DELEGADA MARIA ELISA  (PARTE XXXII): PERALTICES, VIAGENS E DIALÉTICAS SOBRE MULHERES SELVAGENS, ESTADOS MORFÉTICOS,  A ARTE DE SOBREVIVER E O CAOS

Por Felipe Genovez | 20/02/2019 | História

A questão da “mulher servagem”, talvez quase morta ou uma sobrevivente no meio de tanto caos?

Por volta das dezoito horas, já estava viajando, quando percebi no celular uma chamada de Marilisa. Em seguida veio uma mensagem com a seguinte: 04799740836 – “Vamos sair da DRP amanhã às 8:30, tudo bem p/ você? Me liga, Bjs Mari.” 

Fiquei impressionado com a “categoria” do texto, com os acentos (à exceção do ‘voce’), destaque para a pontuação. Logo pensei: “Ela tem traquejo na redação das mensagens, deve se esmerar..., como é que se dizer “selvagem” se redige tão bem? Acho que Marilisa era muito competente, mas procura se preservar, talvez se fizesse de morta para sobreviver no meio policial, sabia piamente o que fazia e onde pretendia chegar. Quanto a mim, estava eu preocupado com “sopinhas”.  Como ela pediu que ligasse, imediatamente tomei essa iniciativa e do outro lado aquela voz já deveras conhecida que fazia parte do meu cotidiano. Confirmei o horário da nossa saída da DRP de Joinville. Falamos praticamente sobre a viagem, coisas meio perdidas, reprisadas e no final lancei esta:

- “Olha, eu queria te dizer que entendi aquela tua história de ‘mulher selvagem’, fiquei te devendo uma explicação, na sexta tu ficasses falando aquilo para mim não te interpretar mal...”.

Marilisa do outro lado parece que já tinha superado o assunto, mas eu insisti:

- “Bom, depois a gente conversa sobre isso, mas não vai pensar que eu não entendi...”.

Encerramos a ligação.  Em seguida resolvi mandar um torpedo carinhoso para Marilisa com o seguinte conteúdo: “Infinita, absoluta, querida. Estarei as oito e trinta na DRP. Bjs”.

Por volta das vinte e uma horas resolvi dar uma ligada para Marilisa só para saber se estava tudo bem e ver se conseguia o número do celular do Delegado Alves, pois queria saber sobre a reunião do dia anterior entre os Delegados e Dirceu Silveira na Delegacia Regional de Joinville. Marilisa comentou que esteve de plantão na Central de Polícia de Joinville e na segunda-feira descansou, portanto, não havia participado da reunião.  Logo que Marilisa atendeu o celular foi relatando que estava com umas amigas conversando e tomando vinho... Notei que ela estava risonha e bem solta. Mesmo assim, procurei manter nosso diálogo num bom nível, sem me aproveitar da situação. Marilisa demonstrou que estava feliz com minha ligação e queria permanecer conversando... Aquilo me agradou e resolvi conversar um pouco sobre a nossa próxima viagem, perguntando se estava tudo certo. Inicialmente revelei que estava assistindo um DVD do Santana. Como vi que ela pareceu ficar um pouco  perdida resolvi então dar mais uma canja:

- “É aquela mesma ‘Canção do Vento’, lembra? Só que esse é uma coletânea do ‘festival de Montreaux’...”. 

Marilisa deu a entender que compreendeu e comentou que já estava com a mala pronta e que mais tarde quando retornasse daria mais uma olhada para ver se não estava faltando nada. Marilisa relatou que já havia ligado duas vezes para o Delegado Alves, mandou torpedo, mas não veio resposta. Repassou o celular de Alves (99944147), mas logo foi avisando:

- “Eu já tentei conversar com ele, mas estava desligado. Ele desliga o celular em casa...”.

Marilisa se desculpou quanto ao “torpedo” que havia me mandado à tarde, “determinando” que a saída ocorreria da DRP às oito e trinta da manhã, como se estivesse dando ordens para o “Corregedor”. Afirmou que depois releu o torpedo e se arrependeu do que tinha escrito, apesar da brincadeira. Acabei lembrando que na sexta na pizzaria, logo que chegamos, foi ela que tomou a iniciativa de ir para o balcão pegar senha, me deixando para trás. Marilisa disse que teria que rever aqueles seus atos, mas que depois que se separou, teve que fazer tudo sozinha, educar os filhos... Interrompi para dizer:

- “Espera aí, não é bem assim, tem uma variável genética muito forte aí. A tua mãe não é assim também?”

Marilisa suspirou e teve que concordar:

- “É verdade. Minha mãe também é assim, quer ver a minha irmã”.

Interrompi:

- “Então, tá vendo, a questão é principalmente genética...(risos)”. 

Marilisa acabou concordando.  Aproveitei para argumentar:

- “Olha só, eu queria aproveitar para te dizer que na sexta feira nós falamos sobre ‘mulher selvagem’, lembra? Pois é, eu quero dizer que entendi bem o que tu quisesses dizer, na verdade a ‘mulher selvagem’ a que tu te referisses era para dizer que tu não gostas de tecnologia, certo...?”

Marilisa me interrompeu:

- “A mulher selvagem que eu sou não gosta de tecnologia. Ela gosta de ser mulher que cuida da casa, cuida dos cabelos...”.

Interrompi:

- “Sim, entendi, é isso mesmo! É que tu desses a entender que eu estava querendo dizer ‘mulher selvagem’ noutro sentido...”.

Marilisa me interrompeu com energia e furor:

- “É mulher selvagem mesmo, é mulher selvagem... (risos)”.

Brincadeiras à parte, fiquei meio sem jeito e acabei entrando no embalo, mas bastante comedido para não falar demais e respeitava o seu estado:

- “Ah, já sei, é o vinho. Tá vendo, acabasses bebendo demais. Foi que nem na sexta, lembra? Tu bebes é já fica alegre...”.

Marilisa interrompeu bem mais à vontade:

- “É selvagem mesmo...!!!”

Continuei meio desajeitado, era a sua alegria, forma de brincar, provocar..., só que me deixou sem saber o que dizer, apenas que achava que queria encerrar a ligação e achei que era o correto para o momento. Mas Marilisa parecia que estava adorando conversar, parecia entusiasmada e eu não poderia retroceder ou dar aquela impressão de rejeição, indiferença. Marilisa acabou falando que adorou que eu tivesse ligado e eu aproveitei para brincar um pouco mais:

- “Isso é poesia, heim?”

Resolvi perguntar:

- “Tu lesses meu torpedinho de hoje à tarde?”

Marilisa:

- “Sim, claro que sim, que bonito, adorei”.

Interrompi:

- “Isso é poesia novamente. Olha, tá vendo como é bom fazer e falar de poesia? Tu sabes fazer poesia, olha...”.

Marilisa soltou um suspiro de prazer e comentou:

- “Ah, sim, tu és muito ‘amadinho’ mesmo...”. 

Interrompi:

- “Pois é, tu visse como é fácil fazer poesia?”

Ela não disse nem que sim nem que não, parece que a euforia do vinho estava no ápice e resolvi perguntar se nós iríamos dormir duas noites em Videira. Marilisa disse que alguém da Corregedoria teria entrado em contato com o Hotel lá de Videira e que só haveria um quarto disponível. Fiquei pensativo e ela lançou uma de quem estava sob influência etílica:

- “Vai ter que todo mundo dormir no mesmo quarto, todo mundo junto, não tem escapatória...”.

Depois dessas peraltices, acabei lembrando dos comentários do Delegado Halfe sobre Marilisa e seus remédios, sua euforia... Acabei me preocupando com o dia seguinte, com o porvir, porque certamente que todo esse seu bom astral talvez viesse a cobrar um preço, pois no dia seguinte deveria estar de ressaca, mal humor, fechada...

Marilisa ainda lembrou:

- “Amanhã a gente vai estar juntos e nós vamos conversar...”.

Interrompi:

- “Não, amanhã eu vou estar sério e nós não vamos poder conversar...”.

Marilisa:

- “Ah, sim, vai ser o ‘Corregedor’, cara amarrada, vai ser o ‘doutor’...”.

Interrompi:

- “É mais ou menos isso, não vai haver muita proximidade, né?”

Marilisa:

- “É verdade, longe dos olhos, mas próximos”.

Emendei:

- “Pode ser. Aparentemente longe, mas próximos, pode ser do coração”.

Marilisa concordou e eu fiquei meio sem jeito porque tudo aquilo era influência do álcool e amanhã certamente ela talvez não viesse a lembrar de mais nada do que disse. Encerramos nossa conversa desejando boa-noite e até amanhã. Depois disso fiquei satisfeito comigo mesmo, mais centrado, mais pé no chão.  Parece que as coisas estavam ficando mais claras, eu e Marilisa estávamos nos entendendo bem melhor, mais entrosamento, conseguíamos conversar uma linguagem mais aberta e isso era tudo que sempre quis...