Desenvolvimento e Empobrecimento
Por Felora Daliri Sherafat | 15/04/2009 | PolíticaA Carta da Terra da Unesco (2000) relata a situação global da seguinte forma: “Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas”.
As colocações da carta não divulgam nenhum exagero. Então, surge a seguinte pergunta: Por que tamanha miséria, pobreza, conflito e desgraça na terra, no auge do processo de desenvolvimento da humanidade? A explanação da resposta nas palavras dos técnicos deve ser muito complicada. Talvez, através de um exemplo simples do cotidiano, na linguagem comum, seja mais fácil entender o motivo da pobreza no Brasil e na grande maioria dos países do terceiro mundo.
Imagine um pequeno povoado que vive economicamente através da agricultura, comércio e ofícios. Os habitantes trabalham em todos os ramos de atividades relacionadas à produção, ofícios, ou comércios típicos de um pequeno povoado. Os produtores vendem seus produtos e o dinheiro da venda circula na região, entre comerciantes, trabalhadores, pequenos produtores e assim aquece o mercado, e todos pagam impostos. Isto é, os recursos retornam para a população do povoado e beneficiam a todos, até os serviços públicos funcionam devido à arrecadação de impostos pelo governo local.
Imagine agora que alguns dos maiores produtores começam a vender sua produção em outra região e aplicam o dinheiro também fora do povoado. Desta forma a quantidade de dinheiro que circula no povoado vai se reduzindo. A situação irá piorar na medida em que estes produtores partirem para a agricultura mecanizada, diminuindo o número de trabalhadores e o salário para o mínimo possível. Só aparecem na época da safra, vendem sua mercadoria para fora, e novamente investem o seu dinheiro lá fora.
Assim, o comércio não pode movimentar-se por que não há dinheiro em circulação. O que os trabalhadores ganham mal atende às suas necessidades básicas, portanto não há chance de melhoria. Os serviços públicos como saúde, segurança e educação também vão piorando, uma vez que grande parte dos impostos da venda dos produtos foi destinada a outros lugares. Finalmente, embora haja grandes produtores atuando no povoado, a miséria toma conta de seus habitantes.
Um local que era independente financeiramente e com seus moradores prósperos, agora está à mercê de ajuda externa dependendo de cestas básicas, tíquete de leite, botijão de gás ou a caridade dos empresários.
Este exemplo é a história do Brasil e as nações afortunadas que se arruinaram de uma maneira semelhante. O que acontece é simples: as grandes empresas multinacionais instalam suas fábricas no país, não pagam impostos, devido ao incentivo fiscal, pagam salários mínimos para seus trabalhadores, e utilizam os recursos naturais quase de graça. Por fim, grande parte da produção é destinada à exportação e o lucro obtido é aplicado fora do país. Isso sem falar da dívida externa destes países, que devora o que sobra da renda bruta de seu povo, e a exploração de seus recursos naturais.
Somando tudo isso, a nação vai empobrecendo. Depois de algumas décadas, a maioria do povo se torna pobre, os recursos naturais se esgotam e os investidores desaparecem.
A parte mais triste não é tanto as riquezas naturais que uma nação perde, é a cultura e os nobres costumes que desaparecem. Pois as empresas globalizadas tentam, através das suas propagandas no país, enraizar um novo modo de viver na mente do povo. No final surge uma geração sem cultura, que se sujeita a qualquer forma de vida. Por exemplo, pode-se observar que nas últimas décadas muitos hábitos saudáveis do povo brasileiro foram modificados por hábitos nocivos como: trocar a convivência em família com a freqüência ao bar, modificar o cardápio da culinária regional para “fast food” e dormir a altas horas da noite.
Outro cenário curioso que geralmente acontece nos países empobrecidos e culturalmente degradados é a vulnerabilidade a diversas formas de corrupção. Estas podem se manifestar como conflitos internos, guerra de quadrilhas, fanatismo religioso, disputas políticas e fortalecimento de esquemas de tráfico de drogas. Eventualmente, este cenário é também inserido no contexto dos problemas nacionais. Quando os princípios e conceitos honrados dos antepassados são abolidos, a nação se torna vulnerável à desordem e até a guerras civis. É possível que estes conflitos sejam criados por influências externas para desviar a atenção da opinião mundial sobre o real motivo da pobreza e desgraça da nação.
Assim, depois de décadas de conflitos internos, ninguém lembra mais como era seu país, sua cultura original e o que aconteceu para ter ficado arruinado. Lembrando que os pensadores e os mais cultos, nesta altura, não estão mais para contar a história, a exemplo de Serra Leoa, o território mais rico em diamantes do mundo.
A degradação cultural, somada a desemprego e falta de meios de sobrevivência gera efeitos colaterais como a violência urbana e rural, prostituição e uma série de outras delinqüências.
Esta é a história dos territórios que eram prósperos, se tornaram miseráveis e atualmente estão em meio à desordem interna e financeiramente dependentes da ajuda das Nações Unidas ou do Banco Mundial. Como os países da África que durante séculos foram devastados por exploradores, alguns países árabes estão sofrendo processos semelhantes, outros da América do Sul aproximam-se do limiar da pobreza, e muitos outros que em breve terão os mesmos destinos.
Felora Daliri Sherafat
Texto do livro:" Trabalho e o Reencontro de Interesses" da Autoria Felora Daliri Sherafat 2002, Rio do Janeiro, Editora Núr.