DEFUNTO CAPAZ
Por cesar gonçalves | 23/08/2010 | CrônicasDEFUNTO CAPAZ
Um homem, um grande amigo meu com gosto pelas coisas boas da vida, um aventureiro por excelência, alguém que sempre estava pronto para ajudar os outros sem se importar com a hora. Recebeu do destino um golpe violentíssimo e descobriu que estava com um câncer de garganta. O desânimo era evidente em seus olhos, já imaginava o seu fim.
Começou então o seu calvário.
Tratamento com drogas pesadas e ainda assim a doença continuava avançando.
Os amigos tentavam dar todo tipo de apoio, mas não há muito que falar nessas horas.
Com o avanço da doença começaram o tratamento de quimioterapia, a tristeza foi demais, ainda mais para ele que tanto gostava de seus longos cabelos ondulados.
Eram várias internações e muita despesa com medicamentos.
Os amigos de todas as religiões professando sua fé de acordo com sua crença sem atritos numa oração única de cura para ele.
Com o passar do tempo os nódulos na garganta pareciam terem sumidos.
Ele voltou a ganhar peso e parecia enfim que ciência e religião haviam feito o casamento perfeito, só parecia.
O câncer adormecido pelo cansaço da luta contra as drogas pesadas, novamente despertou três anos depois, ainda com mais força.
Aquele homem forte, aquela montanha de músculos, aquele meu querido amigo estava em pele e osso.
Nas noites que seguiram, as dores eram tantas que nem mesmo as drogas pesadas ministradas pelos especialistas eram capazes de deixá-lo dormir.
Os gemidos ecoavam e ele valentemente se torturava na tentativa de poupar sua mulher e seu único filho.
Ele que trabalhou tanto tempo de carteira assinada, um dia precisou de uma perícia séria da previdência e não teve.
Mesmo o perito tendo que avaliá-lo em uma ambulância e vendo seu estado cadavérico terminal, negou-lhe a aposentadoria
Alegando que ele poderia se recuperar e voltar a ser produtivo, afinal ele ainda era considerado capaz.
A família se mobilizou e entrou em contato com um perito federal, expondo a real situação.
No dia da perícia marcada o perito federal não conseguia imaginar como um doente de câncer em estado terminal poderia voltar a produzir, então diante de seu julgamento cristão e contrariando o perito local, concedeu o benefício.
Assim que o benefício saiu, ele faleceu.
Queria que o primeiro perito estivesse no enterro dele e dissesse ao filho, que seu pai é um defunto capaz, que um dia poderia ressuscitar para voltar ao trabalho.
É negada a aposentadoria a quem realmente precisa e muitos pilantras são afastados por concederem esses benefícios a pessoas que não tem nenhum tipo de doença e nunca trabalhou na vida.