De que forma o passado, ou seja, a história da infância nos ajuda a compreender a realidade contemporânea?
Por Gabriella da Silva Mendes | 28/01/2014 | EducaçãoDe que forma o passado, ou seja, a história da infância nos ajuda a compreender a realidade contemporânea?
É possível afirmar que a concepção que temos da infância, atualmente, como um período da vida ou uma fase que incita uma atenção diferenciada do adulto e, por isso, merece receber um cuidado específico, nasceu com o advento da modernidade, isso significa que até então não havia este pensamento em torno da criança. Essa forma de conceber a infância inicia-se no século XVI e XVII e, portanto, é na idade moderna que se confere à criança uma atenção que em nenhum outro momento da história deram-lhe, ao mesmo tempo em que podemos afirmar o nascimento da ideia de sua negação, à medida que a infância passa a ser pensada como uma fase, um período e, portanto, uma condição que deve ser superada ou substituída pela racionalidade adulta. Dessa forma, a ideia de infância na atualidade não pode ser desvinculada da história, das diferentes visões em torno da criança que contribuíram para sua condição atual. O conceito de infância tem sido construído historicamente e reflete os valores presentes na sociedade em diferentes períodos. O fato é que as crianças existiram em todos os períodos da humanidade, o tratamento e a relação dessas com a sociedade e seus membros é que projeta o conceito de infância em diferentes períodos. Seguindo esse pensamento, a criança é compreendida como um indivíduo que tem um importante papel para a sociedade, que pode ser formado, enfim, educado.Reconhecida as especificidades da infância, busca-se então desvendá-la e compreendê-la para poder educá-la.
No Brasil, as concepções acerca da infância foram influenciadas por sua colonização, a qual introduzia nesse processo juntamente com a população enviada, seus diferentes hábitos, agora adaptados à nova realidade. Surgiu um termo que conceitua a criança desvalida: menor. Este termo foi inicialmente utilizado para designar uma faixa etária associada, pelo Código de Menores de 1927, às crianças pobres, passando a ter, posteriormente, uma conotação valorativa negativa. Menores eram aquelas crianças e adolescentes pobres, pertencentes às famílias com uma estrutura diferente da convencional (patriarcal, com pai e mãe presentes, com pais trabalhadores, com uma boa estrutura financeira e emocional, dentre outros). Aquelas crianças caracterizaram-se como "menores" em situação de risco social, passíveis de tornarem-se marginais e, como marginais, colocarem em risco a si mesmas e à sociedade. Deste modo, tornou-se uma norma social atender à infância abandonada, pobre e desvalida, mas a partir de um olhar de superioridade, na tentativa de salvamento ou de "adestramento”, institucionalizando-o, submetendo-o a tratamentos e cuidados massificantes, cruéis, e preconceituosos.
Com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o termo "menor" foi abolido, passando a definir todas as crianças como sujeito de direitos, com necessidades específicas, decorrentes de seu desenvolvimento peculiar, e que, por conta disso, deveriam receber uma política de atenção integral a seus direitos construídos social e historicamente. A mudança é radical, vai à raiz: o menor deixa de ser visto como menor e retoma seu lugar de criança, passando a ser visto como cidadão de direitos, voltando a ocupar o seu lugar de um ser humano, de um sujeito construído historicamente, com direitos e deveres que devem ser exercidos hoje.
Hoje se estuda a criança e a infância como categorias construídas historicamente, o que nos abre possibilidades de compreendê-las de modo concreto, na sua expressão de vida. As diferentes concepções existentes sobre a criança na contemporaneidade, portanto, são peças imprescindíveis para comporem um quadro geral sobre a infância atual e necessitam serem conhecidas e compreendidas dentro do contexto no qual foram produzidas. Pode-se constatar que as legislações que contemplam a proteção da infância evoluíram de forma significativa nas últimas décadas. Essa evolução pode ser comprovada por algumas das iniciativas políticas aqui expostas, mas mostra-se insuficiente para superar o histórico de descaso e abandono que construíram o panorama atual de desigualdades de condições das crianças no Brasil.
O poder público deveria conceber a educação como mecanismo de superação das desigualdades sociais. A educação tem o grande poder de proporcionar às crianças oportunidades iguais independentemente de suas condições sociais. Para isso, o acesso à educação, a qualidade e a finalidade dessa precisam ser vistos como prioritários. Além da grande defasagem de vagas, a educação das crianças brasileiras atendidas na rede pública ainda revela uma forte característica assistencial. A predominância da assistência fica visível no cotidiano das instituições e nas concepções de infância e educação expressas na atuação dos profissionais desse segmento. Mais do que assistência nossas crianças precisam de educação de qualidade.Só então poderemos conceber uma nova realidade para a infância brasileira e fazer uso da expressão: crianças cidadãs.