DELAÇÃO PREMIADA SOB A ÓTICA DA TEORIA DOS JOGOS: UMA ALTERNATIVA EFICAZ À REPRESSÃO DO CRIME ORGANIZADO
Por José Orlando Soares Leite Neto | 23/01/2016 | DireitoDELAÇÃO PREMIADA SOB A ÓTICA DA TEORIA DOS JOGOS: UMA ALTERNATIVA EFICAZ À REPRESSÃO DO CRIME ORGANIZADO¹
José Orlando Soares Leite Neto
Samuel Jorge Arruda de Melo2
Profº. José Claudio Cabral Marques 3
SUMÁRIO: Introdução; 1 A aplicação da teoria dos jogos no Direito Processual Penal brasileiro; 2 Das organizações criminosas e da delação premiada: generalidades e aspectos introdutórios; 3 Institutos despenalizadores do processo penal brasileiro: da efetiva delação premiada quando do desmonte de organizações criminosas; Considerações Finais.
RESUMO
O ordenamento jurídico, recentemente, com a Lei 12.850/2013, dá um tratamento específico ao crime de organização criminosa, através do Direito Penal, em função da direta afetação da paz pública, ocasionada por esse tipo de crime. Logo, faz-se necessário promover um estudo mais detalhado acerca da organização criminosa, mostrando como este é tratado no ordenamento jurídico, além de relacioná-lo com o instituto despenalizador da delação premiada, demonstrando, assim, como este serve de meio apto ao desmantelamento das organizações criminosas. Para o melhor entendimento da delação premiada, importante ainda ressaltar a existência da “Teoria dos Jogos” e como esta é aplicada no Direito Processual Penal. Ponto chave do presente artigo é tratar, mais especificamente, acerca desta teoria, no intuito de ressaltar a lógica, deste “jogo”, quando da decisão estatal e da possibilidade de haver colaboração entre os jogadores, quais sejam os sujeitos do crime.
Palavras-chave: Ordenamento Jurídico. Organização Criminosa. Direito Processual Penal. Delação Premiada. Teoria dos Jogos.
INTRODUÇÃO
O fim precípuo do Processo Penal é garantir, em se tratando de condenações judiciais, a justa aplicação de uma pena por parte do Estado como forma de efetivar Direitos Fundamentais. Nesse sentido, a ciência é uma grande parceira dos pensadores do Direito ao passo que fornece meios alternativos aos convencionais para que o Estado possa aumentar a funcionalidade de seu aparato judicial.
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[1] Alunos do 7º Período Noturno do Curso de Direito da UNDB.
[1] Professor da disciplina Processo Penal II da UNDB.
Assim, a Teoria dos Jogos, que alude a John Nash, conferindo fundamento matemático a fenômenos sociais, tem sido um aliado no combate ao crime, sobretudo o crime organizado. É em virtude disso que essa teoria busca racionalizar objetivos para maximizar os resultados desejados. Ou seja, por meio da utilização da Teoria dos Jogos buscar entender a lógica quando da decisão estatal e auxilia na possibilidade de haver colaboração entre os jogadores, quais sejam os sujeitos do crime.
De maneira mais específica, o presente caso há de correlacionar a Teoria dos Jogos ao instituto despenalizador da delação premiada. Por sua vez, essa última corresponde à colaboração efetiva de um integrante da organização criminosa investigada para a instrução criminal quando do Processo Penal em troca de uma redução de sua pena. Nesse sentido, no intuito de obter o depoimento fundamental do apenado, as autoridades judiciárias e policiais lançam mão da Teoria dos Jogos quando concedem o benefício, por assim dizer, da delação premiada.
O que ocorre, em verdade, é uma barganha entre criminoso e autoridade estatal. A Teoria dos Jogos torna-se eficaz à medida em que proporciona ao agente estatal averiguar em que ponto pode ser prejudicial à sociedade reduzir a pena do sujeito ativo do crime a fim de aprisionar os comparsas de organização criminosa. Ou seja, há, por assim dizer, uma benesse concedida pelo Estado, enquanto instituição burocrática, àqueles que infringem suas leis, mas que querem, de alguma forma, redenção junto à sociedade e autoridades estatais.
1 APLICAÇÃO DA TEORIA DOS JOGOS AO DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO
O Processo Penal é bem mais do que instrumento para a aplicação de uma sanção estatal. Está alçado à condição da garantia constitucional do devido processo legal. Nesse sentido, a Teoria dos Jogos constitui um meio hábil à solução de litígios criminais que ocupam o Poder Judiciário. Assim, essa teoria visa alcançar objetivos pré-determinados, otimizando resultados por meio de interlocução entre os agentes (REIS; OLIVEIRA, 2015)
Isso implica dizer que a teoria dos jogos busca entender a lógica das decisões. Em virtude disso, busca a possibilidade de colaboração entre os jogadores. Todavia, isso não impede que, por se tratar de uma espécie de barganha entre jogadores, um ou outro entenda não ser o momento de colaborar. Em suma, os sujeitos do crime em confronto com a autoridade estatal devem buscar a resposta na atitude um do outro em busca de um equilíbrio (REIS; OLIVEIRA, 2015).
Sob essa mesma linha de raciocínio, é fundamental compreender a Teoria dos Jogos como sendo um plus dado ao Direito Processual Penal brasileiro. Isso porque, levando em conta a precarização da estrutura judiciária do país, é imperioso reconhecer a importância do equilíbrio de Nash para que haja, ainda que rastejando, alguma efetividade no sistema garantista que vige atualmente (GOMES, 2015).
Asseverando o dito no parágrafo anterior, Gomes (2015) ainda há desafios para que haja plena utilização da Teoria dos Jogos no Brasil. Isso porque há, segundo o autor, resquícios da ascensão da burguesia, que data de 1789. É que, em virtude disso, pessoas influentes são, de certa forma, imunes ao sistema penal, razão pela qual sequer chegam à fase judicial em que podem, finalmente, sofrer a sanção do Estado. Dessa forma, não se depararão com a aplicação direta da Teoria dos Jogos ao Direito Processual Penal brasileiro.
Em se tratando de Teoria dos Jogos, acredita-se ser a delação premiada o instituto despenalizador mais conhecido no âmbito jurídico. Todavia, cumpre salientar a existência de outros previstos na execução penal brasileira que também comportam essa teoria. É o caso, por exemplo, da composição civil de danos e transações penais que ocorrem nos Juizados Especiais Criminais (REIS, OLIVEIRA, 2015). Esses juizados estão previstos no art. 98, I, da Constituição Federal e têm como finalidade obter solução baseada no consenso entre as partes sempre que possível.
No que concerne à composição civil de danos, compete esclarecer alguns pontos. Como no rito sumário, há audiência inaugural em que o juiz faculta às partes um acordo. Esse acordo deve ser baseado no binômio dano-ressarcimento (REIS; OLIVEIRA, 2015). Dano causado pelo autor do fato contraventor e ressarcimento em caso de prejuízos decorrentes da conduta autoral. Há nesse instituto uma clara intenção do legislador em promover a chamada “barganha penal” (GOMES, 2015).
Isso porque, conforme se pode analisar, o autor do fato vê na possibilidade do acordo uma solução de menor proporção judicial para si; de igual modo, a vítima cede ao passo que poderia requerer na justiça comum a reparação dos danos a si causados, enfrentando, no entanto, a lentidão e burocracia da justiça comum.
Também é perfeitamente visível a presença da Teoria dos Jogos na transação penal. Trata-se de uma alternativa à composição civil de danos, caso essa falhe. Disposta no art. 76 da lei 9.099/95, a transação penal consiste, de igual modo, em concessões mútuas das partes entre si, porém sob direção de um juiz (REIS; OLIVEIRA, 2015). Cumpre ressaltar, no entanto, que a proposta, nesse caso, deverá ser analisada pelo juiz. O Ministério Público poderá propor ação penal, em se tratando de crime de ação penal pública incondicionada à representação da vítima, o que não gera certeza ao autor em caso de acordo. Deve haver ponderação, por ambas as partes. O autor deverá observar em que medida a sua concessão lhe será benéfica ou em que ponto não fará diferença alguma (GOMES, 2015).
Nesse sentido, é perfeitamente factível contemplar o Equilíbrio de Nash no processo penal brasileiro. Sua iminência pertine aos institutos despenalizadores, como demonstrado acima. É justamente por isso que a Teoria dos Jogos está massificada nas investigações judiciais. Os criminosos, uma vez condenados judicialmente, tendem a ponderar a possibilidade de colaborar com a justiça (GOMES, 2015). Isso se deve, em parte, a uma omissão estatal, porquanto a situação das penitenciárias brasileiras seja calamitosa.
2 DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E DA DELAÇÃO PREMIADA: GENERALIDADES E ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
O tipo penal autônomo “organização criminosa” surgiu com o advento da Lei 12.850/2003. Anteriormente, o tipo penal era “quadrilha ou bando” e a organização criminosa era útil, apenas, como elemento constitutivo de outras normas jurídicas aplicáveis à persecução criminal (NETO, 2014). Sendo assim, de acordo com o artigo 1º, § 1º, da referida lei, têm-se o conceito de organização criminosa:
Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. § 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
O dispositivo supracitado apresenta um crime autônomo, exigindo a associação de pelo menos quatro pessoas para a prática de infrações penais graves. É também um crime formal (se consuma com a mera associação de pessoa). Ademais, é possível afirmar que a organização criminosa é um crime permanente, permitindo, assim, a prisão em flagrante de seus integrantes a qualquer tempo, sem prejuízo dos outros crimes porventura cometidos (concurso de crimes) (NETO, 2014).
Neto (2014) afirma que o sujeito ativo do tipo em questão, se trata de crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa), de concurso necessário (plurissubjetivo) e de condutas paralelas (uma auxiliando a outra). Tem por sujeito passivo a sociedade e bem jurídico tutelado, assim como no antigo crime de quadrilha ou bando, é a paz pública (abalada por aqueles que se organizam para praticar crimes graves).
Feita esta breve análise acerca do delito organização criminosa, é valido ressaltar, ainda, que em decorrência da dificuldade em investigar crimes relacionados às organizações criminosas, o legislador previu a possibilidade de se aplicar uma “sanção premial” (delação premiada), ao coautor do delito que, voluntariamente, colabora, de maneira eficaz, para as investigações ou para o processo penal (TÁVORA; ALENCAR, 2015). Sendo assim, agora será tratado acerca do instituto despenalizador da delação premiada.
O instituto supracitado (utilizado em inúmeros delitos e não apenas no combate à organização criminosa) possui uma origem histórica que remete ao sistema anglo-saxão, com a expressão “testemunha da coroa”. Entretanto, esse instituto foi utilizado de maneira mais intensa nos Estados Unidos - plea bargain -, na época em que o combate à máfia (organizações criminosas) se acentuou. Por meio de uma transação de natureza penal, os suspeitos que realizassem a delação acabariam não sendo presos pelos crimes que cometeram, ou seja, em troca da impunidade garantida a estes, buscava-se informações suficientes para desmantelar a organização criminosa e, assim, conseguir atingir seus outros membros (LIMA, 2011).
A delação premiada é concebida como sendo, de acordo com Lima (2011, p.1105):
(...) a possibilidade concedida ao participante e/ou coautor de ato criminoso de não ser processado, de ter sua pena reduzida, substituída por restritiva de direitos, ou até mesmo extinta, mediante a denúncia de seus comparsas às autoridades, permitindo, a depender da conduta delituosa, o desmantelamento do “bando ou quadrilha”, a descoberta de toda a trama delituosa, a localização do produto do crime, ou, ainda, a facilitação da libertação do sequestrado.
Pode-se aferir que o instituto supracitado, quando relacionado ao delito da organização criminosa, é um “acordo” realizado entre o delegado de polícia (ou membro do Ministério Público) e o investigado, visando o desmantelamento dessa organização.
Importante ressaltar aqui que para a caracterização da delação premiada é imprescindível que o delator confesse sua participação no cometimento do crime, caso contrário estaria se falando de um simples testemunho. Além disso, na delação premiada, deve ocorrer o apontamento de outros comparsas (concurso de pessoas) por parte do delator e, não apenas, a autoincriminação (NUCCI, 2007).
Para Lima (2011) a existência da delação premiada não demonstra certa incapacidade do Estado em solucionar os delitos praticados, por conta própria, vez que existem delitos, como por exemplo, o de organização criminosa, em que este instituto despenalizador do direito penal torna-se um meio apto a desmantelar a organização criminosa. Isso se dá pelo fato de que dentro dessas organizações vige a “lei do silêncio” (prejudica a obtenção de provas) e porque, com o instituto acima referido, é possível quebrar a “coesão” daquelas, em decorrência da possibilidade de quebra a solidariedade interna.
Sob o ponto de vista da ética e da moral, parte da doutrina afirma que por se tratar de uma “traição”, não seria possível conceder benefícios ao delator, pois ocorreria a premiação da falta de caráter. Porém, mesmo se tratando de uma “traição”, o aspecto acima demonstrado (o da ajuda no combate à criminalidade) acaba pondo em cheque o argumento de que a delação premiada afronta a ética e a moral (LIMA, 2011).
Para corroborar ainda mais com esse posicionamento, tem-se que não há uma incompatibilidade entre o princípio do nemo tenetur se detegere e a delação premiada, pois desde que não ocorra a coação para obrigar o participante e/ou coautor a delatar, os benefícios garantidos são válidos (há a delação de forma voluntária, é uma escolha do suspeito), não indo, este instituto, de encontro a impossibilidade de produzir provas contra si mesmo (LIMA, 2011).
De acordo com Lima (2011), em se tratando da natureza jurídica da delação premiada, é possível aferir que, no âmbito do Direito Penal, esta se apresenta como uma causa de extinção de punibilidade, uma causa de diminuição de pena ou, ainda, como causa de substituição de pena (privativa de liberdade por restritiva de direitos, por exemplo). Já no âmbito do Direito Processual Penal, este instituto é visto como um meio de obtenção de prova, por meio da delação, o Estado consegue provas para acabar com determinada prática delituosa.
Com o advento da Lei 12.580/2003, que trata sobre a organização criminosa, o instituto da delação premiada passa a ter, então, a natureza supracitada (de meio de obtenção de prova), tratando-se, assim, de uma contraprestação (para que o benefício seja concedido, faz-se necessária a eficácia da delação. Quanto à essa eficácia, o artigo 4º da referida lei estabelece que:
Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Pode-se perceber, com o exposto no artigo acima, que estes são os requisitos necessários para averiguar a eficácia da delação para, então, o benefício poder ser concedido ao delator.
A contribuição efetiva do delator, dentro do processo, começa a partir da homologação do acordo pelo magistrado. É o que se entende com base na análise do artigo 4º, §9º, da Lei 12.850/2013, o qual aponta que “depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações”. Em outras palavras, é a partir da homologação do acordo, pelo magistrado, que o colaborador efetivamente começará a contribuir para a concretização de um dos resultados previstos no caput do artigo 4º (NETO, 2014).
Destaca-se, também, de acordo com Neto (2014) que o magistrado só decidirá sobre o quanto o colaborador será beneficiado ao final do processo, após a análise da eficácia da colaboração prestada, levando em consideração o exposto no artigo 4º, § 10 da Lei 12.850/2013, o qual afirma que “as partes poderão se retratar do acordo firmado, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”.
No concernente ao momento para a apresentação da delação premiada, não há nada expresso em dispositivos legais que determinem quando esta deve ser realizada. Fica claro, então, que pode ser utilizada na fase investigatória, durante o curso da instrução criminal e após o transito em julgado da sentença. Com base em uma interpretação teleológica, a delação premiada ainda servirá, mesmo após o transito em julgado, caso seja objetivamente eficaz, isso implica dizer que poderá ser utilizada, nesse caso, desde que o Estado necessite fazer uso desse instituto. Podendo, então, ocorrer na fase de execução penal ou mesmo em sede de revisão criminal (TÁVORA; ALENCAR, 2015).
Nos dois primeiros momentos supracitados, a delação premiada, mesmo que isoladamente considerada, servirá para a instauração de um inquérito policial ou até para o oferecimento de uma peça acusatória, já que nessas situações não é necessário que haja o juízo de certeza da prática delituosa. Já após a sentença condenatória, é necessário que a delação venha acompanhada de outros elementos probatórios, portanto, isoladamente, não dá respaldo para um decreto condenatório (LIMA, 2011).
No intuito de prevenir delações falsas, o magistrado deve agir com cautela quando do momento de valoração da delação premiada, vez que, por exemplo, nas organizações criminosas, é comum haverem disputas internas pelo controle, é possível que esse instituto seja utilizado para a “tomada” do poder (NUCCI, 2007).
Além desses exemplos dados referentes a delações falsas, motivações pessoais também podem ensejar esse tipo de prática, como por exemplo, quando há uma relação de ódio entre o delator e o delatado, ou mesmo quando o confidente (delator) já fora condenado a vários anos de cadeia (nesse caso a delação já não lhe afetaria tanto negativamente, considerando que os benefícios a ele garantidos não o ajudem de maneira significativa) e essa delação serve, apenas, para prejudicar outrem (NUCCI, 2007).
Sendo assim, o magistrado deve estar atento as relações existentes entre delator e os acusados, deve buscar a verossimilhança entre as alegações e a circunstancia em que se deu a delação, entre outros (TÁVORA; ALENCAR, 2015).
Para ser validada como prova, a delação deve ser submetida ao contraditório, devendo ser garantida a oportunidade, ao advogado da parte contrária (delatado), de fazer perguntas no curso do interrogatório relacionadas ao conteúdo da delação (TÁVORA; ALENCAR, 2015).
3 INSTITUTOS DESPENALIZADORES DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DA EFETIVA DELAÇÃO PREMIADA QUANDO DO DESMONTE DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
O crime organizado no Brasil se desenvolve e espalha em progressões quase que aritméticas. Isso porque, a bem da verdade, os criminosos possuem verdadeiro arsenal bélico e tecnológico que lhes permite antecipar muitas ações estatais. São formadas verdadeiras organizações criminosas que dominam territórios e promovem em comunidades controle similar ao do Estado (GOMES, 2015).
Nesse sentido, visando enfraquecer o poderio dos fora-da-lei, os agentes estatais lançaram mão da delação premiada, que é mais um instituto despenalizador. Trata-se de uma denúncia que resulta numa recompensa para aquele que a realizou. Ou seja, apresenta-se, mais uma vez, a barganha penal (GOMES, 2015). A sua regulamentação se dá pela Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. A delação premiada é a expressão mais prática e didática da Teoria dos Jogos.
O Estado aqui busca a verdade processual a fim de punir aqueles que infringem suas leis. Em verdade, ocorre uma recompensa que é dada àqueles que colaboram com as investigações. Trocando a manutenção de sua liberdade ou de diminuição da pena, um dos réus delata (“trai”, por assim dizer) os seus comparsas de prática delitiva. É o que Gomes (2015) chama de justiça colaborativa. Visando à justiça colaborativa é que o Estado, utilizando-se de racionalidade, promove a maximização dos resultados práticos a fim de solucionar crimes.
Há disciplina estatal sobre quais crimes comportam a despenalização por meio de delação premiada, ou seja, não são todos os crimes passíveis desse instituto (REIS; OLIVEIRA, 2015). São eles os do art. 159 do Código Penal, sobre crimes de extorsão mediante sequestro (redação dada pela Lei nº 9.269/1996, ao parágrafo 4º do art. 159 do CP); Lei nº 8.072/1990, sobre crimes hediondos (art. 8º, parágrafo único); Lei nº 8.137/1990, sobre crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (art. 16, parágrafo único); Lei nº 9.034/1995, sobre crime organizado (artigo 6º); Lei nº 9.613/1998, sobre lavagem de dinheiro (artigo 1º, parágrafo 5º); Lei nº 9.807/1999, que trata do programa de proteção a vítimas e testemunhas (artigo 14); e Lei nº 10.409/2002, que versa sobre a repressão a tóxicos (artigo 32, parágrafo 2º) (REIS; OLIVEIRA, 2015).
Apesar dos aparentes benefícios trazidos à justiça brasileira, a delação premiada, mesmo quando colabora para desmontar organizações criminosas, sofre críticas (como já demonstrada, brevemente no capítulo anterior). Sobre isso, Azevedo (2014) argumenta que juristas dizem o instituto é dotado de uma ética torta, que premia aquele que trai e o denunciante. Isso tudo sob uma lógica egoísta, por assim dizer. O autor assevera que as críticas giram em torno, grosso modo, da recompensa à traição. Nesse sentido, a Teoria dos Jogos sofre críticas pela forma como compreende a política criminal do estado (GOMES, 2015).
Em que pesem as críticas supracitadas, resta esclarecido que a delação premiada é uma medida eficaz de política criminal. O que há, na verdade, é um prestígio ao direito potestativo e punitivo do Estado. É, além disso, uma excelente estratégia de defesa para os advogados dos réus, partícipes, autores e co-autores dos crimes que se enquadram nos requisitos para delação premiada (AZEVEDO, 2014).
Neste ponto, reside a essencialidade do presente artigo: a Teoria dos Jogos, coadunando-se ao disposto no instituto da delação premiada, tem possibilitado verdadeira maximização às investigações, porquanto faculta ao réu alternativas à sanção do Estado (GOMES, 2015).
Sob a mesma linha de raciocínio, cumpre salientar a perspectiva estatal de solucionar crimes por meio da delação premiada. O Estado cria meios para compelir inconscientemente o réu a delatar. Exemplo claro disso são as prisões temporárias (LOPES; ROSA, 2014). São dotadas por ideologia medieval, de caráter iminentemente inquisitório. Ou seja, ocorre a prisão e, posteriormente, a investigação (GOMES, 2015). São meios que o Estado encontra para coagir o criminoso a colaborar com a justiça. É um consentimento viciado promovido pela Teoria dos Jogos. O agente da organização criminosa buscará equilíbrio entre a medida em que pode delatar seus colegas e o passo em que pode reduzir sua pena ou manter-se em liberdade.
Nesse sentido, a mídia que atinge as massas tem grande papel ao passo que pressiona tanto as autoridades estatais quanto os encarcerados. Ocorre uma verdadeira pressão psicológica a fim de obter delações e, dessa forma, obter o modus operandi da organização criminosa (LOPES; ROSA, 2014). Esse fator obriga os juristas a contestarem o elemento principal da delação premiada:
Já a voluntariedade do comportamento implica uma decisão livre, em maior ou menor grau, a partir da adesão do sujeito a fins práticos e morais ainda que influenciado por fatores ou motivos externos. A coação externa pode retirar a espontaneidade de uma conduta, mas somente a coação absoluta anula a vontade, porquanto o sujeito não escolhe entre dois fins porque não há margem de liberdade, o que subtrai do ato sua qualidade moral. (AZEVEDO, 2014, p. 1).
É imperioso reconhecer que é pouco provável ocorrer delação premiada sem influência externa. Isto é uma delação autônoma, livre e consciente, sem pressões ou interesses posteriores. Isso não representa, todavia, que o Estado deva rejeitar a delação por faltar voluntariedade (GOMES, 2015). A busca da verdade processual possui limites, mesmo quando se trata do desmonte de organizações criminosas perigosas. Todavia, a delação premiada não deve ser considerada um deles.
O advogado tem papel fundamental nesse processo de delação. É quando se manifesta da forma mais autêntica a Teoria dos Jogos. Quando o causídico orienta o cliente a delatar presta um valioso serviço para a administração da justiça (AZEVEDO, 2014). Defesa não significa, necessariamente, negativa dos fatos criminosos contra alguém imputados. Há que ser sobrepesado as alternativas possíveis de defesa para o réu e o advogado é o grande responsável por formalizar esse processo (GOMES, 2015).
Um exemplo prático e que trouxe à tona a discussão acerca da delação premiada é a Operação Lava Jato. Um verdadeiro escândalo na maior empresa estatal envolveu nome de políticos e empresários poderosos. No cerne da questão, o doleiro Alberto Youssef e o ex-presidente da estatal, Paulo Roberto Costa, são delatores. No caso da Petrobrás, a operação ainda não chegou ao fim. Todavia, as delações têm levado o Supremo Tribunal Federal em conjunto com Polícia Federal, Ministério Público Federal e demais órgãos competentes a investigar os mencionados pelos depoimentos dos autores (GOMES, 2015).
O que se tem assistido no Brasil é inédito. Seguramente, possível afirmar que alguns dos grandes esquemas que fraudavam a Petrobras para fins eleitorais e pessoais só foram descobertos em virtude das delações. Em virtude disso é que Gomes (2015, p.1) afirma que: “Esse alto escalão sempre gozou de uma espécie de imunidade penal (instituída pela burguesia ascendente desde 1789). Agora não só foram presos como também estão delatando. A onda está pegando. Virou efervescência contaminante”.
Dessa forma, a partir de um exemplo prático e atual, resta cristalino que, apesar das controvérsias, a delação premiada mostra-se como uma alternativa eficaz no combate ao crime organizado. Em que pese a timidez com que se apresenta a delação premiada, o Direito Processual Penal brasileiro passa um momento singular em sua história, qual seja o da justiça colaborativa, em que se apresenta a Teoria dos Jogos e que são jogadores e sujeitos os próprios réus.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A existência de organizações criminosas é cada vez mais hostilizada pela sociedade. O ordenamento jurídico, visando proteger a paz pública e satisfazer os anseios das pessoas, tipificou, recentemente, essa conduta como sendo autônoma. Com base na Lei 12.850/2003, iniciou-se um combate efetivo, mais específico, às práticas ilegais das organizações criminosas.
No tocante a esse combate, tem-se o instituto despenalizador da delação premiada, o qual, como demonstrado à exaustão no presente artigo, demonstra ser meio apto ao desmantelamento dessas organizações, por mais que algumas críticas possam ser feitas a aquele instituto. Mais do que isso, é possível perceber que em certas situações a delação premiada é o único meio de responsabilizar os agentes que praticam o delito acima descrito. Isto porque, para obter provas de que uma organização criminosa fora constituída, é extremamamente difícil, em decorrência da própria estrutura da organização, na qual impera a “lei do silencio”.
Nesse sentido (combate as organizações criminosas através da delação premiada) é possível perceber como se dá a aplicabilidade da “teoria dos jogos”, baseada nos estudos de John Nash, dentro do Direito Processual Penal. Essa teoria pode ser considerada um meio hábil à solução de delitos que ocupam o Poder Judiciário. Visa alcançar objetivos pré-determinados, otimizando resultados por meio, por exemplo, da colaboração entre os agentes.
Ao se autoincriminar e demonstrar quais os outros agentes do crime de organização criminosa, o delator acaba “participando” do jogo, representado pelas partes dentro do processo penal, se “antecipando” a possíveis outros delatores, tendo por intuito não ser preso ou, pelo menos, diminuir seu tempo de prisão. É perceptível, assim, com base nesse exemplo, como se dá a atuação das partes dentro desse “jogo” existente dentro do processo, como assevera a teoria dos jogos.
É perfeitamente factível, então, contemplar a influência da teoria dos jogos no processo penal brasileiro, principalmente no que concerne a sua relação com os institutos despenalizadores. É justamente por isso que a referida teoria está massificada nas investigações judiciais. Sendo assim, no combate a determinados delitos, é necessário que o Estado utilize todos os meios necessários, incluindo aí a “teoria dos jogos”. Conseguindo, dessa forma, oferecer represália e punição aos envolvidos na organização criminosa.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Código Penal. Vade Mecum Saraiva. Ed. Saraiva, 2014.
BRASIL. Código de Processo Penal. Vade Mecum Saraiva. Ed. Saraiva, 2014.
BRASIL. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 02 ago. 2013.
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LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Quando a delação premiada funciona
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NETO, Francisco Sannini. Nova lei das organizações criminosas e a polícia judiciária. In: Jusbrasil, mai. 2014. Disponível em: http://franciscosannini.jusbrasil.com.br/artigos/121943694/nova-lei-das-organizacoes-criminosas-e-a-policia-judiciaria. Acesso em: 10 mai. 2015.
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