Desfiles de Carnaval: uma sala de aula a céu aberto, um convite a reflexão crítico social

Por Magali Helena Buralde Argenton Gonçalves | 17/04/2020 | Filosofia

Resumo

O presente trabalho traz como tema os desfiles de Carnaval e a reflexão crítica e social que eles proporcionam. Tem como objetivo geral compreender a importância do desfile de Carnaval para a disseminação do conhecimento popular. Os objetivos específicos são caracterizar o desfile de carnaval em seu contexto histórico; identificar elementos constituintes dos desfiles carnavalescos pra a aprendizagem em sala de aula e no contexto do próprio desfile de rua; refletir sobre o poder critico social que o Carnaval possui perante a população que o assiste. O foco do texto é frisar a importância que um desfile tem ao apresentar culturas e críticas sócias pertinentes ao cotidiano do brasileiro e a maneira que isso passa a ser material de sala de aula e de discussão social nos dias de hoje.

Palavras-chave: Carnaval.  Conhecimento Popular. Reflexão Crítico Social.

1. Introdução

Cesar Maia (2011) quando prefeito do Rio de Janeiro comparou os Desfiles de Carnaval a uma Ópera Popular, onde o samba é o libreto e a bateria a orquestra. È uma aula de Cultura cada enredo apresentado, que faz pensar e muitas vezes são críticas sociais que são apresentadas de forma simples e entendível a maioria dos que assistem. O objetivo geral do texto é compreender a importância do desfile de Carnaval para a disseminação do conhecimento popular; Os objetivos específicos são caracterizar o desfile de carnaval em seu contexto histórico; identificar elementos constituintes dos desfiles carnavalescos pra a aprendizagem em sala de aula e no contexto do próprio desfile de rua; refletir sobre o poder crítico social que o Carnaval possui perante a população que o assiste. O assunto é relevante, pois os desfiles de Carnaval são verdadeiras salas de aula a céu aberto, trazendo cultura, conhecimento e discussões que podem ser conteúdo de classe e que podem de um jeito diferente trazer informações importantes para a formação e concepção crítica de mundo dos alunos. É estruturado em: 1.Introdução, 2. Carnaval: uma Ópera Popular, 2.1 Breve História do Carnaval, 2.2 Aula a céu aberto, 2.3 Carnaval e Filosofia: inserção obrigatória, 2.4 Plumas e miçangas, surdos e tamborins: os desfiles como reflexão critico social e aquisição de conhecimentos e 3. Conclusão.

2. Carnaval: Ópera Popular

            Num palco móvel que atinge a todos os presentes e telespectadores, a ópera que Cesar Maia se refere, traz consigo muitas opiniões, ideias e preconceitos, pois num país vasto como o nosso o Carnaval é visto por diversos ângulos, porém não podemos negar que os desfiles são aulas de cultura, capazes de gerar discussões sobre o cotidiano e sobre a própria história de nosso país.

2.1 Breve História do Carnaval

            Galvão (2008) apresenta como forma mais primitiva de carnaval o entrudo, que foi trazido pelos imigrantes portugueses, onde a participação de várias classes sociais eram permitidas, inclusive os escravos e consistia em atirar nos participantes líquidos mal cheirosos. As manifestações afros consistiam, segundo Galvão (2008), nos moçambiques com seus personagens típicos e nos maracatus, que provinham de um enredo e de toda uma preparação. No início do Século XX o entrudo foi substituído por uma combinação de canto e dança, tornando-se algo menos violento, mas mantendo o caráter festivo (Galvão, 2008).

            Com essa nova organização, acentuou-se a divisão por etnia e a social, período que coincidia com a abolição da escravatura e a proclamação da República. Surgiram as grandes sociedades, conforme Galvão (2008), estas eram compostas por membros da elite que traziam conhecimentos artísticos europeus, diferente dos negros com seus blocos e cordões. Para Galvão (2008), os clubes carnavalescos faziam críticas em forma de caricaturas e paródias, pois os mesmos se apresentavam como republicanos, abolicionistas e filantropos.

            Os cordões foram as formas mais antigas de cortejo carnavalesco popular, segundo Galvão (2008), nestes negros, mestiços e brancos de classe social mais pobre faziam as festas na antiga Praça Onze, no Rio de Janeiro.

           Com o Estado Novo, a ideia nativa de brasilidade fez com que o samba na busca do aceite social e apoiado pelo Estado, fosse para um viés educacional, onde através de suas letras de enredo apresentassem temas brasileiros. O regulamento foi criado em base do Estado Novo e continuou por anos a fio, porém olhando as demais regras dos desfiles, os autores do livro Memória do Carnaval (RIOTUR, 1991) conseguem desfazer um engano que por muitos anos se apregoou: a obrigatoriedade dos temas serem brasileiros. O livro da RIOTUR (1991) desmente através de citações jornalísticas dos regulamentos da época.

A princípio, os temas versavam quase que exclusivamente sobre a História do Brasil. Foi a fase dos enredos ufanistas-nacionalistas, levando a uma crença geral de que havia obrigatoriedade do uso dos mesmos pelas Escolas. Na verdade, o costume se firmou porque o primeiro regulamento do desfile, sob a exclusiva responsabilidade do poder público, foi feito no limiar do Estado Novo, em 1939, estabelecendo não uma imposição, mas um clima para tal. (RIOTUR, 1991, p. 309).

               Os desfiles passaram a gerar lucros para o Rio de Janeiro, com o passar dos anos o Carnaval trouxe a Praça Onze e depois as avenidas primeiro de Março e Marquês de Sapucaí inúmeros enredos que cantaram as bravuras, as belezas e por que não dizer, as misérias de um Brasil, passam por ali fortunas que causaram um paradoxo na década de 90 na sociedade, mais da metade daquela beleza considerada o maior espetáculo do mundo era custeada com o jogo do bicho e o tráfico de drogas. Um verdadeiro paradoxo se analisarmos com o nacionalismo que revestia o Estado Novo. O carnaval por si só gera discussões filosóficas e sociais importantes, mas deixando de lado o fator financeiro–social, ele é fonte de ensinamento aos que assistem e talvez nunca consigam ver de perto o que a ópera traz à avenida.

2.2 Aula a céu aberto

            Ao observarmos um desfile de escola de samba nos deparamos com alegorias, temas, sambas e palavras diferentes do que estamos acostumados. Uma escola de samba traz uma rica aula de História, Sociologia e Filosofia para a avenida, e porque não falarmos das outras disciplinas, pois dependendo do enredo encontramos de tudo na avenida.

            Algumas escolas tradicionais trazem ainda o enredo dentro do contexto nacional, como uma marca registrada e que dá campeonato, além claro de deliciar quem assiste com uma aula sensacional. A G,R,E,S Impreatriz Leopoldinense, do Rio de Janeiro por exemplo, tem entre seus inúmeros desfiles campeões enredos sobre algo relacionado a nossa terra.

            A ópera a céu aberto apresenta som, música, cor e cheiro, sim como nas aulas de ciências, as escolas trazem aromas para perfumar a avenida, trazem o gingado pra contar coisas que poucos conhecem, mas que segundo o refrão nunca esquecem. A descoberta que o tutti-fruti vem do sapoti, cantado pela Estácio em 1987, a água que o passarinho-não-bebe e a liquidez do abacaxi da Mocidade de Padre Miguel, em 1991. A Paulicéia Desvairada do Estácio em 1992, Peguei um Ita no Norte em 1993, contando a história dos migrantes nordestinos pro Sudeste ou o samba cantando o cordel, trazendo a riqueza desta produção nordestina que tem seus meandros para ser confeccionado. Estes são exemplos do que podemos aprender, sambas-enredo são tantos que podem servir como meio de aprendizagem para muitas aulas, de maneira divertida, diferente e que explora todos os sentidos dos alunos.

 

2.3 Carnaval e Filosofia: inserção obrigatória

 

As escolas de samba, e em especial as grandes escolas, trouxeram contudo uma novidade sociológica. Com elas, a rede de reciprocidade estabelecida através do desfile ultrapassou a dimensão horizontal. Não se trata mais apenas das ruas do bairro periférico e dos bairros periféricos relacionando-se e competindo entre si. Elas relacionam, como veremos, os diferentes bairros da cidade e diversas camadas da sociedade, tecendo uma rede de relações que atravessa a cidade. (Cavalcanti, 1994, p.28)

 

           

             Silveira (2016, contra capa) frisa: “Discutir as relações entre o carnaval e a filosofia significa tornar viável a vocação da filosofia para refletir o mundo que nos cerca.”A sociedade passa pela avenida, não há como negar que reflexões são feitas e hábitos populares são observados, a vida se integra as discussões dos desfiles e das impressões causadas a quem observa. A vida do brasileiro passa diante dos olhos e das câmeras que mandam para todo o mundo as imagens deste espetáculo. Não há possibilidade nenhuma de separarmos a filosofia do carnaval, pois desde o seu princípio, a ideia era trazer a crítica ou o novo para a festa profana, porém agora a crítica e o ato de filosofar tomou grandes proporções e vem com responsabilidade cultural.

 

2.4 Plumas e miçangas, surdos e tamborins: os desfiles como reflexão critico social e aquisição de conhecimentos

           

            Durante anos, os sambas trouxeram informações importantes e tornaram-se fontes de expressões de sentimentos, de conhecimentos e de ideias.

            Com aspectos sociológicos e filosóficos, o samba enredo através de seus refrãos apresentam lendas, curiosidades, fatos e discussões de temas do nosso tempo. Ao olharmos com atenção as letras, observamos que o processo de educação se enriquece com tamanha potencialidade dos enredos de carnaval. Durante os carnavais das décadas de 30 à 80, muitos sambas enalteceram a cultura brasileira, a cultura indígena, a História do Brasil, a conscientização e a educação do povo brasileiro.

            O samba ao ser cantado repercute ideias e questionamentos, sugere discussões. Política, saúde, problemas sociais, economia, tragédias naturais e sociais, aspectos culturais, ciência e esporte, tudo se encaixa neste meio de educação e cultura. O samba e o desfile de escola de samba são o aporte para que todos as classes conheçam cultura e se apropriem dela, o carnaval é um fator social formador de cultura e pensamento, e isso é a base para a sociologia e a filosofia.

 

3. Conclusão

            Trabalhar com o carnaval, com o desfile de escola de samba é uma metodologia importante para o ensino de Filosofia e Sociologia, despertar o interesse pela cultura, pelos questionamentos de forma quase que imperceptível pode ser um grande aliado em sala de aula para a discussão de grandes problemas. Trabalhar com o samba enredo e com o espetáculo do carnaval em si pode gerar frutos de aprendizagens muito ricos e que com certeza farão os alunos enxergarem o carnaval apenas como um desfile de roupas com samba, e sim como uma fonte de discussão sobre o social e sobre o pensamento que toca o andar de toda um sociedade.

 

Referências

CAVALCANTI, M. L. V. de C. Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro: FUNARTE; UFRJ, 1994.

MAIA, C. Carnaval, a Ópera Popular. Diário do Rio.com. Edição on line. 05/03/2011. Disponível em < https://diariodorio.com/carnaval-a-pera-popular/ >. Acesso em 15 de maio de 2018.

GALVÃO, W. N. Ao som do samba: Uma leitura do Carnaval carioca. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009.

RIOTUR. Memória do Carnaval. Rio de Janeiro, Oficina do Livro.1991.

SILVEIRA, R. A. T. da. (Org.) O carnaval e a filosofia. [recurso eletrônico] / Ronie Alexsandro Teles da Silveira (Org.) - Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2016.297 p. Disponível em < http://www.academia.edu/35813508/O_CARNAVAL_ E_A_FILOSOFIA_pronto.pdf> Acesso em 31 de outubro de 2018.

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