Deus permita: Quaresma só de Carnaval
Por Edson Terto da Silva | 17/02/2010 | ArteEdson Silva
“Acabou toda essa brincadeira/ Não há jeito de ser diferente/ Como sempre chegou quarta-feira/ E a praça não é mais da gente/ Andam soltos fantasmas e bruxas/ Lobisomem em noites de lua/ O saci dança em noites escuras/ E ninguém tá seguro nas ruas...” de Ivan Lins e Vitor Martins. A primeira vista, as estrofes da música Quaresma, gravada em 1978, por Ivan Lins, obra composta em parceria com Vitor Martins, refere-se ao momento pós Carnaval, como o que passamos agora, onde muitos ainda curtem a ressaca pós “Folia de Momo”. Eu disse a primeira vista, senão vejamos bem, estamos falando de Ivan Lins, uma das mentes artísticas brilhantes que não ficaram omissas diante do Golpe Militar de 1964.
Todos recordam que o Golpe foi num dia 31 de março e em 1º. de abril (Dia de Mentira), nós brasileiros acordávamos com a triste realidade de ter que conviver, sabe-se lá por quanto tempo, com um regime ditatorial. Em 64 eu tinha apenas dois anos, mas sei que na época homens e mulheres de fibra protestaram contra o Golpe. Alguns chegaram literalmente lutar para tentar manter a democracia, muitos pereceram, outros foram torturados, exilados ou desapareceram, enfim fizeram o que precisavam fazer, fizeram sua parte, não se omitiram ou se conformaram com a situação. Mas voltando a Quaresma do Ivan Lins, ele diz que a brincadeira acabou, como sempre chegou quarta-feira e a praça não é mais da gente. Detalhe: o primeiro de abril do Golpe foi uma quarta-feira...
Entrevistei Ivan Lins uma vez para uma rádio de Campinas, foi nos anos 80 e não cheguei entrar no mérito se o compositor faz ou não um paralelo entre sua Quaresma e os tempos fantasmagóricos do Golpe, período que enfrentaríamos de 64 até 85. Mas eleição para presidente da República do jeito que deve ser sempre, ou seja direta e livre, só voltaríamos a ter em 1989. Mas levando em consideração a mente brilhante do Ivan Lins e de tantos outros respeitáveis artistas brasileiros, que se engajam na luta da maioria do povo, tenho certeza que a Quaresma refere-se ao Golpe, tempos em que ninguém que quisesse manifestar o sagrado direito de pensar estava seguro nas ruas. O mesmo recado Ivan tinha dado em outra canção: “Abre Alas”, que coincidentemente também faz paralelo ao Carnaval.
Passado mais um Carnaval em que democraticamente as praças foram do povo e em um ano onde teremos mais uma eleição direta para presidente, sempre é bom pensar o quanto é importante a democracia, o sagrado direito de fazer valer a nossa vontade nas urnas, de debater ideias, de cobrar aqueles que nos representam, de nos fazer representar livremente, enfim de contribuir para que nosso país possa ser cada vez mais representativo e importante no mundo e que seja uma pátria de oportunidades para a maioria. Só para continuar na carona do Ivan Lins, porque não declarar: “Amor é o meu país”, desde que seja sempre um país livre...
Edson Silva, 48 anos, jornalista da Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Sumaré