Delegado caridoso ou matador?
Por Edson Terto da Silva | 09/01/2012 | CrônicasParticularmente, acho que a história narrada a seguir é folclore, por isso nem arrisco dizer a região onde ela poderia ter ocorrido, mas o caso era amplamente difundido entre os policiais, nos idos anos 90,quando eu era repórter do Correio Popular de Campinas. Por isso, não custa contá-lo para todo mundo não é?
A situação envolveria um delegado recém incorporado na Polícia Civil e, portanto, sedento em trabalhar para ganhar mais experiência. Isto em Polícia quer dizer, o cara vai para missões mais barras pesadas, tal como encarar algum Setor "Especializado" em Homicídios, onde geralmente se reúne muito trabalho e poucos meios, sejam humanos ou materiais... Acreditamos que a situação esteja menos ruim neste século XXI...
Crime na periferia não é novidade em cidades de grande ou médio portes e o chamado para um local de crime é rotineiro. Mas quando se trata de policial "sangue-novo", nem cada caso é um caso,todos são importantes,seja o que tenha como vítima o "Ninguém de Fulano de Tal" ou o "Alguém Bem Sobrenomeado".
Só com o tempo ele verá que as diferenças vêm mesmo é nas cobranças, sejam elas feitas pela imprensa, por seus superiores, por familiares das vítimas ou pela própria Justiça, que dizem ser cega, mas enxerga e muito bem quando está diante de um caso de muita repercussão.
Mas acreditamos que o caso a seguir tenha passado despercebido e deve ter acabado mesmo engavetado até o esquecimento. Entre barracos da favela espremem-se dezenas de curiosos, todos querendo saber quem é o rapaz que está caído perto de um córrego e ainda traz uma faca enfiada nas costas.
Alguns policiais militares se encarregam de manter as pessoas afastadas, até que cheguem os peritos e a equipe de Homicídios. Na "Lei Muda da Favela", ninguém viu ou sabe nada e sequer a identificação da vítima é obtida no local. Alguns comentários são: "Ah, se fosse gente daqui, eu conhecia...", "Que chore a mãe dele..."; entre outros, que nada serviriam de consolo para a triste constatação, mais um jovem, talvez adolescente, fará parte da estatística de uma das maiores epidemias dos grandes centros, ou seja a violência urbana.
Neste meio tempo, encosta um camburão preto e branco e dele descem dois investigadores e o delegado, quase um menino, mas reconhecido como sendo a autoridade pelo terno bem cortado. Os peritos ainda não chegaram, certamente estariam ocupados em ocorrências que teimam em aparecer todas ao mesmo tempo.
O delegado é recebido com continências pelos policiais militares. Eles conversam alguma coisa e em seguida o delegado olha para o corpo. Ele toma um susto ao ver a faca cravada na vítima e a retira rapidamente. Neste momento o delegado é alertado por um antigo investigador, que diz: "Dr., a perícia ainda não chegou..." Disfarçadamente, o delegado volta cravar a faca no ferimento e em seguida tenta, em vão, conseguir informações sobre o que aconteceu ou quem é a vítima com os populares.
Assim, o tempo vai passando até a chegada dos peritos do Instituto Médico Legal(IML). Fotografa daqui e dali, perito faz anotações, o corpo é revistado em busca de documentos ou mesmo de armas e drogas, a faca é retirada e apreendida e pronto! Está feito o trabalho burocrático de atendimento em mais um caso de assassinato de autoria desconhecida.
Quase um mês depois, um laudo do IML é encaminhado para o Setor de Homicídios e deixado na mesa do delegado. No envelope está escrito: "Urgente/sigiloso". O delegado começa ler o documento e verifica que é o laudo da morte do rapaz esfaqueado na favela. Entre outras considerações técnicas, uma se destaca: o perito relata "... a vítima foi atingida com 'dois' golpes de objeto perfuro-cortante e constatamos que a faca apreendida no local é a arma do crime, sendo que a vítima morreu ao ser atingida pelo 'segundo' golpe, que lhe atingiu o pulmão..."
O delegado sua frio e até pensa em pedir transferência ou transferir os tiras que estavam na missão, mas desiste e empilha o caso junto com centenas de outros sob investigação. Ele voltaria suar frio com o caso ao receber, dois meses depois, a ligação anônima de um suposto informante, dizendo: "Chefia, não sou cagueta, mas corre aqui na favela que foi um delegado de polícia que esfaqueou o vagabundo encontrado aqui no córrego..."
Dizem que ainda hoje o tal delegado treme ao ouvir falar em Corregedoria e ele ainda sua gelado quando sua equipe é chamada para um provável local de assassinato.