Deina Anunciação no Ato da Dança

Por Deina Anunciação | 09/10/2024 | Arte

Deina Anunciação 

No  

Ato da Dança 

     Danço enquanto imagino coisas que vou escrever. Escrevo enquanto me imagino a dançar. E escrevo. E danço. E registro um simples momento que posso recordar uma vida inteira. Ou talvez eu esqueça e só me lembre sempre que eu olhar para a foto que eternizará o meu ato enquanto ela existir. 

     E assim pode ser o ato da vida. Posso fazer algo e lembrar. Esquecer. Lembrar novamente. Durante a ação, cair. Levantar. Cair de novo. Levantar. Sorrir e chorar. Sapatear nas lágrimas ou me afogar nelas. Ou sapatear e me afogar. Flutuar nas lágrimas depois de respirar profundamente com o alívio do choro. 

     Do mesmo modo, posso lembrar sempre que ler o meu escrito e imaginar outras coisas para fazer em cena. Quando danço, escrevo no tempo um trecho da minha vida, faço de mim registro de parte da história da existência humana.  

     De maneira surpreendente ou não, ainda que o mundo não saiba que, um dia, existi, se houver um infinito livro que registre todas as vidas, neste eu estou inscrita. Pois já sou nascida. E que do infinito livro eu jamais seja riscada. Mas não sou o autor de tal obra nem tenho conhecimento suficiente para tanto. 

     Por isso, faço do mundo o meu espaço artístico, a fim de não me tornar inexistente e esquecida, escrevendo no universo minhas atuações. E a existência humana é marcada por cada linha de cada coisa que escrevo, de cada movimento que executo. E a história carrega marcas do que faço e do que não faço. E, viva ou morta, sofro a ação de tudo que já foi feito ou não por mim e/ou por outrem.  

     No ato da dança e da escrita, tomo decisões que tenho a partir de decisões já tomadas antes mesmo de entrar em cena. É possível que eu chegue a decisões inesperadas. Depende... 

     No ato da vida, sinto dores piores que as que posso sentir depois de uma queda no ato da dança e, às vezes, a dor é exatamente a mesma quando a queda na dança já é por causa de alguma coisa do ato da vida. Afinal, só chego ao ato da dança por causa do ato da vida. Só posso dançar porque tenho vida. Só danço porque vivo. Minha vida é movimento. A parada é descanso e é movimento. Quem sabe como estou por dentro? 

     Apresento coreografias ensaiadas e coreografias que jamais sonhei executar. Penso coreografia sem música, música sem coreografia. Improviso, crio, reconstruo, destruo... Há tantas coisas que posso fazer. E tantas coisas que podem fazer para mim e comigo. 

     Às vezes, quem dança está mal. Às vezes, quem dança está bem. Uma coisa é fato, a dança existe. Resta saber como cada um vai dançar. 

     Às vezes, escrevo sem querer escrever. Às vezes, nada escrevo pensando em escrever. Vem a inquietude. Caneta e papel podem me acalmar ou não. Já escrevi tanto que já fiz calo no dedo e gastei muitas canetas em muito pouco tempo.  

     Há coisas que já escrevi que, se pudesse, jogaria em um incinerador. Uma fornalha também serviria. O que me impede? Ao passo que existem coisas que escrevi que eu transformaria em livro para o mundo inteiro ler. Enquanto isso não acontece, escrevo e publico. Talvez, um dia, o mundo todo possa ler o que escrevo. 

     Quando alguém lê um escrito meu, tem acesso a uma representação de um momento da minha vida, independente de relatar algo que tenha ocorrido fora da minha cabeça. O momento em que escrevo é um momento da minha vida. 

     Não estava planejando um escrito, mas me inspirei a escrever este texto depois de tirar uma foto de mim mesma com o aparelho celular enquanto estava dançando sozinha em uma casa em um bairro da Orla da cidade de Salvador – BA. E, assim, foto e texto carregam e são vestígios do tempo que ainda tenho. Não sei até quando. 

     Quando o tempo está muito quente, meus óculos de descanso chegam a escorregar sobre o meu nariz. E a caneta, entre os meus dedos com e como o suor por todo o meu corpo. Às vezes, por alguma razão, escrevo tanto que nem sinto falta dos óculos. As lentes até incomodam. Escrevo. É quando só preciso me despir. Nem sempre a nudez é de roupas e calçados. E chego a me despir para ter vida. E eu me visto de vida para ter vida. Eu sou a vida.  

     O tempo vibra e deixa nas pessoas sua escrita em linhas de expressão e de outras formas. Vai marcando cada instante, cronometrando livremente de modo sutil ou não o momento até a chegada do último ato do maior espetáculo que é a vida.

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