Decretação de falência: uma análise acerca dos efeitos negativos do processo falimentar de uma instituição financeira nas relações sociais
Por Fernando Carlos de Araujo Muniz | 29/05/2012 | DireitoFernando Muniz
Karina Silva de Jesus[1]
Humberto Oliveira[2]
Sumário: Introdução; 1 Pressupostos caracterizadores da falência e quem se sujeita ao instituto no Brasil; 2 Importância das instituições financeiras na manutenção da economia; 3 Efeitos negativos ocasionados pela decretação de falência de uma instituição financeira; Considerações finais; Referências
RESUMO
O instituto falimentar é uma forma de execução concursal do patrimônio do devedor empresário, que se apresenta como garantia aos credores pelas obrigações contraídas pelo devedor. Não são quaisquer devedores que se sujeitam ao instituto no Brasil, mas dentre eles encontram-se as instituições financeiras, que possuem papel de extrema importância para a economia do país e do mundo em decorrência da globalização. Nesse sentido, o objetivo principal deste artigo é apontar as consequências negativas da decretação de falência de uma instituição financeira para a sociedade como um todo, abordando também a importância destas para assegurar estabilidade e desenvolvimento econômico.
PALAVRAS-CHAVE
Falência; Instituição Financeira; Crise Econômica.
“Quando os mendigos morrem, nenhum cometa é visto; mas os próprios céus cospem fogo quando morrem os príncipes” Shakespere.
Introdução
Desde o início do desenvolvimento das relações comerciais o patrimônio do devedor é tido como garantia do credor acerca das obrigações contraídas. Nesse sentido, há institutos de proteção com a finalidade de assegurar maior segurança às relações comerciais, a respeito deste assunto inclui-se a falência.
No contexto atual, principalmente depois da ultima grande crise econômica mundial, verificou-se, e reafirmou-se, a existência de um risco potencial decorrente da exploração da atividade bancária, que importa uma ininterrupta ameaça ao direito alheio, pelo simples fato de que a maior parcela dos recursos movimentados pelas instituições financeiras não serem próprios, mas pertencerem a terceiros, numa proporção desigual.
Assim analisar-se-ão quais são os pressupostos caracterizadores da falência e que pessoas estão sujeitas a este fenômeno no Brasil. Nesse sentido abordar-se-á a importância das instituições financeiras para a manutenção da economia na sociedade, verificando quais os impactos negativos gerados pela quebra de uma instituição financeira para a sociedade como um todo e nesse viés verificar a importância dos regimes jurídicos especiais para tais instituições.
1 Pressupostos caracterizadores da falência e quem se sujeita ao instituto no Brasil
Desde os primórdios das relações comerciais a garantia que os credores têm é o patrimônio do devedor. Atualmente se alguém não cumpre uma obrigação contratual ou legal de pagamento de dívidas é possível promover a execução dos bens do patrimônio do devedor no valor da dívida. A satisfação do crédito do exequente se dá em regra individualmente, tem-se, no entanto, que quando o patrimônio do devedor possui bens que mesmo somados ainda são inferiores ao montante da dívida é desconsiderada a regra da execução individual (COELHO, 2012, p.260).
A falência é uma situação jurídica decorrente da insolvência do empresário, que tem compromissos superiores aos rendimentos do seu patrimônio, seja por impontualidade no pagamento de obrigações líquidas, seja por atos que denunciem um desequilíbrio econômico manifesto de uma situação financeira que beire a ruína. A impontualidade por si só não é causa determinante para a falência, pois há a possibilidade de depósito elisivo, que afasta a falência e a presunção de insolvência. Cabe pontuar que a legislação atual da ensejo ao pedido de recuperação judicial dentro do prazo de contestação, porém se a situação for irreparável, só restará a decretação de falência (ALMEIDA, 2012, p.44-46).
A falência é um processo de execução judicial concursal do patrimônio do devedor, que para sujeitar-se ao instituto deve explorar atividade econômica de forma empresarial, entretanto nem todos que exercem atividade econômica empresarial estão sujeitos à falência. Há hipóteses de exclusão total ou parcial do regime falimentar em que o empresário será submetido ao regime da insolvência civil. No parcial a sociedade empresária será submetida à execução concursal alternativa ao processo falimentar, mas nos casos discriminados por lei poderá ter seu patrimônio executado pela via da falência (COELHO, 2012, p.262-267).
Ocorre a exclusão absoluta da falência quando o processo diz respeito às empresas públicas e sociedades de economia mista, às câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira e às entidades fechadas de previdência complementar. Já as sociedades empresárias relativamente excluídas do referido instituto são as companhias de seguro, as operadoras de planos privados de assistência a saúde e as instituições financeiras, foco principal deste artigo (COELHO, 2012, p.266-267).
Desse modo, as instituições financeiras segundo a Lei 6.024/74 (LILE) estão sujeitas a um regime de execução concursal de natureza extrapatrimonial, o que não exclui a possibilidade de decretação de falência de seus empresários. Se estiverem sob o regime de execução extrajudicial ou de intervenção, o Banco Central deverá autorizar nos casos previstos nos arts. 12, “d” e 21, “b” da referida lei o oferecimento de pedido judicial da falência da instituição pelo liquidante ou pelo interventor (COELHO, 2010, p. 399).
Importante pontuar que caberá intervenção nas instituições financeiras quando forem verificadas anormalidades nos seus negócios, prejuízos provenientes de má administração que coloque em risco os credores, infrações a dispositivos da legislação bancária, a fim de evitar a liquidação da instituição financeira (LACERDA, 1999, p.326) e impedir prejuízos para a sociedade, que tem na atividade desenvolvida pelos bancos um de seus pilares principais.
2 Importância das instituições financeiras na manutenção da economia
Segundo o art.17 da Lei 4.595/64 são instituições financeiras as pessoas jurídicas de caráter público ou privado, que atuam de forma principal ou de modo acessório na coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou pertencentes a terceiros – seja em moeda nacional ou estrangeira - além de custodiar valores referentes a propriedade de terceiros (LACERDA, 1999, p.326).
Uma instituição financeira tem papel fundamental como catalisador do desenvolvimento, em virtude do repasse de créditos e da viabilidade de investimentos, é dizer que um Banco é um verdadeiro criador de moeda, além de o mercado financeiro aliado ao mercado de capitais ser uma verdadeira alavanca da economia. Por outro lado, neles se comina, com maior urgência, o levantamento do estado de vida de uma grande parte da população, com a luta contra miséria e com a integração econômica e social das classes menos privilegiadas (WALD, 2010, p.24).
As instituições financeiras servem também como intermediarias entre o capital externo e o interno, assumem obrigações em relação ao credor externo, captando recursos que repassam sob sua exclusiva responsabilidade no Brasil. Se tais instituições se tornam insolváveis ou o seu perfil de crédito aparece como duvidoso, o credito que chegaria ao país por meio deles tende também a escassear, com óbvio impacto no equilíbrio cambial do país (NETO, 2005, p. 508).
Nesse sentido é de suma importância a adoção de dispositivos que visem diminuir eventuais impactos que uma quebra de instituição financeira traria para sociedade, visto que o bem estar desta decorre do bom funcionamento daquela. Assim se torna imprescindível para a manutenção do sistema financeiro nos casos de iminente quebra de bancos por exemplo a adoção de instrumentos de intervenção, que são regulados pelos arts. 2º ao 14 da LILE, como já abordado, além do regime de administração especial temporária (COELHO, 2010, p.404). Assim a utilização desses institutos, primordialmente destinados à recuperação econômica e financeira da entidade bancária, tem a finalidade de reorganizar - inclusive através da cisão, fusão, incorporação, venda ou desapropriação do controle acionário - a normalidade de sua situação econômico-financeira (SILVA, 2010).
Em suma é imprescindível o bom funcionamento das instituições financeiras frente ao recente cenário, pós-crise econômica, que se abateu no plano mundial visto que a inflação galopante fez com que o Banco Central adotasse dispositivos, como por exemplo o regime de administração especial temporária, que visassem assegurar o bom funcionamento das instituições financeiras, principais responsáveis pela manutenção do sistema econômico (COM..., 2012).
3 Efeitos negativos ocasionados pela decretação de falência de uma instituição financeira
A crise bancária não é matéria que afeta apenas os credores de uma instituição financeira. Na verdade, o impacto de um sistema financeiro pouco saudável na economia de um país é enorme. Para entender isso, basta refletir que as instituições financeiras têm a missão legal de mobilizar poupanças e promover seu investimento em setores produtivos, além de exercer influência na conjuntura monetária e cambial (NETO, 2005, p.507).
Igualmente problemáticas são as consequências do desenvolvimento da crise quando leva à cessação da operação da instituição financeira, há então o prejuízo do mercado e do bom andamento da economia, pois esta deixará de operar. Essa situação poderá representar problema ainda maior se, pelo porte da instituição ou instituições originalmente em crise, outras do mesmo sistema financeiro forem afetadas (NETO, 2005, p.508).
Nada pior do que a derrocada de uma instituição financeira e sua situação falimentar, que gera efeito cascata, atingindo outras instituições e levando risco e insegurança para todo o mercado, fazendo crescer a inquietação internacional no ditar regras que eliminem o pânico de imprevisíveis impactos da falta de liquidez, tanto em países desenvolvidos como naqueles nessa direção (ABRÃO, 2007, p.382).
Nesse sentido, analisando jurisprudência específica como exemplo desse “efeito cascata”, a decretação da liquidação extrajudicial do Banco Santos S.A, que era por detrás a empresa gestora do Banco da Amazônia S.A, e o conseguinte bloqueio dos ativos ligados aos fundos sob sua gerência, decorreu de ato abrangido pelo poder de polícia do BACEN que atua de forma legítima com interesse de salvaguardar o interesse da coletividade, e também comprometeu o Banco da Amazônia S.A (APELAÇÃO CIVIL Nº70043425917, RIO GRANDE DO SUL, 2011).
Assim sendo, não importa o porte da instituição insolvente, uma vez que a possibilidade de contaminação do setor é enorme e, com isso, sobrevém o esvaziamento da credibilidade do cliente, no sentido de reduzir investimentos e aplicações, em razão da instabilidade correlata à desconfiança presente (ABRÃO, 2007, p.382). Sempre quando possível, deve ser evitada a liquidação extrajudicial, que determina a extinção da personalidade jurídica da empresa e comumente culmina na cessação do desenvolvimento de suas atividades, assim como a falência da instituição financeira, pois também importaria em prejuízos aos empregados, consumidores e a sociedade em geral (COELHO, 2010, p.404).
Considerações Finais
Com relação às medidas tomadas para prevenir eventuais crises dos bancos, estas não podem ser concebidas, tão somente ou especialmente, como dando uma maior proteção aos poupadores e investidores, devendo, também, constituir instrumentos que permitam garantir a solidez e o dinamismo dos bancos, a estabilidade financeira e o desenvolvimento econômico (WALD, 2010, p.22-24).
A recente crise econômica mostrou os aspectos mais agudos dos conflitos latentes entre Estado e o mercado e a necessidade de realizar uma verdadeira parceria entre ambos para assegurar a estabilidade financeira e o desenvolvimento econômico. Nesse sentido, o Brasil, com o crescimento da inflação, fez com que o Banco Central mantivesse um controle adequado das instituições financeiras inclusive bancos de investimento. Foi essa a razão pela qual as repercussões internas da crise foram menores do que as que ocorreram tanto na Europa como nos EEUU (WALD, 2010, p.23).
Assim, verifica-se, que existe um risco potencial decorrente da exploração da atividade bancária, constituindo uma contínua ameaça aos interesses da sociedade pelo fato de a maior parte do capital movimentado por bancos não lhe pertencerem, mas a terceiros, numa proporção desigual, em que, na maioria das vezes, os fundos próprios mal correspondem à décima parte dos recursos alheios, a depender dos parâmetros de ajustamento fixados pela autoridade responsável pela supervisão bancária (SIQUEIRA, 2001, p.45).
Nesse sentido percebeu-se que o setor bancário no desenvolver de seu papel fundamental de fomentar o crescimento e desempenhar um desenvolvimento condizente com as reais necessidades da sociedade contemporânea (ABRÃO, 2007, p.542) necessitara de um sistema especial que pudesse regulamentar instituições financeiras em crise de modo a minimizar os impactos de uma eventual falência no seio da sociedade.
É reconhecido o tripé no qual a sociedade repousa hoje, que é constituído pelo mercado, pela opinião pública e pelo direito. Não restam dúvidas de que as instituições financeiras são empresas de natureza especial que devem ter um tratamento jurídico próprio em virtude da mercadoria que negociam, o dinheiro e crédito.
Assim, devido à função social já supracitada desempenhada pelas instituições financeiras, se justifica o tratamento jurídico especial dado a elas além do acompanhamento minucioso do procedimento pelo Banco Central, visto que a decretação de falência deve ser utilizada essencialmente em último caso, posto que as consequências negativas acarretadas por tal fenômeno, são objetivamente imensuráveis, prejudicando a todos envolvidos direta e indiretamente com aquele que tem sua quebra decretada.
REFERÊNCIAS
ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 10. ed. rev., ampl. e atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2007.
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de empresa. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v.3.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Com Selic mais baixa, inflação pode subir a 6% em 2013. 06 de Maio de 2012. Disponível em < http://economia.ig.com.br/2012-05-06/com-selic-mais-baixa-inflacao-pode-subir-a-6-em-2013.html> Acesso em: 06 mai. 2012.
LACERDA, J.C Sampaio de. Manual de Direito Falimentar. 14. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.
NETO, Eduardo Salomão. Direito bancário. São Paulo: Atlas, 2005.
SILVA, Jefferson. Recuperação Extrajudicial e Liquidação Extrajudicial no Direito Falimentar. Uberaba: 2010. Disponível em <http://estudosdedireitounipac.blogspot.com.br/2010/04/recuperacao-extrajudicial-e-liquidacao.html> Acesso em 20 de Abril 2012.
SIQUEIRA, Francisco José de. O Papel do Banco Central no Processo de Intervenção e Liquidação Extrajudicial. Disponível em < http://www.bcb.gov.br/htms/public/8encjur/06%20-%20francisco%20jos%E9%20de%20siqueira.pdf> Acesso em 20 de Abril 2012.
WALD, Arnoldo. Uma nova visão das instituições financeiras. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Ano 13, n. 50. Out-Dez. 2010.
[1] Acadêmicos do 6º período, vespertino da UNDB.
[2] Professor, Mestre e Orientador.