Degeneração: uma análise sobre o processo de enfraquecimento de marcas.
Por Paulo Henrique Carvalho Pinto | 12/06/2009 | Direito1 INTRODUÇÃO
O objetivo do presente estudo, pautado no trabalho de pesquisa realizado, é tratar sobre o processo de enfraquecimento de marcas conhecido por degeneração, demonstrando especialmente suas causas, efeitos e posicionamento da legislação brasileira.
Com o intuito de construir uma base para o entendimento deste fenômeno, torna-se necessário fazer uma abordagem mais ampla no sentido de trazer para a discussão outros tópicos fundamentais à compreensão da degeneração, tais como outros fenômenos correlatos e o tratamento da legislação extravagante sobre o assunto.
A questão de identificar o produto ou serviço de um único empresário dos demais que estão inseridos num mercado, especialmente o atual, que é altamente competitivo, já remonta às épocas mais antigas, quando se passou a buscar, em símbolos e palavras, a denominação da origem daqueles produtos ou serviços.
Nos primórdios da civilização, os homens negociavam por meio do escambo; a troca do que era produzido por um era a moeda para a obtenção dos demais utensílios, alimentos, etc. necessários à sobrevivência humana.Contudo, vencida esta etapa, os mercadores passaram a negociar seus produtos por toda a Europa, circulando por reinos, vendendo os seus produtos, ainda de um modo bastante informal, uma vez que a produção ainda não era em grande escala, baseada especialmente no trabalho familiar que negociava o que obtinha.
Alguns autores chegam a afirmar que data da época da Grécia e Roma Antiga o surgimento das marcas. Segundo eles, é deste período os primeiros registros da existência de um símbolo como meio de identificar um produto. No entanto, com a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, pode-se falar que houve o início do consumo massificado pela população, sendo inerente a necessidade de que o produto que estava sendo negociado fosse identificado pelo público alvo de alguma maneira, sendo este modo a marca, construída por meio de um símbolo, de um nome ou de conjunto destes elementos.
Apenas mais recentemente (alguns escritores afirmam ter sido no início do século XX) percebeu-se a força que uma marca pode ter no mercado em que atua, inclusive com a prevalência de preferência, por parte dos consumidores, daqueles produtos ou serviços por conta da marca que vem estampada neles.
Pelo destaque alcançado, surgiu nas grandes corporações uma preocupação efetiva em "proteger" o capital intangível representado pela marca; um capital que não é palpável, mas que gera receitas para empresa de forma bastante significativa – motivo pelo qual passou este capital a ser visto com um olhar defensivo, uma vez que está diretamente relacionado com o faturamento alcançado.
A própria denominação dada pelo Direito Norte-Americano àquelas marcas que sejam registradas é o símbolo TM (trade mark), que, em livre tradução ao nosso vernáculo, significa "marca de negócio", sugerindo que a atuação de uma marca é, exatamente, ser a forma de negociação do empresário no mercado.
Com base na legislação pátria, é preciso demonstrar quais aqueles sinais que estão propensos a ser registrados como marca perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), autarquia vinculada ao Governo Federal responsável por registros de marcas, concessão de patentes, averbação de contratos de transferência de tecnologia e de franquia empresarial, e por registros de programas de computador, desenho industrial e indicações geográficas.
Além disto, é imperioso tratar da classificação trazida pela doutrina, bem como pelo próprio texto legal, dos tipos de marcas, além da função que esta desempenha, e de uma explanação sobre como funciona o modo de concessão de registro atualmente no Brasil, tudo isto com o intuito de prover um entendimento mais fundamentado sobre o foco principal do trabalho.
Segundo a abordagem da função, demonstrar-se-á que a marca, que termina servindo como uma maneira de distinguir o produto ou serviço de um empresário no mercado, pode sofrer um processo conhecido por degeneração, gerado pelo excesso de conhecimento que ela obtém. Por meio deste fenômeno, a marca passa a não mais singularizar o bem de um único negociante, o que acaba sendo contraditório, levando-se em conta que o objetivo do negociante é ter a sua marca reconhecida onde atua.
A discussão sobre o fenômeno da degeneração é de suma relevância especialmente por se tratar de algo de difícil percepção, uma vez que uma linha bastante tênue separa o reconhecimento no mercado da vulgarização de um sinal.
A pretensão deste trabalho é promover uma reflexão sobre o papel desempenhado pelo consumidor neste processo, lento e silencioso, de enfraquecimento de um sinal distintivo, bem como trazer posturas adotadas pelo próprio titular da marca que podem ser fundamentais ao processo degenerativo, vez que a participação deste titular revela-se elemento significativo para a degeneração do sinal marcário.
Contudo, há entendimento no sentido de que a marca que se encontra degenerada pode sim, ter os efeitos revertidos, através de medidas adotadas pelo titular, quando ocorrerá um fenômeno conhecido como recaptura de marcas.
Além do fenômeno de recapturas de marcas, há um instituto conhecido como o reverso da degeneração: secondary meaning. Neste fenômeno, um termo genérico termina alcançado distintividade, capacitando-o para ser registrado como uma marca.
Outrossim, verificando a confusão existente por parte de alguns autores, é de suma importância trazer ao foco da discussão um outro fenômeno, também relacionado ao enfraquecimento das marcas, conhecido como diluição. Ainda que apresentem similitudes, este processo é bastante distinto da degeneração.
Com base no estudo desenvolvido sobre o processo de enfraquecimento de marcas conhecido como degeneração, surge o questionamento sobre as conseqüências trazidas, especialmente ao titular da marca, por conta da perda de distintividade do seu signo marcário, isto especialmente por conta da não previsão em texto legal pátrio da possibilidade de anulação do registro quando for configurada a degeneração do sinal distintivo.
Entretanto, é preciso que se explicite que há na legislação brasileira previsão de revisão ou anulação do registro marcário concedido, contudo, neste rol não foi incluído a hipótese de anulação por conta da perda de distintividade do sinal pelo processo degenerativo. Assim sendo, verifica-se que o registro da marca cuja exclusividade foi concedida pelo INPI ao seu titular, continuará sendo válido, inclusive podendo este requerer a renovação do pedido após o vencimento do prazo de concessão, uma vez que a lei brasileira é silente no que tange à exclusão de um registro em virtude da sua degeneração.
Por conta da continuidade do registro da marca do empresário, ainda que esta esteja comprovadamente degenerada – inclusive havendo decisões judiciais no sentido de possibilitarem que outros empresários venham a utilizar daquela marca em seus produtos - evidencia-se que o direito de exclusividade que lhe foi assegurado, nada lhe garante na realidade, uma vez que não poderá lutar por esta exclusividade do uso da sua marca, que aos olhos da sociedade em geral, não funciona mais como um sinal representativo de um único produto ou serviço.
Esta falta de mecanismos para assegurar a exclusividade da marca degenerada, deve-se ao fato de que não há na legislação requisitos para caracterização do processo de degeneração ou meios para anulação de um registro, o que termina permitindo que o signo marcário continue inscrito perante o INPI, mas não garanta que o titular lute para ter os seus direitos, especialmente a exclusividade, garantidos.
Esta "anomalia", que termina sendo causada por uma conjunção de fatores, leia-se a falta de legislação que trate sobre a anulação do registro da marca degenerada e a descaracterização de um sinal como marca aos olhares dos consumidores, gera o questionamento sobre uma postura mais incisiva que deveria ser adotada no sentido de evitá-la. Para tanto, são trazidas posturas existentes nas legislações de outros países e pactos firmados em que o tema é tratado, demonstrando a existência de vias ao saneamento desta lacuna legislativa na qual caem as marcas que tenham perdido a sua distintividade.
2 MARCAS
Previamente a discussão sobre o processo de enfraquecimento das marcas, torna-se de suma importância a análise do próprio significado destas, bem como de sua função e do processo de concessão de registro ao titular.
Buscando um significado para designar o que seria a marca, pode-se entender que é um sinal utilizado para identificar, para reconhecer um produto ou serviço no mercado em que está inserido.
Para Maurício Lopes de Oliveira (2004), a marca funcionaria como a assinatura de um produto ou serviço, fazendo com que o mesmo possa ser reconhecido quando disposto para o seu público-alvo. Como um meio de identificação, a marca termina por ser o principal elo que será constituído entre o consumidor e o empresário que negocia o produto ou serviço.
A necessidade de identificar a proveniência do produto, que está circulando no mercado, fez com que fosse necessária a vinculação de um sinal com a mercadoria que estava sendo comercializada pelo empresário e, por isso, afirma-se que desde a era romana e grega as marcas já podiam ser identificadas em alguns produtos, como forma de especificar as suas origens.
Assim sendo, presume-se que a distintividade de uma marca acaba sendo um requisito básico para que esta possa influenciar o mercado a favor daquele empresário. A capacidade de distinção tem de ser inerente ao sinal. Ao mesmo tempo que atua como distintiva no mercado, a marca funciona como um elo com o produto ou serviço a que representa, servindo como uma maneira que o consumidor tem de distinguir os diversos produtos que lhe estão sendo oferecidos.
Com o desenvolver da sociedade humana, percebeu-se que a identificação de cada produto distinguindo-o dos demais que estavam no mercado é de extrema importância para a lucratividade daquele, assim, como afirma Gladston Mamede (2007), quando o capitalismo se desenvolveu, passando a uma busca cada vez mais frenética por consumidores, logo se percebeu que o símbolo poderia ser um aliado precioso para se alcançar o sucesso.
Neste sentido, a marca capaz de distinguir um produto ou serviço dos demais oferecidos, capaz de assegurar uma participação significativa no setor em que está inserida, pode ser tida com um dos elementos fundamentais ao sucesso daquele empresário, uma vez que a confiança transferida pelo sinal distintivo ao produto é determinante para a escolha deste no momento de compra.
Com o passar dos anos, o signo distintivo acaba por agregar um próprio valor ao produto que está sendo comercializado, a busca dos consumidores deixa de ser pela mercadoria especificamente, passando a ser pelo que a marca daquele empresário representa no setor. Sobre o assunto, afirma-se que:
[...] a marca, adicionalmente ao exercício da função distintiva, é capaz de agregar valor ao produto ou serviço que assinala, transformando-se num sinal ainda mais valioso para o seu titular. Diz-se que a marca, nessas hipóteses, possui relevante poder atrativo, consubstanciado no alto grau de notoriedade que desfruta frente ao público consumidor, ou até mesmo, no mercado em geral. (DE SIERVI, 2006, p. 1)
Pala ilustração, válido trazer os casos da Diesel, Jaguar, Mercedes-Benz, Cartier, dentre outras, que dentro das suas áreas de atuação tornaram-se significativas de status, sendo escolhidas algumas vezes pelo que representarão ao seu usuário perante a sociedade.
A lei nº 9.279/76, que trata sobre direitos e obrigações relativos à propriedade intelectual, em seu artigo 123, subdivide as marcas em três tipos: marca de produto ou de serviço, marca de certificação e marca coletiva.
Nos termos do próprio texto legal, as marcas de produtos ou serviços são aquelas utilizadas para distinguir um bem ou serviço, semelhantes ou afins, originários de fontes distintas. A marca de certificação é aquela utilizada para demonstrar que um produto ou serviço está de acordo com as especificações técnicas ou normas determinadas. E, por fim, a marca coletiva que é utilizada para distinguir os produtos ou serviços oferecidos por uma entidade.
Existe ainda a classificação da marca quanto à sua apresentação e forma, podendo ser nominativa, figurativa, mista ou tridimensional, sendo esta última uma inovação da Lei de Propriedade Industrial.
A marca nominativa seria a apresentada da forma mais convencional, por inscrições em letras latinas e algarismos arábicos ou romanos, formando uma única palavra, ou uma combinação destas, de forma que possam ser lidas e entendidas.
A marca figurativa é representada por desenhos, figuras, símbolos ou combinação destes, de forma colorida ou não, com letras estilizadas e de uma maneira decorativa peculiar, não obrigatoriamente do alfabeto latino.
Já a marca mista é aquela que mescla os dois tipos trazidos acima, em que há uma combinação do que seria enquadrado exclusivamente como marca nominativa e do que seria marca figurativa.
Por fim, a marca tridimensional que, nas palavras de Gabriel di Blasi, Mario S. Garcia e Paulo Parente M. Mendes (1997), é aquela constituída pela forma particular não funcional e não habitual dada diretamente ao produto ou a seu recipiente.
2.1 – DA FUNÇÃO
Conforme dito alhures, a marca só terá sentido quando for capaz de distinguir o produto ou serviço dos demais que estão inseridos no mercado de atuação. De tal forma, subentende-se ser função essencial, e até primária do signo, ter o poder de ressaltar a mercadoria objeto de negociação.
Diferenciando o produto ou serviço daqueles outros semelhantes que estejam no mercado, a marca estará assumindo o seu papel primordial, de ressaltar a mercadoria das demais que estão sendo oferecidas. Assim:
Na realidade, a marca deve ser distintiva, de modo a individualizar o produto assinalado, diferenciado-o de seus congêneres. Pouco importa o motivo pelo qual a marca distingue o bem, seja por meio da sua origem, da sua qualidade ou de uma outra característica qualquer, pois o fundamental para que um sinal seja considerado como marca é que esse desempenhe a função distintiva, em sua essência, isto é, que o signo seja diferenciador e apto a individualizar o bem entre os seus concorrentes. (DE SIERVI, 2006, p. 9)
De acordo com o previsto no artigo 6 da Convenção da União de Paris, item B.2, em não havendo qualquer caráter distintivo, poderá haver a recusa ou a invalidação do registro de uma marca.
Com efeito, a utilização de uma marca, como tal, só faz sentido quando não coincidir com outras já existentes ou quando não forem sinais ordinários, incapazes de identificar de forma específica um produto ou serviço. Portanto, fica claro que:
A marca tem de distinguir. Se não distingue, não é sinal distintivo, não assinala o produto, não se lhe podem mencionar elementos característicos. Confundir-se-ia com as outras marcas registradas, ou apenas em uso, antes ou após ela. Adistinção da marca há de ser em relação às marcas registradas ou em uso, e em si mesma; porque há marcas a que falta qualquer elemento característico, marcas que são vulgaridades notórias. (PONTES DE MIRANDA, 1956, p. 7)
Além da função de distinguir, a marca atua como identificadora da proveniência daquele produto ou serviço. O signo serve como identificador da origem, no sentido de que garante ao consumidor aquelas qualidades que ele já conhece na mercadoria que está sendo comercializada.
Em sendo constantes as características oferecidas pelo produto ou serviço, e sendo estas cativantes em seu público-alvo, a escolha da marca que oferece tais características ao consumidor acontecerá baseada na garantia do que lhe está sendo oferecido.
Na visão de Gabriel di Blasi, Mario S. Garcia e Paulo Parente M. Mendes (1997), ela atua, na essência, no plano comercial e em dupla função: do ponto de vista público, na defesa do consumidor, evitando confusão; e do ponto de vista privado, auxiliando o titular no combate à concorrência desleal.
Presume-se assim que a marca atua como defensora do próprio empresário, individualizando o seu produto, e do consumidor, identificando o que lhe é desejável, sendo benéfica em ambos os sentidos. Portanto:
À primeira vista caberia pensar que a marca é simplesmente um instrumento a serviço dos interesses dos titulares das marcas que por meio destas reforçariam sua posição no mercado. Mas o certo é que a marca protege não apenas o interesse particular da empresa, mas também o interesse geral dos consumidores. (FERNÁNDEZ-NOVOA, 1984, p. 44, tradução nossa)[1]
A marca acaba tendo uma função publicitária, de divulgação do que está sendo comercializado. A construção de uma marca forte, calcada em idéias capazes de persuadir e conquistar o seu público-alvo, traz ao empresário o reconhecimento necessário para o seu produto ou serviço, fundamental para o sucesso econômico. Daí porque, a marca pode ser vista como uma base para a comercialização.
2.2 – DA REGISTRABILIDADE
De acordo com expressa previsão no artigo 122 da Lei nº 9.279/96, podem ser registrados como marca aqueles sinais distintivos visualmente perceptíveis, desde que não haja expressa vedação legal para tanto.
Portanto, percebe-se que não há determinação de um rol do que poderia ser registrado como marca, mas sim uma generalização, excetuando-se aqueles termos em que haja expressa vedação legal, e que estão listados no artigo 124 da mesma lei. No entanto:
O caráter distintivo da marca requer, ainda, que esta seja composta por sinais que possam ser livremente apropriados por seu titular. Logo, não pode ser registrado como marca um termo que seja, por exemplo, necessário para designar o produto ou serviço ao qual este se destina. Afinal, não seria correto atribuir, ao titular da marca, o direito exclusivo de se apropriar de palavra de uso comum ou necessário, sem a qual os comerciantes do mesmo bem não poderiam descrevê-lo. (DE SIERVI, 2006, p. 22)
Assim sendo, pode-se afirmar que a legislação brasileira optou pela criação de um rol negativo. Vista a amplitude de possibilidades que podem surgir, preferiu excetuar aqueles sinais que jamais poderiam ser objeto de pedido de registro como, por exemplo, brasão oficial, símbolo de evento esportivo.
De tal forma, ratificando esta imensa possibilidade criativa, preconiza a doutrina:
Imprime feição à marca o elemento distintivo, representado por qualquer nome, sinal ou desenho que, à primeira vista, atraia a atenção, por qualquer emblema saliente ou por quaisquer palavras que se imponham ao sentido ou à memória. As suas formas são tão infinitas quanto à imaginação possa conceber ou a habilidade sagaz na arte do reclamo venha a sugerir. (CARVALHO DE MENDONÇA, 1995, p. 252/253)
Importante notar que não é requisito para utilização da marca o seu prévio registro. A concessão de titularidade garante a exclusividade ao seu titular, contudo, em não havendo interesse em ter a sua marca registrada, o empresário pode utilizá-la, desde que não haja outra similar.
Contudo, ainda que não esteja albergado pela proteção conferida pela Lei de Propriedade Industrial, a pessoa ou empresa que se utilize de uma marca não registrada para designar o seu produto ou serviço poderá aplicar as regras que reprimem a prática da concorrência desleal, conforme trazido por Amanda De Siervi (2006).
Desde já é importante ressaltar que não é exigida uma criatividade superveniente para a possibilidade de concessão do registro de uma marca, o que se exige é, na verdade, uma novidade relativa.
É perfeitamente possível o registro, como marca, de uma palavra ou expressão que já exista, não tendo sido criada naquele momento, desde que seja utilizada pela primeira vez para identificar aquele produto ou serviço.
Assim sendo, são estabelecidos como requisito para a concessão do registro da marca a novidade relativa, o desimpedimento – observando os requisitos negativos do artigo 124 da Lei nº 9.279/96 – e a não colidência com marca registrada ou marca notória, cujos comentários são trazidos a seguir.
O requerimento de registro de marca ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), de acordo com o artigo 128 da Lei nº 9.279/96, poderá ser feito por qualquer pessoa física ou jurídica de direito público e privado, observando que:
Para fazê-lo, as pessoas naturais e jurídicas de direito privado deverão declarar que se trata de marca relativa à atividade que exerçam efetiva e licitamente de modo direto ou através de empresas que controlem direta ou indiretamente, assumindo as conseqüências jurídicas de eventual falsidade. (MAMEDE, 2007, p. 230)
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial, pelo Ato Normativo nº 0051, de 27 de janeiro de 1981, classificou os serviços e os produtos por classes, com o intuito de facilitar o enquadramento pelo requerente no momento do pedido de registro.
As classes foram constituídas pelo agrupamento de atividades análogas, funcionando como um guia que servirá para que haja uma convergência entre a área de atuação do empresário e o campo de proteção buscado.
Neste sentido, percebe-se que a proteção conferida pelo registro no INPI é, de certa forma, relativizada, uma vez que abrange tão somente a classe em que está inserida a marca representativa do produto ou serviço.
Por tal razão que, no mercado brasileiro, é possível identificamos marcas idênticas ou similares representando produtos ou serviços totalmente distintos, sendo que não fazem parte de um mesmo grupo econômico. É o caso, por exemplo, da marca Veja, utilizada para produto de limpeza e para uma revista semanal.
Desta forma, a partir da concessão do registro da marca ao requerente, aquela estará protegida, a princípio, apenas na classe em que foi solicitada. No entanto, válido ressaltar a exceção trazida pelo artigo 125 da Lei nº 9.279/96, que garante uma proteção especial para as marcas de alto renome.
Igualmente é válido trazer a consideração de Gabriel di Blasi, Mario S. Garcia e Paulo Parente M. Mendes (1997), de que a marca considerada de alto renome não pode ser aplicada a nenhum outro produto, artigo ou serviço, qualquer que seja a classe, impedindo-se, com isto, que a reprodução por outro induza o consumidor à confusão.
A legislação tão somente garante uma proteção estendida em todos os ramos de atividades, àquelas marcas registradas no Brasil e consideradas de alto renome, contudo, não identificou quais seriam os elementos caracterizadores deste status.
Este diferenciador à marca pode ser concedido tanto pelo próprio Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que em 2004 editou uma resolução sobre os meios de requerimento, ou pela via judicial.
A concessão do registro dar-se-á com base na análise de provas lícitas apresentadas pelo requerente que comprovem a identificação de qualidade do produto ou serviço pelo grande público e a sua qualificação no mercado. Nota-se assim que o aceite ou não, pelo órgão, do requerimento de alto renome da marca é altamente discricionário, uma vez que não há na lei previsão específica sobre quais requisitos devem ser preenchidos para tal enquadramento.
Importante salientar que difere de marca de alto renome a marca notoriamente conhecida, sendo que esta última caracterização foi trazida primeiramente pela Convenção da União de Paris para proteção da Propriedade Industrial, constando na Lei nº 9.279/96, no seu artigo 126, como aquela que é notoriamente conhecida em seu ramo de atividade, gozando de proteção especial, independente de previamente depositada ou registrada no Brasil.
2.3 – DO PROCESSO DE REGISTRO
No que tange ao processo de registro das marcas, inicialmente, torna-se necessário ressaltar que o sistema de reconhecimento legal de marca adotado no Brasil é o atributivo, ou seja, o titular só adquire a propriedade e o direito de exclusividade ao uso da marca em todo o território nacional, após lhe ser deferido o pedido de registro.
Neste sentido, possuirá o direito de exclusividade ao uso da marca aquele que primeiramente a tenha como registrada. Contudo, existem duas exceções, que devem ser tratadas, no sistema atributivo, quais sejam: a hipótese de marca notoriamente conhecida, conforme citado alhures, e o direito de precedência ao registro, que será tratado a seguir.
Uma vez feito o pedido de registro, a repartição governamental competente procederá ao depósito desta solicitação, após realizar uma análise preliminar dos requisitos estabelecidos em lei, concedendo um número ao depositante e fixando a data correspondente ao mesmo.
A data de depósito garante ao requerente uma vantagem para a anterioridade, de modo que, após tal período, não poderá ser conferido o registro de marcas colidentes com aquela.
Em acordo com o artigo 158 da Lei de Propriedade Industrial, o pedido será publicado em até 60 (sessenta) dias com o intuito de que sejam apresentadas, em havendo, quaisquer oposições.
A oposição poderá ser apresentada por terceiros que demonstrem atuarem no mesmo setor mercadológico do requerente e que utilizem marca igual ou similar, suscetível de gerar confusão no consumidor. Assim leciona Gabriel di Blasi, Mario S. Garcia e Paulo Parente M. Mendes (1997), que se a marca serve para diferenciar produtos ou serviços em mercados concorrentes, não se admite a possibilidade de confusão – entre produtos de diferentes origens – derivada da semelhança de seus sinais.
Desse modo, torna-se fundamental na análise de registro de uma marca, a consideração da possibilidade efetiva de confusão que esta venha a trazer para o consumidor. Sendo nula, em virtude da clara diferença do produto ou serviço oferecido, não há sentido num indeferimento, contudo, a possibilidade real de confundir o público-alvo é levada em conta no momento de análise.
Com base nestas questões, a distintividade de uma marca não pode se confundir com a sua originalidade, mas sim com a classe de produtos ou serviços em que está sendo enquadrada para inserção no mercado. Quanto a esta questão, pronunciou-se a Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, que assegurou ao requerente, cujo pedido tinha sido negado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o registro de uma marca similar à outra já existente, argumentando que assinalam produtos bastante diferentes e que, portanto, não haveria riscos na sua coexistência.
Vencidas as etapas de oposição e análise do pedido, o certificado de registro será expedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, tão logo sejam comprovadas o pagamento das custas relativas, que deverá ocorrer num prazo de, também, 60 (sessenta) dias. Ainda sobre o assunto, será válido ressaltar que:
Na análise dos pedidos de registro de marcas e patentes, o INPI verifica se estão presentes os seus pressupostos, se não existe qualquer violação de outros tantos dispositivos legais e, por fim, confere ou não os direitos pleiteados pelos particulares. (ABRANTES, 1994, p. 67)
Muito embora pareça um procedimento célere, atualmente o prazo para concessão de uma marca é de 18 (dezoito) meses, isto porque, hoje em dia, o método de análise do órgão foi simplificado, uma vez que, anteriormente, o prazo era de 3 (três) a 4 (quatro) anos.
Torna-se necessário ressaltar a previsão do artigo 129, parágrafo 1º da Lei nº 9.279/96, que trata da hipótese do direito de precedência ao registro, já citado acima, em que é excetuada a prioridade de registro para aquele que tenha primeiramente depositado a solicitação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Isto se dá quando o terceiro de boa-fé utilizava, no território nacional, marca idêntica ou semelhante, para distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, 6 (seis) meses antes da data de depósito.
Em sendo identificada tal hipótese, o terceiro pode requerer que lhe seja assegurado o direito de precedência ao registro, quando lhe serão assegurados os direitos de titular da marca.
2.4 – DOS DIREITOS E DA DURAÇÃO DO REGISTRO
Uma vez concedido o registro da marca pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o titular passa ter direito ao uso exclusivo desta em todo o território nacional pelo prazo de 10 (dez) anos, conforme artigo 133 da Lei nº 9.279/96.
O prazo de validade do registro começa a ser contado a partir da data de sua concessão, sendo que poderá ser prorrogado por períodos iguais e sucessivos, cabendo ao titular requerer a renovação no último ano do decênio, junto com o comprovante de pagamento de custas.
É admitido, nas hipóteses em que o prazo para prorrogação do pedido tenha sido perdido, que o requerimento de renovação seja apresentado nos 6 (seis) meses seguintes ao término final do prazo de vigência devendo, contudo, ser paga uma retribuição adicional.
Na lição de Gladston Mamede (2007), o titular tem poder de zelar pela integridade material da marca, bem como por sua reputação, podendo agir administrativa ou judicialmente contra licenciado ou terceiros.
O termo licenciado, usado acima, refere-se à faculdade concedida ao titular da marca de ceder o seu pedido ou o registro que já tenha sido atendido, conforme previsto no artigo 130 da Lei de Propriedade Industrial, ressalvando que, para que tenha validade perante terceiros, o contrato entre as partes deve ser registrado perante o INPI.
A Lei de Propriedade Industrial traz previsões da possibilidade de utilização de medidas judiciais, tanto no âmbito cível como no criminal, para fins de coação da utilização indevida do seu sinal distintivo.
Conforme tratado por Amanda De Siervi (2006), a proteção legal abrange, não apenas, a aposição direta da marca no produto ou serviço que assinala, mas também, o seu uso em papéis, impressos, propagandas e demais documentos relacionados à atividade do titular do sinal marcário.
São medidas judiciais específicas, trazidas pela Lei de Propriedade Industrial a serem utilizadas pelo seu titular com o intuito de zelar pela integridade da sua marca, a apreensão administrativa, que pode ser de ofício ou a requerimento pelas autoridades alfandegárias; a busca e apreensão; e, a reparação de danos.
Explicitamente, o artigo 208 do texto legal citado alhures, determina que caberá o pagamento de indenização ao titular da marca pelo violador, baseada nos benefícios que o prejudicado teria auferido caso não houvesse a utilização indevida.
Contudo, válido é ressaltar que:
[...] não é lícito ao titular da marca impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem, com seu consentimento, ou impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo [...]. (MAMEDE, 2007, p. 238)
Notadamente, a atuação do titular da marca está resguardada e assegurada pelo texto legal contra aquele que atua sem a autorização e objetivando receitas com o uso do sinal distintivo.
Portanto, muito embora seja amplamente assegurada e defendida a ação daquele que possui o registro, o seu cabimento deve ser analisado em cada caso concreto, uma vez que a simples utilização por terceiros não configura uma violação, levando-se em conta que esta pode estar assegurada em outros direitos, como a cessão de uso, ou até mesmo numa simples citação bibliográfica, o que, claramente, não pode ser classificado como uma violação aos direitos de outrem.
2.5 – DAS HIPÓTESES DE EXTINÇÃO E DE NULIDADE
Primeiramente, em sendo vencido o prazo de vigência de 10 (dez) anos previsto em lei, e não havendo o requerimento de renovação, considerar-se-á extinto o registro e os direitos do seu titular.
Ademais, Tavares Paes (2000) leciona que é nulo o registro que for concedido em desacordo com as disposições da lei, podendo a nulidade ser total ou parcial, desde que seja possível a continuidade da marca com apenas parte do que fora inicialmente registrado. O artigo 173 da Lei de Propriedade Industrial diz que a ação de nulidade pode ser proposta tanto pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, como por qualquer pessoa com legítimo interesse.
No entanto, válido é ressaltar o posicionamento de Guilherme de Mattos Abrantes (1994) de que, em sendo a ação de nulidade contrária a um ato administrativo praticado pelo INPI, haveria confusão processual entre autor e réu, caso este figure no pólo ativo da pretensão.
Assim sendo, ficaria a previsão expressa em texto legal sem sentido, uma vez que seria evidente a atrapalhação que haveria entre aquele que figuraria como autor e como réu da eventual ação.
O prazo para proposição da ação de nulidade do registro da marca é de 5 (cinco) anos, quando verificado que a concessão do registro do sinal pelo INPI não observou, por exemplo, a colidência com uma marca já existente.
Conforme exemplo trazido por Marcelo Gazzi Taddei (2006), foi o que ocorreu quando os titulares da marca Creolina requereram a nulidade da marca Criolinha, cujo registro tinha sido concedido na mesma classe da atividade da primeira. A nulidade foi justificada em razão da evidente confusão fonética.
Outrossim, como previsto no artigo 143 da Lei nº 9.279/96, poderá ser requerida a caducidade da marca quando não for iniciada a sua utilização pelo prazo de 5 (cinco) anos ou quando houver a sua interrupção pelo mesmo prazo. Assim:
Quando um registro não é utilizado dentro do prazo de cinco anos que precede a apresentação do pedido de caducidade, é passível de ser extinto. O referido pedido só poderá ser apresentado após decorridos cinco anos da concessão do registro da marca. (DE BLASI; GARCIA; MENDES, 1997, p. 179)
Levando-se em conta que o pedido de registro da marca foi requerido para a distinção de um produto ou serviço no mercado, torna-se necessária a sua efetiva utilização; a sua abstenção por um determinado prazo, ou mesmo a sua falta de utilização, justificaria a extinção de quaisquer direitos ao seu titular, vez que restringindo o uso a terceiros, não estará sendo beneficiado ninguém, pois o titular não efetivou o direito que lhe fora concedido.
Note-se que a efetiva proteção ao direito adquirido pelo titular quando do registro da sua marca, está intimamente relacionada com a utilização desta no mercado, levando-se em conta que não há que se falar em proteção quando não se poderia lesar o titular de um direito que não é gozado.
Dentre as hipóteses de extinção do registro da marca, há que se citar a possibilidade de renúncia do titular, ou de seus sucessores, do registro do sinal distintivo que lhe fora concedido, podendo esta abdicação ser total ou parcial. Ademais:
A renúncia é o meio de que dispõe o titular do registro para provocar sua extinção antes do transcurso do prazo decenal, pois é claro que a perda da marca ocorrerá de qualquer modo diante da falta de prorrogação do registro. A possibilidade de renúncia expressa oferece a vantagem de o abandono produzir efeito imediato, implicando a extinção do direito de propriedade. (OLIVEIRA, 2004, p. 19)
Por fim, a não observância pelo titular da marca do disposto no artigo 217 da Lei nº 9.279/96, também será fato gerador para a extinção do direito marcário. Por meio deste dispositivo legal, ficam as pessoas domiciliadas no exterior obrigadas a constituir e manter um representante legal no Brasil, com poderes para receber citação, podendo atuar tanto administrativa, como judicialmente.
3 DEGENERAÇÃO
Conforme descrito no tópico anterior, para atuar no mercado o empresário buscará construir uma marca que possa identificar o seu produto ou serviço com o passar dos anos, um sinal que faça com que a sua mercadoria seja reconhecida pelo público-alvo. A construção de uma marca forte é sinônimo de recompensa financeira.
Objetivando alcançar a difusão da sua marca, são investidas altas quantias de dinheiro em publicidade, com o intuito de tornar aquele signo conhecido do grande público, fazendo com que o produto ou serviço seja tido como único no mercado, podendo ser distinguido dos outros pela marca representativa destes. É neste momento que a marca assume a sua função primordial, qual seja, distinguir o produto de um empresário dos demais existentes no mercado em que ele está competindo.
O fenômeno da degeneração é identificado neste momento. Com os investimentos feitos em publicidade e divulgação do sinal distintivo representativo do produto ou serviço, a marca passa a ter um reconhecimento perante o público em geral, que acaba identificando com mais facilidade o signo com a mercadoria que ele representa no momento de adquiri-lo, exatamente o que é desejado pelo empresário. Segundo Maurício Lopes de Oliveira (2004), o fenômeno de degenerescência geralmente ocorre devido ao excesso de fama.
No entanto, concomitantemente com este efeito desejado pelo titular da marca, a generalização pode prestar ao empresário o efeito antagônico ao desejado: a desqualificação da identificação do produto ou serviço. Com o passar do tempo, aquele mesmo consumidor, que foi fundamental ao sucesso daquela marca no mercado, termina por confundi-la com o próprio bem que lhe é oferecido. Esta é a opinião da doutrina especializada:
O fenômeno de que falamos consiste na substituição do produto pela marca que o assinalar, generalizando-se de tal forma que a marca acaba por perder o seu caráter distintivo, condição essencial de validade da mesma. Perdendo o seu caráter distintivo, perde a marca a sua própria função essencial, que é a de identificar e diferenciar o produto que assinala dos demais produtos de origem diversa, não mais distinguido-os, (GUSMÃO, 1989, p. 4)
Ainda sobre o assunto, Maitê Moro (2003) afirma que esta aproximação da marca com o produto, obtida pelo sucesso que faz a marca, acaba por favorecer a confusão e vulgarização desta mesma.
Levando-se em conta a função essencial da marca, qual seja, distinguir um produto no mercado, a perda deste sentido maior acaba pondo fim ao seu próprio sentido jurídico, porque:
A participação do público no processo degenerativo da marca é fundamental para a sua configuração, pois a vulgarização do sinal decorre da maneira por meio da qual o público passa a percebê-lo, ou seja, é entre as pessoas em geral que se dissemina o entendimento de que aquele termo transformou-se na designação comum do produto ou serviço. (DE SIERVI, 2006, p. 208)
Com base nestas considerações, percebe-se o antagonismo existente pelo sucesso alcançado, que era objetivo do empresário ao iniciar a divulgação da sua marca; um sucesso que, diferentemente do esperado, pode transformar o seu sinal distintivo em mais uma palavra comum, de domínio público, sem que tenha força para distinguir o seu produto ou serviço. Assim:
A marca, tanto mais de indústria, que se generaliza e, até, se universaliza, tornando-se, de tão conhecida, comum, de tal sorte que dê a impressão de que se trata de marca genérica ou necessária, é a que atingiu o seu escopo. Essa é a grande marca - a que venceu. Quando alcança essa fase, ela se suicida. Cai no domínio público. (GHIRON, 1939, p. 126)
Talvez seja um tanto forçado pensar que a grande marca, a vencedora, é aquela que conseguiu ser confundida com o próprio produto ou serviço do setor em que atuava. Com certeza, o interesse do empresário é torná-la conhecida, entretanto, a intenção é de que com esta divulgação haja um maior conhecimento do produto ou serviço, tornando-o mais atrativo ao olhar do consumidor, e não que a divulgação da marca a torne tão difundida, que a incapacite de distinguir o bem do empresário. Convergindo com este pensamento, vários estudiosos pronunciam-se:
Sob o aspecto econômico e de proteção de marca, tal fato pode ser prejudicial ao titular em questão, pela dificuldade que este terá de impedir que terceiros usem sua marca, por esta ter-se transformado no nome do próprio produto. (DE BLASI; GARCIA; MENDES, 1997, p. 161)
Surge então, o questionamento de que a notoriedade excessiva, a ponto de transformar a marca em designação genérica de um produto ou serviço, não retira toda e qualquer proteção que lhe foi conferida quando da obtenção do registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
Para fins de ilustração, válido será enxergar as diversas etapas que uma marca pode alcançar como o escalar de uma escada: nos primeiros degraus estão aquelas marca "novas", cujo registro é atual e ainda estão em fase de reconhecimento pelo grande público; nos degraus intermediários estão as marcas notoriamente conhecidas, aquelas que já são reconhecidas no mercado; no topo da escada estão as marcas de alto renome, sendo este o ápice de divulgação de uma marca; e, por fim, nos degraus que descem, está a marca degenerada.
3.1 – DA PERDA DA DISTINTIVIDADE
Ao tratar a marca num processo de degeneração como em decadência nas etapas que podem ser classificados os signos distintivos, uma vez que representativa dos supostos degraus que descem, percebe-se que, neste estágio, o sinal já não alcança a sua função essencial: distinguir o produto ou serviço no seu ramo de atuação.
Segundo entendimento de Amanda De Siervi (2006), a única função realmente essencial ao sinal marcário, sem a qual ele sequer poderá ser considerado como uma marca, é a distintiva.
Pactuando de tal posicionamento, torna-se necessário relatar que ao ultrapassar a linha tênue entre o que seria a notoriedade e a vulgarização, o sinal termina por não alcançar mais o objetivo para o qual foi pensado, por conta de não ser mais capaz de identificar a mercadoria no mercado pela simples exposição do sinal distintivo.
O que outrora servia como identificador, como diferencial dos demais que estavam sendo oferecidos, passa a ser visto como algo geral, como uma qualidade, como uma identificação da classe, do gênero, do material que está sendo oferecido, uma vez que, ao consumidor, a marca não mais representa o produto ou serviço com exclusividade.
O conflito surge, exatamente, quando a difusão, de tão excessiva que venha a ser, acaba gerando o efeito de não mais ser exclusiva. Na mente da sociedade, aquela marca de um empresário não mais distingue o seu produto ou serviço, mas toda uma classe em que este está inserido. Assim:
A degeneração é altamente prejudicial ao empresário, por que a marca deixa de cumprir a sua função essencial. Todos os investimentos em publicidade para tornar a marca notória podem se perder, pelo exagero de notoriedade. Os investimentos para reverter o processo de degeneração em curso, por sua vez, devem ser tão ou mais elevados, e sua eficácia não é garantida, podendo até mesmo contribuir para degenerar ainda mais a marca. (COELHO, 2001, p. 166)
Posto de tal forma, é válido ressaltar que a identificação deste processo é bastante difícil, isto porque, conforme dito alhures, trata-se de uma "linha" bastante tênue. Trata-se de um processo que ocorre lentamente, cujos elementos identificadores são bastante minuciosos.
Neste momento surge a contrariedade, já que a concessão do direito de titularidade da marca pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) concede o direito de exclusividade, no entanto, quando há a vulgarização da marca no mercado, a continuidade do registro não atinge o seu efeito prioritário descrito acima. Daí surge um fenômeno bastante curioso. O titular possui um registro da marca válido, todavia, o principal objetivo buscado por esta titularidade não é mais garantido, qual seja, a exclusividade.
3.2 – A ATUAÇÃO DOS CONSUMIDORES E DO TITULAR DA MARCA
O fenômeno da degeneração ocorre de forma lenta, porém progressiva, e de difícil percepção, uma vez que ocorre maquiado sob uma forma de ampla divulgação da marca do empresário perante a sociedade, o que é desejado e buscado por ele.
Torna-se imperioso demonstrar o papel fundamental dos consumidores no processo de perda de distintividade da marca, isto porque a confusão é trazida por estes mesmos, a partir do momento que enxergam a marca de um empresário como um produto ou serviço.
Ratificando esta linha de pensamento:
A degeneração de marca notória é um interessante fenômeno mercadológico, que se verifica quando os consumidores passam a identificar o gênero do produto pela marca de um de seus fabricantes (cf. Sampaio, 1995). Marcas como aspirina, gilete e fórmica encontram-se degeneradas, na medida em que deixara de identificar certo produto, fornecido por um determinado empresário, e passaram a se referir ao gênero, incluindo produtos concorrentes. (COELHO, 2001, p. 166)
O que ocorre na verdade é uma mudança na forma de percepção do produto ou serviço no mercado pelos consumidores, já que aquela marca tida como favorita, por exemplo, passa a ser confundida com o produto que ela representava; o consumidor passa a se referir à marca como se o próprio bem fosse. Portanto, conforme ressaltado por Amanda De Siervi (2006), trata-se da constatação de um fato social, contra o qual, muitas vezes, o titular nada pode fazer, tendo em vista o entendimento difundido entre os consumidores acerca da degeneração do sinal.
Na maioria das vezes, o titular da marca tem sido posto como vítima de um processo que, muito embora ocorra sem má-fé daqueles que atuam como sujeito ativo, fere o direito concedido àquele.
A análise da postura adotada pelo empresário num estudo do processo que venha a ferir o direito deste, é mais do que fundamental, tendo em vista que a atuação passiva ou ativamente pode fazer grande diferença na sua caracterização.
No entendimento de Amanda De Siervi (2006), algumas vezes a própria vontade do titular da marca pode ser considerado como fundamento principal do processo de degenerescência desta.
A atuação cega do empresário que busque uma publicidade massificada da sua marca, vinculando-a cada vez mais com o próprio produto ou serviço, termina por ser peça fundamental para que haja uma confusão na mente do público-alvo:
Dessa forma, a vontade do titular da marca será fundamento para a degeneração quando o comerciante efetivamente contribuir para a vulgarização do seu sinal, via de regra reforçada pela publicidade, visando a tornar o seu sinal notório. (DE SIERVI, 2006, p. 214)
É evidente que não há como o titular da marca controlar o entendimento geral de toda a sociedade. A associação da marca ao nome do produto ou serviço acaba acontecendo de uma forma bastante natural, sem que seja percebido como uma violação de direitos; o que efetivamente não é, já que não há como se falar em intenção de causar prejuízos, o que há, tão somente, é a mera confusão na cabeça do consumidor alvo da divulgação do bem.
Portanto, o controle que deve haver é do titular da marca no momento de divulgação do seu produto ou serviço, cuidando sempre para manter um afastamento entre o que seja o gênero e o que é a sua marca, utilizando-se, sempre que possível, do que seja o nome comum. De tal forma, ao mesmo tempo em que o empresário consegue que a sua marca torne-se conhecida perante o grande público, evita que estes mesmos a tenham como algo geral.
Assim sendo, conforme exposto acima, a atuação do titular da marca num processo de degeneração desta pode se dar de forma ativa ou passiva.
Na primeira hipótese, atuaria de forma direta contribuindo para uma má associação entre o seu signo distintivo e o produto. Por exemplo, por meio de uma campanha publicitária ruim, o titular favorecerá uma vinculação entre o que é o produto e a marca, nas palavras do professor José Roberto Gusmão (1996), dar-se-ia a degeneração quando a marca passa a referir o próprio produto, o que muitas vezes é causado pelo uso inadequado da marca pelo titular da mesma ao veicular propagandas que induzem a esta confusão.
Conforme trazido por Hélio Fabbri. Jr. (1996), foi o caso da marca Tabasco nos Estados Unidos, que passou a ser utilizada como uma espécie de pimenta, por conta de uma campanha publicitária do seu titular que dizia: "Tabasco é pimenta e pimenta é Tabasco".
Enquanto na segunda hipótese, pela forma passiva, o titular da marca, verificando que esta passa por um processo degenerativo, nada faz para tentar impedi-lo ou, ao menos, prolatá-lo.
Neste sentido, pode-se dizer que:
Enfim, parece possível argumentar que a degeneração de uma marca pode depender da atividade determinante do titular por buscar e compelir sua proteção. Sendo assim, para proteger o registro de uma ação de revogação no sentido de que a marca está se tornando ou se tornou uma designação geral, o proprietário tem que atuar continuamente e regularmente contra qualquer abuso de sua marca representando uma expressão comum e não um indicador de origem. (JACOBACCI, 1999, p. 182, tradução nossa)[2]
Conforme já tratado no Tópico 2 do presente trabalho, a lei prevê que o titular da marca atue para impedir que outrem utilize-se do seu signo, ou seja, atuando na proteção do seu sinal distintivo. Todavia, cumpre salientar que a atuação do empresário, muito embora seja necessária para evitar a degenerescência, pode não ser eficaz, uma vez que independe da vontade deste a reversão deste processo, que está diretamente relacionado com o imaginário criado pelos consumidores sobre aquele produto ou serviço.
3.3 – A DIFICULDADE NA IDENTIFICAÇÃO
Conforme já tratado alhures, o processo de perda de distintividade de uma marca ocorre de forma lenta, sendo que a sua identificação passará por um processo minucioso, de identificação de critérios que não estão estabelecidos em lei, mas que claramente identificam que aquela marca não mais oferece exclusividade ao seu titular. Neste sentido:
A degeneração da marca parte de um paradoxo, que possui uma linha limítrofe muito tênue e difícil, para não se dizer impossível, de controlar. Este paradoxo demonstra que quanto mais uma marca faz sucesso, mais ela tende a identificar o produto e mais sólida e durável é sua notoriedade, mas ao mesmo tempo essa aproximação marca-produto potencializa a confusão e vulgarização da marca. Ou seja, uma marca de sucesso pode transformar-se no nome genérico de um produto. (MORO, 2003, p. 134/135)
Assim sendo, percebe-se que a ausência de legislação que possa enquadrar o fenômeno da degeneração termina por causar grande confusão quando da identificação de quando uma marca pode ser considerada generalizada; a partir de que momento não se pode falar mais em distintividade daquele sinal diante dos demais produtos ou serviços que estão sendo oferecidos.
Ratificando tal entendimento:
Não há, contudo, um marco determinado, a partir do qual a marca notória degenera. Há marcas notórias que não degeneraram, e muito provavelmente não serão vulgarizadas, apesar de sua estreita relação com o público consumidor. Há outras, entretanto, que não obstante os esforços contrários de seu titular, são logo vistas pelo público como sinônimo de produto que designam. (DE SIERVI, 2006, p. 218)
Esta dificuldade termina por inviabilizar, ou melhor, dificultar, a atuação do próprio titular da marca, que dificilmente conseguirá precisar o momento em que a sua marca não mais garante a identificação do seu produto ou serviço no mercado.
Ademais, o vazio existente por conta de não haver previsão específica sobre a consideração da perda de distintividade de uma marca, termina por gerar certa insegurança aos titulares, tendo em vista que, sem tais parâmetros, é possível que ocorram graves ameaças ao direito do seu titular, isto porque:
Difícil é saber, ao certo, quando a denominação perde o seu caráter arbitrário, passando ao domínio comum. A questão é delicada e, sob pena de se cometerem graves atentado à propriedade das marcas, deve ser encarada sempre com severo critério. (GAMA CERQUEIRA, 1982, p. 819)
De acordo com o exposto alhures, a identificação e a posterior comprovação de que uma marca está sofrendo degeneração dependerá da análise de cada caso concretamente, uma vez que não existem aspectos legais que configurem e determinem o momento exato em que ocorrerá tal fenômeno.
Partindo deste entendimento, concorda-se que o caso real dirá se aquele sinal distintivo já foi ou está sendo degenerado, bem como se existe uma possibilidade de atuação para evitar a continuidade daquele processo.
3.4 – MARCAS PROPENSAS À DEGENERAÇÃO
Considerando-se que a degeneração é um fenômeno que, indiscutivelmente, ocorre por conta de uma associação entre a marca de um titular e o gênero de um produto ou serviço pelos próprios consumidores, pode-se dizer que a marca que está propensa à degeneração é aquela que tenha reconhecimento no mercado.
Neste mister, válido ressaltar que este reconhecimento é a distinção que a marca possui no próprio mercado, diferentemente da marca que é considerada notória por reconhecimento judicial ou administrativo, conforme exposto no Tópico 2.
É possível, sim, que uma marca que seja considerada notória venha a ser degenerada, no entanto, aquele não é um requisito para este; é possível que uma marca cujo reconhecimento de notoriedade não lhe seja conferido, venha a degenerar pelo conhecimento que possua dentre a população.
Existem situações, todavia, que por conta do que representam na sociedade, acabam sendo facilitadoras do processo de degenerescência da marca representativa do produto ou do serviço, quais sejam, aqueles que são patenteados e aqueles que são inovadores no mercado.
Pela própria exclusividade que têm na atuação no mercado, estes produtos confundem os consumidores quanto o que seria o termo designativo daquela mercadoria e o que seria o sinal distintivo do comerciante.
Como se sabe, a marca e a patente são institutos distintos, assim como a proteção conferida a estes. O empresário que detinha a patente, tão logo esta seja vencida, passará a concorrer com outros naquele mercado.
Neste momento, poderá ocorrer uma confusão na mente da sociedade, que estava habituada a comprar um produto sempre com a mesma marca, não por preferência, mas por ser a única que existia no mercado. A partir do momento em que outras passam a concorrer, o produto que elas negociam pode ser reconhecido pela marca antes representativa daquele empresário que detinha a patente, isto porque:
Muito embora os sistemas da patente e marcas tenham diferentes propostas legais e concedam uma proteção legal diversa, a realidade comercial e a percepção do público freqüentemente não fazem distinção entre os significados legais deles e a sua atuação. (JACOBACCI, 1999, p. 175, tradução nossa)[3]
Fenômeno bastante similar ocorre com aqueles produtos que sejam inovadores no mercado. Atuando em um momento em que sejam exclusivos, pode ocorrer, por parte dos consumidores, uma livre associação da marca com o produto ou serviço que esta representa.
Tão logo passem a existir outros atuando no mesmo setor, pode haver uma dificuldade por parte da sociedade em distingui-los, uma vez que estavam habituados a consumir aquela marca como representativa do seu conteúdo.
É o caso, por exemplo, do Ipod, o reprodutor de música em formato mp3 da Apple que foi lançado no mercado sem nenhum concorrente, sendo que, posteriormente, quando outros reprodutores de música vieram a concorrer com este, passaram a ser reconhecidos também como Ipod.
Neste mister, afirma Amanda De Siervi (2006) que ao comerciante caberia sempre se policiar para afastar a marca da denominação do seu produto, buscando uma denominação comum para o que seja negociado com o seu signo distintivo.
Novamente, conforme trazido acima, a atuação do titular mostra-se relevante para que não haja desconsideração daquela marca, especialmente nestas hipóteses em que a exclusividade, a novidade que aquele produto ou serviço traz ao mercado termina sendo um facilitador ao processo de enfraquecimento da marca. Neste sentido, o entendimento de que:
O comerciante deve utilizar-se de algumas medidas para prevenir a sua marca de perder a distintividade e se tornar genérica. Primeiro, se um produto totalmente inovador (e patenteado) for lançado, é sábio utilizar-se de dois nomes, uma servirá como determinação do produto, enquanto o outro servirá como nome da marca. Segundo, a utilização do termo "marca" depois da marca poderá ser utilizada como forma de educar o consumidor de que aquela palavra não é um nome genérico de um produto. Terceiro, o uso da palavra numa variedade de produtos relacionados além daquele especificamente pode prevenir os consumidores de utilizarem a marca como um termo genérico. (SCHECHTER, 1993, p. 65, tradução nossa)[4]
3.5 – A PROTEÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
Conforme tratado de maneira esparsa, ainda que, indubitavelmente, no Brasil possa ser identificado o fenômeno da degeneração, não há no texto legal pátrio nenhuma previsão sobre a possibilidade de desconsideração do registro de uma marca, por conta da perda de distintividade do sinal marcário.
Neste sentido, em sendo decorrido o prazo prescricional de cinco anos para argüição de nulidade do registro da marca, há que se observar as outras possibilidades de perda de registro, reiterando que nestas não se incluem a degeneração.
Assim sendo, conforme afirmado por Pontes de Miranda (1973), considerar-se-á a existência de um "registro oco", levando-se em conta a continuidade da vigência da titularidade da marca.
Ao se falar em "registro oco", entende-se que o direito concedido ao titular do registro daquela marca continuará vigente, ainda que os efeitos daquela concessão, especialmente a exclusividade, não possam mais ser assegurados a este.
Verificar-se-á então, um enfraquecimento daquele direito que fora concedido ao titular observando todas as regras e normas no momento do registro. Contudo, por conta de uma perda de distintividade alcançada pela marca, a registrabilidade não é mais capaz de assegurar uma exclusividade de uso ao seu titular.
Com base nesta questão, pode-se considerar que se esbarra num requisito legislativo, uma vez que a ausência de previsão legal da possibilidade de declaração de degeneração da marca, com a desconsideração do seu registro, leva a continuidade de um direito que nada mais assegura ao seu titular.
Isto porque, ainda que possua a titularidade, esta não poderá ser argüida como forma de afastar a utilização do sinal distintivo pela coletividade, levando-se em conta que perante a sociedade aquela marca não é mais representativa de um único produto e ou serviço.
De tal forma, muito embora não tenha como se falar em anulação do registro da marca, torna-se claro que a manutenção deste gera um direito vazio ao seu titular. Assim, é válido considerar o pensamento de que:
É certo, no entanto, que não obstante a ausência de previsão legal, a degeneração de um sinal é um fato que pode dar ensejo à anulação de seu registro, pois o signo não exerce mais a função distintiva, na medida em que se identifica com o próprio nome do bem que designa. (DE SIERVI, 2006, p. 245)
Em não havendo previsão legal para considerar a atuação do fenômeno da degenerescência sobre uma marca, verifica-se a continuidade de um signo que nada garante ao seu titular, já que este não pode se utilizar das medidas legais para garantir exclusividade do signo, conforme posição de Maurício Lopes de Oliveira (2004).
Uma vez que não é atingido o objetivo precípuo da concessão do registro da marca ao seu titular, tornar-se-ia perfeitamente viável a nulidade deste, uma vez que não há mais observância da sua principal característica, qual seja, garantir a exclusividade ao empresário.
3.5.1 – A posição do INPI
Por não haver expressa previsão legislativa que trate sobre a possibilidade de desconsideração do registro de marca por conta da degeneração desta, torna-se de suma importância verificar o posicionamento que tem sido adotado pelo INPI, no que tange a possibilidade de desconsiderar a titularidade do sinal distintivo de um produto ou serviço, levando-se em conta que a marca não exerce mais sua função primordial. Contudo:
É claro que a posição do INPI quanto à degeneração de signos distintivos serve mais como um termômetro, não devendo ser considerada como uma verdade absoluta, posto que a vulgarização de uma marca depende de diversos fatores, não podendo ser medida apenas pela conduta da Autarquia responsável pela concessão de registros, sobretudo porque o vetor determinante para a vulgarização é o comportamento do público em geral. (DE SIERVI, 2006, p. 246)
No entanto, a posição da autarquia federal pode ser utilizada como forma tanto de defesa do registro, quando indefere outros pedidos alegando coincidência com uma marca já registrada, ou como uma forma de demonstrar a degeneração, quando permite que terceiros adquiram o registro de uma marca já depositada.
Contudo, o posicionamento da autarquia deve ser considerado de forma bastante cautelosa, uma vez que, no caso da marca Ecoresort, por exemplo, cujo registro foi concedido em 1999, existem marcas cujo pedido posterior foram acolhidos pelo INPI, enquanto outros foram negados com base na colidência com a marca já existente.
3.5.2 – Posicionamento dos Tribunais
Até o momento, os Tribunais brasileiros não tiveram que se posicionar, expressamente, sobre a possibilidade de anulação do registro de uma marca, por conta da sua degenerescência. As ações, em sua grande maioria, foram propostas pelos titulares de uma marca com o intuito de assegurarem a sua exclusividade.
Neste sentido, válido trazer a sentença da 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro que foi desfavorável ao titular da marca Fresh, uma vez que possibilitou que esta continuasse sendo utilizada por outra empresa, para comercialização da bebida conhecida como Aquarius Fresh.
O titular da marca, cujo registro havia sido concedido em 1984, pleiteava uma indenização por danos materiais e a proibição do uso da expressão, sendo que, liminarmente, havia conseguido vedar a utilização da sua marca pelo concorrente. Contudo, a decisão final foi no sentido contrário, uma vez que considerou que, quando a marca foi concedida, a palavra de origem inglesa não havia sido incorporada ao uso comum, o que ocorre atualmente.
Ainda que a decisão tenha considerado que a marca agora faz parte de uso comum, esta não foi suficiente para que o sinal fosse declarado degenerado e, portanto, tivesse o seu registro anulado. Acontece que, mesmo permitindo que outros se utilizem do signo distintivo, a marca continua registrada perante o INPI.
Outra marca que merece ser trazida ao debate, por conta da atuação dos seus titulares perante os Tribunais, é a Formica, cujo registro permanece válido, ainda que a expressão esteja dicionarizada.
De acordo com tais considerações, ratifica-se que o posicionamento trazido pela jurisprudência brasileira, até o momento, não foi a análise concreta da possibilidade de anulação do registro de uma marca pela sua degeneração.
Muito mais, tem sido a atuação de defesa dos seus titulares com a intenção de garantir a continuidade do registro que lhe fora concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, impedindo que outros venham a se utilizar da sua marca.
3.6 – CONSEQUÊNCIAS AO TITULAR DA MARCA DEGENERADA
Conforme tratado no decorrer deste tópico, a degeneração da marca incide sobre a função essencial desta, que seria assegurada pelo registro no INPI, qual seja, a sua distintividade.
Uma vez que perdendo a sua função primordial, a continuidade do registro da marca não teria mais sentido. Corroborando com este entendimento:
Tal situação tem sido considerada a idéia de degeneração da lei: a marca, perdendo o seu caráter distintivo, não sendo capaz de cumprir a sua função essencial; sendo difícil a manutenção de um direito privado exclusivo, quando não for compatível com o uso generalizado do termo. (...) O desaparecimento da eficácia distintiva que a lei exige, torna a proteção desqualificada, ou melhor, a degeneração do direito à marca por perder a sua condição essencial. (PÉROT-MOREL, 1974, p. 50/59, tradução nossa)[5]
Ademais, nem sempre é possível que ocorra a anulação do registro de uma marca com base nas possibilidades trazidas pela legislação brasileira. Sendo assim, enfrentar-se-á o já citado alhures, o "registro oco", por meio da continuidade do registro da marca do titular, quando esta não mais assegura exclusividade a este, uma vez que, claramente, encontra-se incapacitada de distinguir o produto ou serviço no mercado. Neste sentido:
Como resultado das ponderações ora lançadas, quer me parecer o seguinte: independentemente do tipo de diluição a que estaria exposta a marca de alto renome, os efeitos convergirão ora para o aniquilamento da força distintiva da mesma, com sua transfiguração de sinal fantasioso e arbitrário para sinônimo de produto, ora para tornar incerta a origem do produto e, ainda, ora para denegrir sua imagem perante o público consumidor. (FABBRI JR., 1996, p. 100)
Ainda que o autor fale de diluição acima, que é um processo distinto da degeneração, e que será tratado a seguir, os efeitos podem ser considerados os mesmos, uma vez que leva em conta a confusão ao utilizar-se uma marca como gênero de um produto.
Outrossim, não se pode dizer que a perda de distintividade é a conseqüência única da degeneração do sinal distintivo, a que está sujeito o titular do registro:
Note-se, por fim, que a perda da capacidade distintiva é a conseqüência última da degeneração de uma marca afamada, mas essa não é a única. No decorrer do progressivo processo degenerativo, o sinal vai tendo enfraquecido o seu poder atrativo, culminando com a diminuição das suas vendas, o que por si só já contribui para gerar relevantes prejuízos para o comerciante. (DE SIERVI, 2006, p. 252)
Assim sendo, a análise de um processo de degeneração do sinal distintivo passa por tópicos muito mais amplos do que os tratados pelo Direito, uma vez que tratará diretamente com questões econômicas e gerenciais do próprio negócio que está sendo gerido sob aquela marca.
4 PREVISÃO LEGISLATIVA
Neste momento do trabalho, buscar-se-á trazer à discussão a questão da previsão em texto legal do fenômeno da degeneração, incluindo as eventuais possibilidades de descaracterização do registro marcário.
Primeiramente, torna-se relevante trazer ao olhar do leitor a questão do atual texto legal brasileiro que, eventualmente, venha a tratar da possibilidade de anulação do registro da marca por perda de distintividade desta.
Ademais, os tratados que o Brasil é signatário serão trazidos nesta pesquisa, para análise da inserção desta desconsideração. E, por fim, os exemplos de legislações estrangeiras cujo tema vem sendo abordado.
4.1 – A LEGISLAÇÃO PÁTRIA
Conforme amplamente ventilado no decorrer deste trabalho, a legislação brasileira não possibilita a eventual nulidade do registro marcário por conta da perda da distintividade daquele signo.
Nas palavras de Maurício Lopes de Oliveira (2004), ao comparar com legislações estrangeiras diz que a nossa LPI não possui dispositivo análogo. Logo, no Brasil, o registro de uma marca que tenha, com o tempo, perdido a sua força distintiva, não poderá, via de regra, ser anulado.
Importante ressaltar que:
O registro concedido a uma marca pode ser objeto de nulidade administrativa, requerida por qualquer pessoa, física ou jurídica, com legítimo interesse, inclusive órgãos e entidades públicas. A nulidade administrativa consiste em ação, da própria administração competente, de rever, mediante iniciativa própria ou de terceiros interessados, suas decisões e seus atos, quando contrários às disposições da Lei de Propriedade Industrial e aos princípios e requisito administrativos. (DE BLASI; GARCIA; MENDES, 1997, p. 182)
Neste sentido, cumpre-nos salientar que há um equívoco quando se afirma que não há na legislação pátria a possibilidade de anulação do registro da marca que tenha sido concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Existe tal mecanismo, contudo, dentre o seu rol não vem prevista a degeneração.
Ademais, como pode ser absorvido do trecho acima, aquela seria uma hipótese de nulidade administrativa. Além desta, a própria lei nº 9.279/96 trata da possibilidade de ação de nulidade, conforme presente nos artigos 173 ao 175, in verbis:
Art. 173. A ação de nulidade poderá ser proposta pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse.
Parágrafo único. O juiz poderá, nos autos da ação de nulidade, determinar liminarmente a suspensão dos efeitos do registro e do uso da marca, atendidos os requisitos processuais próprios.
Art. 174. Prescreve em 5 (cinco) anos a ação para declarar a nulidade do registro, contados da data da sua concessão.
Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.
§ 1º O prazo para resposta do réu titular do registro será de 60 (sessenta) dias.
§ 2º Transitada em julgado a decisão da ação de nulidade, o INPI publicará anotação, para ciência de terceiros.
Feitas tais considerações, é possível afirmar que não há, atualmente, no texto legal brasileiro, um meio para que o registro de uma marca que tenha sido concedido e, após um período, seja constatada a sua degeneração, ou seja, a sua perda de distintividade – uma vez que o público-alvo já não mais reconhece aquele sinal como representativo de um único produto ou serviço – possa ser anulado.
Verificado tal fenômeno, o que acontecerá é que o titular do registro daquele sinal perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial continuará com ele válido, podendo, inclusive, requerer a renovação do registro da sua marca após ter sido vencido o prazo, contudo, não terá meios eficientes para conter a sua utilização por terceiros, nem a vulgarização perante a sociedade.
De acordo com o posicionamento doutrinário:
Todavia, apesar de o registro de uma marca que tenha sofrido a degenerescência não poder, em princípio, ser anulado, não exercendo a sua função distintiva, o signo esvazia o seu registro, tornando-o oco, fato que pode inflingir ao titular a inoperosidade do direito de impedir o uso da marca degenerada por terceiro. (OLIVEIRA, 2004, pp. 7/8)
Alguns autores, especificamente Amanda De Siervi (2006), consideram que a degeneração de um sinal é um fato que pode dar ensejo à anulação de seu registro, pois o signo não exerce mais a função distintiva, na medida em que se identifica com o próprio nome do bem que designa.
Contudo, conforme ressaltado nos tópicos anteriores, a identificação do processo de enfraquecimento de marcas é bastante sutil, por conta da velocidade lenta em que esta ocorre e dos elementos que podem ser utilizados para tal constatação.
O texto legal não veicula elementos que possam ser utilizados para a caracterização, ou enquadramento, de uma marca como degenerada. Considerando-se a possibilidade da anulação do registro do sinal distintivo por degeneração, a valoração dos elementos caracterizadores num eventual processo ficaria por conta do próprio magistrado.
Os tribunais brasileiros ainda não enfrentaram a questão de analisar a eventual degeneração de uma marca de forma expressa, ou seja, ainda não houve proposição de que o tribunal venha a desconsiderar o registro de uma marca concedida pelo INPI, por conta da verificação da perda de distintividade do sinal.
Entretanto, pode-se verificar que os tribunais pátrios têm enfrentado tal questão de forma correlata, ao permitir ou não a utilização de marcas que estejam degeneradas por terceiros, conforme tratado no Tópico 3.
Ainda assim, o enfrentamento de tal questão é uma matéria especialmente tormentosa, uma vez que traz à tona um conflito entre direitos:
[...] de um lado, há um interesse público em se permitir o uso comum de palavra que se tornou genérica, sob pena de excluir da concorrência a possibilidade de identificr o produto comercializado da mesma forma que o consumidor o identifica, do outro, há um interesse em se proteger a propriedade privada: a marca cujo registro não pode ser anulado por estar prescrita a ação judicial respectiva. (OLIVEIRA, 2004, pp. 8/9)
Observado tal ponto, nota-se que a discussão no âmbito judicial travará uma batalha muito mais ampla do que a questão marcária, uma vez que terá reflexos diretos nos direitos que estão sendo postos para análise, quais sejam, o direito de utilização por terceiro de um sinal que o consumidor reconhece como genérico e o direito privado do empresário à manutenção da sua titularidade sobre a marca.
4.1.1 – A questão constitucional
Observando-se previsão expressa no Artigo 5º, XXIX, da Constituição Federal Brasileira de 1988, subentende-se que caberá a lei assegurar aos titulares a propriedade garantida sobre as marcas.
Conforme leciona Sérgio de Andréa Ferreira (2004), apenas a lei específica poderá dispor sobre a extinção de um direito real marcário já que seu papel é assegurar a propriedade das marcas.
Preceitua ainda que o rol trazido no artigo 142, da Lei de Propriedade Industrial, sobre as possibilidades de extinção do registro de uma marca é taxativo, extintivo, sendo que, somente nestas hipóteses, poder-se-ia considerar o registro de uma marca extinta:
1. Inexiste, portanto, no Direito Brasileiro, a hipótese de extinção do direito real à marca, em razão de sua popularização.
1.1. Se o proprietário a usa, "tal como constante do certificado de registro" e não renuncia, sua propriedade continua inabalável, enquanto não ocorre a "expiração do prazo de vigência do registro (art. 142, I).
1.2. Se outrem usa, como tal, a marca, objeto deste direito vigente, está violando o mesmo, que confere a seu titular o poder de uso exclusivo (art. 129), salvo as exceções do licenciamento por seu titular (que tem esse direito: arts. 130, I, e 139 a 141) e aquelas formas de utilização previstas no art. 132 da Lei nº 9.279/96.
1.3. Se a marca, por ter sido a primeira a distinguir o tipo do produto ou serviço; ou se se tornou popular, a tal ponto que as pessoas passaram a denominar, com ela, a espécie de produto ou serviço, o titular não pode ser punido por seu êxito, pela sua atuação marcante. A marca que foi a primeira a distinguir um tipo de produto e este se tornou tão popular que a marca virou sinônimo do produto cumpriu de maneira irretocável o seu papel como marca, que é de divulgar o produto com o seu nome. O titular desta marca não pode ser punido por ter cumprido a função social de uma marca. (FERREIRA, 2004, p. 269)
Com base em tal entendimento, a propriedade das marcas deverá ser assegurada por lei específica que trate sobre o tema e, observando o exposto previamente, de que não há, atualmente, na legislação brasileira, qualquer possibilidade de extinção do direito marcário por conta da vulgarização, nota-se que há um afastamento da possibilidade de se considerar a degeneração de uma marca por reflexo, no atual sistema jurídico brasileiro, exatamente por não estar prevista em texto específico.
4.2 – CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS
Por meio da publicação do Decreto nº 635, de 21 de agosto de 1992, no Diário Oficial da União, o Brasil passou a aplicar o texto da Convenção da União de Paris (CUP), que foi revista em Estocolmo em 14 de julho de 1967.
Conforme bem ressalta Amanda De Siervi (2006), a CUP estabelece que a vulgarização de uma marca pode ser utilizada como motivo para recusa ou invalidação do seu registro.
Neste sentido, o artigo 6, quinquies, B.2, trata desta possibilidade, conforme transcrição abaixo:
B. Só poderá ser recusado ou invalidado o registro das marcas de fábrica ou de comércio mencionadas no presente artigo, nos casos seguintes: [...]
2. quando forem desprovidas de qualquer caráter distintivo ou então exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a proteção é requerida; [...]
O texto da convenção trata expressamente da invalidação do registro da marca quando esta tenha se tornado usual na linguagem ou constante do comércio do país, o que, em linhas gerais, pode ser enquadrado como o fenômeno da degeneração tratado neste trabalho.
Ademais, em sendo signatário desta Convenção, caberia ao Brasil enquadrar-se às normas estabelecidas por tal, inclusive a referente às anulações dos registros marcários, em que estaria incluída no rol a oriunda da perda de distintividade do signo marcário.
Neste mister, cumpre ressaltar que esta perda de distintividade do sinal poderá, inclusive, ocorrer após a concessão do registro pela autarquia federal competente para tal, o que não deixa dúvidas da possibilidade de anulação quando for verificada a degenerescência da marca.
Ratificando tal consideração:
[...] a regra unionista prevê tanto a possibilidade de um sinal degenerar antes de ser registrado, o que ocasionaria a recusa ao próprio registro, como após a concessão de seu regilar registro, de forma a ser invalidado. Ademais, o artigo acima transcrito elucida a questão do âmbito de aferição da vulgarização do sinal marcário, o qual, conforme as disposições unionistas, deve ser observado entre o público em geral, pois a vulgarização, capaz de obstar ou invalidar o registro de uma marca, requer que o signo tenha se tornado usual na linguagem corrente, em oposição a sua degeneração apenas entre os comerciantes do ramo. (DE SIERVI, 2006, p. 244)
De tal forma, torna-se bastante claro que a possibilidade de anulação por degeneração vem prevista na Convenção da União de Paris e sendo o Brasil signatário desta, tal previsão poderia ser aplicada no país.
No entanto, ter-se-á que se observar os requisitos que são estabelecidos para o enquadramento nesta possibilidade, verificando-se quais os elementos devem ser considerados numa eventual nulidade, uma vez que há uma diferenciação bastante clara que deverá ser considerada numa eventual decisão que analise a degeneração:
É bastante claro a diferença que há entre o comércio e a linguagem corrente. Bastando a verificação desta última para que seja invalidada a marca, quando esta se tornou usual na linguagem corrente; não naquela dos comerciantes do ramo, como imagina e afirma a tese em contrário, mas na linguagem corrente, na linguagem de todos. (FRANCESCHELLI, 1972, p. 364, tradução nossa)[6]
O Brasil é signatário de outros tratados internacionais, como, por exemplo, o TRIPs, tratado que resultou da Rodada Uruguaia de Negociações Comerciais Multilaterais, contudo, apenas a CUP trata da questão da anulação da degeneração, motivo pelo qual foi tratado especificamente.
4.3 – O POSICIONAMENTO DA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA
Por meio do estabelecido pela Diretiva Comunitária 89/104/CEE, de 21 de dezembro de 1988, o fenômeno da degeneração foi reconhecido, possibilitando que, quando tal fenômeno fosse identificado, houvesse a revogação do registro marcário do titular, conforme se percebe do artigo 12 (2) (a), in verbis:
2. O registro de uma marca fica igualmente passível de caducidade se, após a data em que o registro foi efetuado:
a) como conseqüência da atividade ou inatividade do titular, a marca se tiver transformado na designação usual no comércio do produto ou serviço para que foi registrada.
Presume-se desta norma que à degeneração foi dada um caráter subjetivo, uma vez que o enquadramento de uma marca no processo de vulgarização está diretamente relacionado com a atuação do seu titular.
Conforme pertinente observação:
Em decorrência dessa regra comunitária, países-membros da União Européia adaptaram suas legislações internas, de modo a contemplar a perda de direitos marcários, em decorrência da degeneração do signo, outrora, distintivo. (DE SIERVI, 2006, p. 249)
Novamente, adotando o caráter subjetivo para enquadramento no processo de vulgarização da marca, Maurício Lopes de Oliveira (2004) afirma que o Código de Propriedade Intelectual francês prevê a caducidade do registro caso o titular do respectivo permita que a sua marca se transforme na designação usual do produto ou serviço que deveria ser por ele distinguido.
Neste mister, o Artigo L. 714-6 do Código de Propriedade Intelectual francês trata da questão da seguinte forma, in verbis, incorre a privação dos direitos dos titulares aquelas marcas registradas que tenham se tornado: a) designação usual no comércio do produto ou serviço.
Ademais, conforme trata Amanda De Siervi (2006), a lei de marcas italiana prevê, em seu artigo 41 a 1.ma., ser causa da decadência do direito marcário a vulgarização do sinal, em virtude da atividade ou inatividade de seu titular.
Observando tais disposições legais européias, algumas cortes já têm decidido no sentido de desconfigurar o registro de uma marca por degeneração, conforme a Suprema Corte da Áustria:
A Suprema Corte decidiu que a Sony perdeu todos os seus direitos de marca sobre WALKMAN uma vez que (i) tanto o público em geral quanto os negociantes usam o termo "walkman" para descrever todas os aparelhos de som portáteis, e (ii) não há outro termo geral equivalente no alemão para descrever os produtos dos competidores da Sony. (PRUNBAUER, 2002, p. 1, tradução nossa)[7]
Neste sentido, nota-se que a configuração da degeneração da marca Walkman pela Corte Austríaca baseou-se não apenas na vulgarização do termo tanto pelo público dos consumidores, como pelos próprios empresários, mas também pela ausência de outro termo específico que pudesse ser utilizado para designar tal produto pelos competidores do titular do registro.
Por fim, Amanda De Siervi (2006) observa que a lei uruguaia dispõe sobre a vulgarização, no artigo 4º, número 11 da Lei 17.011, determinando serem irregistráveis os sinais que passaram ao uso geral.
Neste sentido, a legislação brasileira também traz previsão, no entanto, ambas permanecem sem previsão expressa para a já ventilada possibilidade de vulgarização do signo após o seu registro e uso por um determinado período de tempo.
5 OUTROS INSTITUTOS
Por conta da própria restrição com que o tema é tratado, há uma certa confusão deste com outros institutos que podem se assemelhar com a degeneração, como é o caso da diluição, a ser tratada neste Tópico.
No entanto, existem outros institutos que, ainda que não se confundam com a degeneração, merecem ser trazidos para uma compreensão mais ampla do que tem sido exposto neste trabalho.
Um destes fenômenos relacionado às marcas é o conhecido como recaptura, trazido especialmente como uma forma de reversão ao processo de degeneração, quando há a perda de distintividade do signo marcário.
Ademais, buscaremos trazer à discussão um outro fenômeno, conhecido como secondary meaning, cuja teoria pauta-se num processo exatamente oposto ao da degeneração, que seria o alcance de distintividade de um signo que, originalmente, não teria tal característica.
5.1 – DILUIÇÃO
Conforme já exposto, existe ainda na doutrina uma certa confusão sobre o que seria diluição e degeneração. Para alguns autores, estas denominações são utilizadas para tratar do fenômeno já descrito em tópico anterior deste trabalho. Contudo, uma pesquisa mais aprofundada demonstra que tais institutos diferenciam-se de forma bastante evidente, chegando a ser repudiada qualquer comparação entre os mesmos.
Efetivamente, ambos os institutos tratam de um fenômeno que pode vir a ocorrer entre as marcas causando a perda de distintividade destas, no entanto, os meios que levam à verificação de tais fatos são de tamanha distinção, que merecem um estudo apartado com a intenção de demonstrá-los de forma correta:
É o fenômeno da diluição, que é um processo de erosão das marcas, cujo magnetismo é, aos poucos, aluído. O que sucede é que o surgimento, no mercado, de marca semelhante identificando produtos de outros fabricantes ou prestadores de serviço leva o público, inconscientemente, a lembrar a marca original. Muito embora a marca parecida até mesmo nem gere confusão quanto à origem, o público, paulatinamente, se habitua com o fato de essa marca ser usada por outros empresários. Isso, naturalmente, tem como conseqüência a queda do poder de atração da marca original e o desaparecimento gradual de sua posição de exclusividade. (CORREA, 1997, p. 36)
Muito embora o fenômeno da diluição também seja caracterizado pela perda de distintividade do sinal marcário do titular, conforme dito alhures, avalizada doutrina afirma que:
Enquanto na degeneração a marca passa a significar o próprio nome do bem que deveria distinguir, na diluição, o aniquilamento da capacidade distintiva decorre da utilização do sinal, a título marcário, para designar outros bens comercializados por terceiros, ainda que não concorrentes. (DE SIERVI, 2006, p. 201)
Nesta hipótese, o que ocorre é um "aproveitamento" por parte de um empresário, da boa fama e do conhecimento que a sociedade já possui de uma marca, com a intenção de promover o seu produto.
De tal forma, demonstra-se que o terceiro que se utiliza da marca do titular, atua como um "parasita", uma vez que aproveitará todo o reconhecimento da marca, toda a segurança que ela passa aos seus consumidores como forma de conseguir uma fatia no mercado. Relacionando o novo produto ou serviço exposto para consumo com uma marca que o consumidor confia, sabe da qualidade que lhe é oferecida, o público-alvo fará uma relação entre o novo produto e aquela marca de qualidade confiável.
Nas palavras de Filipe Fonteles Cabral (2004), a diluição de marca é uma ofensa à integridade de um signo distintivo, seja moral ou material, por um agente que não necessariamente compete com o titular do sinal.
Levando-se em conta que a utilização feita pelos demais empresários é com base no reconhecimento que possui o signo distintivo no mercado, não há que se duvidar que as marcas de alto renome são as maiores vítimas deste processo.
Conforme posição defendida por Maurício Lopes de Oliveira (2004), é o olhar que se aproxima das marcas de alto renome, uma vez que significam mais do que óbvio, possuem um valor agregado que as distingue. Na lição do professor José Roberto Gusmão (1988), a notoriedade traz à marca um valor dificilmente estimável, mas seguramente existente. É esse valor econômico que se procura proteger, evitando-se a diluição de seu poder atrativo e de sua reputação.
De acordo com o já tratado no Tópico 2, o título de marca de "alto renome" pode ser concedido judicialmente ou administrativamente a requerimento do titular do registro. Neste sentido, importante ressaltar que, levando-se em conta que a classificação de marca como de "alto renome" depende da prévia anuência de um órgão estabelecido por lei – dependendo da verificação de cada marca especificamente –, deverá se considerar que as marcas que têm reconhecimento no mercado, ainda que não tenham obtido esta caracterização legal, também podem ser vítimas do processo de diluição.
De tal forma, pode-se afirmar que, sim, as marcas de alto renome têm facilidade em serem diluídas, no entanto, não são as únicas que podem sofrer tal fenômeno, levando-se em conta que o principal atrativo para que terceiros venham a utilizar-se da marca é o fato de serem facilmente identificáveis no mercado:
Para possuir o poder de vender e o reconhecimento de proteção pelo estatuto anti-diluição, a marca deve ser relativamente forte e famosa, ao menos dentre um determinado grupo de pessoas, linha de produto ou território. A Corte de Apelação da Segunda Instância instituiu que a marca querelante deve ser "muito famosa" no sentido de que "tem qualidade de distinção para uma significante porcentagem do mercado do "acusado". (MCCARTHY, 1998, p. 127, tradução nossa)[8]
Neste sentido, a identificação de uma marca pela sociedade não é exclusividade garantida às marcas de alto renome, isto porque outras marcas, cujo enquadramento neste título ainda não tenha acontecido, podem estar amplamente difundidas perante os seus consumidores.
5.1.1 – O risco da diluição
Conforme pode ser depreendido do quanto exposto até o momento, na diluição, na maioria das vezes, a utilização por terceiros dar-se-á em classes de produtos ou serviços diferentes daquelas do titular da marca.
Levando-se em conta que a proteção conferida ao titular é exclusiva à classe em que este está inserido, sendo que a única forma de ampliar esta proteção é a configuração da marca como sendo de alto renome, e que o fenômeno de diluição não é exclusividade dos signos distintivos para os quais tenha sido conferido este enquadramento, é perfeitamente possível que um terceiro venha a utilizar uma marca semelhante a do seu criador, sem que este nada possa fazer, uma vez que a atuação é em áreas distintas:
Um sugestivo exemplo disso mesmo é a protecção, reclamada para as marcas de prestígio ou de reputação excepcional, contra o seu uso em produtos inteiramente distintos, com o objectivo de impedir a erosão ou diluição dessas marcas. O que há a salvaguardar, neste âmbito, não é tanto a indicação de proveniência – pois pode não existir qualquer risco de confusão entre os produtos – mas sim, e primordialmente, o valor comercial da marca, ou o seu poder de atrair o público, mercê do prestígio que gozam os produtos em questão. De facto, se alguém passar a assinalar pastilhas elásticas com as marcas 'Cartier' ou 'Rolls Royce', o consumidor não atribuirá certamente tais artigos aos titulares destas marcas. Não obstante, tal prática seria obviamente lesiva para estes, na medida em que iria banalizar ou mesmo desprestigiar o símbolo de grande renome. Ora, se a lei referente às marcas permitir reagir contra tal uso, estará em causa unicamente a salvaguarda da dita função publicitária. No entanto, essa tutela continua a não existir em muitas legislações, como até há pouco sucedia com a portuguesa. Aliás, na Convenção da União de Paris, protege-se apenas a marca notoriamente conhecida e contra o uso da mesma por outrem em produtos idênticos ou semelhantes. Nesta perspectiva, pois, a função reclamística da marca só é tutelada, reflexa e instrumentalmente, na medida em que seja necessário proteger a função de indicação de proveniência, posta em causa relativamente a produtos afins. (SOUSA E SILVA, 1995, p. 55/53)
Com base em tal análise, é preciso buscar-se uma forma de proteção eficiente àquele que tem a sua marca sendo utilizada de forma desregrada por terceiros, que estão buscando um aproveitamento da boa fama do signo distintivo.
Os prejuízos a que estará sujeito o titular da marca adentram no âmbito do reconhecimento de sua marca como algo comum, regular, além do risco de confusão a que também está sujeito o signo distintivo num eventual processo de diluição:
Quando, de fato, outro usa a marca cria diferenças ou imagens conflitantes, o resultado obtido é semelhante àquele de uma extensão maléfica do produto: o significado da marca é enfraquecido, bem como a possibilidade de ligá-lo a uma boa execução. A marca começa a perder foco e clareza e, entre os consumidores, a perder relevância; por fim, à medida que a marca começa a afundar entre a confusão do meio que a circunda, o consumidor inconscientemente reage, "por que eu devo tentar lembrar de um termo que talvez não me lembre especificamente uma, mas uma gama de experiências". (SWANN, AAKER e REBACK, 2001, p. 829-830, tradução nossa)[9]
Ratificando o quanto exposto supra, válido trazer a visão de que a diluição pode ser vista como uma infecção que, caso seja permitida a sua contaminação, causará, inevitavelmente, a perda de valor incorporado à marca, conforme tratado em decisão da Corte Norte-Americana.
5.1.2 – A intenção da proteção
De forma diversa a que ocorre num processo de degeneração, por exemplo, a busca pela proteção da diluição de uma marca não é por conta, exclusivamente, da perda de distintividade desta. Há que se considerar que a marca diluída vem a perder a sua capacidade atrativa e, como conseqüência o seu poder de venda:
Se outros estabelecimentos passam a utilizar freqüentemente o mesmo vocábulo para designar artigos diferentes, perde-se a impressão de que não se pode destruir e há um enfraquecimento na associação das idéias. O consumidor não terá mais um único produto como primeiramente, mas gradualmente haverá a associação da mesma indicação para diversos produtos. Este fenômeno provocará a diminuição da força atrativa e a destruição do caráter distintivo. (BRANDT, 1985, p. 131, tradução nossa)[10]
Corroborando tal entendimento, demonstra-se que a diluição da marca virá a alterar o próprio caráter que esta adquiriu perante os seus consumidores, uma vez que haverá uma relativização do conceito que havia sido alcançado pela propagação do termo distintivo.
Assim sendo, a possibilidade de que outros venham a se utilizar da marca gera a possibilidade real de que aquele sinal, com o passar dos anos, venham a perder o seu real significado, por conta do uso indiscriminado para designar diversos objetos distintos dos que eram originariamente produzidos:
Se for analisado o caso da ROLLS ROYCE, por exemplo, se forem permitidos os restaurantes ROLLS ROYCE e os cafés ROLLS ROYCE, bem como as calças ROLLS ROYCE e os doces ROLLS ROYCE, em dez anos não existirá mais a marca ROLLS ROYCE. (SCHECHTER, 1993, p. 65, tradução nossa)[11]
5.1.3 – A unicidade da marca
Analisando a questão da diluição das marcas, é importante que se ressalte a impossibilidade de proteger contra a diluição aquelas marcas cuja coexistência seja prévia a utilização por terceiros.
Para que se considere que uma marca está sendo objeto de aproveitamento por terceiros, faz-se necessário desconsiderar a possibilidade de que duas marcas já coexistam no mercado desde início, isso por conta do caráter de especialidade – utilizado para enquadramento em classes – utilizado para concessão do registro, conforme já tratado.
Neste sentido, a atual legislação brasileira, de forma sábia, prevê a possibilidade de existência de marcas semelhantes para representar produtos ou serviços distintos, como é o caso da marca Continental.
Esta necessidade de consideração daquelas marcas que efetivamente sejam únicas no mercado é fundamental para uma eventual validade de argüição posterior de aproveitamento pelo outro da marca do titular:
Agora bem, dentre as marcas notórias existem aquelas que são únicas e aquelas que não são. Todos conhecemos marcas notórias que distinguem produtos completamente diferentes e que pertencem a titulares diferentes. Estas marcas notórias não são únicas e, para nós, não merecem ser protegidas contra a diluição. (OTAMENDI, 1999, p. 405, tradução nossa)[12]
5.1.4 – Previsão Legal
A lei pátria é omissa no que tange à diluição, uma vez que não há previsão expressa de enquadramento deste fenômeno, nem medidas que, porventura, possam ser aplicadas para a proteção ao titular.
Contudo, a Lei de Propriedade Industrial em seu artigo 130, inciso III, assegura ao titular que proteja a reputação e a integridade material da marca, independente de lhe ter sido concedido o título de notória.
A legislação norte-americana demonstra-se pioneira neste sentido, uma vez que, em 1996, promulgou o Federal Trademark Dilution Act, com o intuito de assegurar a uniformização entre as decisões sobre diluição no país:
Observe-se, por fim, que o sistema norte-americano prevê duas formas de diluição de um sinal marcário: blurring e tarnishment, sendo a primeira decorrente da diluição do sinal em face do seu uso em outros produtos, ainda que não concorrentes, obrigando o consumidor a obter informações adicionais para saber qual bem está sendo identificado por aquela marca; enquanto que a segunda ocasiona o denegrimento da marca, trazendo danos à usual boa reputação da marca notória. (DE SIERVI, 2006, p. 207)
5.2 – RECAPTURA DE MARCAS
Podendo ser tratado como o instituto inverso ao da degeneração, já tratado no tópico anterior, que explica o mecanismo pelo qual a marca deixa de perder a sua distintividade perante os consumidores, a recaptura de marcas é um processo pelo qual o titular "reconquista" a função essencial da marca.
A recaptura de marcas dar-se-ia pela atuação incessante do titular do registro da marca que foi degenerada, com o intuito de reverter o processo pelo qual a marca deixou de ser única.
Neste sentido, os meios utilizados pelo titular são com a intenção de reverter a exclusividade, podendo ser através de publicidade, por exemplo, pelo qual demonstrar-se-á que aquela denominação pelo qual os consumidores tratam um gênero de produto ou serviço é, na verdade, uma marca cujo registro foi concedido para um titular, sendo-lhe assegurada a exclusividade:
Existiram alguns casos nos quais os termos de representação que eram marcas se converteram em genéricos. Por conta do esforço e de intensas campanhas publicitárias de seus titulares recuperaram sua distintividade voltando a serem marcas. São casos conhecidos os da marca "SINGER" e "GOODYEAR" nos Estados Unidos. A marca "SINGER" transformou-se em genérica em virtude de todos os consumidores se referirem as máquinas de costurar como "singers". Assim a empresa titular da marca perdeu o direito sobre esta. Contudo, por meio de intensas campnhas publicitárias e do uso do termo como marca por mais de cinqüenta anos, acabou demonstrando que o termo "SINGER" havia recuperado sua "distintividade" e voltaram a reconhecer-lhe os direitos sobre o termo. Seu titular "recapturou" a marca. (CARRAU, 2001, p. 4, tradução nossa)[13]
Sendo assim, há a possibilidade do titular de uma marca degenerada reconquistar a exclusividade que lhe era conferida pelo registro desta na autarquia competente, contudo, trata-se de um processo que, assim como a degeneração, é lento e fundado num trabalho árduo do interessado em ter os direitos que lhe seriam garantidos pelo registro marcário, especialmente a exclusividade.
5.3 – SECONDARY MEANING
A teoria do secondary meaning, originalmente surgida nos Estados Unidos, está intrinsecamente relacionada com a função essencial da marca de dar distintividade ao produto ou serviço que está sendo oferecido ao mercado.
Neste sentido, a teoria a ser tratada neste momento atua de forma inversamente proporcional à degeneração, quando a marca perde a sua distintividade, sendo que, nesta hipótese, a marca adquirirá esta característica com o seu uso.
Importante ressaltar que o fenômeno tratado no tópico anterior, a recaptura de marcas, diz respeito à "reconquista" do direito, pelo titular, de exclusividade de uma marca que havia sido degenerada, por meio de publicidade, por exemplo.
Já a teoria do secondary meaning baseia-se na hipótese daqueles signos que, a priori, não teriam uma capacidade de distinguir um produto ou serviço perante o mercado:
Essa situação é conhecida como teoria do secondary meaning, pois, em face da notoriedade agregada a outros fatores, o signo não distintivo adquire um significado secundário, diverso da sua acepção semântica, tornando-se dotado de eficácia distintiva e, em conseqüência, capaz de exercer a função distintiva, própria das marcas. (DE SIERVI, 2006, p. 2)
Diante de tal explanação, depreende-se que por esta teoria é aceita a possibilidade de que o usuário de um termo geral, que não teria requisitos para obtenção do registro de uma marca, conseguiria tal direito a partir do momento que este sinal, utilizado para o seu produto ou serviço, adquira, perante o mercado, a capacidade de distinguí-lo dos demais bens que são oferecidos aos consumidores.
(...) Esse aspecto relaciona-se com a criação de uma 'segunda natureza' (secondary meaning), fenômeno que a doutrina costuma levar em conta notadamente na seara dos sinais puramente 'descritivos', que, por força do uso, passam a ser identificados com determinado produto ou serviço. O desenvolvimento de um significado secundário deriva de um processo de depósito semântico dentro do significante. O significante é apenas uma forma, ou, antes, uma fôrma, servindo de receptáculo a conteúdos diferentes, simultânea ou sucessivamente, por processo diacrônico. O significante que, inicialmente, possuía um significado ou mais, passa a ter mais um, no plano puramente privado. A marca 'NATIONAL', por exemplo, além do significado que possui no idioma inglês ('procedente de uma nação'), conquistou mais um, passando a ser um sinal identificativo de produtos eletrônicos provenientes da Matsushita Electrical Company ou de suas licenciadas, tendo sido considerada registrável pelo Judiciário. Outro exemplo é a marca 'CONTINENTAL', que o INPI chegou a registrar como notória. (CORREA, 1994, p. 32)
Alcançando a função da marca de distinguir o empresário no mercado em que atua, há que se falar numa concessão do direito marcário para aquele termo originariamente genérico, uma vez que é este o requisito para obtenção do registro.
Assim como pôde se verificar no caso da degeneração, a obtenção do registro de marca pelo secondary meaning dá-se por um processo também bastante lento, uma vez que dependerá de todo um trabalho fundado em ampla publicidade, em volume de vendas, em aquisição de distintividade, sendo que, mesmo utilizando-se de tais mecanismos, é possível que não haja uma associação por parte do consumidor final, quando não se verificará o alcance da distintividade, elemento essencial para que seja configurado o sinal genérico como marca.
Neste sentido, é um processo complexo, em que deverão ser verificadas as atuações de diversas forças para que se possa configurar uma eventual obtenção de distintividade pelo sinal que é utilizado pelo empresário.
Nas palavras de Amanda De Siervi (2006), o secondary meaning é uma situação na qual um termo não distintivo adquire, por meio do seu conhecimento difundido entre o público consumidor, um significado secundário, passando a desempenhar função marcária.
5.3.1 – Sinais que podem obter a distintividade e a concorrência
Ainda que seja aceitável a possibilidade de que um sinal, que inicialmente não seria capaz de distinguir um produto ou serviço, seja registrado como marca, há que se observar as ressalvas feitas, levando-se em consideração que nem todos os signos poderão ser objeto deste tipo de direito "adquirido".
Nas palavras de Maurício Lopes de Oliveira (2004), os sinais genéricos não podem beneficiar-se do fenômeno, uma vez que teriam que ser anulados os significados primários da palavra para que se pudesse configurar o secondary meaning, Neste sentido, este fenômeno só poderá ser atribuído aos signos usuais e descritivos, nunca aos genéricos.
Com observação, nota-se que há uma certa restrição no momento em que se possa desconfigurar um termo como geral passando a ser este uma marca:
Desse modo, podem adquirir distintividade e tornarem-se aptos ao registro marcário os sinais genéricos, de uso comum, vulgares, descritivos, assim considerados em relação ao produto ou serviço que irão distinguir, ou aqueles comumente empregados para designar uma característica do bem, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou prestaão do serviço. (DE SIERVI, 2006, p. 140)
No entanto, encontra-se certa dificuldade por parte da doutrina, e inclusive da própria jurisprudência, em qualificar o que seriam os termos genéricos e descritivos, motivo pelo qual se encontra certo questionamento a respeito da validade desta vedação:
Nos Estados Unidos há entendimento de que os signos "genéricos" não poderiam adquirir "significação secundária" reservando-se esta possibilidade apenas aos sinais "descritivos". Contudo, esta distinção da jurisprudência norte-americana tem encontrado sérios inconvenientes na hora de delinear a fronteira dos chamados signos "genéricos" e dos "descritivos". Por outro lado, a categorização de um signo determinado passa, muitas vezes, pela subjetividade do examinador (um juiz de direito ou o assessor de registro). Note-se que existem muitos termos que podem ser considerados "genéricos" ou "descritivos" ao mesmo tempo. Por exemplo, se pensarmos em termos como "creme de leite", "gelado", "gás", "limonada", "conteúdo" e muito mais, não fica claro de temos que considerá-los como "genéricos" ou "descritivos". Além disto, consideramos que a maioria das palavras têm sinônimos. Por isto surgem dúvidas sobre se todos os termos se referem ao mesmo objeto ao mesmo tempo podendo ser genéricos, descritivos ou não. (CARRAU, 2001, p. 3, tradução nossa)[14]
Assim sendo, a análise será de cada caso especificamente, uma vez que a distinção do que seria termo genérico ou descritivo termina por ser difícil, além de não haver uma garantia total do que poderia, eventualmente, ser convertido em marca.
Ter-se-á que levar em consideração a posição dos demais concorrentes do empresário que adquiriu a titularidade das marcas, uma vez que estes serão os maiores prejudicados, a partir do momento em que for conferida a titularidade de um sinal, seja ele genérico ou descritivo, mas também relacionado a um produto que eles comercializem.
Portanto, será assegurado aos concorrentes daquele empresário que conseguiu conferir distintividade ao sinal genérico ou descritivo a utilização do termo, desde que não o faça também como marca:
De qualquer modo, a aquisição de secondary meaning não implica em apropriação absoluta dos sinais de uso comum, mas apenas na exclusividade de utilização de tais signos como marca por um único comerciante. Assim sendo, os concorrentes podem seguir utilizando os termos que adquiriram distintividade e se tornaram marca de um empresário, desde que respeitem os direitos desse último. O respeito aos direitos do comerciante, titular de marca que adquiriu essa condição em virtude do secondary meaning, consubstancia-se, basicamente, na não utilização de tal sinal a título marcário por terceiros. (DE SIERVI, 2006, p. 151)
5.3.2 – Atuação dos Consumidores
Novamente, faz-se necessário tratarmos da atuação dos consumidores no processo ora tratado de conversão de um sinal privado de capacidade distintiva em marca, uma vez que a livre associação passará a ser feita pelos usuários.
Obviamente, não há como se desprezar a necessidade de atuação do empresário que deseja ver o seu sinal transformado em marca, contudo, a relação do termo com o produto ou serviço terá que ser feita pela sociedade para que se possa configurar, efetivamente, a distintividade ao termo, capacitando-o assim para ser marca. Conforme doutrina especializada:
Quando uma substancial, apreciável ou significante porção relevante do público consumidor desenvolve uma rede cognitiva para o produto ou serviço, e esta rede possui um ou mais nós capazes de servir unicamente para identificar aquele produto ou serviço e apenas aquele produto ou serviço como oriundo de uma única fonte (ainda que anônima), aí sim, forma-se a perspectiva psicológica, podendo-se dizer que o nó (ou nós) "adquiriram distintividade" ou alcançaram "secondary meaning". (JACOBY, 2001, p. 1029, tradução nossa)[15]
Neste sentido, ainda que seja de fundamental importância se observar a postura que é tida pelo empresário, no sentido de que caberá a este produzir os meios suficientes para que o público faça a associação entre o produto ou serviço e o sinal, a participação daqueles a quem é dirigida a publicidade é de especial importância, levando-se em conta que, não havendo esta relação, não se poderia falar em uma associação, uma vez que o sinal comum não obteve a distintividade, elemento essencial para ser configurado como uma marca.
5.3.3 – Proteção à Sociedade
Inicialmente, pensa-se exclusivamente num direito que estaria sendo assegurado ao empresário que, ao utilizar-se de um sinal genérico, conseguiu obter distintividade com o uso do seu produto ou serviço no mercado.
No entanto, esta proteção que será conferida àquele que utilizava o sinal como marca, abarcará direitos muito mais amplos, incluindo neste rol toda a sociedade:
È levado em consideração o fato do titular em haver a identificação dos seus produtos (que é colocado na posição de reconhecimento para assinalar um direito exclusivo) e a de que os consumidores façam escolhas para identificar com segurança o produto. A marca é justificável em uma economia competitiva, qualificada por uma produção em massa, como único meio de permitir que aqueles que possuam uma empresa tenham o seu produto identificado e possam, assim, tirar proveito da procura feita pelo público, servindo para orientar as escolhas dos consumidores, facilitando a identificação dos produtos de forma clara e inequívoca (...) (SORDELLI, 1979, p. 325/326, tradução nossa)[16]
Com base em tal posicionamento, percebe-se que a proteção a ser conferida ao empresário pelo registro de sua marca é vislumbrada não exclusivamente como uma proteção unipessoal, mas com a intenção de garantir ao público, que já reconhece o termo como marca, a origem do produto ou serviço que lhe está sendo oferecido.
5.3.4 – Previsão Legal
Conforme explicita Amanda De Siervi (2006), não obstante a ausência de previsão acerca da teoria do secondary meaning na Lei de Propriedade Industrial, diploma legal brasileiro que disciplina a propriedade industrial, essa teoria é aplicada internamente, de acordo com disposições constantes de tratados que o Brasil se obrigou a cumprir, em face de obrigações assumidas na ordem internacional.
Com tal observação, verifica-se que, novamente, o texto legal vigente no nosso país está omisso no que tange ao instituto aqui tratado, havendo a possibilidade de obtenção do registro com base nos tratados que o país é signatário:
Assim, pode ser requerido, tanto em sede administrativa, perante o INPI, quanto judicialmente, o reconhecimento da proteção marcária a um sinal de uso comum, que adquiriu eficácia distintiva, em virtude do seu uso, com base nas disposições da CUP e do TRIPS. É claro que nessas hipóteses, a aquisição do significado secundário pelo termo haverá de ser satisfatoriamente comprovada, pelo titular do sinal, seja frente ao examinador de marcas do INPI, seja perante o juiz. (DE SIERVI, 2006, p. 181)
Para fins de ilustração, cumpre-nos trazer a previsão constante no artigo 15 da Seção 2 do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs):
Qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes próprios, letras, numerias, elementos figurativos e combinação de cores, bem como marcas. Quando estes sinais não forem intrinsecamente capazes de distinguir os bens e serviços pertinentes, os Membros poderão condicionar a possibilidade do registro ao caráter distintivo que tenham adquirido pelo seu uso.
Conforme bem ressaltado por Maurício Lopes de Oliveira (2004), a contemplação do fenômeno do secondary meaning pelo TRIPs deve-se ao fato de que alguns países membros consagram a admissibilidade de registro de signo originariamente desprovido de capacidade distintiva.
No Brasil é possível identificar casos em que o registro de um sinal, originariamente sem possibilidade de distinção, foi concedido, com base no fenômeno do secondary meaning, uma vez tendo sido comprovado o alcance de distinguir o produto ou serviço dos demais oferecidos no mercado. De acordo com o trazido pela doutrina:
A marca Ultragaztambém logrou ser registrada perante o INPI, devido a decisão judicial que a reconheceu como um termo designativo da qualidade dos produtos que assinala, mas determinou o seu registro por tratar-se de sinal utilizado há vários anos, pelo seu titular, sem quaisquer oposições. (DE SIERVI, 2006, p. 183)
Assim sendo, verifica-se que ainda que haja uma falta de previsão expressa em texto legal pátrio, tem sido aceita, inclusive com o registro de marcas originalmente sem capacidade distintiva, a teoria do secondary meaning.
6 CONCLUSÃO
Neste estudo pretendendo deixar claro que com o desenvolvimento alcançado pela sociedade, especialmente no mercado competitivo da atualidade, o empresário tem buscado na marca uma maneira de assegurar o reconhecimento do seu produto ou serviço perante o mercado. Obviamente, a marca não funciona como garantidora de lucros, contudo, funciona como um meio de reconhecimento pelo público-alvo daquele conteúdo que é bom, sabendo da segurança e prazer que lhe é dado pelo uso daquele bem especificamente.
Esta relação que termina sendo construída entre o produto ou serviço e o seu usuário é firmada por meio de um sinal distintivo capacitado a trazer boas recordações, nos diversos significados que isto possa ter, àquele a quem o produto é direcionado. Neste sentido, percebe-se que a marca funciona como uma "ponte", uma maneira de reconhecimento do produto ou serviço.
Com a fama que o bem alcança, é importante que este possa ser reconhecido por quem lhe deseje, sendo que, neste momento, a marca funciona como a maneira de alcançar tal objetivo; o modo de assegurar o retorno financeiro ao empresário que trabalhou para construção de uma reputação, de um produto ou serviço de qualidade, podendo este ser distinguido pela força do seu signo identificador no mercado de atuação.
Observando tal preocupação, nota-se a necessidade da construção de um sistema marcário sólido, uma vez que esta proteção não pode ser relativa, em se tratando de interesses diversos, que influenciam não apenas o direito do próprio empresário, mas de todos aqueles usuários a quem o produto ou serviço será destinado.
No sistema brasileiro, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual é o órgão competente para analisar os pedidos de registro de marcas, observando sempre as restrições impostas pela Lei de Propriedade Intelectual. Deve ser observada a incompatibilidade quando, eventualmente, já houver uma outra marca registrada na mesma classe que seja similar, o que exige, portanto, uma novidade relativa para que o registro possa ser concedido.
Além dos requisitos estabelecidos no próprio texto legal, importante ressalvar a importância da distintividade que a marca deve ter para que o seu registro possa ser concedido, uma vez que, conforme já demonstrado no decorrer deste trabalho, a função essencial do sinal é assegurar que o produto possa ser reconhecido no mercado pelo seu público-alvo. Neste mister, um signo que não tenha capacidade de garantir ao seu titular um reconhecimento no meio em que está inserido não está capacitado a funcionar como marca.
Confirmando tal entendimento, basta notar o artigo 124 da Lei nº 9.279/96, que veda, dentre outros, o registro de marca que contenha sinal de caráter genérico, necessário, comum, incapacitados de promover o reconhecimento dentro da classe em que está inserido.
De acordo com o explicitado alhures, a proteção marcária concedida pela autarquia federal é dentro da classe em que o produto ou serviço está inserido. De tal forma, a mesma marca poderá ser utilizada por outro empresário, desde que este atue em uma classe diferente daquela em que o sinal distintivo está originalmente inserido.
Alguns signos, contudo, alcançam uma fama, um reconhecimento no mercado superior as demais, o que lhes asseguraria uma proteção mais ampla, uma garantia maior àquele empresário que investiu de forma correta em um patrimônio, que ainda que não seja físico, propicia-lhe um retorno financeiro.
Com o intuito de proteger tais marcas, o texto legal permite a concessão de título de marcas de alto renome, desde que observados alguns requisitos já tratados no decorrer do trabalho, o que lhes garante uma proteção sobre todas as classes.
No entanto, a observância do processo de alcance de reconhecimento no mercado da marca do empresário pode, a partir de um determinado momento, passar da fama para a vulgarização.
A este processo é dado o nome de degeneração, que é a confusão causada pelo reconhecimento do bem no mercado pelos usuários, quando vinculam a marca ao gênero em que estão inseridos os produtos ou serviços.
Contudo, este processo não é algo que possa ser identificado facilmente, uma vez que se confunde com o próprio reconhecimento que é buscado pelo empresário no mercado. Há uma separação bastante tênue entre o que seria a real notoriedade que a marca alcança e a vulgarização que esta pode ter, tornando-se num sinal genérico – o que impediria a singularização do bem.
O próprio alcance do enfraquecimento da marca é algo que depende tanto da atuação do empresário, que faz a divulgação de sua marca de uma maneira incorreta ao público-alvo, e dos consumidores, que passam a fazer uma associação incorreta entre o que seria distintivo de um único produto ou serviço com o gênero em que este esteja inserido.
Independente dos meios que culminaram para a degeneração, é por meio deste processo que a marca de um único empresário passa a ter não mais o efeito desejado por este, qual seja, a de garantir o reconhecimento do seu produto ou serviço no mercado, uma vez que passa a ser confundida com um termo genérico.
Este processo de degenerescência da marca não pode ser confundido com o processo de diluição de um sinal, que seria quando outros comerciantes, visando utilizar-se da boa fama e reconhecimento que o signo distintivo possui no mercado, passam a utilizar-se daquela em seu produto ou serviço.
Neste caso, nota-se que há uma participação direta de outros empresários, diferentemente de como ocorre no processo de degeneração da marca, em que a atuação para o enfraquecimento do signo é prioritariamente dos consumidores. A utilização pelo outro empresário baseia-se na intenção de vincular aquele novo produto ou serviço, que está sendo posto em circulação no mercado, a uma marca que já é reconhecida pelo grande público, que já possui uma boa fama capaz de lhe garantir um retorno financeiro.
Além do processo de enfraquecimento, há o processo trazido pela doutrina norte-americana conhecido como secondary meaning. Este processo entende que um termo genérico – é preciso que se verifiquem quais os termos a doutrina considera como "genérico" – poderia ser convertido em uma marca pela utilização por um empresário que, com o passar do tempo, consiga conferir a este termo a exclusividade e a distinção dos demais produtos ou serviços, requisito fundamental a qualquer sinal marcário.
Observando tal fenômeno, nota-se claramente que seria o processo reverso ao da degeneração, uma vez que um termo genérico poderá ser considerado como marca, caso consiga assegurar distintividade ao produto ou serviço a que se refira.
No entanto, cumpre ressaltar a existência de um processo que culmina com a reversão dos efeitos da degeneração, especificamente, a perda de distintividade. Conhecido como recaptura de marca, o processo baseia-se na possibilidade do titular do registro marcário – note-se que, neste caso, já há um registro de um sinal como marca que, por conta do seu uso inadequado, foi degenerado – conseguir que o seu signo ganhe novamente distintividade no mercado em que atua, possibilitando a sua continuidade como uma marca.
Importante ressaltar, porém, a ausência que há de previsões específicas na legislação brasileira sobre o processo de enfraquecimento de marcas, seja a degeneração ou a diluição. Como já demonstrado no decorrer do trabalho, existem meios jurídicos capazes de assegurar que o titular de uma marca tenha o seu direito de exclusividade garantido, e ainda enquadramentos análogos não recomendados, como o caso da concorrência desleal.
Entretanto, a legislação brasileira não supre um vazio relacionado à desconsideração do registro de uma marca que, eventualmente, tenha sido degenerada. A lei veda o registro de uma marca genérica, bem como, pelo prazo de 5 (cinco) anos, estabelece meios para a anulação do registro que fora concedido. No entanto, não estabelece mecanismos para anulação do registro daquela marca que tenha sofrido o processo de degeneração com o passar dos anos.
De acordo com o que fora demonstrado no decorrer do trabalho, existe a possibilidade de que com o uso de uma marca para representar o produto ou serviço, aquela seja confundida pelos seus usuários como uma representativa do próprio gênero em que o bem está inserido.
Seguindo o posicionamento atual do texto legal brasileiro, aconteceria que a marca, cujo registro tenha sido concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, continuará sendo válida, inclusive podendo ser renovado o seu registro após o vencimento do prazo, ainda que não alcance o seu papel fundamental de garantir a distintividade do bem que está sendo comercializado pelo titular.
Conforme demonstrado pela jurisprudência trazida neste estudo, ainda não foi dada aos tribunais a possibilidade de discutir a questão da anulação ou não do registro de uma marca que haja evidências de estar enfraquecida junto aos consumidores.
Ainda que existam decisões assegurando que marcas de terceiros possam coexistir com eventuais sinais cujo registro tenha sido concedido, não há na jurisprudência nacional qualquer registro de decisão anulando uma marca registrada perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial por conta do processo de degeneração.
A ausência de parâmetros legais que possam enquadrar a marca como degenerada, além da própria repercussão que uma decisão como esta pode trazer, tanto para o titular como para a coletividade, ratificam o posicionamento adotado pelos tribunais de ficarem silentes sobre tal questão.
Neste sentido, tem-se verificado a continuidade de registros marcários perante o INPI, ainda que aquele sinal esteja evidentemente enfraquecido, não sendo mais capaz de distinguir o produto ou serviço do titular, evidenciado por meio de uma pesquisa de opinião, por exemplo.
A manutenção deste registro termina por enfraquecer o próprio sistema de concessão de marcas brasileiro, levando-se em conta que marcas continuam registradas com um único titular, ainda que não lhe assegure os direitos que seriam inerentes. Assim, observa-se a continuidade de um registro sem que o titular esteja revestido dos direitos e garantias que a lei estabelece. Basta, para tanto, observar posicionamentos jurisprudenciais no sentido de permitir registro de outras marcas que utilizem em sua denominação outro sinal, ou parte dele, cuja titularidade é de outrem.
Mais do que isto, a continuidade do registro marcário perante o INPI não assegura que os consumidores não tratarão aquela marca como, na verdade, um gênero ou classe do produto ou serviço em que está inserido o do titular.
A inclusão da viabilidade de anulação do registro de uma marca, por conta da degeneração desta, no texto legal pátrio, vem com o intuito de fortalecer o sistema brasileiro de concessão de registro, que passará a prever um fenômeno que acontece diariamente de forma lenta e cuja percepção demora a ser tomada, mas cujos efeitos são significativos e evidentes àquele que tem a titularidade do registro.
Ademais, há previsão na Convenção da União de Paris (CUP) sobre a possibilidade de desconsideração do registro marcário quando for evidenciado que o sinal sofreu um processo de perda de distintividade, sendo, inclusive, o Brasil signatário de tal acordo, cujo texto foi recepcionado pelo sistema brasileiro, o que seria justificativa para consideração de tal fenômeno no sistema de marcas brasileiro.
Entretanto, por interpretações doutrinárias sobre o modo que seja tratado as questões de marcas, há a defesa de que a anulação do registro desta por conta da vulgarização, apenas seria válida quando prevista em lei específica que trate sobre o tema, motivo pelo qual não se aceita a aplicabilidade dos tratados internacionais.
A inserção desta possibilidade no rol de desconsideração do registro marcário, viria também para sanear quaisquer questionamentos sobre a existência desta previsão no universo jurídico brasileiro.
Além disto, espera-se uma atuação mais contundente do INPI, no sentido de rever a postura que tem sido adotada em relação às marcas evidentemente enfraquecidas no mercado, que não tenham mais distintividade perante o público-alvo, motivo pelo qual a autarquia deveria posicionar-se para a desconsideração da registrabilidade.
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