DESENVOLVIMENTO DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO
Por Pedro Henrique Pinheiro | 16/03/2014 | DireitoDESENVOLVIMENTO DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO
PEDRO HENRIQUE PINHEIRO[1]
Resumo
O trabalho tem como objetivo apresentar o conceito de justiça de transição, delimitar suas fases históricas e suas formas de implementação, bem como os resultados práticos advindos desse tipo de justiça. Para isso, serão revisitados os principais marcos do desenvolvimento histórico dos direitos humanos.
Serão também abordados os mecanismos de funcionamento do Tribunal Penal Internacional, maior herança da primeira fase da justiça de transição, bem como as comissões da verdade que se relacionam com a segunda fase.
Por fim, será discutida a necessidade de uma justiça de transição que proteja os direitos humanos de forma global, que garanta justa punição aos seus violadores e que busca, acima de tudo, a verdade real dos fatos.
- 1. Introdução - Historia dos direitos humanos.
Os direitos humanos ganharam ao longo do tempo grande importância no cenário mundial. Diversos tratados, pactos e declarações foram feitos para garantir sua proteção em âmbito internacional.
Um ponto marcante para o surgimento do conceito universal de direitos humanos foi o surgimento do Estado Moderno, com o consequente reconhecimento de que os indivíduos devem ser sujeitos de iguais direitos, independentemente de sua classe social. Essa revaloração do indivíduo representou um salto em relação ao período feudal, em que os direitos e deveres de cada homem eram atribuídos unicamente de acordo com seu posicionamento de classe dentro da estrutura do feudo, cabendo ao senhor feudal estabelecer as regras.
A recém-adquirida laicidade do direito e o surgimento das teorias contratualistas também foram de vital importância para a fermentação dos direitos humanos, já que estabeleceram limites ao poder estatal. John Locke foi um filosofo importante para o desenvolvimento dessa nova visão, pois defendia liberdades individuais perante o Estado.
Avançando no curso historio, pode-se dizer que o marco para a internacionalização dos direitos humanos foi o fim da 2ª Guerra, já que diante das violações a direitos feitas pelos nazistas, passou a ser entendido que os direitos humanos tinham que ser protegidos além dos mecanismos nacionais e atingirem um âmbito internacional. Nessa linha de pensamento, foi criado o tribunal de Nuremberg, que saía do plano nacional e julgou militares nazistas e japoneses nos anos de 1945 e 1946, por crimes contra humanidade. O tribunal foi importante no fortalecimento dos direitos humanos no âmbito internacional.
Em 10 de dezembro de 1948, foi aprovada por unanimidade pela Assembleia das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A declaração em seu artigo 1º diz: Todas pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. E em seu artigo 2º: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nessa Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
A Declaração proíbe a tortura ou qualquer outro tratamento cruel, a escravidão em qualquer tipo, a detenção arbitrária, garante a liberdade de locomoção e a vida privada, garantes diversos outros direitos e garante que qualquer pessoa tem o direito de ser reconhecida como pessoa perante a lei. São 30 artigos visando à proteção dos direitos intrínsecos ao ser humano.
Em 1966, as Nações Unidas aprovaram mais dois pactos que visavam a afirmação dos direitos humanos, um sobre direitos civis e políticos e o outro sobre direitos econômicos, sociais e culturais. A China não faz parte do primeiro pacto e os EUA não fazem parte do segundo.
Em 1993, em busca de reafirmar e ter uma maior efetividade no cumprimento dos direitos humanos é criada a Declaração de Viena, aprovado por mais de 170 estados que estiveram presentes na reafirmação da declaração de 1948. Contando com uma maior experiência e analisando os tratado anteriores a nova declaração visa ter uma maior eficácia na fiscalização e tem mecanismos para adotar medidas que visam o cumprimento e proteção dos direitos universais. Devido ao seu maior numero de países participantes a nova declaração, segundo estudiosos, tem uma maior efetividade na afirmação universal dos direitos humanos.
A universalização dos direitos do homem, apesar de sua grande importância, tem limitações que dificultam a sua eficácia. A primeira é a existência de países que não possuem a cultura similar a do ocidente e algumas violações dos direitos estão enraizadas nos seus costumes, o que torna difícil a incorporação dos direitos humanos no seu pensamento. Outro problema é a forma que existe de fazer com que os direitos sejam cumpridos, já que cada país tem sua soberania e seus devidos ordenamentos, alem de existirem países que não assinaram a declaração, o que torna complicada a exigência de preservação dos direitos.
- 2. Justiça de Transição.
A justiça de transição surge exatamente em sintonia com a ideia de direitos humanos, e seu marco inicial, ou de maior importância para seu desenvolvimento foi o pós-guerra.
Justiça de Transição é a justiça que trata de períodos de mudança política, ou períodos de transição política, que seriam períodos ao qual a democracia e os direitos não são preservados pelo estado como guerra e ditaduras.
Segundo Ruti Teitel[2], a historia da justiça de transição possui três fases, a primeira começa com o pós-guerra, a segundos com o pós guerra fria e a terceira é a fase contemporânea.
A primeira fase tem seu março inicial o tribunal de Nuremberg, que julgou os nazistas. Nessa fase surge a ideia que as violações dos direitos humanos tinham que sair do plano nacional e sair para o plano internacional, visto que as investigações nacionais na Alemanha depois da primeira guerra falharam. A herança maior dessa fase foram os tribunais penais internacionais, que julgaram os casos de Uganda e da Iugoslávia. No pós-segunda Guerra ficou claro da necessidade de individualização dos julgamentos e a punição individual dos responsáveis, já que a punição sofrida pela Alemanha na primeira guerra não surtiu efeito.
A segunda fase trouxe novos desafios para a justiça de transição, já que medidas feito o tribunal de Nuremberg não tinham a certeza de sucesso na America do Sul, ou África do Sul. Diferentemente da fase I a nova fase da justiça de transição se voltava para decisões nacionais, entretanto a jurisprudência deixada pela justiça internacional serviria de base para as investigações e decisões internas. A fase II vive a tensão entre anistia e punição dos culpados, vive um profundo dilema de como reconstruir uma sociedade inteira.
A segunda fase vem em contradição com a ideia da primeira de uma justiça sem limites, mostrando barreiras e limites para a justiça de transição. A herança da fase II foram as comissões da verdade, instituição oficial criada para investigar, reportar e documentar abusos de direitos humanos em determinado período. Nessa a fase segundo Ruti Teitel, a justiça de transição se tornou um dialogo entre as vitimas e seus perseguidores e tem com símbolo a reconciliação e o perdão.
Por fim, a terceira fase é caracterizada por um “estado estável” da justiça de transição. A época contemporânea é caracterizada por uma “guerra em tempo de paz” coma diz Ruti Teitel. Estados fracos, pequenos conflitos, e conflitos constantes são características dessa época. Um grande símbolo dessa estabilidade da justiça de transição é a Corte Penal Internacional, que julga crimes de guerra, genocídios e outras violações dos direitos humanos. Além da corte, podemos dizer que intervenções de paz como a feita pelo Brasil no Haiti, guerra contra o terror também são considerados símbolos dessa nova fase.
Como visto os objetivos da justiça de transição mudaram com o decorrer da historia, entretanto é possível destacar alguns desses objetivos que ainda estão presentes como a justiça, a paz, a verdade e a reconciliação.
A justiça está na essência da ideia de justiça de transição. A ideia desse objetivo é trazer as vitimas alguma reparação pelos danos sofridos e punição para os culpados só assim a sociedade poderá curar a ferida passada. Sem a justiça a fé na democracia por parte da sociedade esta estremecida, já que uma sociedade democrática tem por base a proteção dos direitos e sem uma reparação às vitimas de guerra ou de regimes ditatoriais e a punição de perseguidores político e torturadores tem uma situação de impunidade inadmissível em uma democracia que diz proteger os direitos dos seus cidadãos.
A paz, como diz Elin Scarr, [3]possui três leveis; a negativa, que seria o fim da violência; a liberal, que seria a restauração da democracia; e a positiva, que seria a desejada a se atingir com direitos garantidos, confiança civil, violência estrutural em níveis baixos, onde conflitos são resolvidos sem violência.
Em períodos pós-conflitos, a paz que se busca com urgência é a negativa, ou seja, o fim do conflito, por isso a justiça, a verdade e outros objetivos ideais são, as vezes, botados em segundo plano em prol do fim do conflito. Já em períodos pós-ditatoriais, a prioridade já é a paz liberal, ou seja, o retorno à democracia é a prioridade e por isso é possível observar, também, alguns objetivos deixados de lado, como visto em algumas leis de anistia que “perdoam” os perseguidores juntos com as vitimas. Entretanto, a paz positiva é o desejado para toda sociedade democrática e para ser alcançada a justiça, a verdade e a reconciliação são de extrema importância e sendo assim não podem ser deixadas de lado.
Apesar, de em determinadas situações, devido a sua situação política, alguns objetivos são postos de lado, após o estabelecimento e a concretização da democracia, estes têm de ser lembrados e o Estado tem a obrigação de usar de mecanismos disponíveis para atingi-los.
A verdade e a reconciliação são objetivos secundários, devido sua relação com os conceitos de justiça e paz, mas de extrema importância. A verdade está intimamente ligada com a ideia de justiça, visto que sem a verdade não é possível o alcance da justiça, já que como será feito justiça se os fatos verdadeiros não estão disponíveis. Além disso, a verdade tem uma importância social de retratação e aprendizado, só reconhecendo os erros do passado e aprendendo com eles que se pode evita-los no futuro.
A reconciliação tem intima ligação com a paz, visto que é necessário um “perdão” por parte das vitimas para a cura de feridas passadas. Esse “perdão”, não acontece por meio de leis como as de anistia feitas em diversos países pós-ditaduras, esse “perdão” só pode ser alcançado com o dialogo entre as partes e para isso é necessário a que tudo o que aconteceu venha à tona e os perseguidores venham a publico admitir seus erros e pedir desculpas diretamente a suas vitimas, para estas sim terem a oportunidade de perdoarem ou não.
Para que os objetivos da justiça de transição sejam alcançados existe diversos mecanismo e cada um tem relação com um ou mais objetivos. Os principais são: tribunais, comissões da verdade, reparações e anistia.
Os tribunais têm relação, principalmente com a justiça. Eles têm como objetivo julgar e punir culpados por abusos de direitos humanos e diversas atrocidades acontecidas em períodos de transição. Esse mecanismo possui uma dimensão internacional, visto que além das cortes nacionais, existem tribunais internacionais de natureza mista e mais recentemente a Corte Penal Internacional, que julga exatamente crimes cometidos durante períodos de transição política.
As comissões da verdade têm relação com todos os objetivos. Elas têm o objetivo de investigar, descobrir, documentar e expor para o publico a verdade. A verdade se relaciona com todos os objetivos, já que ela é elemento essencial, na busca da justiça, para uma reconciliação e para a obtenção da paz positiva. As comissões são entidades oficiais que visam investigar documentos e fatos acontecidos para revelar a verdade das violações e crimes cometidos nos períodos de transição.
As reparações podem acontecer de diversas maneiras, por compensação financeira, simbólica, terras e etc. O objetivo maior é se realizar justiça com as vitimas, por isso as variadas formas de reparação, já que cada caso é um caso e uma reparação adequada para um pode não ser suficiente para outra. Tem um efeito positivo na busca pela reconciliação também.
Por fim, a anistia se relaciona com a busca pela paz seja negativa ou liberal. Muitas anistias, hoje, são contestadas e revistas devido seu caráter bilateral, que perdoa tanto os perseguidores como as vitimas, o que é visto como uma injustiça a ser desfeita.
Os mecanismos da justiça de transição possuem limitações quanto a sua eficiência, já que cada sociedade reage de uma forma diante de uma situação de transição e cada situação tem suas especificidades, que a agrava ou a ameniza, por isso os resultados atingidos, pelos mecanismos em determinado país, não podem ser esperados, exatamente iguais, em outros de regime e cultura diferentes.
- 3. Tribunal Penal Internacional.
A ideia de um corte internacional permanente surgiu no fim da Primeira Guerra com o Tratado de Versalhes, que dispôs sobre uma corte internacional para julgar os crimes de guerra cometidos pelos alemães. Entretanto, esse julgamento teve uma eficácia muito pequena, visto que uma parte ínfima dos acusados chegou a ser julgado.
A Segunda Guerra foi o marco para a criação de tribunais internacionais. Diante das atrocidades cometidas durante a guerra ficou claro que os responsáveis não podiam sair impunes. Em 1945 e 1946 foram criados dois tribunais internacionais o de Nuremberg e o de Tóquio. Apesar de representarem um grande avanço no direito internacional, estes tribunais foram muito tendenciosos e influenciados por vontades políticas. Um fato que deixa isso claro é que nenhum vitorioso foi julgado por crime de guerra.
Os julgamentos da Segunda Guerra mostraram a necessidade de uma corte permanente e livre de influencias para julgar os crimes de guerra, mas com a bipolarização do mundo e as tensões da época a criação da corte foi adiada.
Dois conflitos no fim da Guerra Fria chocaram o mundo, o da Iugoslávia e o de Ruanda. Na Iugoslávia, uma limpeza étnica que matou cerca de 50 milhões de pessoas; e em Ruanda, um genocídio, comandado pelos extremistas da tribo dos Hutus, matou cerca de 800 mil pessoas. Diante disso, através de resoluções da ONU, foram criados, o Tribunal Penal para a Iugoslávia e o Tribunal Penal para Ruanda com o objetivo de julgar e punir os responsáveis dessas barbaridades. Esses tribunais tinham um caráter permanente e limitado especificamente para os ocorridos.
Os casos da Iugoslávia e de Ruanda foram de estrema importância para a criação de uma corte permanente. Em 1994 foi criado um comitê para o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional. Em 1998, no aniversario de 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o correu a Conferencia de Roma que visava a estabelecimento do Tribunal Penal Internacional e em 17 de julho, com 120 votos a favor, o estatuto do tribunal foi adotado. Mas esses votos não se converteram imediatamente em assinaturas; foram, a principio, uma aprovação ao que estava escrito.
O estatuto previa que somente 60 dias após 60 ratificações forem feitas é que entraria em vigor o tribunal. Somente em primeiro de julho de 2002 foram alcançadas as sessenta assinaturas.
O Tribunal Penal Internacional tem como objetivo julgar individualmente criminosos, e tem sua competência bem definida em seu estatuto. No art 5º parágrafo 1º é possível observar os crimes que o tribunal interferirá:
A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes: a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade; c) Crimes de guerra; d) O crime de agressão.
Em seguida o estatuto define especificamente o que são cada crime da sua competência. No seu art 6º o crime de genocídio:
Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.
No art 7, parágrafo 1º os crimes contra a humanidade:
Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio;b) Extermínio;c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
Crimes de guerra são definidos no parágrafo 2º do art , como:
As violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente; b) outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional; c) Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, as violações graves do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos atos que a seguir se indicam, cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido a doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo d) A alínea c) do parágrafo 2o do presente artigo aplica-se aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplica a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante; e) As outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no quadro do direito internacional; f) A alínea e) do parágrafo 2o do presente artigo aplicar-se-á aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplicará a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante; aplicar-se-á, ainda, a conflitos armados que tenham lugar no território de um Estado, quando exista um conflito armado prolongado entre as autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre estes grupos.
O crime de agressão não tem uma definição bem feita a seu respeito no estatuto tem somente uma observação feita no parágrafo 2º do art 5º.
Alguns pontos são importantes destacar a respeito do tribunal. Primeiro ele não interfere nas intervenções de paz, visto que não é pretendido apenas julgar culpados por violações, mas evita-las de qualquer modo. Segundo, o tribunal tem uma jurisdição complementar às jurisdições nacionais, não pretende violar a soberania nacional. Terceiro o tribunal só tem jurisdição sobre estados que ratificaram o estatuto. E por ultimo, potencias como a China e os EUA não ratificaram o Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
- 4. Comissões da Verdade.
Dentre as comissões da verdade criadas pelo mundo a Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul merece um destaque devido a suas especificidades e seu êxito.
A África do Sul sofreu com uns dos regimes mais cruéis já vistos, o apartheid. Era uma segregação institucionalizada, na qual brancos eram protegidos pela lei e negros eram segregados por ela. Em 1995, já depois do fim do regime de repressão, o governo do perseguido Nelson Mandela estabeleceu a Comissão da Verdade e Reconciliação no país.
A comissão era composta por 17 pessoas de diferentes etnias, do presidente Nelson Mandela e do Reverendo Desmont Tutu. Tinham também três subdivisões internas o Comitê de Anistia, o Comitê de Violações de Direitos Humanos e o Comitê de Reparação e Reabilitação.
O Comitê de Anistia era responsável de analisar todos os pedidos de anistia e verificar se cabia anistia para a situação. O pleiteante a anistia precisava narrar toda a verdade sobre o incidente e demonstrar que a atitude era proporcional à finalidade. Mais de 7 mil repressores enviaram pedidos, mas apenas uma parte pequena conseguiu cumprir os requisitos.
O Comitê de Violações dos Direitos Humanos era responsável por ouvir, analisar, registrar e julgar declarações de vitimas sobre mortes, maus tratos, desaparecimentos e tortura durante o regime. Esse comitê foi o de maior visibilidade e se deslocou por todo território sul-africano.
Por fim, o Comitê de Reparação e Reabilitação foi responsável por avaliar a políticas e medidas feitas com a finalidade de reparação, principalmente nas áreas de saúde e educação. Segundo a opinião de Isabelle Maria Chehab o comitê foi imprescindível para que o Apartheid não se instaurasse no historicamente excluídos.
A sociedade civil foi de extrema importância para o êxito dessa comissão. Foi graças à participação e envolvimento ativo da sociedade que colaboraram significantemente para a redemocratização do país.
Desde anos 70 muitas comissões foram criadas, principalmente na America latina; El Salvador; Guatemala; Bolívia; Argentina; Uruguai; Chile; Honduras; Panamá; Peru; Equador; Nicarágua e Paraguai. Este trabalho dará maior destaque as comissões da Argentina e do Chile.
A Argentina sofreu um regime ditatorial muito agressivo que não respeitava instituições judiciais e estima cerca de 30 mil desaparecidos. O presidente Raúl Afonsín criou a Comissão Nacional de Desaparecidos que serviu de exemplo para sociedades que busca a verdade sobre regimes de transição polico. Foram investigados diversos documentos, cemitérios, dependências policiais, declarações e depoimentos de exilados nessa busca por verdade. Uma herança deixada pela comissão foi o relatório “nunca mas” que documentou cerca de 9 mil caso de desaparecidos e virou best-seller rapidamente, mas após três anos a comissão acabou e não publicou um relatório final.
O regime chileno foi menos violento que o argentino e teve um numero menor de desaparecidos, o que não quer dizer que não foi um regime de extrema violência. O presidente Patrício Aylwin criou a Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação, que só tinha autoridade para investigar casos que resultaram em morte ou desaparecimento. A comissão trabalhou por 9 meses e julgou cerca de 3 mil casos. Teve seu relatório final em fevereiro de 1990 e deu a oportunidade do estado reconhecer a violência passada e se desculpar publicamente com as vitimas do regime.
- 5. Conclusão.
Os direitos universais estão intimamente ligados a ideia de justiça de transição, já que o segundo visa investigar as violações a esses direitos em períodos de transição política. Em face disso, os dois conceitos foram ganhando maior destaque no discurso mundial.
As Guerras mundiais foram importantes para a evolução dessas ideias que hoje são representadas por meios de diversos mecanismos. O Tribunal Penal Internacional, herança da primeira fase da justiça de transição, representou um avanço grande em relação ao direito internacional e a proteção dos direitos humanos, tentando evitar a impunidade de violadores desses direitos.
As comissões da verdade, herança da segunda fase da justiça de transição, criadas por todo o mundo foram vitais nos processos de retração e redemocratização de países que viverem regimes de repressão, buscando revelar a verdade sobre os abusos feitos em regimes de transição política.
A internacionalização judicial e as comissões da verdade, apesar de sua eficácia relativa e criticas, foram ganhos importantes para o mundo que chegou a conclusão que a proteção dos direitos humanos deve ser prioridade das nações e deve também sair do plano nacional e ser universal.
A justiça de transição e seus mecanismos estão hoje no mundo com um destaque grande e são importantes para o mundo aprender com os erros do passado e evitar que aconteçam no futuro.
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[1] Aluno do 8º Semestre do curso de Direito da Universidade de Brasília
[2] TEITEL, Ruri G. Transitional Justice Genealogy. Harvard Human Rights Journal / Vol. 16, 2003
[3] SKAAR, Elin. Understanding the Impact of Transitional Justice on Peace and Democracy. ECPR, Reykjavik, Iceland, 2011