Deus e a Constituição

Por Heloísa | 12/04/2018 | Direito

" (...) sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil". 

Trecho extraído do preâmbulo da nossa Constituição de 1988. 

Laicidade. Estado Laico. País ou nação com uma posição neutra no campo religioso, sem apoio ou discriminação a qualquer religião. O Brasil, é oficialmente um Estado Laico, no artigo 5º da Constituição podemos observar: “VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”. Mas ainda carregamos feriados religiosos (advindos da religião católica) e crucifixos em nossos tribunais.  

Mas que Deus está sendo invocado? 

Deus, com o "D" maiúsculo é utilizado para se referir a um deus em particular – o deus cristão - é visto que a gramática nos parece ser de propriedade única e exclusiva dos monoteístas, não incluindo outros deuses. 

A formação do Brasil, desde seu descobrimento, foi forjada na fé cristã, todo povoado que surgia era habitado em torno de uma igreja ou capela, e foi assim que nosso País cresceu. Uma realidade histórica, social e cultural. Foi na Constituição de 1891 que a laicidade do País surgiu, separando-se assim a Igreja do Estado, mas em momento algum é negada a influência do Cristianismo na formação do nosso povo. Todas as constituições - exceto as de 1891 e de 1937 – invocam a proteção de Deus, mas ao mesmo tempo que o invocam, apressam-se em garantir a liberdade religiosa. 

O ponto que quero chegar é que, com tantos ateus e agnósticos, invocar deus seria quase que um "desrespeito" para as crenças deles. Invocar um Deus, e apenas ele, é um insulto para aqueles politeístas, que acreditam em muitos deuses e seres místicos. Mas, com a situação histórica que o Brasil se desenvolveu, seria quase impossível - por mais desanimador que seja – que a religião católica fosse igual as outras. 

Lembrando a posição de neutralidade axiológica, e o fato do preâmbulo não ser norma constitucional, nem possuir valor jurídico, a ADI 2076 do PSL contra a Assembleia Legislativa do Acre http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=59125> por omissão da expressão: "sob a proteção de Deus", nos parece muito contraditória julgando o Estado laico em que vivemos. “Só não invoca a proteção de Deus que, posta no preâmbulo da Constituição Federal, reflete simplesmente um sentimento religioso”, alegou o Ministro Carlos Velloso, e ainda menciona que muitos países que adotam a prática do teísmo sequer adotam essa referência.  

José Afonso da Silva estabelece que “um Estado leigo não deveria invocar Deus em sua Constituição. Mas a verdade também é que o sentimento religioso do povo brasileiro, se não impõe tal invocação, a justifica. Por outro lado, para os religiosos ela é importante. Para os ateus, há de ser indiferente. Logo, não há por que condená-la. Razão forte a justifica: o sentimento popular de quem provém o poder constituinte” http://docplayer.com.br/41296806-Interpretacao-constitucional-e-religiao-uma-contribuicao-possivel.html; p. 24> 

Sendo assim, podemos concluir que um Estado laico não é um Estado ateu, é simplesmente neutro. Claro, que a invocação de Deus na Constituição pode incomodar alguns, mas não retira a neutralidade do país quando o assunto é religião. As razões religiosas podem sim aparecer, mas não podem ser um fundamento do Estado.