Dificuldades E Desafios No Ensino De Física A Alunos Portadores De Deficiência Visual

Por Cleber Moreira de souza | 17/05/2008 | Educação

Introdução

Ensinar física a estudantes do ensino médio é uma prática que exige do educador uma enorme agilidade e desenvoltura. Este deve estar sempre atualizado e desenvolver métodos de ensino capazes de chamar a atenção dos alunos para as descobertas e conhecimentos adquiridos pelo homem ao longo dos séculos. No entanto, sabe-se que a maior parte desse conteúdo é apresentada de maneira repetitiva, com exercícios que em sua maioria utilizam um excesso de fórmulas matemáticas, privilegiando a memorização e não o raciocínio do aluno. Na tentativa de dinamizar esse método de ensino, grande parte dos educadores utiliza-se do método científico introduzido por Galileu Galilei no século XVII, baseado em experimentação e validação matemática. Porém, o que os alunos realizam em laboratórios é apenas a demonstração prática da obtenção dos resultados e equações utilizados nas aulas teóricas.

Em se tratando de aluno portador de deficiência visual, não só esse método, como um ensino de lápis, papel e lousa, tornam-se ineficazes. Junta-se a isto uma indisposição ou mesmo inexistência de materiais específicos, que além de caracterizar a prática educacional científica atual, transforma em um desafio a ação de "ensinar Física" a pessoas com deficiência visual.

No ser humano, o sistema visual é de fundamental importância para obter informações sobre objetos, sua posição no espaço, dimensões e formas, fatores essenciais no ensino de Física. Exemplificando, podemos citar o uso de figuras como um auxílio pedagógico na interpretação e resolução dos fenômenos físicos estudados. Considerando o fato de que o desenvolvimento dos deficientes visuais se dá mediante via alternativa distinta da dos videntes, cabe ao educador conhecer as características de maior importância no desenvolvimento e aprendizagem daqueles, adaptando seus conhecimentos e suas ações educacionais a essas características. Sem esquecer que nos modelos educacionais vigentes, os conhecimentos adquiridos por esses alunos deverão ser idênticos e com o mesmo grau de exigência dos alunos normovisuais.

Segundo Gagné, "a aprendizagem depende em grande parte dos acontecimentos que se realizam no ambiente com o qual o indivíduo interage".(1974 pág. 02).Portanto, transmitir estes acontecimentos de uma maneira acessível aos alunos deficientes visuais é um desafio a qualquer educador. Por este motivo, ele acaba vendo-se obrigado a mergulhar em um mundo completamente diferente do seu dia-a-dia, onde os métodos e práticas pedagógicas tradicionais não são as melhores opções na elaboração das aulas. A solução está em abandonar o que Piaget chamou de pensamento egocêntrico, "centrado" no "eu", e se colocar na posição do aluno, questionando qual o melhor método de se criar "um clima pedagógico" propício à aprendizagem de acordo com o tema abordado.

No ensino a deficientes visuais, mesmo os pequenos detalhes às vezes imperceptíveis para nós, videntes, são de fundamental importância para eles. Levando em consideração que enquanto a visão é um sentido sintético, o tato é um sentido analítico, que exige sempre um grande esforço de abstração e síntese. Deve-se considerar ainda o fato de estes alunos estarem inseridos em um sistema, onde a aprendizagem é definida a partir de padrões adotados exclusivamente para normovidentes. Padrões estes que não levam em consideração as diferenças de percepção entre normovidentes e portadores de deficiência visuais.

Por isto, neste processo de aprendizagem singular, o educador deve estar apto a desenvolver novas metodologias de ensino, sendo importante sempre se questionar: Como se ensina? "Ensinar é transmitir conhecimentos, técnicas, valores, é deixar o outro fazer, orientando, explicando, "dando a receita", fazendo junto..." {Fontana, e Cruz 1997, pág. 05}. Seguindo a linha rogeriana, que diz que "ensinar não é outra coisa do que aprender" e que a maior parte da aprendizagem significativa é adquirida pela prática, o educador, deve aceitar o aluno tal como ele é compreendendo-lhe os sentimentos e necessidades.

Entre as dificuldades encontradas nessa área pedagógica tanto pelos educadores quanto pelos alunos, pode-se citar a escassez de material de apoio adequado às condições dos portadores de deficiência visual total e visão subnormal. É de conhecimento do educador que, no ensino de física, introduzir um termo novo ou uma definição apenas em sala de aula não garante aos estudantes a capacidade de relacioná-lo a outros conceitos e adquirir uma maior experiência com estes termos. Para que ocorra este aprimoramento, é fundamental que o aluno dê continuidade a esse estudo em sua casa. No entanto, isto é algo praticamente impossível se levarmos em consideração que o material necessário para esse estudo, os livros texto, em sua maioria, são pensados e escritos para alunos normovisuais. Além disto, nem todos são editados em Braille ou fonte ampliada para alunos com visão subnormal, já que há a dificuldade de um exemplar do ensino a normovisuais às vezes corresponder a vários volumes de Braille ou fonte ampliada para um estudante com deficiência visual.

Métodos e resultados.

A inadequação de recursos instrucionais e pedagógicos leva à utilização de notas ditadas como uma alternativa de amenizar essa falta. Tal método, porém, torna as aulas cansativas e monótonas, desprovidas de motivação. O educador, seguindo o modelo de educação por transmissão, explica verbalmente todo o material, informações e dispositivos apresentados em aula de maneira visual, de forma que esses alunos transcrevam estes conteúdos para o braile, no caso de deficiência visual total, e com uma letra ampliada, para portadores de visão subnormal. Nesse processo, o uso pelo professor de uma linguagem acessível a esses alunos é fundamental, já que esse material lhes servirá como livro de texto auxiliar.

Observou-se, no decorrer das aulas, que devido ao fato de a disciplina nos moldes atuais ser apresentada com um excesso de matematização, a grande dificuldade encontrada pelos alunos trata-se da utilização e manipulação de fórmulas, fator fundamental na resolução dos exercícios propostos. Partindo da observação do uso do jogo de dominó, utilizado por estes alunos como entretenimento, e em conformidade com a linha de ensino Rogeriana, que sugere algum tipo de atividade da parte do professor que desperte a motivação existente, sem a qual a atitude centrada na pessoa, e os metodos não diretivos se tornariam ineficientes. Considerando ainda que:

"... o jogo é o relaxamento indispensável ao esforço em geral, o esforço físico em Aristóteles, em seguida esforço intelectual e, enfim, muito especialmente o esforço escolar. O jogo contribui indiretamente à educação, permitindo ao aluno relaxado ser mais eficiente em seus exercícios e em sua atenção (...) é possível dar o aspecto de jogo a exercícios escolares, é o jogo como artifício pedagógico." (Brougère, 1998, Pág. 54).

Surgiu à idéia da adaptação e utilização desse jogo como alternativa pedagógica, cujo principal objetivo é dinamizar a aula explorando essa dificuldade, de uma maneira descontraída.

O jogo adaptado segue as mesmas regras do modelo usual, sendo, as peças, no entanto, constituídas de equações matemáticas (escritas em Braille e transcrita utilizando uma fonte ampliada), que descrevem conceitos físicos relacionados à parte teórica que estes alunos estão estudando. Como os alunos aos quais foi aplicado o jogo (dois com deficiência total e um com visão subnormal) estavam adiantados na matéria, utilizou-se 11 equações matemáticas, divididas em 55 peças. Cada peça contendo duas metades de equações diferentes. Desse modo, a cada jogada, o aluno pode optar por completar uma das duas equações, devendo para isto possuir entre suas peças uma que contenha uma das metades das equações em questão.

Com isso, o educador tem a oportunidade de abordar os conceitos físicos descritos por essa equação, assim como as diversas maneiras de expressar matematicamente esses conceitos, sua utilização na resolução de exercícios, fazendo uma recapitulação da teoria vista por estes alunos. Pois conforme Bruno (1993, pág. 23) especifica: "... os portadores de deficiência visual necessitam de uma pessoa que sirva de ponte, ajudando-as a participar das situações do começo ao fim, dando pistas e dicas para a compreensão da origem dos objetos e de suas relações causa e efeito".

A utilização desse método resultou na criação de um "clima pedagógico" adequado a aprendizagem. Tal instrumento tornou-se uma maneira divertida de relembrar conceitos já vistos anteriormente, ou que estão sendo estudados, e que são de fundamental importância para compreensão do conteúdo em si.

Notou-se após a aplicação desse jogo, uma maior facilidade na utilização dessas equações durante a resolução dos problemas propostos a esses alunos. Por se tratar da adaptação de um jogo conhecido por eles, houve uma imediata aceitação desses ao novo modelo apresentado.

A seguir, transpomos alguns comentários feitos pelos alunos referentes ao novo método:

"É uma maneira legal de aprender. Ajuda a relaxar e descansar, por isso aprende melhor. Dá pra discutir mais sobre cada uma das fórmulas. Ajuda bastante na hora de resolver os problemas".

"É divertido e bom de se jogar direto é que vai se adaptando às fórmulas. Aprende melhor porque não é cansativo. Fica mais fácil de resolver os problemas se jogar antes, porque relembra várias fórmulas que a gente tinha estudado antes".

"É uma maneira prática de aprendizagem, por mesclar matéria e diversão. Auxilia na memorização de fórmulas, porque durante o jogo dá pra discutir as várias maneiras de escrever essas equações. Ajuda também, a saber, quando, como e de que maneira a gente pode utilizar essas fórmulas pra resolver as problemas.

Considerações finais.

Apesar de toda dificuldade encontrada no ensino de física a portadores de deficiência visual, vimos ser possível proporcionar a esses alunos um ensino de qualidade, partindo da utilização de materiais que fazem parte de seu cotidiano, como jogos já conhecidos e utilizados por estes como maneiras de descontração. A utilização do jogo de dominó, já conhecido por eles e adaptado a fim de explorar uma das maiores dificuldades desses alunos durante as aulas, teve como resultado uma boa aceitação e um bom desempenho dos alunos, principalmente na resolução dos exercícios propostos. A partir desta experiência, conclui-se que a possibilidade de adaptação e utilização de jogos conhecidos por eles propicia um clima favorável ao aprendizado e que este método é uma opção a ser explorada tanto no ensino de física a portadores de deficiência visual como também a alunos normovidentes.

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