DIALOGANDO SOBRE O LÚDICO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

Por MONIQUE FERREIRA MONTEIRO BELTRÃO | 09/06/2017 | Educação

*Monique Ferreira Monteiro Beltrão

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo ressaltar a importância do lúdico no desenvolvimento infantil. Perceber como a criança através do lúdico desenvolve importantes capacidades como: socialização, criatividade, memorização, imaginação e amadurecimento. A brincadeira é de fundamental importância para o desenvolvimento infantil na medida em que a criança pode transformar e produzir novos significados para a sua vida e seu crescimento. Em algumas situações, quando criança ainda é bem pequena e bastante estimulada, é possível observar o rompimento com a relação à subordinação ao objeto, atribuindo-lhe um novo significado, o que expressa seu caráter ativo, no curso de seu próprio desenvolvimento e de acordo com o que se pensa sobre o objetivo em relação ao seu eu.

Palavras Chaves: Lúdico, Brincadeira e Criança.

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*Doutora em Educação, Mestre em Educação e Psicologia, Pedagoga, Especialista em Direito Educacional, Escritora e Palestrante.

INTRODUÇÃO

Desde o nascimento as crianças são inseridas em um contexto social, seu primeiro contato social se dá pela interação com os pais. Nos primeiros meses de vida a criança entra em contato com o mundo da brincadeira, por meio das brincadeiras de esconder o resto e em sequência aparecem às brincadeiras cantadas. Os adultos muitas vezes não percebem a importância desse tipo de brincadeira, mas por meio dela transmite-se muitas características da cultura. Primeiro a criança brinca sozinha, depois ela procura companheiros para brincadeiras paralelas e com brinquedos. Só então ela incorpora o sentimento de socialização, descobrindo os prazeres e dissabores do brincas em conjunto. Conforme as crianças vão crescendo suas brincadeiras se tornam mais ricas, com diversos elementos, conteúdos e valores que receberam em seus primeiros anos de vida.

O brincar potencializa o desenvolvimento, já que assim aprende a conhecer, a fazer, a conviver e, sobretudo, aprende a ser. Para além de estimular a curiosidade, a autoconfiança e a autonomia, proporciona a ampliação da linguagem e o pensamento. As posturas e os gestos da criança fazem parte de um conjunto de atividades que representam o ato motor: subir e descer, andar, correr, entrar de baixo dos móveis, rolar no chão, imitar os bichos etc.

Vygotsky (1998), um dos representantes mais importantes da psicologia histórico-cultural, partiu do princípio que o sujeito se constitui nas relações com os outros, por meio de atividades caracteristicamente humanas, que são mediadas por ferramentas técnicas e semióticas. Nesta perspectiva, a brincadeira infantil assuma uma posição privilegiada para a análise do processo de constituição do sujeito; rompendo com a visão tradicional de que ela é atividade natural de satisfação de instintos infantis, o autor apresenta o brincar como uma atividade em que, tanto o significado social e historicamente produzidos são construídos, quanto novos podem ali emergir.

A brincadeira e o jogo de faz-de-conta seriam considerados como espaços de construção de conhecimentos pelas crianças, na medida em que os significados que ali transitam são apropriados por elas de forma específica. A importância do brincar para o desenvolvimento infantil reside no fato de esta atividade contribui para a mudança na relação da criança com os objetos, pois estes perdem sua força determinadora na brincadeira.

Pretende-se refletir sobre a brincadeira enfatizando o papel do lúdico na infância, destacando a importância do faz-de-conta para o desenvolvimento da criança. Por meio delas, a criança satisfaz, em parte, seus interesses, necessidades e desejos particulares.

OBJETIVOS:

Objetivo Geral:

  • Ressaltar a importância do lúdico no desenvolvimento infantil através deste estudo.

Objetivos Específicos:

  • Perceber como a criança através do lúdico desenvolve importantes capacidades.
  • Entender as brincadeiras como ponto de partida para a boa vida da criança e para o seu crescimento e evolução.

O LÚDICO E O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

O brinquedo é a oportunidade onde a criança experimenta, descobre, inventa, aprende e confere habilidades. Além de estimular a curiosidade, a autoconfiança e a autonomia, proporciona o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da concentração e atenção. A criança brincando muda o seu olhar em relação ao mundo e passa a ser observadora, cuidadosa e participativa; pois consegue se adequar ao mundo em que vive.

A descoberta do mundo pelo brincar tem efeitos evidentes sobre a evolução das habilidades da criança; a brincadeira proporciona a elaboração de estratégias para a resolução de pequenos problemas, organização em etapas, faz de conta, conhecimento de conceitos de tamanho e quantidade; favorece o desempenho motor, os deslocamentos, a coordenação das mãos, a fala, entre tantos outros requisitos para o seu desenvolvimento e bem estar. A criança passa a reconhecer a diversidade entender o que é diferente.

Na brincadeira, as crianças interagem com outras pessoas, com isso expressam e comunicam seu mundo interno. Entre os dois e os seis/sete anos de idade aproximadamente, a simbologia surge com um papel fundamental nas brincadeiras, como por exemplo: o “faz de conta”, as histórias, os fantoches, o desenho, o brincar com os objetos atribuindo-lhes outros significados, entre outros. É importante lembrar aos pais e cuidadores da criança, que os momentos de brincar, tomar banho, comer ou trocar de roupa servem também, para estimular a coordenação motora, a participação cada vez mais independente nas atividades assim como estimular a linguagem (a forma como organizamos nosso pensamento) e a comunicação. A criança entende o mundo através das ações que se passa com ela.

Para que o brinquedo seja significativo para a criança é preciso que tenha pontos de contato com a sua realidade. Através da observação do desempenho das crianças com seus brinquedos podemos avaliar o nível de seu desenvolvimento motor e cognitivo. No lúdico, manifestam-se suas potencialidades e ao observá-las poderemos enriquecer sua aprendizagem, fornecendo através dos brinquedos os nutrientes ao seu desenvolvimento de fala.

Cada criança tem seu próprio ritmo de desenvolvimento, que pode ser influenciado pelos fatores hereditários, pelo ambiente e, principalmente pelos estímulos que recebe. O que oferecemos é o que será transmitido pela criança enquanto brinca. Esses estímulos interferem de forma positiva no desenvolvimento da emoção, do sistema nervoso, e refletem em diversas áreas do comportamento do bebê e da criança.

 

Por isso, é tão importante que os pais participem ativamente da vida de seus filhos, estimulando-os de maneira correta, para que eles possam desenvolver ao máximo seus potenciais.

 

A RELAÇÃO CRIANÇA X BRINQUEDO X ADULTO

 

É indispensável que a criança sinta-se atraída pelo brinquedo e cabe-nos mostrar a ela as possibilidades de exploração que ela oferece, permitindo tempo para observar e motivar-se. Apresentar o brinquedo à criança se faz necessário.

A criança deve explorar livremente o brinquedo, mesmo que a exploração não seja a que esperávamos. Não nos cabe interromper o pensamento da criança ou atrapalhar a simbolização que está fazendo. Porque a simbologia construída é pessoal e intransmissível. Portanto a criança se constrói.

 

Devemos nos limitar a sugerir, a estimular, a explicar, sem impor, nossa forma de agir, para que a criança aprenda descobrindo e compreendendo, e não por simples imitação. Embora a imitação seja normal é imprescindível para a formação do caráter. A participação do adulto é para ouvir, motivá-la a falar, pensa e inventar. Os adultos devem apenas inferir quando for necessário. Sendo assim, parte do procedimento do brincar.

 

Brincando, a criança desenvolve seu senso de companheirismo. Jogando com amigos, aprende a conviver, ganhando ou perdendo, procurando aprender regras e conseguir uma participação satisfatória.

 

No jogo, ela aprende a aceitar regras, esperar sua vez, aceitar o resultado, lidar com frustrações e elevar o nível de motivação. Nas dramatizações, a criança vive personagens diferentes, ampliando sua compreensão sobre os diferentes papéis e relacionamentos humanos. As relações cognitivas e afetivas da interação lúdica, propiciam amadurecimento emocional e vão pouco a pouco construindo a sociabilidade infantil.

 

O memento em que a criança está absorvida pelo brinquedo é um momento mágico e precioso, em que está sendo exercitada a capacidade de observar e manter a atenção concentrada e que irá inferir na sua eficiência e produtividade quando adulto.

 

Brincar junto reforça os laços afetivos. É uma manifestação do nosso amor à criança. Todas as crianças gostam de brincar com os pais, com a professora, com os avós ou com os irmãos.

 

A participação do adulto na brincadeira da criança eleva o nível de interesse, enriquece e contribui para o esclarecimento de dúvidas durante o jogo. Ao mesmo tempo, a criança sente-se prestigiada e desafiada, descobrindo e vivendo experiências que tornam o brinquedo o recurso mais estimulante e mais rico em aprendizado.

 

Guardar os brinquedos com cuidado pode ser desenvolvido através da participação da criança na arrumação feita pelo adulto. Afinal, a criança aprende com os modelos. O hábito constante e natural dos pais e da professora ao guardar com zelo o que utilizou, faz com que a criança adquira automaticamente o mesmo hábito, ocorrendo inclusive satisfação tanto no guardar como no brincar.

 

CONCEITUANDO BRINCADEIRAS

 

“A brincadeira é uma atividade que a criança começa desde seu nascimento no âmbito familiar” (Kishimoto, 2002, p. 139) e continua com seus pares. Inicialmente, ela não tem objetivo educativo ou de aprendizagem pré-definido.

 

A criança ao brincar fica excluída dos conflitos de classe e suas condições sociais são vistas acriticamente. Quando uma pessoa observa uma criança no ato da brincadeira percebe que esta situação contribui para sua inserção social.

 

Quando brincam, as crianças confrontam-se com uma variedade de problemas interpessoais e sociais. Como por exemplo: Quem vai ser o primeiro. Porque não é a minha vez. Ela não cumpriu o combinado. E outras, que revelam essa interface política.

 

Brincar, então, exige troca e pontos de vista, o que leva a criança a observar os acontecimentos sob várias perspectivas, pois sozinha ela pode dizer e fazer o que quiser pelo prazer e contingência do momento, mas num grupo, diante de outras pessoas, percebe que deve pensar aquilo que vai dizer o que vai fazer para que possa ser compreendida. A relação com o outro, portanto, permite que haja avanço maior na sua organização do pensamento do que se cada criança estivesse só.

 

Quando a criança é um ser em desenvolvimento, sua brincadeira vai se estruturando com base no que é capaz de fazer em cada momento. Isto é, ela aos seis meses e aos três anos de idade tem possibilidades diferentes de expressão, comunicação e relacionamento com o ambiente sociocultural no qual se encontra inserida. Ao longo do desenvolvimento, portanto, as crianças vão construindo novas e diferentes competências, no contexto das práticas sociais, que irão lhes permitir compreender e atuar de forma mais ampla no mundo.

 

A partir da brincadeira, a criança constrói sua experiência de se relacionar com o mundo de maneira ativa, vivendo experiências de tomadas de decisões. Em um jogo qualquer, ela pode optar por brincar ou não, o que é característica importante da brincadeira, pois oportuniza o desenvolvimento da autonomia, criatividade e responsabilidade quanto a suas próprias ações.

 

O termo cultura é entendido aqui a partir das formulações teóricas de Valsiner (2000), para quem a cultura não se refere apenas a um grupo de indivíduos que compartilham características semelhantes, mas deve ser compreendida como mediação semiótica, que integra o sistema psicológico individual e o universo social das crianças dela participantes. É no contexto da cultura que se dá a construção social, de significados, com base nas tradições, idéias e valores do grupo cultural que cria e recria padrões de participação, dando origem ao desenvolvimento de típicas categorias de pensamento e de recursos de expressão.

 

Vygotsky (1998), quando discute em sua teoria a gênese e o desenvolvimento do psiquismo humano, destaca que o processo de significação é elaborado por meio da atividade em contextos sociais específicos; o que é interiorizado não é a realidade em si mesma (conceito já ultrapassado na perspectiva sócio-construcionista), mas o que esta significa tanto para os sujeitos em relação, quanto para cada um em particular.

 

Este movimento de interiorização transformado das significações não se dá de maneira passiva nem direta, pois o sujeito reelabora, imprimindo sentidos provados ao significado compartilhado na cultura. Nesse processo ele se apropria do signo em sua função de significação, observando seu duplo referencial semântico, um formado pelos sistemas construídos ao longo da história social e cultural dos povos, e o outro formado pela experiência pessoal e social, evocada em casa ação ou verbalização.

 

Para Vygotsky (1998), a criança nasce em um meio cultural repleto de significações social e historicamente produzidas, definidas e codificadas, que são constantemente ressignificadas e apropriadas pelos sujeitos em relação, constituindo-se, assim, em motores do desenvolvimento. Neste sentido, o desenvolvimento humano para ele se distancia da forma como é entendido por outras teorias psicológicas, por ser visto como um processo cultural que ocorre necessariamente mediado por outro social, no contexto da própria cultura, forjando-se os processos psicológicos superiores, sendo a psique humana, nesta perspectiva, essencialmente social.

 

Os processos psicológicos superiores para Vygotsky (1987) são constituídos (...) pelos de domínio dos meios externos do desenvolvimento cultural e do pensamento: o idioma, a escrita, o cálculo, o desenho, bem como pelas funções psíquicas superiores especiais, aquelas não limitadas nem determinadas de nenhuma forma precisa e que têm sido dominadas pela psicologia tradicional com os nomes de atenção voluntária, memória lógica e formação de conceitos (p. 32).

 

Afirmamos, ainda, que o desenvolvimento humano é um processo dialético, marcado por etapas qualitativamente diferentes e determinadas pelas atividades mediadas. O homem, enquanto sujeito é capaz de transformar sua própria história e a da humanidade, uma vez que por seu intermédio muda o contexto social em que se insere ao mesmo tempo em que é modificado.

 

Assim, o que caracteriza a atividade humana são o emprego de instrumentos, signos ou ferramentas que lhe dão um caráter mediado, entretanto, instrumentos e signos são coisas diferentes; os primeiros influenciam a ação humana sobre a atividade e são externamente orientados. Já os segundos não modificam em nada o objeto da atividade, mas se constituem em ferramenta interna dirigida ao controle do indivíduo, sendo orientados internamente.

 

Desta maneira, os objetos com os quais a criança se relaciona são significados em sua cultura e a relação estabelecida com eles se modifica à medida em que a ela se desenvolve. Em um primeiro momento esta relação é marcada pela predominância de sentidos convencionais da cultura em que está inserida; o objeto, de certa forma, diz para a criança como deve agir. Com o passar do tempo, de modo gradativo, a relação entre objeto significado e ação se altera, tendo a brincadeira um lugar de destaque nessa mudança.

A importância do brincar para o desenvolvimento infantil reside no fato de esta atividade contribuir para a mudança BA relação da criança com os objetos, pois estes perdem sua força determinadora na brincadeira. “A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação ao que vê. Assim, é alcançada uma condição que começa a agir independentemente daquilo que vê”. (Vygotsky, 1998, p. 127).

 

Na brincadeira, a criança pode dar outros sentidos aos objetos e jogos, seja a partir de sua própria ação ou imaginação, seja na trama de relações que estabelece com os amigos com os quais produz novos sentidos e os compartilha (Cerisara, 2002).

 

A brincadeira é de fundamental importância para o desenvolvimento infantil na medida em que a criança pode transformar e produzir novos significados. Em situações dela bem pequena, bastante estimulada, é possível observar que rompe com a relação de subordinação ao objeto, atribuindo-lhe um novo significado, o que expressa sue caráter ativo, no curso de seu próprio desenvolvimento.

 

Para Vygotsky (1998), a criação de situações imaginárias na brincadeira surge da tensão entre o indivíduo e a sociedade e a brincadeira libera a criança das amarras da realidade imediata, dando-lhe oportunidade para controlar uma situação existente (Cerisara, 2002). As crianças usam objetos para representar coisas diferentes do que realmente são: pedrinhas de vários tamanhos podem ser alimentos diversos na brincadeira de casinha, pedaços de madeira de tamanhos variados podem representar diferentes veículos na estrada. Na brincadeira, os significados e as ações relacionadas aos objetos convencionalmente podem ser libertados.

 

Vygotsky (1998) definiu a zona de desenvolvimento proximal (ZPD) como:

(...) a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com os companheiros mais capazes (p. 97).

 

A brincadeira é, assim, a realização das tendências que não podem ser imediatamente satisfeitas. Esses elementos da situação imaginária constituirão parte da atmosfera emocional do próprio brinquedo. Nesse sentido, a brincadeira representa o funcionamento da criança na zona proximal e, portanto, promove o desenvolvimento infantil (Vygotsky, 1998).

 

Entretanto, Vygotsky chama a atenção quando afirma que definir “o brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança, é incorreto” (p. 105), porque para ele, muitas atividades dão à criança prazeres mais intensos que a brincadeira: por exemplo, uma chupeta para um bebê mesmo que isso não leve à saciação da fome. Ele destaca, ainda, que há brincadeiras em que a própria atividade não é tão agradável, como as que só agradam às crianças (entre cinco e seis anos de idade) se elas considerarem o resultado interessante.

 

Os jogos esportivos podem ser outro exemplo (não apenas os esportes atléticos, mas o que têm como regra, ganhadores e perdedores). Estes são frequentemente acompanhados de desprazer para a criança que não alcança o resultado favorável, isto é, aquela que perde a partida.

 

Assim, o prazer não pode ser visto como uma característica definidora da brincadeira (Cerisara, 2002). Entretanto, não se deve ignorá-lo, pois ela preenche necessidades da criança e cria incentivos para colocá-la em ação, que é de fundamental importância, uma vez que contribui para mudanças nos níveis do desenvolvimento humano, para Cerisara (2002), todo avanço nestes está relacionado a alterações acentuadas nas motivações, tendências e incentivos.

 

Torna-se, então, necessário lembrar que os interesses mudam em função do desenvolvimento e da maturidade do sujeito, pois, o que atrai um bebê não o faz a uma criança um pouco mais velha. Portanto, a maturidade das necessidades é um tópico importante na teoria da Psicologia histórico-cultural.

 

Vygotsky (1998) afirma que não é possível ignorar que a criança satisfaz algumas necessidades por meio da atividade do brincar. As pequenas tendem a satisfazer seus desejos imediatamente, e o intervalo entre o desejar e realizar, de fato, é bem curto. Já as crianças entre dois e seis anos de idade são capazes de inúmeros desejos, e muitos não podem ser realizados naquele momento, mas posteriormente por meio de brincadeiras.

 

Vygotsky (1998) diz que, (...) se as necessidades não realizáveis imediatamente, não se desenvolvessem durante os anos escolares, não existiriam os brinquedos, uma vez que eles parecem ser inventados justamente quando as crianças começam experimentar tendências irrealizáveis (p. 106).

 

O autor concebe a imaginação como (...) um processo psicológico novo para a criança em desenvolvimento; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, não está presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente ausente em animais. Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente da ação e na interação com o outro (p. 106).

Há, portanto, uma crença de senso comum que o brincar da criança é imaginação em ação. Vygotsky (1998) considera que isto deveria ser invertido, uma vez que a imaginação, nas crianças em idade infantil e nos adolescentes, é o brinquedo sem ação. Desta forma, fica claro que o prazer que estas vivenciam é controlado por motivações diferentes das experimentadas por um bebê ao chupar sua chupeta.

 

Para o autor, nem todos os desejos não satisfeitos dão origem à brincadeira; quando uma criança quer andar de velocípede e isto não pode ser imediatamente concretizado, ela não vai para seu quarto e faz de conta que está andando de velocípede para satisfazer seu desejo, pois não tem consciência das motivações e emoções que dão origem à brincadeira. Nessa perspectiva, Vygotsky (1998) diz que o brinquedo difere muito do trabalho e de outras formas de atividade, uma vez que nele a criança cria uma situação imaginária, algo reconhecido pelos estudiosos, e que, portanto não é novo. Ele afirma que a imaginação é característica definidora da brincadeira e não um atributo de subcategorias específicas do brinquedo.

 

A brincadeira é o alimento da personalidade que está em formação. Existem brincadeiras que deixaram saudades. E todas as crianças possuem o direito de brincar. Pois, através da brincadeira a criança compreende os outros, a si mesmo e o mundo, seja com simplicidade ou complexidade, seja pela ideia proposta, ou manuseio de materiais, de cores, tamanhos e formas variadas, ou seja, pelo som, cheiro e texturas.

 

O brincar da criança é algo único e particular. Ele envolve processos internos e externos sendo bem mais do que uma simples distração sobre o ato de brincar, refletindo sobre as representações atribuídas a maneira pela qual ela brinca.

 

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (MEC, 1998) estabeleceu a brincadeira como um de seus princípios norteadores, que a define como um direito da criança para desenvolver seu pensamento e capacidade de expressão, além de situá-la em sua cultura. Atividades de brincadeira na educação infantil são praticadas há muitos anos, entretanto, torna-se imprescindível que o professor distinga o que é brincadeira livro e o que é atividade pedagógica que envolve brincadeira. Se quiser fazer brincadeiras com a turma, deve considerar que o mais importante é o interesse da criança por ela; se seu objetivo for a aprendizagem de conceitos, habilidades motoras, pode trabalhar com atividades lúdicas, só que aí não está promovendo a brincadeira, mas atividades pedagógicas de natureza lúdica.

 

Quando é mantida a especificidade da brincadeira livre, têm-se elementos fundamentais que devem ser considerados. Isto possibilitará que a criança no universo cultural próprio dela, este enriquecimento pode ser desenvolvido por meio de: intervenções, ordenamento do espaço, atividades dirigidas que possibilitem o surgimento de novos elementos culturais, que permitirão às crianças integrá-los às suas brincadeiras.

 

Santos (2002, p. 90) relata que “(...) os jogos simbólicos, também chamados brincadeira simbólica ou faz de conta, são jogos através dos quais a criança expressa capacidade de representar dramaticamente.” Assim, a criança experimenta diferentes papéis e funções sociais generalizadas a partir da observação do mundo dos adultos. Neste brincar a criança age em um mundo imaginário, regido por regras semelhantes ao mundo adulto real, sendo a submissão às regras de comportamento e normas sociais a razão do prazer que ela experimenta no brincar.

 

Ao discutir o papel do brinquedo, refere-se especificamente à brincadeira de faz de conta, como brincar de casinha, brincar de escolinha, brincar com um cabo de vassoura como se fosse um cavalo. Faz referencia a outros tipos de brinquedo, mas a brincadeira faz de conta é privilegiada em sua discussão sobre o papel do brinquedo no desenvolvimento. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual, o mesmo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo ele mesmo uma grande fonte de desenvolvimento.

 

A criança se torna menos dependente da sua percepção e da situação que a afeta de imediato, passando a dirigir seu comportamento também por meio do significado dessa situação. No brincar, a criança consegue separar pensamento, ou seja, significado de uma palavra de objetos, e a ação surge das ideias, não das coisas.

 

Quando uma criança coloca várias cadeiras uma através da outra e diz que é um trem, percebe-se que ela já é capaz de simbolizar, esta capacidade representa um passo importante para o desenvolvimento do pensamento da criança. Brincando, a criança exercita suas potencialidades e se desenvolve, pois há todo um desafio, contido nas situações lúdicas, que provoca o pensamento e leva as crianças a alcançarem níveis de desenvolvimento que só às ações por motivações essenciais conseguem. Elas passam a agir e esforçar-se sem sentir cansaço, não ficam estressadas porque estão livres de cobranças, avançam, ousam, descobrem, realizam com alegria, sentindo-se mais capazes e, portanto, mais confiantes em si mesmas e predispostas a aprender. Conforme afirma Oliveira (2000, p. 19):

O brincar, por ser uma atividade livre que não inibe a fantasia, favorece o fortalecimento da autonomia da criança e contribui para a não formação e até quebra de estruturas defensivas. Ao brincar de que é a mãe da boneca, por exemplo, a menina não apenas imita e se identifica com a figura materna, mas realmente vive intensamente a situação de poder gerar filhos, e de ser uma mão boa, forte e confiável.

 

O ato de brincar é importante é terapêutico, prazeroso e o prazer é o ponto fundamental da essência do equilíbrio humano. A ludicidade é a necessidade interior, tanto da criança, quanto do adulto. Por conseguinte a necessidade de brincar é inerente ao desenvolvimento. O modo como a criança brinca revela o mundo interior da mesma proporciona-lhe o aprender ao fazer. Implica em apropriar-se de algumas características do ato da realidade. Por diversas vezes consiste na reprodução do meio em que a criança está inserida.

 

Contudo, no ato de brincar, ocorre um processo de troca, partilha confronto e negociação, o que gera momento de desequilíbrio e equilíbrio, e propicia novas conquistas individuais e coletivas. Deste modo entende-se que a ação de brincar é fonte de prazer e, ao mesmo tempo de conhecimento.

 

Enquanto brinca a criança mergulha na visa, sente-se na dimensão de possibilidades. No espaço criado pelo brincar acontece à expressão de uma realidade interior que pode ser bloqueada pela necessidade de ajustamento às expectativas sociais e familiares.

 

Brincar, segundo o dicionário Aurélio (2003), é “divertir-se, recrear-se, entreter-se, distrair-se, folgar”, também pode ser “entreter-se com jogos infantis”, ou seja, brincar é algo muito presente nas nossas vidas, ou pelo menos deveria ser. O brincar não significa apenas recrear, é muito mais, caracterizando-se como uma das formas mais complexas que acriança tem de comunicar-se consigo mesma e com o mundo.

 

O desenvolvimento acontece através de trocas recíprocas que se estabelecem durante toda sua vida. Assim, através do brincar a criança pode desenvolver capacidades importantes como a atenção, a memória, a imitação, a imaginação, ainda propiciando à criança o desenvolvimento de áreas da personalidade como afetividade, motricidade, inteligência, sociabilidade e criatividade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Concluímos que a criança aprende enquanto brinca. De alguma forma a brincadeira se faz presente e acrescenta elementos indispensáveis ao relacionamento com outras pessoas. Assim, a criança estabelece com os jogos e as brincadeiras uma relação natural e consegue extravasar suas tristezas e alegrias, angústias, entusiasmos, passividades e agressividades, é por meio da brincadeira que a criança envolve-se no jogo e partilha com o outro, se conhece e conhece o outro, além da interação, a brincadeira, o brinquedo e o jogo proporcionam mecanismo para desenvolver a memória, a linguagem, a atenção, a percepção, a criatividade e habilidade para melhor desenvolver a aprendizagem.

 

Brincando e jogando a criança terá oportunidade de desenvolver capacidades indispensáveis a sua futura atuação profissional, tais como atenção, afetividade, o hábito de concentrar-se, dentre outras habilidades. Nessa perspectiva, as brincadeiras, os brinquedos e os jogos vêm contribuir significantemente para o importante desenvolvimento das estruturas psicológicas e cognitivas da criança.

 

O presente trabalho nos mostra que o brincar e a brincadeira da criança invocam o seu mundo de maneira única e pessoal, a partir disso acreditamos que o brincar permite a criança resolver conflitos internos, além de garantir a construção do conhecimento e do desenvolvimento emocional, cognitivo e social. O tempo utilizado pela criança para brincar contribui para o seu bem-estar e para sues experiências futuras. É a oportunidade que a criança tem de aprender sozinha com sua própria falha sem se sentir constrangida em errar e tentar novamente.

 

Podemos observar que brincar não significa simplesmente recrear-se. Isso porque é a forma mais completa que a acriança tem se comunicar-se consigo mesma e com o mundo. O ato de brincar pode incorporar valores morais e culturais, sendo que as atividades lúdicas devem visar à autoimagem, autoestima, autoconhecimento e cooperação porque estes conduzem à imaginação, à fantasia, à criatividade, à criticidade e a uma porção de vantagens que ajudam a moldar suas vidas como crianças e como adultos.

 

O lúdico pode ser usado como um recurso, que propicia um ensinar de forma correta, simples e divertida. A criança também constrói seu conhecimento, em brincadeiras próprias, as quais chamam de livres. Segundo kishimoto, “a concepção de brincar, como forma de desenvolver a autonomia e a criatividade das crianças requer o uso de brinquedos e materiais que permita a expressão dos projetos criados pelas crianças”. Assim o brincar pode ser um elemento importante através do qual se aprende, sendo o sujeito ativo desta aprendizagem, que tem na ludicidade o prazer de aprender.

 

A criança estabelece com o brinquedo uma relação natural e consegue extravasar suas angústias e paixões, suas alegrias e tristezas, suas agressividades e passividades. O brinquedo supõe uma relação íntima com o sujeito, uma indeterminação quanto ao uso, ausência de regras. O jogo pode ser visto como um sistema linguístico que funciona dentro de um contexto social, um sistema de regras, um objeto (KISHIMOTO, 1999).

 

Independente de época, cultura e classe social, os jogos e os brinquedos fazem parte da vida criança, pois elas vivem num mundo de fantasia, de encantamento, de alegria, de sonhos, onde realidade e faz de conta se confundem (KISHIMOTO, 1999). O jogo está na gênese do pensamento, da descoberta de si mesmo, da possibilidade de experimentar, de criar e de transformar o mundo.

 

REFERÊNCIAS

 

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CERISARA, A. B. (2002). De como o Papai do Céu, o Coelhinho da Páscoa, os anjos e o Papai Noel foram viver juntos no céu. Em T. M. Kishimoto (Org.), O brincar e suas teorias (PP. 123-138). São Paulo: Pioneira - Thomson Learning.

 

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio Escolar Século XXI: o minidicionário da língua portuguesa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2003.

 

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