resgate do humanismo

 

                  Herkenhoff (2004) conceitua utopia como sendo a representação daquilo que não existe ainda, mas que poderá existir se o homem lutar para sua concretização.  Acreditamos que o jurista sonha que um dia haverá uma Justiça humanizada, porque muitos sonharam e foram utópicos e alguns conseguiram atingir os objetivos desejados.  E cantando, e sofrendo, e resistindo, e lutando, mantém-se a chama. Acerca disto diz o autor:

 

Ele está presente em Moisés, no seu caminho de busca da Terra Prometida; ele está presenteem Amenófis IV, o faraó do Egito que sonhou com um mundo de iguais e foi assassinado pelos que detinham os privilégios; ele está presente na República , de Platão; na Utopia, de Tomás Morus; na Cidade do Sol, de Campanella; na Nova Atlântida, de Bacon; no Contrato Social, de Rousseau; na Cidade da Eterna Paz , de Kant; Na Evolução dialética, de Hegel; no paraíso do proletariado de Marx; nas lutas de libertação, de Che Guevara,; no mundo sem prisões, de Michel Foucault; nas Minorias Abraâmicas, de Helder Câmera. (HERKENHOFF, 2005, p. 15).    

                 

                  É necessário, portanto, para usar uma expressão de Herkenhoff, que os operários do direito acreditem na utopia da Justiça humanizada e preocupada com o clamor do oprimido, pois que o presente pertence aos pragmáticos, mas o futuro é dos utopistas.  Afinal segundo o autor citado, é a utopia que dá os instrumentos  para ver e construir o Direito do amanhã: o Direito de igualdade, o Direito das maiorias, aquele que beneficiará quem produz, o Direito dos que hoje são oprimidos, o Direito que proscreverá a exploração do homem pelo homem, o Direito fraterno, e não o direito do lobo, o Direito que o povo vai escrever depois que conquistar o Poder, o Direito que nascerá das bases.

                  Há muitos desafios a serem enfrentados pelos juristas, mas o mais difícil e importante é o desafio humanista. O juiz tem que deixar de ser máquina de produzir sentenças e compreender que a tarefa de julgar não pode se desprender do ser humano, ele precisa encontrar-se com a pessoa humana e desligar-se da memória cativa das leis e abrir caminhos para que as partes se acheguem e derramem suas queixas, não podendo o magistrado achar que só existem os autos e o que não está nos autos, não está no mundo. Há um grande desafio para humanização da Justiça. Então devemos acreditar no poder da utopia  como realidade e instrumento de ação contra todas as desigualdades e na construção de uma sociedade justa e igualitária, onde a Justiça seja humanizada e os operários do direito vejam o ser humano como o fim e não um meio. Aí seremos mais felizes!

 

Considerações Finais

 

A dignidade da pessoa humana vem constituindo um verdadeiro valor na sociedade, inclusive internacional e que deve, impreterivelmente, servir de orientação a qualquer interpretação do Direito. O reconhecimento de que os Direitos Humanos e a construção da cidadania permeiam todas as áreas da atividade humana e principalmente da Justiça, na efetiva prestação jurisdicional.

De fato, a dignidade da pessoa humana passa a ser considerada como núcleo fundamentador do Direito e precisamente por ser um valor supremo que deve ser respeitado.  Este princípio é  um mandamento constitucional  que dá  estrutura e coesão ao edifício jurídico. Assim, deve o mesmo ser estritamente observado, sob pena de todo ordenamento jurídico se corromper. Portanto, é com a concretização do respeito à dignidade da pessoa humana que veremos na efetiva prestação jurisdicional e com atuação dos operadores do direito em defesa do  resgate do humanismo na nossa sociedade, aí teremos a verdadeira Justiça.

 

Referencial Bibliográfico

 

 

AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

 

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 11ª. Ed. Brasília: Câmara dos Deputados. 1999.

 

FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de processo civil. 8ª. Edição, São Paulo: Malheiros, 1993.

 

HERKENHOFF, João Batista. Como aplicar o Direito. 11ª. Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2007.

 

___________________ O Direito processual civil e o resgate do humanismo. 2ª. Edição,  Rio de Janeiro: Thex editora, 2001.

 

___________________ Direito e utopia. 5ª. Edição, Livraria do Advogado, Porto Alegre:2004.

 

MAIA NETO, Cândido Furtado. Justiça penal cristã e espiritualidade. Clube Jurídico do Brasil, Brasília/DF, Fev. 2008. Disponível em: < http://www.direitoshumanos.pro.br/notícias.php >  Acesso em: 8 mar. 2008.

 

NUNES, Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 1ª. Edição, São Paulo: Saraiva, 2007.

 

PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 8ª Edição, Rio de Janeiro: Forense, 1984.

 

RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes. ABC do processo civil. 5ª. Edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

 

ROUSSEAU, Jean Jacques.  Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2005.

 

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

 

 



[1]

Doutorandaem Ciências Jurídicase Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino

Advogada

deribarboza69@hotmail.com

 

 

[2] CF. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-seem Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana.

[3] CF. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes...

[4] SARLET, Ingo Wolfgang, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITOS FUNDAMENTAIS, Porto Alegre, Editora Livraria do Advogado, 2007, p. 53.

[5] Op. Cit. p. 26.

[6] SARLET, Ingo Wolfgang, DIMENSÕES DA DIGNIDADE,  Editora Livraria do Advogado.Porto Alegre. 2005. p.99.

[7] CARVALHO, Luciano Lúcio, PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EFETIVA – Um direito fundamental, Disponível em: http://conpedi.org/manaus/arquivos/anais/Luciano. Acesso em: 1 março.2008

[8] HERKENHOFF, João Batista. Op. Cit. p. 149.

[9]MAIA NETO, Cândido Furtado, Justiça Penal Cristã e Espiritualidade. Disponível em: <http://.direitoshumanos.pro.br/notícias.php/htm> . Acesso em: 8  março. 2008.

[10] Deuteronômio. Português. In. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Brasília. Sociedade Bíblica do Brasil. 1991. p. 213. Bíblia. A. T.