DEPOIS DA AULA, QUIS APRENDER A LIÇÃO.

Por Alexandre Gazetta Simões | 20/06/2011 | Crônicas

DEPOIS DA AULA, QUIS APRENDER A LIÇÃO.
Alexandre Gazetta Simões

Segunda-feira, já noite alta. Em uma cidade fria do interior do país.
As aulas daquela dia terminaram. Sozinho na sala de aula, o professor observa a parede nua do fundo da classe.
Na faculdade, os alunos já se foram. Quase todos, os funcionários se vão. Venta lá fora, na quadra de futebol. O inverno já está na esquina.
O professor não foi embora, entretanto. Sentado em sua mesa de trabalho, com a papeleta na mão, um meio sorriso lhe estampa a face. Por alguns momentos recupera o fôlego e as forças exauridas em três aulas entrecortadas por momentos de humor e gravidade.
Ao ver as cadeiras vazias naquela classe morta, uma sensação de angústia lhe atravessou a fibra humana.
Contempla-se a si próprio, sem esgares didáticos de momentos atrás.
Vislumbra-se ignorante. Por demais limitado, em sua condição humana própria.
Na penumbra, que se espalhava pelas janelas, logo que as luzes da escola iam sendo, uma a uma, apagadas, sozinho, agora; em pé no tablado de madeira, à frente da lousa, continua a constatar-se limitado e humano.
Estavam transcorrendo justamente esses momentos em que nos alheamos de nós próprios, e nos vemos como somos em nossa nudez de espírito.
A franqueza dolorida das constatações honestas. As pausas melindrosas que nos assaltam, quando nos apercebemos de nós mesmos.
Era doloroso, portanto, perceber-se pequeno e limitado, numa dimensão essencial, que o comprometia finitamente e temporalmente.
E, o professor nesse hiato de lucidez, sofria por todos os que dele esperavam, e por si próprio!
Ele esperava mais em si, e não se via aqui, o que queria em si pretender.
Mas, era impelido pela vontade de ser mais amanhã. Mesmo, que hoje se reparasse menos. Era o que, relutantemente, apregoava, a si próprio, em um discurso sensitivo.
No entanto, sem muito efeito... Relutava!
Há muito que a petulância da juventude deixará de verter em seus atos.
Essa arrogância que faz do jovem atirar-se no vazio negro do futuro, sem tremer na treva do desconhecido, embrulhado no manto da ignorância de sua pouca experiência de vida.
Teria tido serventia, se ainda pudesse sentir-se amparado por uma arrogância própria daquela idade. Mas já não possuía as faces rosadas das manhãs quentes do primeiro quartel de nossas vidas. Já agonizava na meia idade. E as flores começavam a fenecer quando se percebeu nessa noite de segunda-feira.
Sabia também, que essa percepção, apesar de dolorida, logo passaria e desapareceria no sorvedouro dos dias do porvir, na angustiante marcha dos compromissos cotidianos que se lhe desfilariam pelo sentir.
Tinha, no entanto, nesse momento, a sensação plena de sua pequenez. E era doloroso pensar-se dessa forma. Pois, era a realidade que se desnudava em suas vistas.
Mas, o que se pudera, humano e mortal. Respirava o ar das classes de aula, para não asfixiar no ar rarefeito das salas refrigeradas a ar condicionado, das repartições do Poder Judiciário.
Sorvia, com todas as fibras de seu ser, cada trago dessa atmosfera acadêmica; que lhe mantinha fresco o entusiasmo da vida.
Não tinha outra opção, senão seguir por esse caminho, que lhe fazia todo o sentido, enquanto razão de viver.
E, assim pensava, enquanto já não se vislumbra mais forma humana nos corredores da faculdade.
O silêncio preenchendo cada vão de noite que caia sobre as paredes branco-escuras, o fez aperceber-se como única forma vivente nesse espaço ampliado, entre pátios e tijolos.
Levantou-se de um só ato. Era necessário prosseguir; mais agora, em uma marcha incessante até o carro, sob pena de ter de continuar suas divagações em uma mesa dura de madeira, dentro da madrugada, sob o frio de ventos gélidos que cruzavam a quadra de basquete.
Porquanto, se foi! Por imposição de um silêncio incisivo, que prenunciava o trancar dos portões, correu pela quadra em trevas, sob os balançar de eucaliptos murmurantes, sem conclusões definitivas, com a mala pesando-lhe os ombros, cheia de livros grossos, que ainda não tinha lido (e certamente, não o faria de forma total).
Arfando, com esperanças cambiantes, abriu a porta do Volkswagen.
O suspiro de alivio quando o motor pegou, quando existia grande possibilidade de não o fazer, pelo frio que castigava o seu gerador Bosch; deu-lhe a coragem momentânea de seguir, por não ter como voltar.
Assim, teria de prosseguir, mesmo que assaltado pelas desilusões de um porvir incerto. A constatação de uma ansiedade do amanhã próximo e futuro, que iria lhe povoar os momentos de reflexão. O antegozado sofrer do processo de aprendizagem palatável a seus critérios perfeccionistas.
Ao subir a ladeira íngreme de saída da faculdade, desembocou na avenida, com a certeza de que teria momentos de angústia na construção de uma saber que lhe pudesse dignificar a ensinar, mas que não existia outro modo de ser feliz fora dessa possibilidade, que era sua missão de vida.
Deu de ombros, e podendo escolher parar, quis continuar, e recomeçou prosseguindo.
Inspirado pela "sinfonia" estridente do motor 1500, do confidente carro trintenário, estrangulou os pensamentos de medo que lhe assaltavam a têmpora, no apertar do volante; respirou mais fundo, acelerou e sumiu numa esquina, soltando fumaça nos calçamentos solitários da cidade entorpecida, há 25 Km/h, e sumiu na noite de segunda-feira.