Dificuldades de aprendizagem no processo de aquisição da leitura e da escrita

Por josuelto lopes dos santos | 15/02/2018 | Educação

JOSUELTO LOPES DOS SANTOS

 

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo investigar quais são as causas das dificuldades de aprendizagem em leitura e escrita, como identificar tais dificuldades e como trabalhar com os alunos que apresentam DA em leitura e escrita. Pôde-se perceber que as causas podem ser de ordem orgânica ou não orgânica, que a identificação é fruto de um trabalho coletivo e que o tratamento depende de cada caso específico. Os estudos feitos nos mostram também que a leitura e escrita é o grande objetivo do Ensino Fundamental I e ao mesmo tempo o grande desafio, pois muitos alunos nesse período têm apresentado problemas na aprendizagem dessas habilidades, e isso tem tirado o conforto de muitos professores que não sabem a quem culpar - se é que há culpados -  nem sabem como agir, porque há um despreparo de boa parte desses profissionais para lidar com tais questões. Entre culpados e não preparados se encontra o elo mais frágil dessa corrente: o aluno. Compreender o que está por traz de um problema de aprendizagem de leitura e escrita e como lidar é algo desafiador para o professor, mas também fundamental para que ele possa auxiliar de forma consciente e eficaz na aprendizagem do seu aluno.

Palavras-chave: Dificuldade de Aprendizagem, Leitura, Escrita.

INTRODUÇÃO

Não é difícil perceber que alguns alunos não conseguem - com a mesma “facilidade” que os demais - se apropriarem do processo de aquisição da leitura e da escrita. Alguns saem do ensino fundamental sem tais habilidades. De acordo com ALMEIDA (2011, p. 15) “há uma certeza na escola: a de que o maior problema da educação hoje é justamente a dificuldade, ou as dificuldades, em relação à leitura e à escrita em crianças em idade escolar no ensino fundamental”. 

Essa é uma situação que incomoda tanto o professor quanto o aluno, enquanto um se sente impotente e frustrado por não conseguir fazer com êxito a sua função, conduzir o outro à aprendizagem, o outro se sente incapaz de aprender e desestimulado a continuar tentando.

Esses estudantes tornam-se tão frustrados tentando fazer coisas que não conseguem que desistem de aprender e começam a desenvolver estratégias para evitar isso. Eles questionam sua própria inteligência e começam a achar que não podem ser ajudados. Muitos se sentem furiosos e põem para fora, fisicamente, tal sensação; outros se tornam ansiosos e deprimidos. De qualquer modo, essas crianças tendem a isolar-se socialmente e, com frequência, sofrem de solidão, bem como de baixa autoestima. Eventualmente, os problemas secundários associados a uma dificuldade de aprendizagem podem tornar-se bem mais óbvios – e mais sérios – que a própria deficiência. (SMITH E STRICK, 2007, p. 16)

Como visto, a situação é bem mais complexa e séria. Vai além do mero fato do aluno não conseguir ler e escrever. Exigindo, portanto, um olhar atento e um enfretamento sério da situação.

Assim, questionamentos como: O que é aprendizagem? Como os alunos aprendem? Quais são as dificuldades de aprendizagem? Como identificá-las? Quais os fatores que levam às dificuldades de aprendizagem? Como os professores podem atuar frente aos alunos com dificuldades de aprendizagem em sala de aula regular? etc.  são fundamentais para uma melhor compreensão da temática. E as respostas a tais questionamentos são informações fundamentais para todo e qualquer professor que lida ou não com alunos com DA. Tais respostas podem ser uma luz no fim do túnel para professores desesperados, alunos “fracassados”, vitimados e pais que se sentem angustiados com essa problemática.

É sabido que há outras formas de comunicação, outros meios de formar cidadãos participantes e atuantes em uma sociedade – a educação não formal – por exemplo. A educação organizada pelas igrejas, pelas associações corporativas, pelos partidos políticos, pelas comunidades organizadas em bairros, etc. No entanto, segundo ALMEIDA (2011) – a leitura e a escrita nunca foram tão importantes para um indivíduo efetivamente participar de uma sociedade. Pois é através da linguagem que o homem se comunica e se relaciona com o mundo, sobretudo por meio da leitura e da escrita. Os alunos que não conseguem adquirir normalmente tais habilidades podem sofrer muito dentro do processo escolar. De acordo com MARTÍNEZ, GARCIA & MONTORO (1993, p.7) “estas dificuldades levam a criança a rejeitarem as aulas, as actividades escolares... podendo mesmo conduzir ao desenvolvimento de uma personalidade conflituosa”.

Portanto, torna-se importante o professor conhecer sobre tais problemas, ter um olhar atento para o seu aluno tentando identificar quais apresentam dificuldades de aprendizagem e que, em conjunto com a equipe psicopedagógica, identifique quais são essas dificuldades, suas causas e as possíveis maneiras de ajudar as crianças a vencerem tais dificuldades.  Visto que, quanto mais cedo se age na identificação e no enfretamento do problema, maiores são as chances de solução e/ou de prevenção do agravamento da situação e até mesmo o surgimento de outros problemas futuros.

Cabe ressaltar aqui que a metodologia adotada para a presente pesquisa foi bibliográfica.

 

  1. O PROCESSO DE QUISIÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA

Segundo Lopes (2010) nosso sistema de escrita é alfabético. Seu princípio básico e o de que cada “som” é representado por uma “letra”. Esse aprendizado é decisivo no processo de alfabetização e se realiza quando o educando entende que o princípio que regula a escrita é a correspondência grafema-fonema.

Porém, é preciso ressaltar que isso não é a parte determinante do processo, ou seja, não deve ser entendido como foco principal do processo de apropriação da leitura e da escrita.  Porque a parte fundamental nesse processo é compreender que as crianças constroem, ao longo de sua jornada, suas próprias hipóteses de escrita e de leitura, em que elas vão inventando e reinventando-as até se chegar ao que chamamos de convencional. Um ponto de destaque é a tomada de consciência dos educadores enquanto às hipóteses criadas pelas crianças, pois, a partir disso, serão capazes de promover uma relação dialógica com os alunos. Permitindo assim, através de intervenções pedagógicas conscientes e, consequentemente, eficientes, que eles consigam progredir na sua jornada de aprendizagem refletindo sobre suas hipóteses e vencendo os obstáculos.

De acordo com Ferreiro e Teberosky (1985) em Psicogênese da Língua Escrita, toda criança passa por quatro fases até que esteja “alfabetizada”:

pré-silábica: não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada; Inicialmente, a criança não diferencia o desenho da escrita, e não dá nenhum significado ao texto.

Ela pensa que os desenhos dizem os nomes dos objetos. Só depois é que começa a fazer rabiscos típicos da escrita que tinha como forma básica (modelo). Se a forma básica for letra bastão, fará rabiscos separados, com linhas retas e curvas; se for a letra cursiva o modelo, fará rabiscos ondulados.

Admite que, é possível ler palavras diferentes com grafias iguais (depois nega essa hipótese) porque diz que, para ler nomes diferentes, eles devem ser escritos com letras diferentes – fatos conceituais do nível pré-silábico. Admitem que palavras com poucas letras não possam ser lidas (pé, pá, sol, etc.) – eixo quantitativo. Pra que se possa ler ou escrever uma palavra, torna-se necessário, também uma variedade de caracteres gráficos. E as palavras que possuem letras iguais também são rejeitadas – eixo qualitativo.

É válido ressaltar que, em uma determinada fase, a criança não separa letra de números. Acredita que os nomes de pessoas (realismo nominal), animais e coisas têm relação com o seu tamanho, peso ou idade. Assim, animais ou pessoas grandes deveram ter nomes grandes. Por conseguinte, as coisas pequenas terão nomes pequenos. E quando as crianças são convidadas a leem a sua escrita, elas passam o dedo direto pela palavra demonstrando que não representa a pauta sonora das palavras. Portanto, o maior desafio do educador nesse nível é auxiliar os educandos a perceber que a escrita representa os sons da fala.

silábica: interpreta a letra a sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada uma;

Essa constitui um grande avanço, e se traduz num dos mais importantes esquemas construídos pela criança durante o seu desenvolvimento. Pois, pela primeira vez, ela trabalha com a hipótese de que a escrita representa partes sonoras da fala, porém, com uma particularidade: cada letra representa uma sílaba. Assim, utiliza tantas letras quantas forem as sílabas da palavra. De início a escrita da criança está restrita a letras de sua experiência, assim é normal não ter valor sonoro – silábico restrito. Posteriormente, a escrita da criança contém a correspondência sonora das vogais ou consoantes – silábico evoluído.

Dentro dessa hipótese é normal as crianças acreditarem que existe uma quantidade mínima de três letras para escrever. Assim, palavras monossílabas e dissílabas precisam ser escritas com um mínimo de três ou quatro letras (letras de correspondência sonora mais algumas aleatórias) – hipótese de quantidade mínima. Acreditam ainda, que uma mesma palavra não pode ser escrita com letras repetidas em sequência – hipótese de variedade de letras. No nível silábico, quando a criança é convidada a ler sua escrita, ela mostra para cada pauta sonora uma letra representada.

silábico-alfabética: mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas;

Esta fase apresenta-se como uma transição entre o nível silábico e o nível alfabético.

A criança começa perceber que o esquema de uma letra para cada sílaba não funciona, assim, procura acrescentar letras à escrita da fase anterior.

Segundo Ferreiro (1985) um adulto mal informado poderá, nessa fase, achar que as crianças estão omitindo (comendo) letras, o que não é verdade. As crianças estão é acrescentando letras à sua escrita da fase anterior. Trata-se de um progresso e não de um retrocesso.

alfabética: domina, enfim, o valor das letras e sílabas; segundo MORAIS (2012, p. 64):

Ao atingir essa fase do processo de apropriação da escrita alfabética, as crianças resolveram as questões o que e como da forma como o fazemos nós, adultos bem alfabetizados e usuários do português: colocando, na maioria dos casos, uma letra para cada fonema que pronunciamos. Mas, diferente de nós, elas cometem muitos erros ortográficos.

 

Trata-se de estar na fase final do processo de alfabetização. Nesse nível, pode-se considerar que as crianças já venceram as barreiras do sistema de representação da linguagem escrita. Elas são capazes de fazer uma análise sonora dos fonemas das palavras que escreve. Porém, não significa que todas as dificuldades foram vencidas. Pois, a partir daí surgirão os problemas relativos à ortografia, porém trata-se de outro tipo de dificuldade que não corresponde ao do sistema de escrita alfabética que ela já superou. Assim, é válido ressaltar que o fato de se chegar ao nível alfabético de escrita, não quer dizer que a criança esteja alfabetizada.

Como diz Morais (2012, p. 65):

[...] não podemos confundir “ter alcançado uma hipótese alfabética de escrita” com “estar alfabetizado”. A passagem da primeira condição à seguinte deverá ser, em nosso ponto de vista, o resultado de um cuidadoso processo de ensino-aprendizagem, agora não mais (ou principalmente) de aspectos conceituais do sistema alfabético, mas, sim de das convenções som-grafia, algo que infelizmente não vem sendo priorizado por muitos educadores.

 

Assim, uma vez superada essa etapa compete agora, dentro de um âmbito de contextualização e significado real das práticas de produção textual, o trabalho com a ortografia, pontuação, gramática, sintaxe, etc.

No tocante a apropriação da leitura, os PCN de Língua Portuguesa, afirmam que:

Para tornar os alunos bons leitores a escola terá de mobilizá-los internamente, pois aprender a ler requer esforço. Precisará fazê-los achar que a leitura é algo interessante e desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência. [...]. Uma prática de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não é uma prática pedagógica eficiente. (BRASIL, 2007, p. 58)

 

Mas, como se fazer isso? Inicialmente é preciso saber que não existe uma fórmula pronta e com total garantia de eficiência. Entretanto, é de grande ajuda se o educador for um leitor, pois é praticamente impossível fazer alguém se apaixonar por algo que não se é apaixonado. Outro ponto a se considerar é como trabalhar a leitura com os alunos. Pois, as atividades de leitura devem ser significativas e para isso precisam cumprir diferentes propósitos: buscar informações, divertir, estudar, seguir instruções, etc.

Ainda relacionado à leitura, os PCN Língua Portuguesa, nos diz que:

É preciso, portanto, oferecer-lhes os textos do mundo: não se forma bons leitores solicitando aos alunos que leiam apenas durante as atividades na sala de aula, apenas o livro didático, apenas porque o professor pede. Eis a primeira e talvez a mais importante estratégia didática para a prática de leitura: o trabalho com a diversidade textual. Sem ela pode-se até ensinar a ler, mas certamente não se formarão leitores competentes. (BRASIL, 2007, p. 55)

 

Percebe-se aí, que não só o trabalho com a escrita, mas também o trabalho com a leitura requer a contextualização, o significado real para os educando. Pois o trabalho de leitura voltado para o cotidiano permite, de forma mais eficiente, a leitura do que se propões a ser lido, encoraja-os a leem mais e os mostra que a leitura é algo intimamente ligado à realidade e às coisas do dia a dia, portanto faz parte da vida humana.

Assim, é papel da escola e do educador adotar diversas estratégias para propiciar, de forma prazerosa e não impositiva, um trabalho que vise o bom desenvolvimento de leitura. É preciso ressaltar que o educador tem papel determinante nesse processo, uma vez que ele precisa: ser um leitor, (parece absurdo o fato de nem todos os educadores gostarem de ler, mas infelizmente é uma realidade), criar estratégias de leitura pra desenvolver com os educandos e, acima de tudo, fazer com que os educandos leiam por prazer e não por imposição. É preciso “seduzi-los” para o mundo mágico da leitura. Por fim, é preciso lembrar o que nos diz Alves (2016):

Uma escola tem que cultivar o prazer de ler. Jamais o hábito da leitura, porque o hábito pertence ao mundo dos deveres, dos automatismos: cortar as unhas, escovar os dentes, rezar de noite. Não hábito, mas leitura amorosa. Na leitura amorosa entramos em mundos desconhecidos e isso nos faz mais ricos interiormente. Quem aprendeu a amar os livros tem a chave do conhecimento. (ALVES, 2016, p.2)

 

  1. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: O QUE SÃO E QUAIS AS CAUSAS?

Segundo Hamze (2010), aprendizagem é um processo de mudança de comportamento obtido através da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais. Aprender é o resultado da interação entre estruturas mentais e o meio ambiente.

A aprendizagem não se restringe apenas à aquisição de conhecimentos e habilidades.

As pessoas aprendem os valores culturais; aprendem a desempenhar papeis de acordo com o sexo, aprendem a amar, a odiar, a temer e a ter confiança em si mesma, aprendem a ter desejos, interesses, traços de carácter e de personalidade. Em suma, a aprendizagem não é apenas a aquisição de conhecimentos ou do conteúdo dos livros, como pode ser compreendida por uma concepção estreita e acadêmica do fenômeno, como também não pode se limitar apenas ao exercício da memoria. (CAMPOS, 1972, p.30)

 

 Ela acontece ao longo de toda a vida, só deixamos de aprender quando morremos e, portanto, essa aprendizagem, a partir da mesma autora, apresenta algumas características.

1. Dinâmica

Porque não acontece na inércia, exige ação global do sujeito. Para aprender o sujeito precisa se envolver física, mental, social e emocionalmente, daí a importância de atividades escolares que envolvam o aluno, fazendo-o interessar-se e participar do processo. “Assim, a aprendizagem escolar depende não só do conteúdo dos livros, nem só do que os professores ensinam, mas muito mais da reação dos alunos a fatores, tais como livros, mestres e ambiente social da escola”. (Idem, p. 31).

2. Contínua

Já no ventre materno é possível perceber sinais de aprendizagem, a partir do nascimento, então aprender torna-se fundamental. Ao nascer o bebê não suga da mesma forma que ao passar uma semana. Aprender é um processo que dura toda a vida podendo sempre apresentar modificações.

3. Global

Porque se dá em todos os campos: motor, emocional, mental, etc. todos envolvidos no restabelecimento do equilíbrio vital.

4. Pessoal

Não é possível aprender por outra pessoa, não se transfere aprendizagem (o professor não transfere aprendizagem para o aluno). Cada um tem um ritmo e uma maneira “pessoal e intransferível” de aprender.

5. Gradativa            

A cada nova aprendizagem são acrescidos novos elementos, através de operações que se tornam cada vez mais complexas.

6. Cumulativa

A aprendizagem é progressiva, proporciona adaptação e ajustamento social, em que a experiência atual aproveita-se das experiências anteriores.

Portanto, cabe-nos enquanto educadores compreender que o processo de aprendizagem envolve vários fatores e perpassa por várias etapas e que a interferência inadequada em qualquer um desses fatores e/ou a atenção/ação inadequada a qualquer uma dessas etapas pode dificultar o percurso “normal” da aprendizagem desencadeando assim, as dificuldades de aprendizagem tanto na leitura como na escrita, dentre outras.

Faz-se necessário agora que discorrermos sobre as dificuldades de aprendizagem na leitura e na escrita e suas principais causas. Bem como a diferença entre dificuldade e distúrbios/transtornos de aprendizagem, pois a falta de compreensão entre um e outro pode dificultar o diagnóstico correto e as possibilidades de ação em direção à solução do problema.

Para SANTOS (2015):

Dificuldades de aprendizagem e distúrbios/transtornos de aprendizagem são dois problemas diferentes e que se manifestam e devem ser tratadas de maneiras distintas. As dificuldades de aprendizagem, normalmente, estão relacionadas a fatores externos que acabam interferindo no processo do aprender do estudante, como a metodologia da escola e dos professores, a influência dos colegas… Em contrapartida, os transtornos, normalmente, estão intrínsecos e fazem parte do aluno, seja uma disfunção neurológica, química, fatores hereditários, imaturidade. (SANTOS, 2015, p. 5)

 

Assim as dificuldades de aprendizagem podem ser compreendidas como algo extrínseco ao ser humano, algo de fora para dentro. Não existem alterações funcionais de base neurológica que impeça ou limite a aprendizagem, pois se trata de algo externo ao ser, algo que dificulta, bloqueia a aprendizagem e o desenvolvimento intelectual normal. Contribuem para isso fatores externos, a saber, mudança de escola, metodologia escolar, problemas emocionais, problemas familiares, fatores socioeconômicos, etc. As dificuldades de aprendizagem tendem a ser transitórias e de pronta superação caso sejam bem trabalhadas. Já os transtornos/distúrbios são intrínseco ao ser humano, algo de dentro para fora, ao contrario das dificuldades de aprendizagem os distúrbios/transtornos não são transitórios, pois são disfunções do sistema nervoso central. As disfunções podem e devem ser tratadas, porém, esses tratamentos representam alternativas para que as pessoas possam conviver de forma saudável com suas dificuldades e saber como superá-las, não constituem curas definitivas.

Dentro do exposto é possível dizer que o processo de aquisição da escrita e da leitura pode ser comprometido tanto por dificuldade de aprendizagem como por distúrbio/transtorno de aprendizagem.

 

  1. FATORES EXTRÍNSECOS QUE INTERFEREM NA APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA

Os principais fatores extrínsecos que influenciam no insucesso da escrita e da leitura, segundo MARTÍNEZ, GARCIA e MONTORO (1993, p.15), são “as causas psicológicas, as causas pedagógicas e os fatores sociais”.

Não é segredo que o nosso emocional (causas psicológicas) conta muito no momento em que vamos desenvolver algumas atividades, principalmente as ligadas à cognição. Se estivermos emocionalmente equilibrados a tendência é nos sairmos bem, caso contrário a possibilidade de fracasso é enorme. Com as crianças também é assim, com um agravante: elas ainda não têm a nossa maturidade e, portanto, tende a sofrerem mais com o insucesso.

Todas as alterações da personalidade são causa de um desajustamento psicológico na criança. O que impede o seu desenvolvimento. Citamos como muito importante o fator afectivo, causa e motor de muitas perturbações emocionais (insegurança, bloqueio emocional, inibição, agressividade, etc...). (MARTÍNEZ; GARCIA; MONTORO, 1993. p. 15 - 16).

 

Percebe-se a importância da escola e da família garantir um ambiente que favoreça o bem-estar psicológico da criança, um ambiente afetivo e respeitoso, onde as crianças se sintam bem, seguras e acolhidas.

       A relação entre professor e aluno (causas pedagógicas) também é uma causa muito importante que interfere nesse processo de aquisição da escrita e da leitura.

O professor deve ganhar a confiança da criança e estabelecer com ela um contacto afetivo positivo; para isto, deve ter uma boa capacidade de adaptação pessoal, deve procurar motivar a criança (um simples sorriso compreensivo é suficiente para dar segurança à criança...). Elogiar os seus trabalhos, valorizando mais o esforço realizado do que o resultado obtido. Evitar o perigo da fadiga, para que não apareça o cansaço. Propor sempre à criança trabalhos que estejam dentro das suas possibilidades. (MARTÍNEZ; GARCIA; MONTORO, 1993, p.16).

 

Os fatores pedagógicos contribuem decisivamente com o sucesso ou com o insucesso da escrita e da leitura. Portanto, é necessário que se tenha uma prática pautada no compromisso com a aprendizagem, se reconheça e respeite o nível de aprendizagem de cada criança, que se faça a adequação necessária do material didático, dos mobiliários escolares, que se tenha uma quantidade de alunos por sala que possibilite um bom acompanhamento por parte do professor a cada aluno, etc. Fatores como: ausência de incentivo, salas superlotadas, professores sobrecarregados, mal remunerados, pouco treinados para identificar problemas de aprendizagem e lidar com os mesmos, material didático inadequado, inadequação metodológica contribuem de forma negativa com o processo de ensino e aprendizagem e, consequentemente, com o surgimento ou com o agravamento das dificuldades de aprendizagem do processo de aquisição da escrita e da leitura. De acordo com ALMEIDA (2011):

Quando técnicas, métodos e ações educacionais não são condizentes com o potencial das crianças. [...] quando os professores usam situações pedagógicas, que não possibilitam uma percepção tampouco um acompanhamento das ações educacionais. Este quadro vai se acumulando e a criança fica sem o que chamamos de conhecimentos de base. Sem eles, não é mais possível acompanhar as atividades e os conteúdos escolares [...] sozinhos, estes alunos não conseguem fazer o resgate e o acompanhamento destes saberes. Resta-lhes, então, somar dificuldades em cima de dificuldades. (ALMEIDA, 2011. p. 11)

 

Daí, a importância da formação continuada dos professores, do acompanhamento e orientação pedagógica e psicopedagógica, a fim de ajudá-los a desempenhar o seu papel de professor da melhor forma possível. Pois, não há como negar que os professores, muitas vezes, são responsáveis pela baixa aprendizagem na leitura e na escrita.

Outro ponto a ser considerado no tocante aos fatores que interferem na aprendizagem da escrita e da leitura é o ambiente que rodeia a criança (fatores sociais).

Hoje, infelizmente, encontramo-nos perante famílias com problemas econômicos, sem trabalho, em vias de separação ou divórcio, doenças familiares, alcoolismo, drogas, falta de estímulo cultural, etc., o que influencia negativamente o desenvolvimento global da personalidade da criança. (MARTÍNEZ; GARCIA; MONTORO, 1993, p. 17).

 

Como pode ser observado, muitos são os problemas que as crianças podem enfrentar no ambiente em que vivem, seja na família ou na própria comunidade. Convivendo em ambientes desfavoráveis elas podem ter o seu desenvolvimento comprometido o que pode acarretar numa maior dificuldade para aprender a ler e escrever. São muitas as crianças que vivem em ambientes onde não há valorização das práticas de leitura e escrita e que não são estimuladas a desenvolver tais práticas, ambientes onde livros, textos, contações de estórias e leituras não se fazem presentes.

            Assim, torna-se importante que a escola seja um local estimulador, desafiador e favorável ao desenvolvimento do aluno. Um ambiente onde as práticas de leitura e escrita sejam algo constante, planejado, significativo e prazeroso. Um ambiente onde o professor seja sensível ao ponto de ser capaz de perceber e respeitar as dificuldades e necessidades dos seus alunos e de ajudá-los a superar tais dificuldades. Cabe ressaltar ainda a importância do trabalho escolar ligado à psicomotricidade, pois o desenvolvimento do Esquema Corporal, Lateralidade, Estruturação Espacial, Orientação Temporal e Pré-Escrita são fundamentais na aprendizagem; um problema em um destes elementos irá prejudicar uma boa aprendizagem. MARTÍNEZ, GARCIA e MONTORO (1993, p. 20) nos dizem que “o desenvolvimento psicomotor da criança determina a aprendizagem da leitura e da escrita”.

       Por fim, Porto (2011, p. 64), citado por Moura (2013, p.6) afirma que para a criança conquistar a leitura e a escrita é necessária a ação conjunta das habilidades de:

a) - discriminação auditiva;

b) - composição e decodificação dos sons;

c) - discriminação visual;

d) - organização e orientação dos elementos no espaço;

e) - sequencia temporal;

f) - coordenação dos movimentos finos;

g) - conhecimento e controle do próprio corpo;

h) - noção de lateralidade. (PORTO, 2011 apud  MOURA 2013, p. 6).

Como se pode notar, tais habilidades são todas de ordem psicomotora. Daí, a necessidade da escola abrir mão de sua postura mecanicista e trabalhar numa perspectiva que abranja as relações corpo/mente, ou seja, numa perspectiva holística, global.

 

  1. FATORES INTRÍNSECOS QUE INTERFEREM NA APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA

          Os fatores intrínsecos que interferem na aquisição da escrita e da leitura são os distúrbios/transtornos de aprendizagem.

 

Ao contrário das dificuldades de aprendizagem, que podem estar ligadas a problemas externos ou a um conjunto de elementos, os distúrbios de aprendizagem estão mais vinculados ao próprio aluno, independente de questões relacionadas, por exemplo, à estrutura geral da educação ou ao ambiente familiar e suas condições econômicas, atingindo a criança em nível individual. (Bortoluci, Matta e Moraes, 2013, p.2).

 

Fazem parte desse grupo a dislexia, a disgrafia, a disortografia, etc. O diagnóstico de qualquer transtorno não pode ser feito pelo professor, isso compete a uma equipe multidisciplinar composta por psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos clínicos. É importante que seja sinalizado dentro do diagnóstico, além das limitações, o potencial da criança para que se tenha uma ideia de como trabalhar com ela de forma mais adequada e proveitosa em sala de aula.

      

       É importante saber que mesmo as questões pedagógicas, sociais e psicológicas que interferem de forma negativa na aprendizagem aqui não são determinantes, porque mesmo esses aspectos sendo sanados e/ou descartados as dificuldades vão persistir. Pois, ao contrário das dificuldades, que são transitórias quando suas causas são tratadas ou eliminadas, os distúrbios permanecem pela vida toda, pois são disfunções do sistema nervoso central.

 

Além da importância do seu diagnóstico, é necessário ter o acompanhamento e a compreensão de todos os que convivem com as crianças principalmente os membros da família, que constituem a base de sua infância. Os pais de crianças com esses problemas precisam levá-las a médicos especializados para que possam ter orientações mais precisas do caso, podendo, também, ter o conhecimento se este distúrbio possui algum tipo de tratamento para diminuir as dificuldades. (Idem, p. 4)

 

 

O trabalho com crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem de fatores intrínsecos tende a sem bem mais complexo do que com as crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem de fatores extrínsecos. Portanto, é imprescindível que o professor possa contar com o auxílio, a orientação de outros profissionais além do coordenador pedagógico, como psicólogo, psicopedagogo, etc. para melhor atender às necessidades dessas crianças na sala de aula regular. É importante frisar que não é competência do professor diagnosticar os alunos com distúrbios ou com dificuldades de aprendizagem, mas compete a esse identificar o desenvolvimento do aluno e, percebendo alguma anormalidade nesse desenvolvimento, suspeitando de que algo estar fora do fluxo normal, sinalizar para a equipe de apoio pedagógico ou psicopedagógico fazer uma avaliação. Pois como se sabe o diagnóstico depende de fatores e exames específicos, não basta o olhar do achismo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

São muitas as causas que dificultam a aprendizagem da leitura e da escrita. E estar atento aos sinais que indicam tais dificuldades é uma das necessidades dos professores na atualidade, é crescente as queixas dos professores com relação a alunos com baixa aprendizagem na aquisição da leitura e da escrita e essa é uma preocupação válida, pois a leitura e a escrita se configuram como os principais meio de comunicação e de aquisição dos conhecimentos acumulados pelo ser humano ao longo do tempo. Assim, seria difícil se apoderar desses conhecimentos sem o domínio de tais práticas. No entanto, é preciso entender que essas queixas e preocupações não podem se transformar em desespero, pois nada estar perdido e muita coisa pode ser feita para mudar a situação que muitos alunos se encontram.

Se se tem um aluno que apresenta sinais de dificuldade de aprendizagem em leitura e escrita em sala de aula, a primeira coisa a ser feita é a identificação da causa da dificuldade, essa identificação não é feita pelo professor sozinho, ele pode passar informações preciosas sobre o aluno, uma vez que é ele quem passa a maior parte do tempo com o aluno, mas a identificação do problema só poderá ser feito por uma equipe psicopedagógica. A partir dessa identificação, cabe à escola\professor e à equipe psicopedagógica traçar caminhos que levem esse aluno a superar tais dificuldades. É sabido que os problemas de dificuldades de aprendizagem de ordem extrínseca são reversíveis quando identificados e trabalhados de forma adequada.

Assim, é de suma importância esclarecer que em muitas situações de Dificuldades de Aprendizagem o aluno não é “culpado”, é vítima. Vítima do meio no qual está inserido que pouco contribui para o seu crescimento intelectual, pouco exige dele, pouco valoriza as práticas de leitura e escrita; vitima de práticas de ensino descontextualizadas, mecânica, pouco atrativa e que não respeita o ritmo de aprendizagem individual do aluno. É preciso que se compreenda que a melhor pedagogia é a que respeita o ritmo e as possibilidades de cada aluno.

Diante do exposto, fica clara a necessidade dos professores se atualizarem, participarem dos cursos de formação continuada em que são discutidos temas relevantes para o bom desenvolvimento do seu trabalho, procurar se qualificarem. Entenderem que quanto mais qualificados e informados estiverem mais eles poderão contribuir com o sucesso dos seus alunos. Não se pretende com isso dizer que o professor é culpado pelo insucesso do aluno, pois como já foi colocado são muitos os fatores que contribuem para com as dificuldades de aprendizagem em leitura e escrita.

Muito ajudaria se as escolas contassem com o apoio de especialistas como psicopedagogo e/ou psicólogo escolar para melhor auxiliar os professores. Mas isso, infelizmente, ainda é uma utopia para muitas escolas, fato que só aumenta a responsabilidade e o trabalho do professor, que na maioria das vezes não tem com quem contar.

Enfim, ficou evidenciado que o trabalho conjunto entre aluno, professor, família e especialista(s) é a melhor maneira de sanar as dificuldades de aprendizagem que interferem no processo de aquisição da escrita e da leitura.

 

REFERÊNCIAS.

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