DELEGADA MARIA ELISA  (PARTE X): UM DIA DE “CÃO”? ENTRE DOR, PENITÊNCIAS E LÁGRIMAS.

Por Felipe Genovez | 15/02/2019 | História

Um dia de cão para a Delegada Marilisa e a ascensão do Delegado Ilson Silva: 

Dia 23.08.05, por volta das quatorze horas estava em Joinville e resolvi passar pela Delegacia da Mulher a fim de visitar Marilisa, já que queria saber das novidades pela região.  Fiquei aguardando até por volta das quatorze horas e trinta minutos quando tomei conhecimento que minha amiga finalmente havia chegado. Fui direto para o segundo piso, onde ficava localizado o seu gabinete e a encontrei despachando com outra policial subordinada. Logo que me viu Marilisa fez sinal para que eu entrasse. Aguardei alguns instantes até ela terminar o assunto que estava tratando. Em seguida, já conversando reservadamente perguntei como estavam as coisas e Marilisa revelou que estava vivendo um dia de cão com muitas atividades, inclusive, que por volta das dezesseis e trinta estaria se dirigindo com sua filha para a cidade de Blumenau onde faria uma palestra para os alunos da Faculdade de Direto (Furb). Em razão do horário, procurei não dar a impressão que pretendia me demorar. Marilisa comentou que fazia dois dias que tinha retornado de férias e já foi notificada que estava respondendo a uma sindicância (presidida pela Delegado Douglas) e que em razão disso já teve que apelar para calmantes e etc.  O fato se devia em razão de uma solicitação judicial que segundo informações não havia sido respondida. Marilisa contestou dizendo que houve resposta e que a autoridade judicial havia se equivocado. Lamentei porque noutra situação que ficou sob minha responsabilidade foi a mesma coisa, a autoridade judicial informou à Gerência de Orientação e Controle que ela não havia atendido uma solicitação quando comprovou que cumpriu só que o pessoal do Fórum se perdeu e Hilton Vieira não titubeou e mandou apurar...  Nesse contexto acabamos falando sobre as mudanças na cúpula da Polícia Civil. Marilisa foi dizendo que “nunca passamos por uma situação tão crítica na nossa história”. Em razão disso argumentei:

- “Olha, Marilisa, sinceramente falando, nunca na nossa história os policiais passaram por isso, sofreram tanto com medos, perseguições... Nunca na nossa história perdemos tanto. Nunca nós nos apequenamos tanto...”.

Marilisa argumentou:

- “Sim, me diz uma coisa, o pessoal aqui está contestando esse tal de Ilson. Eles estão fazendo um movimento para derrubá-lo porque parece que para ser Chefe da Polícia Civil tem que ser ‘Especial’, tu sabes me informar se isso procede”.

Fiquei curioso e perguntei:

- “Como é que é? Quer dizer que o pessoal não quer o Ilson?”

Marilisa insistiu:

- “Sim, dizem que ele é do grupo do ‘Thomé’. Dizem que ele estava esse tempo lá com eles na ‘Chefia’. Aqui o pessoal não quer ninguém que trabalhou com essa cúpula...”.

Continuei:

- “Tudo bem, tudo bem. Até o ano de 1999 tinha que ser um Delegado Especial. Eu fui um dos principais responsáveis por ter colocado esse dispositivo na Constituição Estadual. Só que no ano de 1999, quando o Ewaldo Moretto saiu começou uma disputa para ver quem seria o substituto de Moretto. Nessa época o Heitor Sché era Deputado Estadual e tinha um candidato para o cargo de Chefe de Polícia que era chamado de ‘Delegado-Geral’, lembra? Pois é,  o candidato do Sché era o Maurício Eskudlark...”.

Quando falei esse nome Marilisa respirou fundo e fez uma cara de desânimo, dizendo:

- “Nem me fala nesse nome, meu Deus... O que esse homem me aprontou na época que eu estava na Delegacia Regional. Eu não vou esquecer nunca, o que eu passei...”.

Continuei:

- “É, esse é o nome,  ‘Maurício Eskudlark’, que figuraço, ele era o candidato do Sché, só que tinha um problema, ele não era Delegado Especial, mas o Sché queria ele de qualquer jeito. Na época eu fui instigado a me manifestar juridicamente e dei até um parecer favorável a ele...”.

Novamente Marilisa fez uma cara de desânimo:

- “Nem me fala, não posso nem ouvir falar esse nome...”.

Continuei:

- “Bom, eu sei que o Heitor acabou aprovando uma Emenda Constitucional, foi a de número trinta e nove...”.

Marilisa me interrompeu:

- “Espera aí, espera aí, deixa eu anotar isso. Quero anotar para repassar para o pessoal...”.

Continuei:

- “O tiro saiu pela culatra, na época o Secretário Chinato acabou interferindo e o Lipinski acabou sendo nomeado ‘Delegado-Geral’, passando o Maurício para trás, olha só...”.

Quando falei no nome do ‘Lipinski’, Marilisa interrompeu:

- “Esse é outro, fez tantas maldades quando estava lá...”.

Interrompi:

- “Sim, só que se compararmos  o Lipinski agora é um santo. Eu que critiquei tanto o Lipinski na época hoje perto do que vivemos nestes últimos tempos...”. 

Marilisa interrompeu:

- “É verdade, pior do que este Delegado-Geral nunca tivemos, tens razão o Lipinski é um santo...”.

Interrompi:

- “Sim, só que o Lipinski também aprontou as dele...”.

Marilisa interrompeu para concordar e citou o nome de um policial da região de Joinville. Para reforçar, argumentei:

- “Sim, outro exemplo é o caso da policial ‘Hanelore’. Ela atuava numa cidadezinha perto de Campos Novos e foi demitida pelo uso indevido da viatura... Agora imagina, todos os Delegados Regionais, mais vários comissionados, todos  utilizaram viaturas para vir participar de uma festa política na Capital que resultou na queda do Delegado-Geral e no que deur? Imagina...”. 

Marilisa concordou e insistiu:

- “O pessoal aqui não pode nem ouvir falar no nome desse pessoal, olha está todo mundo revoltado...”.

Durante o curso da conversa o policial Rogério do Subdistrito Policial de Pirabeiraba telefonou para Marilisa dizendo que seu filho (policial Charles) estava tentando se matar e que somente ela ou o Delegado Zulmar Valverde eram quem conseguiriam levá-lo para internação psiquiátrica. Imediatamente lembrei que presidi um “Auto de Investigação Preliminar” para apurar abusos de Charles, e que esse policial revelou sérios transtornos psiquiátricos e sem condições de exercer função policial na linha de frente. Certamente que o caso envolvendo Charles deveria estar em andamento e isso poderia ter agravado ainda mais sua situação. Imediatamente Marilisa começou a fazer contatos tentando acertar a internação de Charles num Hospital. Também, sem sucesso tentou ligar para Zulmar Valverde, mas o mesmo não estava em casa, nem na repartição policial e também na Câmara de Vereadores...  Ao final, Marilisa conversou com a atual esposa do Delegado Zulmar (Psicóloga Policial Rosângela), na tentativa de localizá-lo.  Entre as ligações telefônicas Marlisa fez um desabafo entremeado com risos:

- “E agora, como encontrar o Zulmar? É a coisa mais difícil. Imagina, ele é Vereador e deveria se fazer localizável. Na outra eleição ele fez cinco mil votos e nesta última ele caiu para mil e poucos, tá vendo...? É por isso, ele fica o tempo todo com o celular desligado, aí não tem jeito, o pessoal não agüenta, imagina, os eleitores precisam conversar com ele e não conseguem...”.

Quem seria o novo Delegado-Geral Ilson Silva:

Marilisa me perguntou quem era o novo Chefe de Polícia. Em razão disso fiz um histórico relatando quem era ‘Ilson Silva”:

- “Ele foi muito perseguido na época do Lipinski.  Lembro que  eu era o ‘Assessor Jurídico’ e percebi que era mais uma injustiça. Dei um parecer totalmente favorável a ele (Ilson) num processo disciplinar que envolvia o desaparecimento de uma metralhadora e outras armas, isso na época que ele ainda estava lá em Urussanga. Pois então, o Ilson estava tão desorientado e foi trazido até a minha presença pelo Delegado Braga... Naquela época ele não dormia direito, ficava noites em claro, estava estressando, angustiado, perdeu até os  dentes, coitado... Olha, a situação era triste e o Seu Lipinski querendo a cabeça dele... Eu dei o parecer, juntei no processo que estava sob minha análise, só que o Lipinski não gostou e rasgou o documento..., imagina, olha só o que o Lipinski aprontou.  Bom, o Ilson descobriu e pegou cópia do meu parecer e começou a correr para tudo quando era lado... Foi até um amigo ou parente dele que era Desembargador que quando leu a minha manifestação só fez elogios. Moral da história, o Ilson ainda acabou punido com alguns dias de suspensão, mas pelo menos não ocorreu o pior...”.

Marilisa depois de ouvir atentamente, argumentou:

- “Então taí, tu tens que ir lá ajudar esse tal de Ilson. Já que tu fizesses tudo isso por ele naquele momento difícil eu acho que agora tu tens que ir lá e fazer alguma coisa por nós. Olha, Felipe, por favor, procure ele, tu tens que estar lá junto com ele, tu tens que estar lá ajudando ele...”.

Fiquei impressionado, não esperava aquela reação e argumentei:

- “Não posso Marilisa. Eu não posso ir lá atrás do Ilson. Imagina, os cargos lá são comissionados, não vou ficar me oferecendo, nunca fiz isso. Depois, eu não quero mais saber de cargos de confiança”.

Marilisa me interrompeu:

- “Não, tu tens a obrigação de ir lá ajudar esse tal de Ilson. Depois do que tu me relatasses aqui tu tens obrigação de estar lá do lado dele para nos ajudar. Felipe, por favor, não vai nos decepcionar...”.

Fiquei num misto de surpresa e acuação, insistindo:

- “Mas Marilisa, eu não posso ir lá me oferecer...”.

O ex-Delegado-Geral João Manoel Lipinski ao telefone:

Nesse momento tocou o telefone de Marilisa que ao atender disse em voz alta e com certa exaltação:

- “Doutor Lipinski, mas olha, como vai doutor Lipinski, há quanto tempo...”.

Era muita coincidência e Marilisa foi anotando o número do celular do Lipinski para fazer um contato em seguida já que estava ainda tentando resolver o problema do policial Charles. Logo que ela desligou o telefone foi dizendo:

- “Eu não acredito, era o Lipinski, quer falar comigo, vou ligar em seguida...”.

Argumentei:

- “Puxa, agora fiquei curioso, vou ficar aqui só para saber o que ele quer contigo...”.

Entre penitência e lágrimas: Câmara dos Vereadores de Joinville homenageia Marilisa:

Marilisa sorriu dando a entender que estava tudo bem. Em seguida Marilisa fez uma revelação sobre o Delegado Marcucci:

- “Olha só, leia esse documento aqui da Câmara de Vereadores, veio via fax...”.

Li e soube que se tratava da proposta de Marcucci na Câmara de Vereadores de Joinville concedendo o título para Marilisa o título de policial do ano, cuja comenda foi aprovada. Marilisa argumentou:

- “O Marcucci me telefonou e foi dizendo: ‘Marilisa eu apresentei o teu nome porque você é uma Delegada aqui de Joinville que sempre trabalhou pela cidade’. Felipe, eu fiquei numa saia justa porque esse homem durante todo tempo que estava lá na Delegacia Regional não lembrou de mim, nos tratou mal... Ele no telefone foi dizendo: ‘Olha Marilisa nesse tempo que eu fiquei preso eu fiz uma reflexão sobre a minha vida, repensei muita coisa...’. Felipe, eu perguntei para ele se deu tempo para ler um livro que eu dei logo que ele assumiu a Delegacia Regional. Ah, sim, eu dei um livro a ele, é sobre um Delegado de São Paulo. O livro é muito bom, eu insisti se ele leu. Outro dia eu encontrei a mulher dele num banco e ela me abraçou, chorou muito, desabafou e eu tive que ouvir...”.

Interrompi:

- “Sim, mas o Marcucci está atuando como Delegado?” Marilisa continuou: “Não, só como vereador. Ele pretende retornar em outubro como Delegado. Se não deixarem ele vai entrar com um Mandado de Segurança...”.

Interrompi:

- “Sinceramente, se eu tivesse força jamais deixaria o Marcucci assumir a titularidade de uma Delegacia. Ele ficaria uns dez quinze anos subordinado a um Delegado experiente. Mas nós não temos hierarquia, aí dá nisso. Qualquer Delegado recém saído da ‘Academia’ sabe que se for atrás de um político poderá assumir um cargo de comando e fazer carreira rápido,  mandar nos mais antigos e graduados, brincadeira. Mas é interessante, né Marilisa, os policiais aqui não queriam o Marcucci, não gostavam dele. Aí veio a cúpula caçar o Marcucci e os policiais aqui no início bateram palmas, só que depois se voltaram também contra a própria cúpula...”.

Marilisa aos risos e com entusiasmo foi dizendo:

- “Sim, no início os policiais acharam muito bom a cúpula vir para cá. Só que depois a cúpula começou a perseguir os próprios policiais daqui e o pessoal começou a se desesperar. Olha, no final, eles preferiam ficar com o Marcucci com todos os defeitos dele. Os policiais aqui ficaram revoltados com a cúpula, queriam eles bem longe...”.

Acabei achando graça de como as coisas acabaram se encaminhando e argumentei:

- “Meu Deus, como é que pode, mas esse pessoal da cúpula só queria saber reprimir as pessoas. Esse método que eles utilizaram chama-se ‘niilismo’. Os nazistas utilizaram isso principalmente com os judeus. Eles humilhavam de tal forma as pessoas que acabavam as transformando em ‘baratas’. Essa técnica eles usaram com os policiais, a começar com os ‘Delegados’, nos chamando de ‘república’. Por que não falaram em ‘república dos Juízes’, república dos Promotores’, ‘república dos Oficiais’, heim? Logo nós que sempre nos demos bem como todos os policiais, que temos tantos desafios, que sofremos tanto? Uma vergonha o que fizeram, é triste até lembrar, eles só não agiam assim com os ‘vacas de presépios’, ‘puxa sacos’, ‘Delegados Regionais’, a exceção de uns dois..., o resto fazia o jogo deles..., tudo muito triste. Na verdade nós somos uns covardes, o pessoal só quer se dar bem... Se tivéssemos união jamais deixaríamos que isso viesse a ocorrer, jamais permitiríamos que um aventureiro cometesse tantos desatinos..., mas o castigo vem a cavalo. É impossível pessoas fazerem tanta maldade e passarem impunes...?”. 

Marilisa insistiu que iria me cobrar uma visita ao Delegado Ilson, um cafezinho... Acabei concordando, porém, apenas para satisfazê-la, e argumentei:

- “Marilisa, o Ilson naquele momento que estava fragilizado, perseguido... era uma pessoa, agora talvez seja outra bem diferente...”.

Quem já foi rei não perde a majestade:

Relatei para Marilisa que quando me disseram que Ilson tinha mudado logo, isso que assumiu a “Deic” no governo do PMDB, fiz alguns contatos telefônicos com o mesmo para ver se ele havia mesmo mudado, porém, não observei nada de anormal. Citei que agora seria um bom momento para testá-lo já que entrei com um recurso junto ao Secretário da Segurança para tentar reformar a ‘decisão’ do ex-Delegado-Geral  e do Conselho Superior a respeito do “indeferimento” das minhas férias, licenças-prêmio e designação para atuar na 1ª DP/Capital, pois certamente que o Secretário Benedet iria consultá-lo sobre o conteúdo do meu recurso.  Marilisa acabou concordando e disse que era bom aguardar, reiterando que eu era uma esperança para os policiais pelo meu passado e porque   num momento difícil tive a coragem de me contrapor ao Chefe de Polícia em defesa de um Delegado perseguido que agora ocupa o cargo maior. Marilisa ainda relatou que quando o Delegado Dirceu Silveira deixou à Chefia de Policia e retornou para a 7ª DP/Joinville, os policiais no início deram uma ‘gelada’ nele, inclusive, revelou que deu alguns ‘coices’... Marilisa revelou  que numa reunião de Delegados em Joinville Dirceu Silveira quis exercer certa liderança, impondo sua autoridade de ex-Chefe de Polícia, sendo que imediatamente rebateu dizendo que “agora ele era um Delegado como qualquer outro em Joinville”. A certa altura lembrei Marilisa que as horas haviam passado rápido demais e que ela tinha um compromisso em Blumenau, tendo antes que ligar para “Lipinski”. Marilisa ficou impactada com o passar das horas e sem hesitar passou a mão no telefone e ligou para “Lipinski”...

A conversa com Lipinski:

Inicialmente ouvi Marilisa tecer algumas frases sobre a expectativa da aposentadoria (de Lipinski). Marilisa concordou que seria bom que chegasse a hora da aposentadoria.  Fiquei bastante surpreso com a habilidade e diplomacia de Marilisa, pois sofreu na época de “Lipinski” e agora estava ali conversando com ele cheia de sorrisos e solicitude... Sim, fazia parte da cordialidade entre colegas e me imaginei naquela condição.  Pude perceber que Lipinski estava precisando do auxílio de Marilisa para resolver um problema envolvendo uma ocorrência policial com reflexos em Joinville. Logo que encerrou a conversa, acabamos nos despedindo, sendo que reiterei que Lipinski agora era um “santo”, muito embora tivesse cometido muitos desatinos durante a sua gestão como Delegado-Geral.  

A “Santa” do Delegado Marcucci:

Depois que me despedi de Marilisa fiquei pensando na mulher de Marcucci e quando o mesmo tinha me dito que ela era uma “santa”. Fiquei pensando em todo sofrimento que Marcucci tem causado a sua esposa e filhos em razão das suas ambições. Como conter isso? As cúpulas que se revezaram durante anos no comando da Polícia Civil eram responsáveis por esse legado. Somente com hierarquia, orientação, princípios, valores... Certamente que a Polícia Civil não era um terreno fértil para essas questões, razão porque muitas mazelas se protrairão pelo futuro a fora, causando mais dor e sofrimento a muitos policiais e seus familiares.