Depois da marolinha a ressaca

Por Alexsandro Rebello Bonatto | 22/04/2009 | Economia

A crise está está entre nós.

Ela está no noticiário, nas conversas de bar, nas cúpula das empresas.... Mas ela está principalmente nos números.

Seja por indicadores de inadimplência, de desemprego, de crescimento da indústria ou de projeções do PIB, é através dos números que entendemos a real face da crise.

Duas pesquisas realizadas pela FGV e divulgadas em fevereiro e agora em abril nos ajudam a entender quais são os impactos na sociedade brasileira e como o brasileiro vem reagindo a ela. Os dois estudos têm em comum a análise fria dos deslocamentos que estão acontecendo nas classes sociais e sobre quanto o Brasil empobreceu desde o final do ano passado.

Vamos aos números.

A desigualdade aumentou
A desigualdade social brasileira, em queda desde o início da década, mudou de trajetória com o agravamento dos efeitos da crise econômica global sobre o país, desde outubro passado.

Usado como referência para mensurar a concentração de renda de uma sociedade, o índice de Gini chegou a 0,571 em fevereiro, depois de ter atingido o piso de 0,560 em meados de 2008. O índice varia de zero a 1, sendo que zero representa a distribuição igualitária e 1, a concentração máxima.

A ressaca de janeiro
O ano de 2009 começou com uma reversão abrupta no crescimento da classe média - incluindo a classe C, a classe média popular - que caracterizou boa parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Somente em janeiro, a classe C nas seis maiores regiões metropolitanas do País perdeu 11% do seu crescimento no governo Lula. No mês, um total de 563 mil pessoas caiu da classe C para as classes D e E nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife.

Somando-se as classes A e B à C, a redução nas regiões metropolitanas chega a 765 mil, e é exatamente igual ao aumento das classes pobres, a D e a E.

O crescimento da classe C é uma marca do governo Lula e também um fenômeno global causado pelo boom econômico encerrado em setembro do ano passado, especialmente em países como a China e a Índia. As classes A e B, por sua vez, incluem o que normalmente se considera como classes média e média alta no Brasil.

Os dados constam do estudo "Crônica da Crise: Ressaca e Resiliência Recentes", baseado na renda do trabalho medida pela Pesquisa Mensal do Emprego, do IBGE. A publicação mostra que o movimento mais brusco na desigualdade ocorreu em janeiro, quando, "a crise chegou ao brasileiro comum".

Naquele mês, não foi apenas a classe AB que perdeu participação na estrutura social brasileira, o que vinha ocorrendo desde setembro de 2008. Também a classe C teve sua participação reduzida, em 2,2%. Em contrapartida, as classes D e E, em queda contínua desde fevereiro de 2003, voltaram a ganhar espaço. A participação delas cresceu, respectivamente, 3% e 6,7%, no que o pesquisador Marcelo Neri, responsável pelo estudo, chamou de "ressaca de janeiro".

No estudo, encaixam-se na faixa AB quem tem renda domiciliar total acima de R$ 4.807. Na C, quem tem renda entre R$ 1.115 e R$ 4.807; na D, entre R$ 804 e R$ 1.115; e, na E, quem tem renda de até R$ 804.

Impactos também nas classes mais altas
As classes A e B, as mais altas da pirâmide social brasileira, também perderam espaço em termos de ascensão social desde o agravamento da crise financeira internacional em setembro do ano passado, caindo 0,65% no período compreendido até dezembro.

"As pessoas com renda mais alta estão vinculadas aos canais de impacto da crise, como o setor exportador, financeiro e imobiliário. A boa notícia é que esses setores são menos importantes aqui do que em outros países, em termos de emprego, de indicadores de renda", disse o economista Marcelo Néri, que coordenou a pesquisa "Crônicas de uma Crise Anunciada: Choques Externos e a Nova Classe Média".

No mesmo período dos dois anos anteriores - 2007 e 2006 - as classes A e B subiu 3% na pirâmide.

Se antes da crise, de cada 100 pessoas que estavam nas classes A e B 20 caíam a cada ano, hoje, essa relação chega a 25. "É aí que os sinais da crise são mais visíveis", constatou o pesquisador. Dessas 25 pessoas, quatro caíram diretamente para a classe E.

Néri explica que é provável que sejam pessoas que perderam o emprego ou faliram por conta da crise. O fato de a economia brasileira ser relativamente fechada e regulada garantiu uma maior proteção de choque financeiros externos.

O pesquisador diz, porém, que a crise aumentou de fato o risco de trabalhadores das classes A, B e C caírem para patamar mais baixo. Segundo ele, entre setembro e dezembro, a chance era 2% maior que no cenário anterior à crise. Desde janeiro, passou a ser 12% maior.

Para o setor financeiro e a indústria, a situação é pior. A chance de um trabalhador do setor financeiro deixar as classes A, B e C entre setembro e dezembro era 9% maior do que antes da crise. A partir de janeiro, ficou 13,5% maior. Na indústria, esses índices são de 2,7% e 4,1%, respectivamente.

Necessidade de políticas públicas
Marcelo Néri ressaltou a importância das políticas públicas de transferência de renda e injeção de demanda pública em momentos como este. Ele citou como exemplo o programa Bolsa Família que, segundo ele, atende 25% da população brasileira. Na opinião do economista, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) é outra ferramenta importante no amortecimento da crise na economia do país, além de melhorar a logística local.

Néri alertou que, embora as políticas públicas sejam necessárias, elas não são suficientes no longo prazo. "Se a gente gastar muitos recursos de maneira errada, no futuro, quando a crise passar, estaremos com o freio de mão puxado." Ele defendeu instrumentos que criem microcréditos, abonos, microsseguros e investimento em educação para que o país e as classes mais pobres enfrentem os efeitos futuros da crise.

Conclusões
Em agosto do ano passado um outro estudo da FGV mostrou que em seis anos mais de 4 milhões de brasileiros tinham ascendido da probreza à chamada classe C.

Em dezembro de 2008 a classe média correspondia a 53,8% do total da população.

Deu-se no início de 2009 o fenômeno de retração, onde pessoas que haviam melhorado de vida estão retornando ao seu padrão de renda anterior. Tais constatações são preocupantes, pois se o movimento que foi registrado em janeiro continuar o país perderia tudo o que foi conquistado nos últimos anos de estabilidade econômica.

Precisamos agir. E agir rápido.

Bibliografia:
Revista da Semana, edição 83 de 16 de abril de 2009
Jornal O Estado de São Paulo de 05 de abril de 2009