DE MAGISTRO DE AGOSTINHO
Por wagner dutra da costa | 08/10/2014 | FilosofiaRESUMO
Este artigo de análise descritiva do diálogo entre Agostinho e Adeodato nos quatorze capítulos da obra De Magistro[1], tem o escopo de resgatar uma ideia acerca do ensino que é a finalidade da linguagem expressada por meio de gestos, letras, nomes, e sinais em geral, que possam significar algo.E nisso, podemos perceber uma filosofia da educação de Agostinho fundamentada na iluminação divina onde Cristo (o Mestre) é a verdade que ensina interiormente o homem que, por sua vez exterioriza pelas palavras.
Palavras-chave: Agostinho, Adeodato, linguagem, ensino.
INTRODUÇÃO
Neste tratado sobre o ensino, o filósofo e teólogo Agostinho[2], além de outro personagem chamado Adeodato[3] dão inicio há um diálogo descrito e dividido em quatorze (14) capítulos que, por sua vez gira em torno de uma só questão: o de ensinar. Mas ensinar através de que? Como? É necessário o uso da fala ou não? O que dizer dos gestos, das letras, das palavras, dos nomes? Qual a importância da linguagem?[4]O que se pode perceber através da razão e do nosso intelecto? As respostas a estas pergunta serão desenvolvidas pouco a pouco durantes os capítulos deste livro.
No primeiro capítulo, Agostinho propõe a discussão acerca da finalidade da linguagem afirmando, desde já, que o objetivo do ato de falar é, simplesmente, o de ensinar, e não, também de aprender como questionavaAdeodato ao tentar mostrar que quando falamos também aprendemos, além de ensinar.
No segundo capítulo, o dialogo continua com a afirmação de que as palavras são sinais que traz em si um sentido, algo pelo qual dá significados a estes exteriorizados pela linguagem, pela fala. Trata-se de não mostrar as palavras pelas próprias palavras, sem significado algum.
No terceiro capítulo, fala-se sobre a possibilidade de se mostrar algo sem o uso de um sinal. Aqui Adeodato questiona Agostinho tentando dizer que não é possível falar sem o uso de palavras. Em contrapartida, Agostinho dá o exemplo da linguagem dos surdos, e dos histriões nos teatros.
No quarto capítulo, discute-se a respeito dos sinais que podem ser mostrado com outros sinais. Deste modo, “significar” é o ato de fazer sinais, e a estes se dá o nome de significáveis. Em consequência, surge a necessidade de diferenciar os termos“nome e palavra” (verbum), no que tange a função desempenhada por cada uma delas na linguagem.
Porém, no quinto capítulo o que se mostra é que palavra e nome são sinais que se significam reciprocamente, pois “Se porém me perguntares a que parte da oração pertence “palavra”, responderei que é um nome” (AGOSTINHO, 389, P. 19).
No sexto capítulo, o discurso aponta que além dos sinais (palavras) recíprocos, existem os que significam a si mesmos. É o caso dos termos “vocábulo e nome”. O sétimo capítulo, é apenas uma recapitulação dos seis capítulos anteriores.
A partir do capítulo oitavo até o nono Agostinho tentará explicar que a nossa mente tem um papel fundamental no entendimento das coisas, dos significados dos sinais percebidos pelos nossos sentidos.
No décimo capítulo, Agostinho e Adeodato dialogam em busca de um aprofundamento da possibilidade de se ensinar algo sem sinais e que as coisas não são somente aprendidas pelas palavras.
Do décimo primeiro capítulo até o décimo quarto a conversação entre Pai e Filho chega à conclusão que Cristo é a verdade que ensina interiormente,e que o homem a exterioriza pelos sinais demostrados pelo homem.
A FINALIDADE DA LINGUAGEM E SEUS SINAIS
A conversa entre Agostinho e Adeodato começa com a seguinte pergunta de Agostinho: “Que te parece que pretendemos fazer quando falamos?”(IDEM, P.1). Esta exprime com muita clareza a finalidade da linguagem, do ato de falar, da pretensão de quando se fala algo a alguém. Para Adeodato, trata-se de aprender e ensinar. Porém, para Agostinho o único objetivo ao falar é o de ensinar, e, é isto que ele tentará demonstrar ao decorrer desta discussão.
No entanto, Adeodato irá questionar Agostinho sobre esta finalidade da fala, se realmente tem o escopo só de ensinar ou também de aprender ao remontar o fato de que, por vezes cantamos sozinhos, por isso não há o que ensinar nada a ninguém.
A esta indagação Agostinho responde que a recordação é uma maneira de ensinar, pois também cantamos sem que precise utilizar as palavras para emitir um som. O mesmo ocorre com a questão de quando nos dirigimos a Deus através da oração. Desta maneira,
...nós falamos enquanto intimamente pensamos as próprias palavras em nossa mente; assim, com as palavras nada mais fazemos do que chamar a atenção; entretanto, a memoria, a que as palavras aderem, em as agitando, faz com que venham à mente as próprias coisas, das quais as palavras são sinais. (IBIDEM, p.3)
Que os dois estão de acordo ao afirmarem que as palavras são sinais, isto está claro. Contudo, Agostinho coloca em questão se “...um sinal pode ser sinal sem significar algo...” (IDEM, p.4). A partir de então, eles tentarão buscar os significados de cada palavra proferida em um verso, ou uma frase. Não se trata apenas de dar sentidos as palavras pelas próprias palavras, ou seja, de utilizar uma palavra no lugar de outra, e sim de buscar o mesmo significado que há nas duas palavras, pois como já dizia Agostinho à Adeodato“...gostaria que, se pudesses, me mostrasses as coisas mesmas de que estas são os sinais.” (IBIDEM, p.6)
A tentativa é de demonstrar que sinais sempre significam alguma coisa, pois na origem da própria palavra significar está implícito o ato de fazer sinais. Não há como se negar tal condição. Porém, surge outra questão nesta conversação: os sinais podem ser mostrados com sinais? Conforme discussão entre os dois personagens deste diálogo há um indicativo de relação entre gesto e palavra onde um pertence ao sentido da visão e outro ao da audição, segundo Adeodato.
Agostinho se remete a resposta de Adeodato e se pergunta:
Como? Quando encontramos palavras escritas, estas, por acaso não serão também palavras? Ou, mais exatamente, não serão entendidas com sinais de palavras, de maneira que a palavra seja o que se profere, com certo significado, mediante a articulação da voz? Mas a voz não pode ser percebida por outro sentido a não ser pelo ouvido; daí resulta que, quando se escreve uma palavra, apresenta-se para os olhos um sinal, que desperta na mente o que se percebe com o ouvido. (IDEM, p.11)
Mas adiante, o diálogo é direcionado a encontrar a diferença entre palavra (verba) e nome, sendo que o primeiro é sinal dos sinais percebidos pelaarticulação da voz, enquanto o segundo nomina as palavras existentes em uma oração. Estes estão entre os sinais que se significam reciprocamente e que possuem o mesmo valor, mas não são idênticos. Deste modo, salientava Agostinho:
Chegamos, portanto, àqueles sinais que significam a si mesmos e, com inteira reciprocidade, um significa o outro, ou seja, os seus significados reciprocamente se significam, de forma que o que este significa também aquele significa e vice-versa, diferenciando-se entre si apenas pelo som: este quarto caso viemos encontra-lo agora: os três anteriores referem-se a “nome” e “palavra”. (IBIDEM, p.27)
Em seguida, Agostinho propõe à Adeodato uma recapitulação dos seis (6) primeiros capítulos do presente diálogo, e que por sinal o fez conforme o que se havia proposto tornando o capítulo sete (7) o resumo desta longa conversação.
No capítulo seguinte, Agostinho retomará a conversa com um pergunta que em primeira instancia pode ser considerada muito “tola”, mas na verdade não tem nada de tolice, pois se busca o sentido real dos “...sinais que não significam outros sinais, aquelas coisas que chamamos “significáveis”. Em primeiro lugar, dize-me se “homem é homem””. (IDEM, p.31)
Inicialmente, Adeodato se espanta com a pergunta de Agostinho acreditando haver um sentido ambíguo ou alguma outra coisa que não se pode levar a sério, e assim chega a se dirigir ao seu interlocutor de tal forma: “Pensas, porventura, se possa concluir que não sou “homem”?” (IBIDEM, p.35). Sendo assim, Agostinho adverte seu interlocutor por não ter entendido sua pergunta e exige do mesmo uma resposta sobre este assunto. A discussão se estende por várias interlocuções até chegarem à conclusão, citando outros exemplos, de que “homem” é um nome.
Deste modo, o que se quer analisar com esta pergunta não é seu significado em si e nem seu valor como som, mas a questão das duas sílabas da palavra “homem”. Trata-se de uma análise nominal.
Passando mais adiante, o diálogo desemboca numa questão sobre a possibilidade de se ensinar algo sem sinais. Disto, surge um questionamento levantado por Agostinho: “...Não te parece que falar é uma coisa e ensinar é outra? (IDEM, p.44). E daí uma outra questão: “Ensinar e significar são a mesma coisa ou diferem em algo?” (IBIDEM, p.44). Para Adeodato a mesma coisa, mas Agostinho o contrapõe ao mostrar que usar sinais (significar) e ensinar são diferentes entre si. Contudo, uma não subsiste sem a outra, haja vista
...que nada se pode ensinar sem sinais, e que o próprio conhecimento há de ser a nós mais caro do que os sinais, através dos quais o alcançamos, embora nem todas as coisas que se expressam por eles possam ser preferidas aos seus próprios sinais. (IDEM, p.46)
A partir do capítulo XI, Agostinho expõe um discurso conclusivo no que diz respeito ao assunto discutido desde o inicio deste diálogo.
Com efeito, não tivemos conhecimento das palavras que aprendemos nem podemos declarar ter aprendido as que não conhecemos, senão depois que lhes percebemos o significado, o que se verifica não mediante a audição das vozes proferidas, mas pelo conhecimento das coisas significadas. (IBIDEM, p.50).
Desta maneira, Agostinho nos revela que é imprescindível o conhecimento das coisas significadas, isto é, das palavras das quais percebermos seus significados. E nisto, é fundamentada a questão do ensinar pela recordação por admitir que exista em nós uma verdade que ensina interiormente as palavras que exteriorizamos.
Para Agostinho, esta verdade que ensina interiormente só pode ser Cristo,
Pois todas as coisas que percebemos, percebemo-las ou pelos sentidos do corpo ou pela mente. Chamamos às primeiras “sensíveis”, às segundas “inteligíveis”, ou, para falar segundo costumam os nosso autores, às primeiras “carnais” e às segundas “espirituais”. (IDEM, p.52)
Aqui ele reafirma o fato de que não aprendemos pelas palavras ditas exteriormente, mas pela razão e intelecto de nossa mente onde há uma luz interior que nos guia no conhecimento das coisas mesmas. É nesse sentido que temos em mente aquilo que dizemos.
Portanto,
Agora, avisei-te, simplesmente, que não lhes atribuas importância maior do que é necessário, para que não apenas se creia, mas também se comece a compreender com quanta verdade está escrito nos livros sagrados que não se chame a ninguém de mestre na terra, pois o verdadeiro e único Mestre de todos está no céu. Mas o que depois haja nos céus, no-lo ensinará Aquele que também, por meio dos homens, nos admoesta com sinais, e exteriormente, a fim de que, voltados para Ele interiormente, sejamos instruídos. (IBIDEM, p.57-58)
Deste modo, o Bispo de Hipona inaugura sua filosofia da educação[5] tendo como fundamento a luz interior a qual nos instrui e nos ensina tudo aquilo que temos de aprender no caminho para a verdade pela qual devemos ser educados.
CONCLUSÃO
É de suma importância notar que, neste diálogo, Agostinho sempre tomou iniciativa colocando em pauta questões que pudessem ajudar na compreensão e no entendimento a cerca da linguagem no processo de conhecimento das coisas mesmas. Suas perguntas podiam até parecer inocentes demais, porém o que se percebeu no decorrer das conversações entre ele e seu filho Adeodato foi um lógico desenrolar das questões fundamentais que esclarecessem a finalidade da linguagem e seus sinais. E Adeodato no papel de interlocutor “passivo” (se assim podemos dizer) respondeu certas perguntas, mesmo não sendo, às vezes, tão preciso como gostaria Agostinho.
Contudo, a resposta do filho, de modo particular, logo no inicio desta conversa, foi mais interessante que a do pai, pois ele (Adeodato) não separa os conceitos de aprendizado e ensinamento. E, deste modo, ele concebe a finalidade da linguagem fundamentada nesta reciprocidade entre o aprender e o ensinar.
E se bem observarmos, mesmo que sejam conceitos distintos em sua estrutura semântica e sintática, um pressupõe a existência do outro como consequências subsistentes numa relação de dependência, pois aquele que ensina algo a alguém, também se coloca a disposição para aprender, e vice-versa. É como eu diria: À medida que ensinamos nós aprendemos, e à medida que aprendemos nós também ensinamos.
Ao fazer uma hermenêutica filosófica nos deparamos com outros conceitos de educação em obras como, a Paidéia de Platão, o Emilio de Rousseau, a Pedagogia de Kant, o De Magistro de Tomás de Aquino, além de outras contribuições contemporâneas, e começamos a nos perguntar: qual o modelo mais aproximado do ideal? O mais aplicável para os tempos modernos? O mais eficaz perante uma sociedade tão capitalista e diversificada quanto a nossa?
Em qualquer um destes modelos de educação, inclusive o de Agostinho, até temos alguns direcionamentos que nos ajudam a responder tais questionamentos. Contudo, não é aconselhável pensarmos numa única maneira de se fazer educação. É necessário, a cada dia, inovar nossa maneira de pensar o ensino em nossas casas, escolas, faculdades, universidades, como em outros ambientes propícios à prática da educação. Mas, como aplicar este modelo inovador? Que ferramentas utilizar na prática do ensino? Será que isso é possível no contexto atual em que vivemos?
Apesar de questionáveis em certos momentos, estes modelos pedagógicos não se assemelham ao modo capitalista de educaçãoque cada vez mais desumaniza o homem, e por isso a possibilidade de se aplicar uma pedagogia de formação integral do ser humano fica comprometida.
Desta maneira, a proposta primeira é de mudar o sistema da sociedade com o intuito de pensar uma nova forma de ensino, ou então continuaremos com esta medíocre educação ensinada de forma direta ou indireta através da mídia, e em outros meios de comunicação que chega até nossas casas, escolas, universidades, e etc.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
AGOSTINHO, Santo, 354-430. Confissões; De Magistro=Do Mestre. Coleção Os pensadores. 2 ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1980.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. São Paulo: Bertrand Brasil, 1992.
LAUAND, Jean Luiz. Introdução. In: AQUINO, Tomás. Sobre o ensino (De magistro), Os sete pecados capitais. Tradução e estudos introdutórios por Jean Luiz Lauand. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
[1]Obra escrita em 389 d.C que traduzida do latim significa Do Mestre.
[2]Nascido em 354 em Tagaste, na África Romana. Converteu-se ao cristianismo em 386, e veio a falecer em 430. É também conhecido como Santo Agostinho ou Bispo de Hipona.
[3]Fruto do relacionamentode Agostinho com uma concubina cartaginense antes de sua conversão ao cristianismo.
[4] Além de Santo Agostinho, Rousseau destacava a importância da linguagem nas entrelinhas de sua obra Emilio ou Da Educação, como processo de construção própria da criança. Nesta fase, é necessário que a mesma escute as palavras corretamente.
[5] Apesar de utilizar uma metodologia diferente, Tomás de Aquino fundamentava sua filosofia da educação na teologia revelada, assim como Agostinho que aplicou em seu tratado da educação uma pedagogia do interior.