Deus Universal: Um Argumento para a Felicidade e para a Paz
Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo | 01/05/2011 | ReligiãoDeus Universal: Um Argumento para a Felicidade e para a Paz
Sumário
1. Introdução; 2. A Busca dos Equilíbrios Espirituais; 3. O Espírito Religioso como Suporte da Felicidade; 4. Atitude do Espírito Religioso; 5. O Homem Religioso; 6. Deus mais Religião, igual a Felicidade e Paz; 7. Resumo Conclusivo; Bibliografia.
1. Introdução
É reconfortante ter a capacidade de acreditar que existe mais mundo, para além do mundo físico, na circunstância, o universo dos planetas, astros e outros corpos celestes e, concretamente, o planeta Terra que o homem habita, desde tempos que não consegue localizar e quantificar objectivamente.
A possibilidade, sempre em aberto, para os que acreditam num mundo metafísico, pelo menos diferente daquele que, parcialmente, se conhece em perspectivar uma forma de existência, sobrenatural, inefável, espiritualmente eterna, deve estimular o homem para, enquanto residente na Terra, assumir-se como um ser excepcional, dotado de características únicas e superiormente privilegiado, porque algo lhe foi acrescentado, que o distingue, o eleva e dignifica, acima de quaisquer outros seres, pelo menos, tanto quanto é possível conhecer-se, no actual estádio de desenvolvimento da humanidade. O homem, na sua dimensão espiritual, continua a ser um mistério.
O homem (aqui e de ora em diante referido à humanidade, isto é, homem e mulher), um ser inigualável, único, irrepetível, infalsificável, superior, não deve contentar-se, apenas, com as explicações científicas, técnicas e esotéricas, sobre a sua constituição e importância material no planeta em que vive.
Existe mais homem para além do homem físico, biologicamente estudado e conhecido. Há uma outra realidade que as ciências, a técnica e a maquinaria ainda não conseguiram explicar pela linguagem científica, rigorosa e objectiva. Este é o grande drama do cientista, do técnico, do especialista, do político, do religioso, enfim, de toda a humanidade.
A incerteza, o drama, a ansiedade e o mistério que envolvem o ser humano, poderão ser utilizados numa perspectiva positiva, sem receios de quaisquer fracassos, sejam estes quais forem: sociais, cognitivos, éticos, religiosos ou outros. Bem pelo contrário, há uma possibilidade do homem eliminar este sofrimento, provocado pela ignorância acerca do sentido e destino para a sua vida, globalmente considerada, onde se completam as dimensões física e espiritual.
E se quanto à primeira, o conhecimento do seu destino e fim ? morte e desaparecimento -, são relativamente conhecidos; no que à espiritualidade se refere, aqui, para os positivistas, materialistas, agnósticos e outros descrentes, as dificuldades em reflectir e aceitar alguns sinais divino-naturais são, praticamente, insuperáveis.
A desorientação que tanto incomoda a humanidade em geral, e os cientistas e técnicos em particular, pode ser ultrapassada se se vencerem certos complexos quanto ao valor de outros conhecimentos, sentimentos e emoções que, estes sim, o homem, ao longo da sua vida, vai vivenciando, relacionando-os, depois, com factos concretos, experimentados durante o percurso material no planeta que lhe foi dado para viver.
O próprio homem, objectivo, mensurável, racionalista, quantitativamente rigoroso, concreto e material, confirma que, em algum momento da sua vida, sentiu ou julgou sentir sensações estranhas, cientificamente inexplicáveis, cuja origem não sabe compreender e as consequências também não foram determinadas, com o rigor da ciência e da técnica. Ficou-lhe, apenas, a verificação da sua incapacidade, da sua impotência para esclarecer e resolver tais situações.
O homem, superiormente iluminado, impulsionado por um outro sentimento, que lhe é exclusivo e constitui um privilégio, vence, finalmente, o drama, a angústia, o sofrimento e a incerteza quando, invocando a ajuda divina, uma sensação de tranquilidade e de esperança o invade e liberta daquele desconforto. É este homem superior, gerado e criado à imagem e semelhança do seu Deus e nos preceitos da sua religião, que se determina em função do ente divino que o justifica.
Aceite-se, então, como proposta de reflexão, a existência deste homem humano, que é pessoa integral, composta pelas dimensões material e espiritual que, fisicamente, está limitado, desde logo, pela própria natureza que o envolve, que não a vence em definitivo, que a aproveita conforme pode e que destruindo-a por um lado, também por ela vai sendo destruído.
Reconhece-se, portanto, a existência deste lado fraco, efémero e mortal do homem. Congregue-se e valorize-se a dimensão espiritual do homem, na sua vida quotidiana, utilizando-se a fé, que pela via espiritual o liga a Deus, de Quem recebe todo o conforto, entusiasmo e vontade para O imitar e prosseguir na caminhada pelo infinito, pelo perpétuo, até encontrar Aquele que o compreende e colabora com toda a natureza: "Longe, portanto, de nos apartarmos do que a fé nos ensina, propomos uma doutrina mais bela, mais grandiosa, mais lógica e racional, que nos dá, por outra parte, uma ideia mais exacta dos atributos de Deus, sobretudo da sua bondade infinita e da sua omnipotência soberana." (BUJDANDA, 1956: 191). A humanidade alcançará a Paz e a Felicidade pela fé, pelas boas-práticas religiosas, no diálogo inter ? religiões, no respeito pelo Deus universal, através das divindades invocadas por cada povo, por cada cultura, por cada pessoal humana.
2. A Busca dos Equilíbrios Espirituais
Os modelos técnico-científicos e instrumentais inventados, produzidos e utilizados para a construção de um mundo mais justo para todos os seres nele existentes, parecem esgotados, pese embora todo o potencial humano, direccionado na busca de melhores condições de vida material para todos os indivíduos da natureza planetária conhecida, na circunstância, o planeta Terra.
O homem tem consciência que vive um pouco num equilíbrio de terror, porque conhece, relativamente bem, as usas próprias intenções, que resultados pretende alcançar com certas atitudes, instrumentos e materiais utilizados, nos planos que vai elaborando e desenvolvendo na prática da vida concreta, física e objectivada para determinados alvos.
Um tal equilíbrio de terror tem, sistematicamente, ignorado outras alternativas, por sinal, bem, muito bem mais compatíveis com a superior inteligência humana e com a dignidade inigualável e inquestionável que resulta da condição de ser pessoa humana.
Colocar ao serviço da guerra, da destruição, do sofrimento, da dor e da morte todo este potencial humano e os recursos naturais que Alguém criou para o benefício de todos, constitui um comportamento "bestialmente selvagem", contra a Natureza e contra Deus, qualquer que seja a Divindade que O represente, em cada homem, em cada cultura, em cada povo.
Sempre que um homem, um grupo, uma comunidade invoca o princípio, segundo o qual, "todos nascem livres e iguais", significará pretender agir em conformidade ou, pelo contrário, tal manifestação apenas procura encobrir a hipocrisia de quem tenciona agir, precisamente, ao inverso e desrespeitando o seu semelhante? Salvaguardando-se as felizes excepções, assiste-se, actualmente, à mais desenfreada e despudorada destruição dos princípios e valores instituídos, desde sempre pelo Deus Universal, consubstanciados em meia dúzia de virtudes, cada vez mais ignoradas pelo homem.
A maioria das pessoas vive, para além da materialidade do mundo concreto, preocupada e em busca das soluções que da transcendência do divino poderá ter para algumas situações, ainda não resolvidas pela Ciência e pela Técnica. A virtude da adoração a um Deus n?O qual se acredita, constitui uma possibilidade de momentos felizes, calmos e profundos, susceptíveis de repetições, tantas quantas se queiram, contribuindo para um comportamento mais solidário, porquanto: "Adorar ao Deus verdadeiro ajuda a evitar um modo de vida puramente egocêntrico. (?) A verdadeira adoração é boa para você porque o ajuda a se tornar uma pessoa melhor. À medida que se pratica a adoração verdadeira você desenvolve uma personalidade que resulta em relacionamentos mais felizes. Você aprende de Deus e de seu Filho sobre como agir com honestidade, falar de modo bondoso e ser uma pessoa responsável." (in SENTINELA, 2006: 6 Vol.127, nº 17)
O Homem deste novo século, independentemente das suas convicções político-filosóficas e religiosas, não tem que se submeter a quaisquer complexos e/ou preconceitos para manifestar, livremente, o seu pensamento acerca de um tema, por muito melindroso que ele possa ser. Cada religião tem os seus valores, rituais, liturgia, processos de intervenção na sociedade e condução dos seus crentes, alegadamente, para uma situação de plena felicidade espiritual.
Aliás, só com estratégias que visem a dinamização, o intercâmbio e o diálogo inter-religiões se poderá construir um mundo mais consensual, mais tolerante, porque mais ecléctico, com tudo o que de bom e dignificante cada religião comporta.
Certamente que não haverá religiões em que os seus crentes sejam bandos de marginais e de malfeitores, excluindo aqui, ainda que pontualmente, os fundamentalismos e toda a espécie de radicalismos que, ao longo da história, se têm verificado com intervenções condenáveis à luz dos valores da vida, da dignidade e do humanismo.
A importância e influência de cada religião, também, mas não só, resultam da adesão e da fé que os respectivos crentes nela depositam, sendo certo que é muito mais difícil acreditar nos valores religiosos e práticas ritualistas de uma religião que promover e defender o mal, a guerra, a desgraça e a morte. O homem "sapiens" e "tecnologicus" deste novo milénio, tem condições para compreender, harmonizar e elaborar novas regras de boa-convivência inter-pares, adoptar atitudes tolerantes, solidárias, com a elevação espiritual que o caracteriza.
A dimensão religiosa poderá ser mais um traço distintivo que eleva o homem a uma condição superior, relativamente aos restantes animais, estimulando-se, por isso mesmo, o seu empenhamento nas práticas e intercâmbios religiosos. A consciência religiosa de cada indivíduo humano, certamente que contribui para se atingir uma certa paz espiritual, se se preferir, a verdadeira felicidade, naquilo que ela tem de mais sublime: a tranquilidade, a harmonia e uma profunda auto-confiança nos valores divinos.
3. O Espírito Religioso como Suporte da Felicidade e da Paz
A dificuldade em se definir, numa fórmula objectiva, o que é a felicidade, parece, por muito evidente; provar que a felicidade se pode obter pela via religiosa é, epistemologicamente, muito complexo, o que não invalida uma abordagem séria, responsável e respeitosa, justamente, com o objectivo de, no mínimo, incentivar todos os interessados, crentes e não-crentes, a percorrer este longo caminho, tendo por veículo privilegiado a religião e, quem sabe, se num determinado ponto do percurso, surjam indicações, e/ou sinais, que apontem para uma situação que se possa equiparar a um estado de espírito, que seja definível num conceito de felicidade.
O instrumento que, quantitativamente, indique o valor da felicidade, por enquanto, não é conhecido, mesmo que fosse possível enumerar os momentos, mais ou menos longos, intensos e profundos dessa felicidade, Em todo o caso e para facilidade de compreensão e, entre inúmeras opiniões, aceite-se que ser feliz consiste: "Ter sensações de bem-estar e prazer físico; poder manifestar alegria; ter tranquilidade de espírito; sentir emoções agradáveis; desfrutar de coisas boas na vida; sentir-se valorizado, aceito e amado; ter a sensação de utilidade; conseguir realizações na vida; conversar agradavelmente com parentes e amigos, entre outras situações." (RESENDE, 2000: 176-77)
Verifica-se que um dos factores que intervém na felicidade é, justamente, a tranquilidade de espírito que, de entre outros processos, se pode obter pela religião, com toda a liturgia, rituais e crenças que a envolvem, o que não significa que o não-crente, o não-religioso, não tenham, em dados períodos das suas vidas, momentos de tranquilidade de espírito, conseguidos por práticas adequadas, que conduzem àquela situação de calma espiritual e mesmo física.
A religião é, naturalmente, vivenciada pelo homem e pela sociedade, através de processos e reacções diferentes, mas que têm em comum uma relação com Algo Transcendente. Por muito santificado e/ou divinizado que se pretenda ver um outro homem, nosso semelhante, e existindo concreta e fisicamente a relação que com ele se estabelece, esta não configura uma dimensão religiosa, apesar de nessa relação se colocar crença, respeito e uma ligação mística.
A elevação e a fé, que se colocam na relação transcendente do espírito com Deus e com o mundo inefável, é que podem assumir a dimensão única da religiosidade dessa relação porque: "De facto, o espírito humano penetra tudo no homem, unifica e dá a dimensão humana a tudo e portanto tudo no homem deve ser orientado segundo os valores mais altos do espírito." (SILVA, 1966: 192)
As sociedades actuais também se organizam com objectivos religiosos, tal como na perspectiva económica, social, cívica e outras. A sociedade religiosa existe em todos os países e, enquanto tal, desenvolve as actividades que, espiritualmente, lhe são próprias e que, também por esta via, obtenham a felicidade e a paz em determinadas épocas da sua história, quando a maioria dos seus elementos manifesta os sintomas antes referidos, dos quais e para esta reflexão importa destacar a tranquilidade do espírito. Acredita-se que um espírito tranquilo tem mais clarividência para analisar e decidir acerca de situações difíceis, no homem e na sociedade.
Delineados os mecanismos para melhorar e/ou manter a felicidade e a paz humanas, através do espírito religioso e do bem-comum ético-religioso, abre-se a possibilidade de, com competência, desenvolver estratégias que conduzam o espírito a uma sensação real, sentida e vivida de felicidade e de paz.
Nesta perspectiva é possível tentar ser-se competente na busca da felicidade e da paz, podendo-se começar pela satisfação de necessidades de ordem material até se chegar às de natureza axiológica, consubstanciadas nos valores da estima, da solidariedade, da lealdade, do amor, da oração, porque: "Satisfazer as necessidades é adquirir condições para ser feliz (?) através do desenvolvimento das competências essenciais ? intelectuais, espiritual, emocional e física (?). Mais objectivamente: se pode ficar espiritualmente mais optimista, mais de bem com a vida;" (RESENDE, 2000: 178)
4. Atitude do Espírito Religioso
A supremacia do homem no reino animal em que se integra, num mundo planetário, entre outros mundos, não totalmente conhecidos, revela uma situação privilegiada que nenhum outro ser, pelo menos ao nível dos actuais conhecimentos, dispõe nas mesmas condições, precisamente porque o homem está dotado de capacidades únicas, difíceis de identificar, cientificamente, noutras espécies.
Pensar, construir abstractamente, realizar concretamente, num espaço e num tempo, prever resultados, inovar, vivenciar sentimentos e experiências emocionalmente sentidos em si próprio, com algum conhecimento de causa, projectar-se idealmente no futuro, no tempo e na transcendência espiritual, pela fé e pela crença, mais ou menos profundas, revelam faculdades exclusivas que o orientam e dão sentido à sua vida. Faculdades excepcionais que tornam o homem único e superior.
Estas faculdades inatas, específicas do ser humano, como que poderiam ser encimadas pela dimensão religiosa, que, em situações-limite, se revela na maioria dos seres humanos. A visão do mundo planetário e a constituição do universo não estão, suficientemente, explicados. Sente-se a necessidade do recurso à projecção para lá do infinito, no sentido de se encontrar uma explicação para o destino final da vida espiritual de cada pessoa.
A ciência não responde a esta questão, que se torna angustiante quando o homem se aproxima do seu fim físico; a técnica não produziu, ainda, equipamentos, instrumentos, tecnologias e recursos para a componente espiritual se preparar para uma outra existência, seja extra-corpo e/ou intra-outro corpo, pela via de uma possível reintegração (reencarnação) nesse outro novo ser, ao nível da espécie humana.
Que fazer, então, com o espírito humano? Quem, como e quando se trata da preparação do espírito, já que cientifico-tecnicamente não se afigura viável? A resposta parece difícil para muitos daqueles que apenas consideram o materialismo corporal do homem.
Os que não acreditam na componente espiritual, na possibilidade de uma outra existência inefável, imaterial, transcendental e eterna, vão acabar os seus dias, enquanto conscientes, com uma profunda frustração, porque para eles será mesmo o fim.
Como alimentar a componente espiritual poderia ser o problema, não o é, todavia, para os crentes numa outra vida, através das práticas e sentimentos religiosos. Então a religião poderá, entre outras, eventualmente possíveis, ser a solução para uma vida feliz e em paz.
Preparar o espírito humano para uma vida transcendente, num tempo e um espaço que, fisicamente, se ignora, pressupõe sentimentos e atitudes que o ser humano, consciente e crente, sente e pratica pela religião, esta considerada como: "Um sistema de símbolos que funcionam para estabelecer disposições de espírito, fortes, persuasivas e duradouras e motivações nos homens, formulando conceitos de ordem geral da existência e revestindo esses conceitos com uma tal aura de realidade que as disposições de espírito e as motivações parecem mesmo realistas." (GEETZ, in HOBEL & FROST, 1976:353-53).
A perspectiva antropológica do conceito religião não indica qual o destino do espírito, nem como prepará-lo para uma outra existência extra-corpo físico. Igualmente se verifica quanto ao comportamento do crente, suas atitudes face à divindade em que acredita.
Os valores que, antropologicamente, são considerados característicos das atitudes do crente ? submissão e reverência ?, em nada diminuem a dignidade da pessoa humana total, integralmente considerada: corpo e espírito, bem pelo contrário, elevam o crente a um estatuto supra técnico-científico e, consequentemente, à sua própria felicidade, tal como a deseja na vida física e para além desta.
A submissão respeitosa, voluntária e sempre disponível para com Deus, constitui uma faculdade que, eventualmente, não está acessível aos não-crentes e, por outro lado, a reverência que é devida aos entes sobrenaturais e divinos, na circunstância, Deus, também em nada diminui a pessoa humana, fisicamente considerada, na medida em que se reverencia o que se respeita, ama e adora, passando esse ente divino a fazer parte da constituição religiosa do ser humano crente e temente.
A tranquilidade que o espírito submisso e reverente para com o Deus em que acredita, proporciona, constitui um excelente processo para se chegar à felicidade e à paz, porque se o espírito não está amargurado, arrependido e triste, porque ele tem a consciência dos deveres cumpridos para com o seu Deus e, por extensão analógica, para com o seu próximo e igual, considerado este criado à imagem e semelhança de Deus, então a felicidade e a paz são possíveis porque, competentemente, se desenvolveram as atitudes adequadas: submissão e reverência, ambas com dignidade e convicção.
5. O Homem Religioso
O homem, na sua singularidade mais genuína e profunda, destaca-se de toda a natureza pelas suas capacidades cognitivas, afectivas, estéticas e religiosas. É pouco provável que qualquer outro animal possua a faculdade de se ligar ao sobrenatural transcendente, por exemplo, pela meditação, pelas atitudes de submissão, reverência e adoração, através da oração.
A religião é uma manifestação eminentemente humana e todas as culturas são profundamente marcadas por este fenómeno, porque: "Quando o homem crê em Deus e observa a ínfima diferença que separa a natureza divina da sua, então se prostra diante de Deus e o adora. A adoração é a máxima expressão da relação com Deus de um ser humano (?). O significado da adoração é que Deus é absolutamente tudo para quem o adora." (KIERKEGAARD, 1944-412, in MONDIM, 1980:226)
Consideradas a sua finitude e precariedade físicas, num mundo que ainda não conhece totalmente, o homem sente-se frágil e dependente de algo que, dramaticamente, nem sempre ao longo da sua história filogenética e ontogenética soube ou quis identificar.
Ao dar-se conta destas suas vulnerabilidades ele, o homem-crente, procura abrir-se ao sobrenatural que designa por Deus, porque sendo dotado de inteligência e de reflexão, rapidamente reconhece a existência do sagrado e, livremente, é capaz de O amar ou odiar, todavia, para o homem de fé, o que acredita numa existência transcendente, para além da vida biológica, a busca de oportunidades para se encontrar com Deus, ente supremo e sagrado, é incessante e persistente: "Neste misterioso universo, existe uma coisa de que o Homem pode ter a certeza. O Homem certamente não é a maior presença espiritual do Universo. (?) Existe uma presença no Universo que é espiritualmente maior do que o Homem. O objectivo do Homem é buscar comunhão com a presença por trás dos fenómenos, e buscá-la com o anseio de harmonizar o seu próprio eu com essa realidade espiritual absoluta." (TOYNBEE, in SOCIEDADE TORRE DE VIGIA DE BIBLIAS E TRATOS, 1990: 366)
A dimensão religiosa do homem é, seguramente, um aspecto essencial da sua superioridade face aos restantes animais que povoam o mesmo mundo. O homem, centro e objecto das maiores investigações científicas, apresenta-se, neste particular, como algo ainda misterioso, indecifrável, incógnito.
Esta característica, única da sua religiosidade, o distingue de todos os demais seres deste mundo que habita, justamente, porque: "O homem religioso se religa, relaciona sua existência com um princípio supremo que rege e dá sentido a tudo o que existe. Este princípio tem um carácter absoluto, incondicionado. É Deus. (?) Partindo deste pressuposto, o homem religioso quer que sua vida cotidiana esteja em consonância com esta ordem cósmica; (?) sua ética ? os princípios que regem sua conduta interpessoal e os objectivos válidos de sua vida, está subordinada aos postulados e mandamentos de sua doutrina religiosa." (ROMERO, 1998: 310-11)
Além desta inimitável característica que é a sua capacidade religiosa, o homem continua um mistério porque conhecendo já, razoavelmente bem, a sua constituição físico-biológica e podendo dela tratar com alguma objectividade e sucesso, outro tanto não se verifica com a sua constituição espiritual, desde logo porque ignora sua natureza, sua origem e seu destino, mesmo quando se considera imortal, acreditando, em coerência com a existência de uma outra vida transcendental, sem, contudo, conseguir provar, cientificamente, tal imortalidade, o que lhe provoca uma sensação de impotência e angústia: "O homem de hoje vive sem certezas vitais sobre o que mais intimamente lhe interessa. (?) A sobrevivência depois da morte é um problema pessoal que afecta o nosso próprio destino. Não é como resolver uma questão que nos é indiferente." (MARTINS, 1961: 162-63)
6. Deus mais Religião, igual a Felicidade e Paz
Um longo caminho é necessário percorrer, limitado por duas grandes linhas mestras: Deus e Religião para, na tranquilidade do espírito sereno, se encontrar, finalmente, a felicidade, aqui e neste estádio da vida madura, experiente, sábia, prudente, sentida e irrepetível do homem, entendida como o supremo bem-estar da pessoa humana neste mundo.
Pela religião se poderá chegar a Deus, quer através das boas-práticas religiosas, como a caridade, a solidariedade a lealdade, no sofrimento e na dor, a tolerância para com aqueles que professam religiões diferentes e o próprio diálogo inter-religiões, porque: "Todas as religiões éticas superiores ? a dos profetas de Israel, o Zoroastrismo, o Cristianismo ? impuseram-se uma tarefa comum. Aliviam o fardo insuportável do sistema tabu; mas revelam, por outro lado, um sentido mais profundo de obrigação religiosa que, em lugar de ser uma restrição ou compulsão, é a expressão de um novo ideal positivo de liberdade humana." (CASSIRER, 1972:173-74)
Para os crentes, Deus existe e é adorado. Este fenómeno religioso, objectivado nas práticas, rituais e dogmas, constitui uma realidade que nenhum poder terreno, nenhuma lei positiva, nenhum cientista ou técnico conseguem eliminar.
As situações-limite são disso mesmo a prova evidente da existência e interiorização do fenómeno que, do pluralismo panteístico se pode destacar, na civilização ocidental, a sua vertente, inscrita no Deus dos Cristãos, aqui consignado no Cristianismo: "No decurso da sua fase judaica, o Cristianismo pôde julgar-se a Religião particular de um povo. Mais tarde, submetida às condições gerais do conhecimento humano, pôde imaginar que o mundo era pequeno de mais à sua volta. No entanto, mal se constitui, tendeu sempre a englobar nas suas construções e nas suas conquistas a totalidade do sistema que ele chegava a conceber. Personalismo e Universalismo." (CHARDIN, 1970:324)
A felicidade e a paz, por esta via, são acessíveis ao homem, ainda durante a sua vida biológica, desde que ele consiga caminhar dentro dos limites estabelecidos pelo Deus da sua fé e pelas boas-práticas da religião que professa, porque acabará por conduzir à tranquilidade espiritual que provoca, justamente, uma sensação de bem-estar, de equilíbrio e de harmonia.
E se Cristo, enquanto Deus dos cristãos, é a referência que na cultura ocidental se vem defendendo, igualmente o Deus de outras grandes religiões deve ser reverenciado por aqueles que professam essas mesmas religiões.
A felicidade e a paz dos povos passam, necessariamente, pelo diálogo inter-religiões, pela compreensão dos valores de cada uma, no respeito, na submissão e na adoração que poderão conduzir, num tempo ainda não previsto, a um Deus único e universal de toda a humanidade.
7. Resumo Conclusivo
O homem, superiormente iluminado, impulsionado por um outro sentimento, que lhe é exclusivo e constitui um privilégio, vence, finalmente, o drama, a angústia, o sofrimento e a incerteza quando, invocando a ajuda divina, uma sensação de tranquilidade e de esperança o invade e liberta daquele desconforto. É este homem superior, gerado e criado à imagem e semelhança do seu Deus e nos preceitos da sua religião, que se determina em função do ente divino que o justifica.
O Homem deste novo século, independentemente das suas convicções político-filosóficas e religiosas, não tem que se submeter a quaisquer complexos e/ou preconceitos para manifestar, livremente, o seu pensamento acerca de um tema, por muito melindroso que ele possa ser. Cada religião tem os seus valores, rituais, liturgia, processos de intervenção na sociedade e condução dos seus crentes, alegadamente, para uma situação de plena felicidade espiritual.
As sociedades actuais também se organizam com objectivos religiosos, tal como na perspectiva económica, social, cívica e outras. A sociedade religiosa existe em todos os países e, enquanto tal, desenvolve as actividades que, espiritualmente, lhe são próprias e que, também por esta via, obtenham a felicidade e a paz em determinadas épocas da sua história, quando a maioria dos seus elementos manifesta os sintomas antes referidos, dos quais e para esta reflexão importa destacar a tranquilidade do espírito. Acredita-se que um espírito tranquilo tem mais clarividência para analisar e decidir acerca de situações difíceis, no homem e na sociedade.
A submissão respeitosa, voluntária e sempre disponível para com Deus, constitui uma faculdade que, eventualmente, não está acessível aos não-crentes e, por outro lado, a reverência que é devida aos entes sobrenaturais e divinos, na circunstância, Deus, também em nada diminui a pessoa humana, fisicamente considerada, na medida em que se reverencia o que se respeita, ama e adora, passando esse ente divino a fazer parte da constituição religiosa do ser humano crente e temente.
A dimensão religiosa do homem é, seguramente, um aspecto essencial da sua superioridade face aos restantes animais que povoam o mesmo mundo. O homem, centro e objecto das maiores investigações científicas, apresenta-se, neste particular, como algo ainda misterioso, indecifrável, incógnito.
E se Cristo, enquanto Deus dos cristãos, é a referência que na cultura ocidental se vem defendendo, igualmente o Deus de outras grandes religiões deve ser reverenciado por aqueles que professam essas mesmas religiões.
A felicidade e a paz dos povos passam, necessariamente, pelo diálogo inter-religiões, pela compreensão dos valores de cada uma, no respeito, na submissão e na adoração que poderão conduzir, num tempo ainda não previsto, a um Deus único e universal de toda a humanidade.
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QUOIST, Michel, (1985). Construir o Homem e o Mundo, Trad. Rose Marie Muraro, 34ª. Ed. (332º milheiro), São Paulo: Livraria Duas Cidades.
ROMERO, Emílio, (1998). As Dimensões da Vida Humana: Existência e Experiência, São José dos Campos: Novos Horizontes Editora.
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SOCIEDADE TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS, (1990). O Homem em busca de Deus, Edição Brasileira, São Paulo: Cesário Langue
Venade ? Caminha ? Portugal, 2011
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
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