Diferentes formas de resolução de conflitos: a mediação no Código de Processo Civil

Por Estevan Piva | 20/12/2016 | Direito

 1 INTRODUÇÃO

Sancionada pela Presidente da República, Dilma Roussef, em 16 de março de 2015 e em vigor no ordenamento jurídico nacional desde o dia 18 de março desse ano, a Lei n. 13.105/2015 - Código de Processo Civil (CPC) - tem como seus fundamentos balizadores os propósitos da decisão coerente, precisa e justa, da redução dos litígios, da simplicidade dos procedimentos, humanização da justiça e estímulo à resolução autocompositiva dos conflitos, buscando encontrar tudo isso, primeiramente, de forma extrajudicial ou pré-processual, o que implicaria, por consequência, no desafogo do Poder Judiciário.
Descrevendo-se tais intenções, pode-se questionar a maneira com que o legislador pretende consolidar o implemento desses (nem tão) novos conceitos em um ordenamento que já restou marcado e crucificado exatamente por exibir uma realidade de absoluta contrariedade ao objetivo atual.
Nesse sentido, o Poder Legislativo, a fim de buscar uma nova realidade ao cenário atual, utilizando-se de mecanismos extrajudiciais (como a mediação, a conciliação e/ou a arbitragem), busca diminuir - quiçá acabar - com as decisões incoerentes ou equivocadas, independentemente da esfera de transação, resultando talvez na redução da morosidade processual e da nuvem negra que impede a transparência de muitas questões atinentes à Justiça, tornando-se vital aos operadores do Direito o dever de abraçar a ideia proposta para que de fato os resultados almejados se verifiquem na prática.
Entretanto, certamente inúmeros obstáculos que há anos já atrasam o Poder Judiciário nacional serão verificados até que se inicie a consolidação das propostas do legislador, isso sem mencionar os demais percalços que surgirão a partir da interpretação das novas normas, seja sobre quando utilizá-las, como superar o conflito entre elas ou, ainda, de que forma absorver, interpretar e implementar seus conteúdos de modo a valorizar a construção legislativa em consonância com os princípios gerais do direito.
Ainda, levando-se em conta possível conflito normativo, há de se atentar que anteriormente à vigência do atual Código de Processo Civil passou a vigorar no ordenamento nacional a Lei da Mediação, logo, boa parte da matéria acerca dos 8 métodos de resolução de conflitos trazida pela Lei n. 13.105/2015 terá correspondências e, ao mesmo tempo, incongruências diante da coexistência de norma específica e posterior, de modo que será mais uma situação a dificultar a consolidação dos objetivos trazidos pelo legislador no atual CPC.
Em razão do cenário descrito e da inserção, no conjunto normativo nacional, de um moderno sistema para reger o processo civil a partir de uma nova ótica perante o Poder Judiciário - com perspectiva inédita acerca dos conflitos interpessoais -, realizarse-á um estudo a fim de averiguar maneiras para implementar as propostas do CPC de 2015 (fundamentadas nos propósitos já referidos anteriormente) em um ordenamento jurídico já saturado por uma realidade que demonstra absoluta contrariedade ao objetivo atual.
Mediante análise das situações descritas, buscar-se-á estabelecer as razões que levam a crer na possibilidade de um novo sistema de processo civil guiado por atalhos que permitam às partes ir ao encontro da intenção do legislador, propiciando que de fato a vejam concretizada na prática diária de resolução de conflitos, sob o fundamento de que a chave para tanto está em analisar as diferentes formas de auto/heterocomposição e encontrar nelas o sustentáculo para a proposta de inovação do sistema processual civil, viabilizando a ascensão das soluções de conflitos de maneira extrajudicial e a redução dos números de ações na via judicial.
Contudo, cientes da árdua tarefa de atingir o objetivo traçado no sentido de tornar as vias alternativas à litigância em juízo o caminho para chegar até a meta do legislador, sabe-se que, caso não se adote esse sistema de resolução autocompositivo (em especial a mediação) de forma adequada e sob a égide dos princípios que devem norteá-lo, estar-se-á produzindo serviço ineficaz e gastos de tempo e dinheiro, sem retorno aos cofres públicos, à reputação do legislador e, principalmente, superlotando o Poder Judiciário com situações que muitas vezes não mereceriam ser por ele analisadas, ou, ainda, fazendo-o julgar determinadas circunstâncias sem o devido conteúdo fundamental.
Por isso, mediante estudo detalhado acerca do conflito, busca-se compreender suas origens, tipos e causas a partir da interpretação e análise do Círculo do Conflito, realizando desde uma abordagem histórica e estudo sobre a etimologia da palavra, até seu exame sob a ótica jurídica inclusive, para que se possa chegar a uma definição rasa (por não adentrar profundamente no contexto psicológico), porém 9 precisa, acerca daquele que talvez seja o mais antigo fomentador das divergências e da evolução mundana, qual seja, o conflito em si.
Em seguida, demonstrando os fundamentos, características e peculiaridades de cada uma das formas alternativas de resolução de conflitos, pretende-se estabelecer paralelos entre os fundamentos e princípios dos sistemas de ADR (Alternative Dispute Resolution) em ordenamentos jurídicos estrangeiros e no ordenamento nacional, mediante entrevista com profissional da área que já atuou como mediadora no cenário jurídico internacional, levando-se em consideração as diferenças sociais e culturais das partes em conflito, também para que seja possível identificar pontos em comum na forma de lidar com as pessoas em realidades jurídicas distintas e verificar eventuais contribuições e/ou inobservâncias aos princípios norteadores do processo civil que podem advir da aplicação das ADRs.
Finalmente, mediante estudo restrito às características do sistema processual nacional, traçando-se comparativos entre a Lei da Mediação, o antigo e o atual Código de Processo Civil, buscar-se-á pontuar as principais diferenças entre os dois últimos e, a partir delas, analisar o instituto da mediação à luz das alterações trazidas pelo legislador com a Lei n. 13.105/2015, averiguando eventuais conflitos de normas (aparentes ou não), bem como identificar os principais obstáculos à consolidação das propostas do legislador no que tange ao fomento do uso das técnicas de resolução de conflitos a partir dos métodos autocompositivos, com especial ênfase à mediação, tendo em vista o foco principal adotado por esse trabalho.
Portanto, para que seja possível obter, ao final da pesquisa, conhecimento suficiente para julgar a adequação ou não das propostas estabelecidas pelo atual Código de Processo Civil no sentido de fomentar a resolução de conflitos pela forma autocompositiva, encerrada essa breve introdução, parte-se agora para análise do conflito em sua essência.

2 A ORIGEM DO CONFLITO E SUAS DIFERENTES ESPÉCIES

Inicialmente, adequado elucidar aqui que o objeto de estudo abordado com esse trabalho apenas tem razão de ser em virtude da existência do conflito, sem o que não haveria razão para manutenção das formas alternativas de resolução de conflitos de um modo geral, e, de modo específico, da mediação como uma de suas modalidades.
Assim, passar-se-á a estudar a origem desse que talvez seja o mais antigo fomentador das divergências e da evolução mundana: o conflito em si.

2.1 Abordagem histórica e estudo sobre a etimologia da palavra

Sabe-se que o conflito é algo inerente às relações dos humanos enquanto seres racionais e não meramente intuitivos, logo, sua origem data dos primeiros registros da vida do homem na terra1 , justamente por ser ele capaz de estabelecer
"naturalmente relações intersubjetivas e até mesmo intergrupais marcadas por divergências de ordens diversas, as quais podem ser definidas como a gênese de um dos fenômenos mais comuns e recorrentes de qualquer sociedade: o conflito" (LUCENA FILHO, 2010, p.02).
Podemos pensar a origem do conflito sob diversos prismas, seja ele o religioso - quando Adão, na história bíblica, após superar o conflito paradoxal individual decide aceitar o fruto proibido no Paraíso -, o científico, segundo o qual o conflito entre partículas teria gerado, há 15 bilhões de anos atrás, o chamado Big Bang, que deu origem ao que hoje chamamos de Universo, ou outros inúmeros casos envolvendo os animais propriamente ditos e o animal homem ao longo de sua evolução.
Justamente em razão de esses embates fazerem parte da evolução humana e serem necessários ao desenvolvimento familiar, social, político e organizacional, Karl Marx (1864-1920), considerado o maior sociólogo da modernidade, criou a Teoria do Conflito, sustentando que a organização social e a sua mudança se baseiam nos conflitos intrínsecos à sociedade, passando-se a perceber com isso também o real
1 Aristóteles e Hugo Grócio dedicaram estudos ao tema da natureza social do homem e a inclinação inata deste à vida em sociedade, aplicadas à concepção de criação do Direito, Poder Constituinte e do Estado.
SANTOS, Aricê Moacyr Amaral, O Poder Constituinte (A natureza e a titularidade do Poder Constituinte Originário), São Paulo, Ed. Sugestões Literárias, 1980. p. 28-29.
11 impacto positivo dos conflitos na moldagem da sociedade a partir das divergências interpessoais e intergrupais.
Morais & Spengler, ao citarem Karl Marx, não deixam de estabelecer paralelos com as teorias do conflito estudadas também por Max Weber e Friedrich Engels, sustentando, ao final, que todas, de uma forma ou outra, tratam o conflito como meio de evolução e ressaltam "as relações de poder exercidas pelo Estado sobre o cidadão no tratamento dos conflitos sociais" (2012, p. 60), descrevendo a superestrutura legal/política como formadora da consciência social e o Estado como um instrumento de domínio de classes.
Levando-se em conta a evolução acerca da interpretação dos conflitos nos
últimos cento e cinquenta anos, fazendo referência novamente ao mestre em Direito Lucena Filho, hoje o conflito não deve ser encarado como a demonização de pessoas (físicas ou jurídicas) ou passível de sempre ser evitado, afinal, cada indivíduo é dotado
"de características próprias que, em certo momento são capazes de colidir com interesses, pretensões e direitos do outro, tempo em que surge uma divergência capaz de polarizar uma relação anteriormente estabilizada" (2010, p. 07).
Assim, justamente por possibilitar esse intercâmbio de posicionamentos é que o conflito equilibrado, com o passar das décadas, adquiriu a conotação positiva atual, fato que antigamente seria inimaginável ante as perspectivas expressamente negativas exaradas pelas culturas ocidentais acerca de sua existência ou funcionalidade.

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