Descriminalização Dos Crimes Contra A Honra
Por Catarina Costa | 07/02/2008 | DireitoCurso: Direito
DESCRIMINALIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA A HONRA
Salvador
2007
1) INTRODUÇÃO:
O Direito Penal é o ramo do direito que tem como escopo tutelar bens, valores e interesses jurídicos de maior relevância. Nesse sentido, tem-se que, além de tutelar esses bens de maior importância, deve restar configurada a ofensa de maior gravidade.
A ciência jurídica Penal tem como alicerce o princípio da intervenção mínima, ou também conhecido princípio da ultima ratio, o qual visa a atuação da proteção penal quando os outros ramos do Direito não podem solucionar o problema. Logo, a legislação penal somente será utilizada em casos extremamente necessários.
É sabido que os crimes contra a honra são infrações de menor potencial ofensivo, que resguardam o decoro, a dignidade e a reputação do indivíduo, compondo a esfera dos crimes de ação penal privada. Nessa esteira, o Ministério Público, órgão encarregado de iniciar a persecução criminal, deixa de atuar, tendo em vista a exceção da titularidade da ação penal no caso dessas infrações contra a honra.
Ante o exposto, este trabalho tem como escopo elucidar o desacordo que vige entre as normas penais, a estrutura social e as novas teorias que fundamentam e delimitam o âmbito de interferência do Direito Penal Estatal.
2)EVOLUÇÃO HISTÓRICA: PANORAMA GERAL E HISTÓRICO BRASILEIRO
A honra, em razão de produzir uma lesão psíquica em quem suporta sua ofensa, deve certamente ter sido defendida pelo homem desde o momento em que passou a viver numa sociedade organizada, com a noção de um comportamento ético. O nascimento dessa noção deu origem ao direito personalíssimo da honra e a ofensa passou a ser agressão, resultando numa reação por parte do ofendido.
O Código de Manu é a legislação mais antiga, a estabelecer um comportamento ilícito punido pelo direito, que previa sanções para todas as imputações difamatórias e as ofensas injuriosas. O capítulo 'Das Injúrias' estabelecia penas cruéis como: línguas cortadas, estilete de ferro em brasa, óleo fervendo pela boca e pagamento de multa. Diante das sanções impostas relativas à violação, verifica-se que a ofensa à honra, era considerada um ilícito grave.
Em Roma a honra era um direito público dos cidadãos e todos os fatos que lesassem tal status estavam abrangidos dentro do conceito de injúria que era profundamente amplo. No direito romano, sob o prisma individual, a injúria era toda a ofensa intencional e ilegítima à personalidade, e esta podia ser atingida de três modos: no corpo, na condição jurídica e na honra. A Lei das XII Tábuas também se ocupava das formas de injúria contra a honra, porém em atenção ao interesse social, à perturbação de ordem pública que provocava, dadas as desavenças que surgiam no meio social.
O direito canônico, que predominou na idade média, tratou da difamação. Posteriormente, os práticos introduziram os delitos contra a boa fama, tomando de empréstimo o conceito romanístico da injúria.
O direito francês trouxe uma noção de subespécies, tratando separadamente, a calúnia da injúria. O Código de Napoleão (1810) passou a distinguir a calúnia da injúria, sendo que a primeira foi traduzida como a imputação de um fato criminoso ou difamatório falso ou do qual não se pudesse fazer a prova, por sentença ou por outro meio, enquanto a segunda era a expressão ultrajante. Mais tarde, pela Lei de 17 de maio de 1819, o termo calúnia foi substituído por difamação, retirando-se o requisito essencial da falsidade do fato imputado. A distinção entre um e outro passou a ser feita tomando-se por base a atribuição ou não de um fato determinado.
O direito germânico trouxe uma bifurcação, separando a lesão corporal da lesão à honra, o que foi um progresso, com o que os crimes contra a honra passaram a merecer uma classe toda especial, autônoma, dada a sua objetividade jurídica, que a diferenciava das demais. Na Alemanha encontramos a denominação genérica de injúria, assim subdividida: a difamação, que consiste na atribuição de um fato desonroso não verdadeiro, a calúnia, que a imputação de um fato desonroso objetiva e subjetivamente falso (a diferença é uma questão de prova), e a injúria simples, atingindo a honra subjetiva.
Na Inglaterra somente é criminosa a ofensa por meio escrito, enquanto as ofensas verbais são consideradas meros ilícitos civis.
A nossa primeira legislação criminal, o Código de 1830, inspirou-se na distinção francesa, estabelecendo duas figuras: a calúnia e a injúria.
A calúnia era prevista no art.229 e no art. 236 tínhamos a injúria, de um lado o fato determinado criminoso (calúnia) e do outro as demais formas de ofensas à honra (injúria). Essa dicotomia foi mantida com o advento do Código Republicano de 1890, onde a injúria era prevista e colocada no capítulo das lesões corporais.
Atualmente, a legislação mostrando uma técnica mais apurada, passou a distinguir calúnia, a injúria e a difamação, cada qual com a sua característica própria, penas diversas e objeto.
A difamação, pelas legislações anteriores, era desconhecida com tal nome e sem constituir figura própria, porém estava representada e incluída na injúria, como uma subespécie. Passou apenas a merecer um destaque próprio, como figura criminal autônoma.
Além do Código Penal, outras legislações especiais cuidam dos crimes contra a honra, como veremos abaixo:
Código Eleitoral – Lei n. 4.737 - capítulo II do Título IV da Parte Quinta, cuida dos crimes eleitorais e entre eles os delitos que protegem a honra.
Art.324, prevê os crimes contra a calúnia, o art. 324,§ 1º, a divulgação ou propalação da calúnia; a difamação no art.325 e a injúria no art.326, em capítulo próprio desta.
Lei de Imprensa ( Lei n. 5.250), trata dos crimes contra a honra nos arts. 20(calúnia), 21(difamação) e 22(injúria), também com características próprias.
Código Penal Militar (arts. 214 a 219); Lei de Segurança Nacional (art. 26) e o Código Brasileiro de Telecomunicações (art.53, l) contemplam figuras típicas concernentes aos crimes contra a honra.
A calúnia, a injúria e a difamação, são tratadas com grandes semelhanças em todas as legislações, tanto no Código Penal como em leis especiais, pois que são gêneros da mesma espécie, com algumas características próprias. Há um entendimento doutrinário que a atual legislação estaria correta ao estabelecer três figuras distintas – a calúnia, a difamação e a injúria -, pois cada uma delas guarda característica própria, além de haver, uma graduação nas ofensas.
3) CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA: NOTAS CONCEITUAIS, SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS
Inicialmente, dizemos que o objeto comum da proteção jurídico-penal, no caso dessas infrações, é o bem imaterial honra, podendo esta ser considerada, seguindo definição do doutrinador Magalhães Noronha como sendo: "o complexo ou conjunto de predicados ou condições da pessoa que lhe conferem consideração social e estima própria". O próprio conceito de honra comporta a sua subdivisão em dois tipos: honra objetiva e honra subjetiva. A primeira pode ser considerada como a reputação do indivíduo, ou seja, a visão que os demais membros da sociedade tem a respeito deste, no que se refere a seus atributos morais, éticos, culturais, físicos, etc... e o segundo conceito (honra subjetiva), como o sentimento ou a concepção que o indivíduo tem a respeito de si próprio. A honra como bem imaterial é atribuída a todo ser humano, podendo ser diminuída, mas nunca totalmente suprimida.
O crime de calúnia previsto no artigo 138 do Código Penal expressa-se em seu caput como a imputação falsa de fato definido como crime. Esse delito visa à proteção da honra objetiva. Para o fato imputado constituir-se em calúnia é preciso porém que existam alguns elementos: 1º) A imputação deve referir-se a fato determinado, sendo necessário individualizar-se as circunstâncias identificadoras desse fato. Não abrange a contravenção penal; 2º) Indispensável que a imputação seja falsa, podendo esta mesma falsidade recair sobre o fato ou sobre a autoria deste; 3º) É necessário o propósito de caluniar, ou seja, a existência do "animus caluniandi". É punível a calúnia contra os mortos, o elemento subjetivo da calúnia é o dolo (vontade consciente de caluniar a vítima) e sua consumação se dá quando o conhecimento da falsa imputação chega à terceira pessoa, ou seja, deve haver publicidade e não apenas o conhecimento da ofensa pela vítima. Admite-se exceção da verdade de acordo com o §3º do artigo 138.
O crime de difamação, previsto no artigo 139 do Código Penal, consiste na imputação a alguém de fato ofensivo à sua reputação. O bem jurídico protegido também é a honra objetiva e esse crime consiste na conduta de atribuir-se a alguém fato determinado (que não precisa ser falso), nem definido como crime, mas que atinja a reputação da pessoa, entendida esta mesma reputação como a estima moral, intelectual ou profissional que alguém goza no meio em que vive, é também um conceito social. O elemento subjetivo é o dolo de dano que exige o especial fim de difamar, a intenção de ofender e atingir portanto a honra do ofendido. Há consumação quando o conhecimento da imputação chega a uma terceira pessoa e não quando apenas a vítima tem ciência da imputação. Não se admite exceção da verdade exceto quando o fato ofensivo é imputado a funcionário público no exercício de suas funções.
O crime de injúria está previsto no artigo 140 do Código Penal e consiste na conduta ofensiva à dignidade ou decoro de alguém. O objeto da proteção jurídica nesse caso é a honra subjetiva, representada pelo sentimento que temos a nosso respeito. A injúria é uma manifestação de desprezo e desrespeito com idoneidade suficiente para ofender a honra da vítima em seu aspecto interno. Não há imputação de fatos, mas emissão de conceitos negativos e é necessário que a injúria chegue ao conhecimento do ofendido para se consumar, não necessitando que alguém, além da vítima tenha conhecimento desta, pois é o aspecto interno da honra que é lesado pelo crime. Elemento subjetivo é o dolo de dano e a exceção da verdade é totalmente inadmissível.
Analisando-se portanto as semelhanças e diferenças entre esses crimes, dizemos primeiramente que a calúnia e a difamação são as figuras típicas que mais se aproximam, porque a prática de ambas lesa a honra objetiva, também porque elas se referem a fatos e não a simples qualidades negativas e necessitam chegar ao conhecimento da terceira pessoa para consumar-se.
A semelhança entre calúnia e injúria é mais distante, podendo ser dito que a previsão procedimental é a mesma para ambas, quando forem da competência do juiz singular e não houver previsão em lei especial. Todas as três figuras têm a mesma natureza da ação penal: de iniciativa privada.
A diferença entre calúnia e difamação reside na natureza do fato imputado: na 1ª a imputação é de fato definido como crime e na 2ª a imputação é de fato ofensivo à reputação do ofendido, não sendo fato criminoso. O elemento normativo falsidade também é diferenciador, sendo indispensável para a calúnia e irrelevante para a difamação.
A diferença entre difamação e injúria consiste no fato de que na 1ª há imputação de fato ofensivo à vítima, e na 2ª a conduta do agente se limita à emissão de conceitos depreciativos, essa também é essencialmente a diferença entre calúnia e injúria. Por fim, a injúria é a única figura típica que para consumar-se não precisa chegar ao conhecimento de terceiro, basta a própria vítima tomar conhecimento da ofensa.
4) DESCRIMINALIZAÇÃO E DESPENALIZAÇÃO: O QUE SÃO E A QUAIS FINS SE DESTINAM.
O sistema penal brasileiro se apresenta em uma situação crítica marcada pela sobrecarga e pela ineficácia. É inegável o fracasso da ideologia de ressocialização e a existência de fatores como os custos individuais e sociais do delito, a defasagem de leis e a volumosa cifra negra, que culminam no notório desequilíbrio entre as necessidades de proteção real do homem e um sistema processual penal corroído. A Doutrina estuda meios de transformar essa realidade, e dentre as propostas o movimento descriminalizador merece destaque.
Sob a égide do Princípio da Intervenção Mínima, a descriminalização tem como premissa o emprego do Direito Penal apenas para tutelar bens jurídicos subsidiariamente , como ultima ratio, sendo utilizada como instrumento de evitar um mal maior. Mister se faz esclarecer as diferenças entre os conceitos de descriminalização e despenalização. Importante esclarecer, também, que não existe um inteiro acordo entre os autores no que se refere a esses conceitos.
De acordo com a corrente majoritária da doutrina, descriminalização significa retirar do âmbito do Direito Penal, seja formalmente ou de fato, condutas não graves e que deixaram de ser delitivas. A descriminalização formal seria o reconhecimento legal e social de uma conduta anteriormente criminalizada, eliminando-se nesse caso toda a ilicitude do fato. A descriminalização de fato ocorre quando sem que tenha perdido a competência para atuar, o sistema penal deixa de funcionar, eliminando-se apenas a aplicação efetiva da pena, permanecendo ileso o caráter ilícito penal.
Convém lembrar, ainda, a descriminalização substitutiva, configurada quando as penas são substituídas por sanções de natureza diversa. Nesse caso, o comportamento perde a antijuridicidade penal, mas não fica legalizado e nem deixa de ser qualificado como antijurídico e indesejável.
A despenalização consiste em diminuir a pena de um delito sem, entretanto, retirar do fato o caráter de ilícito penal. Segundo o Comitê do Conselho Europeu, estão englobadas por este conceito as formas possíveis de atenuação e alternativas penais, quais sejam: prestação de serviço de utilidade pública, indenização à vítima, semidetenção, multa reparatória, etc...
Ora, os fatos situados exclusivamente na ordem moral devem ficar fora do sistema penal. O fato de que certa conduta se enquadre como imoral perante os padrões comuns não é suficiente para justificar que essa mesma conduta seja punível pela lei. Por óbvio, o sistema processual penal ainda reflete o estreito liame entre a Igreja e o Estado e a ingerência dessa relação na criminalização de muitos comportamentos, por razões morais e sob a crença de que as leis penais exercem uma função educativa ao lado da moral, uma vez que uma conduta considerada ilegal de imediato transmite a idéia de prejudicial. Pode-se afirmar, portanto, que a moral possui participação básica, mas não é o princípio fundamentador e único da lei.
A via punitiva com a pretensão de solucionar conflitos nada mais é do que a conseqüência do fracasso coletivo. Não se deve buscar a solução mais fácil – qual seja, a via punitiva - para erradicar problemas ante os quais não se tentou ainda todas e cada uma das estratégias extrapenais. Essa é a intenção desse trabalho ao defender a descriminalização dos crimes contra a honra: evitar que o Direito Penal atue como um "remendador" de desajustes sociais e sim como último recurso da comunidade.
Concluí-se que o processo descriminalizador, seja qual for sua espécie, será viável caso se realize acompanhado de um conjunto de medidas eficientes em outros setores da esfera legal, ou extralegal, que substitua o controle penal, a fim de evitar recaídas repressivas.
5) O CONSENTIMENTO DO OFENDIDO COMO INDIFERENTE PENAL NOS CRIMES CONTRA A HONRA
Entende-se por consentimento do ofendido a renúncia à tutela do bem jurídico disponível, à proteção outorgada pela norma penal. No entanto, a expressão "consentimento do ofendido" varia de autor para autor, onde uns acreditam que o mais correto seria "consentimento do interessado", e outros, "consentimento do titular do direito".
O consentimento, como sendo o ato de permissão, anuência ou aprovação tácita/expressa, é visto pela doutrina como uma causa supralegal de exclusão da antijuridicidade, tendo em vista que o Código Penal Brasileiro não inclui o consentimento no rol de excludentes de ilicitude.
Neste sentido, pode-se dizer que em havendo consentimento do ofendido, afastar-se-á a tipicidade da conduta, salvo quando o bem tutelado for a vida, por se tratar de bem jurídico indisponível.
Vale frisar que a ilicitude está na relação de desconformidade de uma certa conduta com a ordem jurídica vigente e suas conseqüências danosas ao meio social, enquanto o consentimento constitui a exteriorização de um amplo poder de liberdade do particular, reconhecido pelo direito e pela ordem pública.
Com efeito, é fundamental salientar que, em matéria penal, três hipóteses encontram-se presentes no que tange ao consentimento do ofendido:
A primeira diz respeito ao consentimento como causa de exclusão da própria tipicidade, pois o consentir do indivíduo faz com que o tipo não se configure pela sua ausência.
A segunda hipótese implica no consentimento como elemento integrante do tipo penal, porque há casos em que o consentimento do titular do bem é elemento próprio do tipo.
A terceira e última hipótese refere-se ao consentimento como causa de exclusão da antijuridicidade, onde há a caracterização do fato típico.
Ressalte-se, no entanto, que a doutrina indica requisitos para que o consentimento do ofendido produza seus efeitos validamente, quais sejam: capacidade do ofendido para consentir, livre manifestação da vontade, identificação entre a ação prevista realizada e oobjeto do consentimento, e que o bem jurídico seja disponível.
Além da observância desses critérios, o conceito de disponibilidade ou não do bem jurídico deve ser buscado a partir das fontes que regulamentam a disponibilidade, tais como os usos e os costumes, a reiteração no ordenamento jurídico da tutela sobre determinados bens, as inovações legislativas e o direito comparado.
Em se tratando de bens pertinentes a uma pessoa individualmente considerada, a disponibilidade é juridicamente eficaz na medida em que não se refere a bens ou direitos cuja conservação está o interesse de modo direto ou indireto o próprio Estado, como o bem jurídico vida e integridade física. O titular não pode suprimir a vontade soberana do Estado, porém, se os interesses deste ou da coletividade não são atingidos, abre-se desta maneira o campo para a disponibilidade da proteção penal dada ao bem jurídico. Contudo, há bens cujo titular é o Estado ou a sociedade, sendo a disponibilidade ineficaz porque transcende o plano do particular para entrar no âmbito de social, uma vez que sua lesão não só afeta uma pessoa, mas toda a coletividade ou o próprio Estado.
6) O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA COMO DETERMINANTE NA DESCRIMINALIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA A HONRA:
O Direito Penal como todo e qualquer ramo do Direito é regido por princípios que limitam a atividade punitiva estatal, dentre eles o princípio da Intervenção Mínima.
Faz-se imperioso aclarar que o Princípio da Intervenção Mínima busca a delimitação de desiderato legislativo, assenta-se no pressuposto de que o Direito Penal somente deve intervir na vida social em ocasiões estritamente necessárias. Sendo assim, deixa-se para outros ramos do Direito a solução dos problemas sociais, somente quando esses outros ramos falham é que entra em cena o Direito Penal, atuando como ultima ratio do ordenamento jurídico.
Segundo o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt, o princípio da Intervenção Mínima, como meio de limitação da atividade punitiva estatal, tem origem na declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Nesse diploma legal, tem-se em seu artigo 8º que a lei apenas deve estabelecer penas estrita e devidamente necessárias.
Outrossim, esse princípio busca evitar o arbítrio do legislador e conseqüentemente, a aplicação de normas penais injustas e inócuas para alcançar o fim a que se destinam. A Intervenção Mínima decorre do caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal, o qual só pode atuar quando os outros meios de controle social fracassam em manter a ordem jurídico-social.
Esse mesmo princípio é ainda fundamental para a garantia das liberdades individuais, a observância aos limites traçados para a atuação do poder punitivo estatal, tendo em vista que, a pena, sobretudo a privativa de liberdade, retira do indivíduo o direito à liberdade da pessoa, consagrado e fortemente protegido pela Constituição Federal de 1988.
Insta trazer a baila que o princípio em comento foi consagrado pelo movimento Iluminista, culminando na elaboração da Declaração Universal da Homem e do Cidadão, já citada anteriormente. Não obstante tal previsão, as normas incriminadoras crescem desmedidamente, a ponto de alarmar os penalistas dos mais diferentes parâmetros culturais.
Estas leis que ampliam o universo da punição dos crimes contra a honralevam o Direito Penal as descrédito, por perder sua força intimidativa. Outrossim, a ordem positiva brasileira abusa da criminalização e da penalização e descarta o princípio da Intervenção Mínima, ensejando o sentimento da insegurança social, em decorrência do aumento da criminalidade.
O bem jurídico honra, tutelado pelo Código Penal, nas descrições típicas de calúnia, difamação e injúria, deveria ser protegido por outro meio de tutela, levando-se em consideração a sua natureza de bem disponível, em que o consentimento do ofendido deve impedir a atuação do Direito Penal.
Concedida a livre disposição do bem jurídico honra, o consentimento coloca-se em pé de igualdade com o poder soberano do Estado, impedindo a aplicação da Lei Penal por ele promulgada. Neste caso, sendo descabida a continuação dos crimes contra a honra no rol de proteção Penal, na medida em que a aquiescência na lesão a esse bem jurídico tem o condão de repelir a atuação desse ramo do Direito.
Dessa forma, deve-se observar a aplicação do princípio da Intervenção Mínima pelo legislador, descriminalizando-se as condutas tipificadas nos artigos 138, 139 e 140 do nosso Código Penal. Como o Direito Penal não possui o condão de reverter o status quo antes ao bem jurídico lesado, a menor intervenção penal significa uma idéia de atuação sensata do Estado, voltada a proteger penalmente os bens jurídicos mais relevantes.
Portanto, as condutas que lesam bens jurídicos de pequena relevância, onde o impacto social do crime é leve, a tendência é a de atestar a atipicidade da conduta pela insignificância do bem lesado ou pela inocorrência da lesão, embora haja a violação do tipo penal. O que se questiona na aplicação desse princípio é a eficácia do preceito penal e isso, a nosso ver, é interessante, pois perquerir a "vox socialis" é sacramental para o direito.
Contudo, havendo outras alternativas extrapenais para a solução de um conflito, a incidência do Direito Penal, culminando uma pena, não se justifica e ofende, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana, pois constitui o meio mais violento da coerção social. A "violência penal", nesse contexto, surge como último meio de controle jurídico-social.
7) CONCLUSÃO:
Diante de tudo o quanto exposto, pode-se concluir que a função precípua do Direito Penal é tutelar os bens jurídicos, levando em consideração a danosidade social que a lesão a tal bem pode provocar.
Vale ressaltar que o princípio que rege a orientação do Estado, na esfera penal é o princípio da Intervenção Mínima, este, por sua vez, apregoa a atuação do Direito Penal em última ratio. Esta expressão significa que o Direito Penal deve ser utilizado apenas quando nenhum outro ramo do Direito consiga solucionar a situação problema.
Na seleção dos bens jurídicos realizada pelo legislador no tocante à esfera penal, tem-se como outro pressuposto a objetividade jurídica do bem. Assim é de se ver que a disponibilidade do mesmo possibilita a justificação da conduta pelo consentimento do ofendido. Frise-se que este funciona como causa supralegal da justificação nas infrações em que não figure como elementar do tipo.
A honra está tutelada no Código Penal em seus artigos 138, 139 e 140. Trata-se de um bem jurídico disponível, podendo ser dispensada a tutela penal quando houver o consentimento válido do ofendido.
Afirmar que as condutas que atentam contra a honra (calúnia, injúria e difamação) sejam punidas pelo codex Penal é uma nítida afronta ao princípio norteador dessa esfera jurídica, qual seja, o da Intervenção Mínima. Logo, é necessária uma reestruturação do sistema penal, para que seja extraído do Código vigente figuras que claramente não se adaptam à necessidade jurídico-social de intervenção do Direito Penal.
Seguindo essa linha de raciocínio, é notório que a proteção dada a cada bem jurídico deva ser diretamente proporcional à sua natureza. Dessa forma, a proteção dada a bens disponíveis não pode ser equivalente à concedida aos bens indisponíveis, vez que as sua características se desigualam.
Portanto, por razões de política criminal, propugna-se pela descriminalização dos crimes contra a honra, permitindo-se assim a efetiva aplicação do princípio da Intervenção Mínima, passando tais condutas a compor o âmbito de competência do Direito Civil.
8) BIBLIOGRAFIA:
BONFIM, E. M.; CAPEZ, F. Direito Penal: parte geral.São Paulo: Saraiva, 2004.
ARANHA, Adalberto José Q. T. Crimes Contra a Honra. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 325 – 389.
SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem de. Considerações sobre os crimes contra a honra da pessoa humana . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1299, 21 jan. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9413>. Acesso em: 21 maio 2007.