Desenvolvendo Projetos Audiovisuais Educativos em Plataforma Livre

Por Sinara Duarte | 11/06/2009 | Tecnologia

1. Introdução
A área da educação é um ótimo espelho do tamanho da exclusão, da discriminação, da desigualdade e da injustiça no Brasil. A repetência e a evasão, são exemplos contundentes desta afirmação. O Brasil figura entre as piores taxas de reprovação e evasão escolar do mundo segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (TAKAHASHI, 2006).
Segundo dados do MEC (IBGE, 2006), apenas 56,2% dos jovens na faixa etária de 14 a 16 anos concluíram o ensino fundamental na idade esperada. No Nordeste, no mesmo período, este índice cai para 37,4%. Já os concludentes do ensino médio, a taxa nacional declinou ainda mais, pois somente 37,9% dos jovens até 19 anos conseguiram este feito. No Nordeste, analisando o mesmo indicador, a taxa de conclusão do ensino médio foi considerada em 2006, a menor do país com apenas 20,9% de seus jovens ostentando um diploma de segundo grau aos 19 anos.
Simplesmente, a escola continua perpetuando o mesmo modelo excludente de sociedade no qual está inserida. Assim é comum encontramos dentro das unidades escolares, alunos com baixa auto-estima, que não se interessam pelos estudos, gerando indisciplina, evasão, repetência, violência dentre outros problemas. A maioria abandona os estudos precocemente para ajudar no sustento doméstico, sofrendo novas formas de exclusão: a digital e a intelectual, pois a maioria dos postos de trabalho, desde os mais simples, exigem pessoas mais qualificadas e com o domínio mínimo de informática.
A exclusão digital é a mais nova ferida social, e acirra ainda as já gritantes desigualdades existentes, como destaca Castells (2000 p. 45), “a questão da conectividade, ou da falta dela, é uma questão real e problemática, pois as pessoas que não possuem acesso às TICs apresentam uma fragilidade cada vez mais considerável no mercado de trabalho.”
Diante desta realidade, tomou-se a iniciativa de se realizar um trabalho voltado à inserção de jovens de baixa renda do ensino fundamental ao mundo da tecnologia, através do software livre. Assim, nasceu o projeto denominado Minha Escola, Minha Vida, que teve como objetivo principal sensibilizar jovens em alta situação de vulnerabilidade social acerca de sua importância enquanto sujeito histórico-social e da escola como partícipe deste processo através do uso das TICs em uma plataforma livre. Delinearam-se como objetivos específicos: a) identificar-se como sujeito de sua história e da escola; b) conhecer fatos sobre sua vida acadêmica e dos demais colegas, registrando e expondo fatos ocorridos no ambiente escolar; c) produzir um projeto audiovisual em formato multimídia através das ferramentas livres; d) refletir sobre sua vivência escolar, apontando os pontos positivos e negativos, bem como suas perspectivas de futuro; e) Incluir-se social e digitalmente utilizando o software livre no ambiente escolar. Pretendeu-se, com este relato, contribuir para redução de alguns dos problemas que afetam a escolarização do jovem na atualidade: a evasão escolar e a exclusão digital.
2. A opção pelo software Livre
Inicialmente a opção pelo software livre (SL) deve-se a realidade das escolas públicas que não dispõe de recursos financeiros para regularização de software, elemento fundamental em políticas públicas de inclusão digital aliada à sua filosofia libertária. De fato, países desenvolvidos como a França e emergentes como China, já encorajam o uso de plataformas livres em instituições escolares. No Brasil, o governo do Paraná, conseguiu reduzir os custos de implantação de Laboratórios de Informática das escolas públicas por meio da adoção de softwares livres (SEED, 2005).
Experiências como do governo paranaense estão sendo replicadas para outros estados, destacando-se São Paulo, com os Telecentros e o Rio Grande do Sul por meio da Rede Escolar Livre. Atualmente o governo do Estado do Ceará e a Prefeitura Municipal de Fortaleza, adoram o software livre como padrão nos laboratórios de informática educativa locais. A escolha de softwares livres traz inúmeras vantagens frente ao software proprietário, como argumenta Silveira (2003, p.38) destacando-se os fatores “macroeconômico, de segurança, de autonomia tecnológica, da independência de fornecedores e democrático”.
A filosofia do Software Livre é baseada segundo Silveira (2003 p. 45) é “no princípio do compartilhamento do conhecimento e na solidariedade praticada pela inteligência coletiva conectada na rede mundial de computadores”.
Corroborando com este pensamento Nunes et al (2008, p.15) acreditam que “as quatro liberdades propostas pelo software livre – conhecer, copiar, distribuir e modificar – favorecem sua adoção do contexto da escola pública.” Desta forma, a utilização de softwares livre em situações de ensino aprendizagem, representa a possibilidade de inclusão digital de professores e alunos, visto que o docente pode adequar o software livre às suas necessidades e de seus alunos. De fato, têm crescido o interesse das comunidades de mantenedores acerca do uso educativo do software livre. Um exemplo disso são as distribuições Edubuntu, Kelix, Pandorga, Debian Edu, Linux Educacional, versões customizadas da GNU/Linux de cunho eminentemente educativo. Neste estudo, optou-se por utilizar a distribuição Kurumin 7.0 por ser a padrão dos LIES de Fortaleza.
3. Método
Este estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa, mediada pela metodologia da pesquisa-ação. O locus privilegiado da pesquisa foi a EMEIF Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, instituição pública educativa municipal, localizada no bairro Carlito Pamplona, zona periférica da capital alencarina, que apresenta graves problemas sociais como: altos índices de prostituição, consumo de drogas, violência doméstica, acidentes de trânsito e baixa escolaridade da sua população. A experiência foi desenvolvida no Laboratório de Informática Educativa – LIE da referida escola, no contra-turno escolar no período de dezembro de 2007 a fevereiro de 2008. A amostra foi composta por 57 jovens, na faixa etária de 14 a 17. Os critérios de inclusão foram: ser aluno regularmente matriculado na escola participante, especificamente no 9º ano, último ano do ensino fundamental.
A experiência foi desenvolvida em cinco etapas. A primeira etapa envolveu o planejamento do trabalho. Os formandos juntamente com as professoras planejaram o formato do projeto audiovisual que deveria a ser desenvolvido dentro dos recursos disponíveis. Como a escola não dispunha de uma filmadora nem similar, foi acordado uma apresentação em formato de slides. Ao final, foi produzido uma hipermídia digital com todas as apresentações em formato de álbum virtual. Ressalta-se que a escolha do tipo de mídia levou em consideração o fato de que todos os alunos possuíam aparelho de DVD e que havia interesse da maioria, em apresentar sua produção para os familiares, portanto seria a forma mais acessível e democrática de divulgação, enquanto que poucos tinham acesso a computadores conectados à Web.
A segunda etapa foi de pesquisa e produção textual. Os alunos foram motivados a pesquisar sobre sua vida acadêmica e a função social da escola, por meio de entrevistas com os pais e funcionários da escola. A terceira etapa foi a sessão de fotos. Optou-se por fotografar individualmente todos os formandos, funcionários da escola além dos fatos considerados mais relevantes dentro da trajetória escolar.
A quarta etapa foi a edição e elaboração da mídia audiovisual. Para criação, edição e ilustração do vídeo utilizaram-se as seguintes ferramentas computacionais livres: BrOffice Writer (editor de texto) BrOffice Impress (confecção de slides), Cinerella (edição de video), KolorPaint (Desenho), Gimp (editor de foto), Mozilla-Firefox (software de navegação na Web), além de fotos do arquivo particular da escola e dos alunos.
A quinta etapa foi a participação em oficinas de Inclusão Sócio-Digital, visando o domínio das ferramentas livres. Durante a experiência foi privilegiada a abordagem sócio-interacionista na qual cada participante foi sujeito de sua própria aprendizagem, destacando-se o “aprender fazer fazendo”, estimulando-se a aprendizagem cooperativa e colaborativa. O professor do LIE desempenhou a função de mediador do conhecimento, criando situações para que o aluno pudesse desenvolver suas potencialidades e construir sua autonomia na construção do conhecimento e no manuseio dos softwares livres.
4. Resultados Obtidos
Incluir-se digitalmente não significa apenas utilizar as ferramentas computacionais, mas principalmente ser co-autor de sua própria história de vida. O uso da tecnologia educacional livre neste caso, proporcionou aos atores em questão a possibilidade de tornarem-se partícipes de uma cultura da solidariedade e de aprendizagem colaborativa além de proporcionar uma nova oportunidade de escolarização. Segundo relato dos docentes, as atividades propostas possibilitaram melhoria significativa na auto-estima discente que se repercutiu diretamente no desempenho escolar, refletindo-se na redução da evasão escolar. Fato este explicado pela motivação extrínseca, pois a multimídia produzida seria compartilhada por outras pessoas além do professor, aliado ao fato de estar ligado à inserção da tecnologia da informação no contexto escolar e a utilização do computador como recurso didático.
Ressalta-se que esta experiência também contribuiu para desmistificar a utilização de ferramentas livres no ensino bem como justificar a utilização do software livre como alternativa a exclusão digital, pois apesar da grande maioria não possuírem conhecimento prévios acerca da utilização do Linux em ambiente doméstico e/ou educacional, não apresentaram dificuldades significativas na feitura das atividades.
5. Considerações Finais
Participar da sociedade de informação é um direito de todos. Sua democratização deve possibilitar que toda a população tenha acesso às novas tecnologias, utilizando-as em todo o seu potencial, incluindo o acesso à rede mundial de computadores, mas também permitindo a prática de transformação da sociedade e melhoria das condições de um determinado grupo ou comunidade. A aparente fragilidade das pequenas iniciativas, como a de Fortaleza têm mostrado a viabilidade da inclusão digital nas escolas brasileiras, o que reforça o discurso de que a implementação de uma escola de qualidade, que é igualitária, justa e acolhedora para todos, não é um sonho impossível.
6. Referências
CASTELLS, M (2000). A Sociedade em Rede. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006). Indicadores Sociais. Disponível em . Acesso em 30.07.2008
NUNES, J.B.C et al. (2008). Levantamento de Softwares Educativos Livres. In: XIV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, Porto Alegre.
SILVEIRA, S. A.(2003.). Software Livre e Inclusão Digital. São Paulo: Conrad Editora do Brasil.
SEED (2005). Projeto Rede Tecnológica Paraná Digital. Disponível em . Acesso em 28.09.2008
TAKAHASHI, F (2006). Brasil tem repetência maior que Camboja. Folha Online. 26/04/2006

Publicado originalmente como resumo expandido em: ROCHA, S.S.D. Desenvolvendo Projetos Audiovisuais Educativos em Plataforma Livre. Anais do XIX Simpósio Brasileiro de Informática Educativa, Fortaleza, 2008.