Desmanche do Sarneyismo

Por Antonio Leandro | 04/08/2009 | Política

Karl Marx (1818-1883), pai de O Capital, tinha razão, quando disse: "tudo o que é sólido desmancha no ar". Como um profeta, ele antevia o fim das oligarquias burguesas, dos sistemas de governos, dos modos de produção, dos coronelismos regionais, dos senhores das Casas Grandes, dos caudilhos etc. Porque o Estado moderno não passaria de "um comitê que administra os negócios da classe burguesa como um todo", leia-se no O Manifesto Comunista. Esse modelo de Estado precisaria ser destruído, abominado, pois estava carcomido por lideranças que outra coisa não faziam senão legislar em prol dos seus próprios interesses. O Estado, na concepção de Marx, serviria para proteger os interesses da burguesia.

Max Weber (1864-1920) também disse coisas relevantes sobre a "Política como vocação". O criador da Sociologia Compreensiva entende a "política" como "participação no poder ou a luta para influir na distribuição de poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado". Considerando esse princípio, partamos da hipótese de que muitos políticos brasileiros não exercem suas funções políticas por vocação senão por conveniência, isto é, por salários e troca da distribuição de cargos em funções governamentais, sobretudo, aos mais fiéis. Ou seja, "Em troca de serviços leais, hoje, os líderes partidários distribuem cargos de todos os tipos (...)". E o autor arremata: "Todas as lutas partidárias são lutas para o controle de cargos, bem como lutas para metas objetivas".

As tensões atuais no Senado, que resultarão na queda do seu Presidente, José Sarney, revelam um jogo de interesses políticos, disputas por cargos entre aliados, em vista não apenas da lealdade e base legitimadora do poder Executivo, como também de apoio nas posteriores eleições. Se na política nada é por acaso e sem pretensões de influir na distribuição do poder, onde fica a máxima de Aristóteles que dizia que a política seria a arte de bem governar e de favorecer o bem-estar aos cidadãos?

Os atos "secretos" que, sorrateiramente, foram editados, beneficiando senadores e seus familiares e funcionários públicos, demonstram que o Senado brasileiro está apodrecido, corroído pela indecência moral de seus representantes, isto é, encontra-se em uma situação de descalabro moral. O Senado perdeu credibilidade diante da sua função de vigiar e controlar a constitucionalidade ou não da Lei, sobretudo em relação ao poder Executivo. A edição de atos "secretos", inconstitucionais, é um contra-senso diante da função que resguarda o Senado - considerar inconstitucionais quaisquer leis que firam os direitos do cidadão, uma vez que o regime democrático é um regime da legalidade.

Na última década, a República brasileira tem assistido o fim trágico de muitos políticos. Não poucos, para escaparem da guilhotina, renunciaram cargos políticos, outros tiveram seus registros cassados, alguns foram assassinatos. Muitos deles foram antigos caudilhos e coronéis. Um destes últimos, Senador José Sarney, pensava-se que chegasse ao fim do seu cenário público ileso de quaisquer suspeitas de corrupção. Engano! O Senador chega ao término de sua vida pública manchado pela impureza política. E o estopim da tragédia fora o ex-diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, que, segundo a mídia escrita, chancelava medidas secretas, para privilegiar familiares do ex-Presidente José Sarney e seu séqüito.

Assistimos o desmanche do Senador José Sarney. Dissolve-se, lentamente. Prova: seu pedestal não estava tão sólido como se pensava. Já no finalzinho de sua carreira política, semelhantemente ao último caudilho e coronel baiano, Antônio Carlos Magalhães, tem sua vida manchada por respingos de corrupção. Sem dúvida, a vergonha pública que doravante lhe perseguirá poderá apressar seu definhamento, a morte.

Na República brasileira, é possível distinguir quem é, realmente, político por vocação ou por conveniência?