DESENVOLVIMENTO DE SISTEMA PARA EQUIDADE SOCIAL POR MEIO DE PRODUTOS DE MODA: ESTUDO DE CASO NA APAC MASCULINA DE NOVA LIMA / MG

Por ALANDES FERRERIA | 26/02/2018 | Engenharia

RESUMO

O presente trabalho realizou um estudo com base nas abordagens de inovação social, design de sistema para sustentabilidade, e engenharia do produto, visando a integração dos recuperandos da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) masculina de Nova Lima / MG. O objetivo central consiste no desenvolvimento de um projeto de sistema-produto de inovação social com produtos de moda sustentáveis, realizados com a mão de obra dos recuperandos e, assim, promovendo a ressocialização dos mesmos. Como objetivos específicos, constam: (a) o estudo das habilidades e competências dos recuperandos; (b) a pesquisa de sistemas de inovação social e mix de produtos de moda; (c) o delineamento de estratégias de integração de projeto – produção – sociedade – produtos, conforme os requisitos de design para sustentabilidade e equidade social. Inicialmente, a metodologia utilizada fundamenta-se em uma revisão de literatura sobre o estudo de produtos desenvolvidos em cárcere, em projetos de inovação social que integram presidiários à sociedade. Em seguida, foram realizadas visitas técnicas e realizaramse entrevistas semi-estruturadas e/ou desestruturadas com diversos atores. Os resultados obtidos foram alocados em critérios pertinentes da análise do impacto social, compreendendo os dados qualitativos sobre trabalho no cárcere e ressocialização via projetos, produção e produto. Finalmente, esta pesquisa buscou gerar resultados práticos, como a proposição de requisitos e modelo para ressocialização dos recuperandos da APAC, tendo o desenvolvimento de produto e a produção carcerária como vetores para o bem-estar social. A pesquisa teórica mostrou-se interdisciplinar, ao conjugar conhecimentos de diversas áreas como engenharia, sociologia, política e sustentabilidade.

Palavras-chave: Design de Sistemas para Sustentabilidade, Inovação Social, Produção Carcerária

1. INTRODUÇÃO

O conceito de moda apareceu no final da Idade Média e princípio da Renascença, na corte de Borgonha (atualmente parte da França), com o desenvolvimento das cidades e a organização da vida das cortes. A aproximação das pessoas na área urbana levou ao desejo de imitar: enriquecidos pelo comércio, os burgueses passaram a copiar as roupas dos nobres. Ao tentarem variar suas roupas para diferenciarem-se dos burgueses, os nobres fizeram funcionar a engrenagem – os burgueses copiavam, os nobres inventavam algo novo, e assim por diante. Desde seu aparecimento, a moda trazia em si o caráter estratificador (PALOMINO, 2003). Nesse sentido, a moda caracteriza-se como: Fenômeno social ou cultural, mais ou menos coercitivo, que consiste na mudança periódica de estilo, e cuja vitalidade provém da necessidade de conquistar ou manter, por algum tempo, determinada posição social (FREYRE, 2009, p. 28). O design para sustentabilidade é caracterizado por: ampliar o conceito de sustentabilidade, questionar da função do produto, possibilitar influenciar os padrões de consumo exigentes e destacar a responsabilidade do consumidor (CASTRO e CARRARO, 2008). De acordo com Vezzoli (2010), o design para a sustentabilidade, tido como uma área de conhecimento, ampliou seu escopo e atuação: “do design para o ciclo de vida (ou ecodesign) para o design de sistemas ecoeficientes (que envolve tanto o produto quanto o serviço) e para o design para a coesão e a igualdade social”. Ainda de acordo com o mesmo autor, são propostas as seguintes diretrizes de sistemas para a equidade e a coesão social: • Aumentar a equidade e a justiça em relação aos atores envolvidos; • Promover o consumo responsável e sustentável; • Melhorar a coesão social; • Incentivar o uso e a valorização dos recursos locais (VEZZOLI, 2010). Trazendo a discussão do empoderamento para o campo do sistema prisional, é sabido que essa autoridade é nula ou quase nula de parte dos detentos, o que se pode constatar em uma das discussões do livro “Vigiar e punir” (FOUCAULT, 1987). O trabalho nos presídios, em geral, obedece a um direcionamento pré-estabelecido por uma rede de atores, desde os que criam a demanda, até os agentes que comercializam os produtos. Um exemplo de produto de moda, de reconhecimento nacional, que é desenvolvido por uma diretora de criação e sua equipe, e manufaturado em presídios, é o caso dos produtos de moda da marca Doisélles. A empresa capacita os detentos para tricotar artigos de prêt-à-porter, com alto valor agregado, e paga-lhes salário pela produção (DOISELLES, 2017). Os produtos já foram comercializados no principal evento e feira de moda de Minas Gerais, o Minas Trend Preview, confirmando os valores somados ao produto ao longo de sua cadeia de valor e processo de desenvolvimento de produto. A literatura indica que o trabalho no sistema prisional tende a apresentar consequências positivas, tanto para as empresas correlacionadas / demandantes de produção, quanto por parte da sociedade e do próprio cárcere. Por exemplo, um estudo sobre a reintegração social de detentos em uma penitenciária de Florianópolis, constatou que o trabalho prisional tem eficácia na busca da ressocialização do interno, melhorando o relacionamento entre os presos, diminuindo a frustração e baixando o índice de reincidência no crime (COSTA, 1998). Já os resultados de estudo de caso na penitenciária em Foz do Iguaçu confirmaram que há benefício com o trabalho dos presos para as empresas empregadoras, porquanto permitindo boa produtividade e baixos custos de produção, o que melhora a competição das firmas (SHIKITA & BROGLIATTO, 2007). A sociedade somente se sentirá protegida quando o preso for recuperado (CAMARGO, 2006). Por esse motivo a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) é uma entidade que se dedica à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade, bem como socorrer a vítima e proteger a sociedade. Sua filosofia é ‘Matar o criminoso e Salvar o homem’, a partir de uma disciplina rígida, caracterizada por respeito, ordem, trabalho e o envolvimento da família do sentenciado. A APAC se diferencia do sistema carcerário comum, pois lá os presos (chamados de recuperandos, pois todos estão ali para se recuperar) são corresponsáveis pela própria recuperação, além de receberem assistência espiritual, médica, psicológicas e jurídicas prestadas pela comunidade. A segurança e a disciplina são feitas com a colaboração dos recuperandos, tendo como suporte funcionários, voluntários e diretores das entidades que representam cerca de 10% do efetivo, com isso não existe a presença de policiais e agentes penitenciários, o que torna o sistema mais econômico para o governo. O objetivo da APAC é gerar a humanização das prisões, sem deixar de lado a finalidade punitiva da pena. Assim é possível evitar a reincidência no crime, e proporcionar condições para que, o condenado se recupere e consiga a reintegração social. Na APAC, o recuperando ocupa sua mente com trabalho, hortas, cozinha, padaria, marcenaria, artesanatos e outras atividades durante todo o dia. 20% do dinheiro arrecadado com as atividades desenvolvidas são destinados para a manutenção da APAC, e o restante é revertido ao próprio recuperando, que pode comprar objetos pessoais ou ajudar sua família. Seu lema é: “Todo homem É MAIOR que seu erro”

 2. METODOLOGIA

Este projeto apresenta ênfase experimental, com estudos de casos com pesquisa e pratica nos presídios. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e/ou desestruturadas com: recuperandos na APAC; um ex-detento, na Favela Morro do Papagaio; empresários da área de moda que estimulam a produção carcerária; agentes penitenciários; um palestrante renomado e dedicado à humanização nos presídios e APACs; e com lojista da Savassi que estimula produção de artefatos com abordagem de projeto de produto para sustentabilidade. As entrevistas foram transcritas ipsis literis, destacando as verbalizações propositivas para a modelagem de um sistema-produto sustentável envolvendo APAC – empresa – loja – consumidores – resíduos têxteis como matéria-prima – processo produtivo de costura. A proposta metodológica foi dividida em quatro etapas, e estão descritas a seguir nos materiais e métodos. 2.1.

ETAPA DE BASE TEÓRICA

Foram realizados os estudos teóricos, com base nos periódicos da Capes, em bancos de pesquisa de universidade e do governo, assim foi possível adquirir informações, que nos deu todo o suporte para iniciarmos nossa pesquisa, usamos fortes referências de estudiosos que já pesquisaram sobre esse assunto. Com a realização de estudos de casos semelhantes ao proposto neste projeto, e analisando artigos que falam sobre design de sistemas para sustentabilidade, design para inovação social, produção carcerária, produtos de moda e processos de desenvolvimento de produto, foi possível notar uma oportunidade de melhora no sistema penitenciário brasileiro através da produção carcerária, consequentemente alcançar uma melhora na ressocialização dos condenados.

2.2. ETAPA DE BASE EXPLORATÓRIA

Foram realizadas visitas técnicas a Associação de Proteção a Assistência aos Condenados, em Nova Lima / MG, que conta com Detentos do sexo Masculino e Feminino. As detentas realizam algumas atividades produtivas como: Artesanato e Pintura. A APAC conta com quatro detentas do sexo feminino e 86 do sexo masculino, devido à alta rotatividade esses números são alterados freqüentemente. Devido ao baixo numero de detentas do sexo feminino na APAC de Nova Lima teve que se fazer a mudança para os detentos do sexo masculino, pois os mesmos possuíam maior numero de equipamentos e uma pratica mais eficaz no quesito produção têxtil. Durante a etapa exploratória percebemos que na APAC não existe detento, afinal, o crime ficou la fora, o que entra na APAC são homens e mulheres que buscam a recuperação e por esse motivo são chamados de recuperandos. Foram feitas Colheitas de varias informações relevantes para o desenvolvimento do trabalho, como capacidade produtiva, quantidade de maquinas, mão de obra capacitada, cursos ofertados e foi possível ver de perto a rotina dos recuperandos. Também foi realizada uma visita ao sistema comum juntamente com o Tio Flavio (Responsável por diversos projetos sociais) durante essa visita foi possível sentir a diferença entre os dois sistemas, mesmo o condenado do sistema comum custando duas vezes mais que o condenado da APAC eles vivem em uma condição sub humana. Uma das entrevistas que foi feita nessa pesquisa foi com o líder social e presidente da associação do Morro do Papagaio Júlio Fessô, o qual já foi preso diversas vezes no sistema comum, mas que hoje faz palestras conscientizando os jovens, sobre as vantagens de se viver longe das drogas e dos crimes. Foram Relatados também os dizeres do empresário Rogério Lima que tem vasta experiência com a produção no cárcere e que passou um pouco da sua expertise para agregar valor ao nosso projeto.

2.3. ETAPA DE BASE EXPERIMENTAL

As informações da etapa teórica com a etapa exploratória são articuladas de acordo com as visitas e entrevistas que foram feitas no decorrer do trabalho. Foram realizadas pesquisas para desenvolver e engajar o trabalho na implementação de um projeto de sistema-produto, baseamos na experiência de empresários que já fazem esse tipo de trabalho, acrescentamos todo o conhecimento adquirido nas disciplinas de qualidade, produção, manufatura, planejamento e desenvolvimento de produto, marketing, gestão ambiental, gestão de pessoas, e valorizando a mão de obra de recuperandos para produzir produtos de baixa complexidade produtiva, para fins experimentais. Assim foi possível validar as estratégias delineadas, com implementação de ferramentas da qualidade aplicando no processo de produção foi possível realizar a confecção de um pequeno mix de produtos de moda na APAC de Nova Lima com o apoio dos recuperandos e de parceiros que fizeram a doação da matéria prima. Os resultados obtidos foram alocados em critérios pertinentes da análise do impacto social, com dados qualitativos sobre empoderamento no cárcere e ressocialização via projeto, produção e produto. Ao final, foi apresentado um mapa de sistema de serviço-produto sustentável, integrando a APAC com o mercado consumidor.

2.4. ETAPA DE BASE CONCLUSIVA

Foi elaborado o mapa de um sistema-produto para sustentabilidade, delineando fluxos de valores, pessoas, materiais e produtos, e enfatizando a abordagem de equidade social. Esta pesquisa buscou gerar resultados práticos, como a proposição de requisitos e modelo para ressocialização dos recuperandos da APAC, tendo o desenvolvimento de produto e a produção carcerária como vetores para o bem-estar social. A pesquisa teórica mostrou-se interdisciplinar, ao conjugar conhecimentos de diversas áreas como engenharia, sociologia, política e sustentabilidade. Finalmente, nos aspectos conclusivos da pesquisa foi apresentada a compreensão dos resultados analisados e indicaram-se novas possibilidades de pesquisas a partir desta. 3.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi feito um trabalho que procurou investigar como viabilizar projeto de sistema produto interagindo com diversos atores em função a APAC, operários, por meio de entrevistas semi-estruturadas, base teórica, base exploratória e base experimental. Ao final os resultados obtidos de um mapa sistema produto, que envolve a produção de mix de produtos em que mostra os processos de produção, logística, parcerias, vendas, produtos e materiais. O projeto é complexo, pois demanda interação em muitas partes e estabelece elos com empresários, APAC e consumidor. O projeto mostra que é viável com aplicação do conhecimento de engenharia de produção, gestão de projeto de pessoas, logística reversa e abordagem de sistema. O projeto sistema produto é uma abordagem viável, pois a questão central da APAC é ressocializar o recuperando por meio do trabalho e da produção carcerária. Para que seja viável essa vocação da APAC de reintegrar os recuperandos á sociedade, é preciso de alguns mecanismos. Desses mecanismos as ferrametas e conhecimentos de engenharia de produção, design de sistemas de produto sustentável, se mostraram uma alternativa viável para a realidade da APAC. Essa pesquisa mostrou que é viável criar o projeto de sistema produto sustentável para APAC de Nova Lima / MG, acredita se que essa abordagem pode ser passada para outras APACs, o projeto esta aberto para pesquisas futuras, para criar um conhecimento maior sobre os treinamentos dos recuperandos, métodos de ensino do oficio e fazer a implementação desse sistema.

4. REFERÊNCIAS

CASTRO, M. L.; CARRARO, C. L. O resgate da ética no design: a evolução da visão sustentável. In: 8º CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN. São Paulo, 2008. COSTA, A. M. O trabalho prisional e a reintegração social do detento: um estudo de caso no presídio masculino de Florianópolis. Dissertação, Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998, 158 p. DOISELLES. Desenho em tricô. Disponível em http://www.doiselles.com.br/ Acessado em 13 março 2017. FLINTERMAN, W. The limits of private social codes as a means of governing labour. Development ISSues, Vol. 14, N. 1, Jun. 2012, p. 12-14. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p. FREYRE, G. Modos de homem & modas de mulher. São Paulo: Global, 2009. MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O desenvolvimento de produtos sustentáveis. São Paulo, EdUSP, 2005. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento nacional de informações penitenciárias – Infopen, Junho de 2014. Disponível em: https://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgaranovo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf Acesso em: 13 de março 2017. PALOMINO, E. A moda. São Paulo, Publifolha, 2003. QUEIROZ, L. L. Utopia da sustentabilidade e transgressões no design. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2014, 215 p. ROZENFELD, H. et al. Gestão de Desenvolvimento de Produtos: uma referência para melhoria do processo. São Paulo: Saraiva, 2006, 542 p. SHIKIDA, P. F. A, BROGLIATTO, S. R. M. O trabalho atrás das grades: um estudo de caso na Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu – PEF (PR). Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, v. 4, n. 1, p. 128-154, jan-abr/2008, Taubaté, SP, Brasil. SLACK, N. et al. Administração da produção. São Paulo, Atlas, 1997, 754 p. VEZZOLI, C. Design de sistemas para a sustentabilidade. Salvador, EDUFBA, 2010.

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