DEPENDÊNCIA HISTÓRICA: DO MERCANTILISMO AO SÉCULO XXI
Por Jarsen Guimarães | 21/06/2010 | Economia* Jarsen Luis Castro Guimarães
RESUMO
Este trabalho aborda a questão do atraso brasileiro e da Região amazônica em função do processo histórico vivido. Faz comparações entre o Brasil e os Estados Unidos e da Região amazônica com São Paulo.
*Professor Adjunto da UFOPA e doutorando pelo NAEA ? UFPA
DEPENDÊNCIA HISTÓRICA: DO MERCANTILISMO AO SÉCULO XXI
Uma das formas de se entender a prosperidade dos Estados Unidos e o atraso do Brasil reside justamente no tipo de mercantilismo seguido pelas suas metrópoles, ou seja, o tipo de colonização adotada pelos seus colonizadores, Inglaterra e Portugal, respectivamente. Enquanto que o mercantilismo Inglês era comercial o mercantilismo Português era bulionista, explorador. A Inglaterra criou as condições necessárias para o avanço das forças produtivas, culminando com a consolidação do modo de produção capitalista e a revolução industrial do século XVIII, já Portugal passou a andar em passos lentos.
O Mercantilismo foi um conjunto de idéias e práticas que floresceram na Europa, entre 1450 e 1750, com objetivo de enriquecimento do país pelo acumulo de divisas, motivado pelo desejo de aumentar o poder do estado ou até que ponto foi um esforço mal disfarçado para promover os interesses especiais dos capitalistas. A busca por esse objetivo pode ser observada em duas etapas: exploração de metais preciosos e saldo da balança comercial superavitário. Inicialmente Portugal buscou no Brasil metais preciosos, porém não encontrou. Em uma fase posterior explorou os recursos naturais existentes no Brasil de forma a comercializar esses recursos e os produtos produzidos com esses recursos com o Brasil e outras colônias e com outros países (metrópoles). Assim, Portugal desenvolveu um comércio de exploração com a sua colônia, seja praticando o monopsônio, com a compra das matérias primas, ou o monopólio, com a venda de seus produtos produtos. . Esse mercantilismo bulionista praticado por Portugal impediu que o Brasil se desenvolvesse, pois ele era apenas um mero exportador de matérias primas para Portugal. Quase nada era produzido no Brasil. A colônia apenas exportava a matéria prima bruta e o processo de aperfeiçoamento desses recursos se dava na metrópole. Assim, o Brasil assume um papel importante no fornecimento de recursos naturais para a metrópole, tendo assim um papel importante para o desenvolvimento de Portugal, mas, como efeito inverso, pouco ou nada era feito para que o Brasil se desenvolvesse também, seja pelo Governo português ou pelos negociantes que vinham para o Brasil motivados pelo sonho de enriquecimento fácil.
Já a Inglaterra adotou a criação de monopólios comerciais para aumentar o valor das exportações e diminuir o valor das importações. O governo inglês podia proibir a concorrência em áreas onde tivesse sido concedido um desses monopólios. Além de estabelecer monopólios aplicava extensos regulamentos às atividades de exportação e importação. Nesse caso, tinha-se a presença do Estado como ator principal. Para se ter uma idéia, o Estatuto dos Artífices (1563) transferiu, efetivamente, para o estado as funções das antigas corporações de ofício.
Embora o processo de colonização, nos Séculos XVI e XVII, fosse uma iniciativa particular, tanto em Portugal quanto na Inglaterra, o estado estava por trás apoiando a iniciativa da burguesia nascente. Tratou-se de uma colonização estável e não aventureira, apesar do caráter imperfeito da escravidão, trocou-se o extrativismo pela produção de riqueza no país. A colonização dos Estados Unidos proporcionou o desenvolvimento da indústria têxtil da Inglaterra, mas em contra partida o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural inglês favoreceram o desenvolvimento de uma colônia que mais tarde se tornaria um dos países mais rico desenvolvido do mundo, Estados Unidos das Américas. Já colonização portuguesa no Brasil foi uma obra de famílias que se estabeleciam no Nordeste brasileiro. O colono Português se tornou o mais rural de todos os colonos americanos. Os principais fatores explicativos do sucesso da colonização Portuguesa no Brasil foram:
1. ADAPTABILIDADE ? Portugal já tinha há muitos anos um contato com a África e com os Mouros. Portugal era um povo menos europeu. Ele está mais para africano e mouro do que para europeu. Aliado a isso se tem a presença dos judeus em Portugal, sempre em busca de novas terras.
Conforme Gilberto Freyre no livro Casa Grande e Senzala, No caso do Brasil o Português trazia mais a seu favor, e a favor da nova colônia, toda a riqueza e extraordinária variedade de experiência acumulada durante o século XV, na Ásia e na África, na madeira e em Cabo Verde.
2. MOBILIDADE ? Herança semítica na formação do povo lusitano.
3. MISCIBILIDADE ? Aqui se destaca a hibridização. Miscigenação de colonos mestiços de brancos com índias (bandeirantes) e depois com negras.
4. ACLIMATABILIDADE ? Adaptação aos trópicos. Se adaptou ao clima tropical, o qual era difícil para quem estava acostumado as zonas temperadas.
5. PREDISPOSIÇÕES CULTURAIS E RACIAIS ? Portugal mais africano do que europeu, muito em função dos mouros e negros.
Celso Furtado em seu livro Formação Econômica do Brasil destaca que a ocupação econômica das terras americanas constitui um fenômeno de expansão comercial da Europa, pois o crescimento intenso do comércio europeu a partir do Século XI havia alcançado um elevado grau de desenvolvimento no Século XV. O desenvolvimento econômico de Portugal no Século XV constitui um fenômeno autônomo na expansão comercial européia, em grande parte independente das vicissitudes crescentes criadas ao comércio do mediterrâneo oriental pela penetração otomana. A exploração econômica das terras americanas deveria parecer, no século XVI, uma empresa completamente inviável. Coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma de utilização econômica das terras americanas que não fosse à fácil extração de metais.
Com o passar dos anos, o Brasil colônia apresentou traços característicos da sua economia agrária, destacando-se a diversidade das várias zonas econômicas em que se divide o país, a precariedade do pequeno agricultor/lavrador, subordinação da força de trabalho e a grande exploração rural. É nesse contexto que se desenvolveram aquilo que convencionalmente chama-se de ciclos econômicos, destacando-se o ciclo do açúcar, do café, da borracha e dos minérios.
Um dos principais ciclos do Brasil e, mais especificamente da Amazônia, foi o ciclo da borracha (1850-1920). No início desse ciclo os investimentos eram feitos pelos habitantes da região. A tecnologia arcaica utilizada preocupava e inibia os investidores estrangeiros, principalmente a Europa e os Estados Unidos. Já no final do Século houve a formação de grandes companhias, financiadas por capital estrangeira, intensificando a produção de borracha.Barbara Weinstein relata que durante a maior parte da década de 1890, poucos investidores estrangeiros mostraram-se dispostos a arriscar seu capital na compra de terras, porém por volta do fim da década muitas firmas européias e norte americanas puseram de lado suas restrições e começaram a comprar vastas propriedades na Amazônia. Muitos problemas foram criados: problemas agrários, como a propriedade da terra, migração e exploração da mão de obra, desrespeito aos costumes e tradições local e não incentivo a mão de obra.
No auge da expansão da borracha, Belém era uma das principais cidades da América latina. No Brasil, depois do Rio de Janeiro e de Santos, Belém possuía o porto mais movimentado. Com uma população urbana que se aproximava de 250 mil habitantes, em 1910, possuía uma infra estrutura de país de primeiro mundo, daí ser conhecida como " A Paris dos Trópicos", porém com o colapso da borracha perdeu essa superioridade e foi ultrapassada por outras capitais, inclusive Manaus, restando apenas as boas lembranças daquela época. Para termos uma idéia desse rápido processo, até 1870 Manaus, conhecida como Barra do Rio Negro, era dependente de Belém. Nesse período essas duas capitais, Belém e Manaus, tinham relações econômicas amistosas. Posteriormente há grandes investimentos em Manaus e começa uma "guerra" entre essas capitais que vai ser intensificada com a República. Os investimentos que antes eram feitos em Belém são transferidos para Manaus. Conforme Barbara Weinstein várias famílias da Amazônia possuíam ramos em ambas as províncias, e não eram poucos os políticos e funcionários que ocupavam cargos no Pará e no Amazonas.
Assim, a goma elástica que já era usada pelos nativos desde antes da chegada dos europeus, teve seu uso difundido nas duas últimas décadas do século XIX, pela revolução industrial que trouxe consigo o uso da energia elétrica na mecanização. A borracha constituiu-se na mais importante matéria prima de época e esta só existia na região amazônica. Porém, a insalubridade, à distância, a falta de capital e o sistema de comércio usual primitivo dificultaram o esperado aumento da produção.
Com o passar dos anos, apenas as duas capitais amazônicas receberam alguns benefícios de infra estrutura, onde algumas obras arquitetônicas de relevo ficaram como referência da época áurea da borracha. Após o colapso da borracha em 1912, ficaram substancialmente em Belém o Cais do porto, Teatro da Paz, Amazon RIVER , Pará Eletric e o Telegrafo por cabo. Em Manaus destacam-se o teatro Amazonas, Rodway (Cais de embarque), Hipódromo, A Companhia de Eletricidade e o Telégrafo. A queda da produção da borracha se deveu à produção asiática, que de Santarém levou suas mudas iniciais.
Com o desastre causado pela crise da borracha na Amazônia, o Governo da República também ficou indiferente aos problemas amazônicos e a região voltou a viver do extrativismo e da cultura do cacau , que desprezara para se dedicar a coleta do látex.
Assim, a Amazônia mais uma vez estagnou, repetindo a história e continuando a desafiar quem se atreve desenvolvê-la.
Ao contrário da Amazônia, outras regiões se desenvolveram. É o caso da Região Sudeste, mais especificamente o Estado de São Paulo com a indústria cafeeira e origens da indústria no Brasil. Só para termos uma idéia, segundo Sérgio Silva em 1885, registra-se em São Paulo o funcionamento de 13 fábricas têxteis com 1670 operários e 3 fábricas de chapéus com 315 operários. Em 1901, entre as 91 mais importantes empresas industriais paulistas, 33 empregam de 10 a 49 operários, 33 de 50 a 199, 22 de 200 a 499, duas outras ocupam 600 operários cada e uma empresa possui cerca de 800 operários. Outro dado do autor mostra que em 1907 São Paulo contava com 326 empresas e 24.186 operários e em 1929 com 6.923 empresas e 148.376 operários, ou que expressa o grande crescimento desse estado.
Alguns fatores são primordiais para o entendimento desse processo. Deve ser destacado a progressiva abolição do trabalho escravo, a partir da Lei Euzébio de Queiroz (1851), e a rápida formação de um mercado de trabalho graças a imigração em massa a partir de 1880. O trabalho assalariado é o índice de transformações que incluem estradas de ferro, os bancos, o grande comércio de exploração e importação e mecanização ao nível das operações de beneficiamento da produção. Assim, a expansão da indústria cafeeira paulista e o crescimento da indústria é definido pelo desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Essa burguesia nascente encontra suas origens na emigração européia. Em uma pesquisa recente Bresser Pereira observa que 84% dos empresários de São Paulo eram estrangeiros, filhos ou netos de estrangeiros. Porém é bom ressaltar que os imigrantes que se tornaram industriais, os burgueses imigrantes, não se confundem com a massa de imigrantes, constituída de trabalhadores.
Outro fator importante a ser considerado é a questão política. Enquanto na Região Norte Manaus e Belém viveram um conflito de interesses econômicos, São Paulo buscou sua hegemonia tanto no plano econômico quanto no plano político. Por muitos anos o Brasil teve e tem presidentes paulista. É só recordar a política do café com leite que alternava presidentes paulistas e presidentes mineiros.
Também convém destacar o processo de povoamento da Amazônia e de São Paulo. Na Amazônia o processo migratório, motivado principalmente pela questão econômica, não visou à questão social. As empresas estavam preocupadas apenas com o lucro, enriquecimento fácil, sem a preocupação de desenvolver a região e após o desastre da Borracha, por exemplo, deixaram à população as mínguas. Em São Paulo houve um comprometimento maior das pessoas, dos imigrantes e das empresas. Conforme já descrito anteriormente, a burguesia paulista tem origem européia, ou seja, uma cultura diferente da burguesia que se instalou na Amazônia. Isso contribuiu para a disparidade existente entre essas regiões e fez uma diferença enorme no processo de desenvolvimento das mesmas.
Assim, enquanto São Paulo despontou para o mundo, a região amazônica retrocedeu na história. Parece que a Amazônia só serve para exportar seus recursos naturais para as regiões mais desenvolvidas. È o conhecido mercantilismo, no qual não saímos da condição de colônia e continuamos submissos a metrópole. Realmente a Amazônia continua a desafiar quem se atreve a desenvolvê-la.