Das Controvérsias da Democracia à Governação Federal: Reflexão Filosófica a partir da Teoria Política de Severino Elias Ngoenha

Por Ginó Guinda Muanima Jó | 07/01/2020 | Filosofia

Índice
Declaração de Honra iv
Dedicatória v
Agradecimentos vi
Resumo vii
Abstract……………………………………………………………………………………....viii
Introdução 9
CAPÍTULO I: BIOGRAFIA DE SEVERINO ELIAS NGOENHA 12
1.1. Vida 12
1.2. Principais obras 12
1.3. Influências de Severino Elias Ngoenha 15
CAPÍTULO II: QUADRO REFERENCIAL TEÓRICO DA DEMOCRACIA E SUAS CONTROVÉRSIAS 18
2.1. Conceito de Democracia 18
2.2. Advento histórico da democracia 20
2.3. As aporias da democracia representativa 23
2.4. Democracia directa: Alternativa à democracia representativa? 25
2.5. A democracia como doutrina liberal: um fundamento contemporâneo 26
2.6. Da Democracia Deliberativa à Democracia Líquida: Continuidade ou Ruptura? 28
CAPÍTULO III: FEDERALISMO COMO UMA POSSÍVEL ALTERNATIVA PARA A CONSOLIDAÇÃO DA PRÁTICA DEMOCRÁTICA HOJE 32
3.1. O Federalismo e os seus pressupostos 32
3.2. Separação de Poderes e a Natureza Humana 34
3.3. Será Necessário um Estado Federal para um Moçambique actual? 34
3.4. Federalismo em Moçambique: Alternativa ao modelo de governação ou Utopia? 37
3.5. A Distribuição Económica no Estado Federal 39
3.6. A Questão da Liberdade 40
Análise Crítica e Actualidade do Tema 41
Considerações finais 43
Referências bibliográficas 45















 

Declaração de Honra
Declaro por minha honra que esta Monografia é resultado da minha pesquisa pessoal e das orientações do meu supervisor, o seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia final.
Declaro ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para obtenção de qualquer grau académico.

Beira, aos 18 de Dezembro  de 2019.
______________________________________
(Ginó Guinda Muanima Jó)










 

Dedicatória
Aos meus pais, Guinda Muanima Jó e Ana Manuel Custema que sempre incentivam-me e apoiam-me na realização dos meus sonhos; a minha avó Francisca Bola; aos meus tios, irmãos, especialmente a minha mais velha Esmiralda Guinda e a minha namorada Mariana Santos Mussa.

















 

Agradecimentos
Agradeço a Deus que me iluminou e tem iluminado meu caminho dia, pois dia. Agradeço de igual modo ao meu orientador Prof. Doutor Tiago Tendai Chingore pela disponibilidade e confiança manifestada, mas, acima de tudo, pela clareza das sugestões, recomendações e orientações dadas. Devo gratidão aos docentes, especialmente os do curso de Licenciatura em Ensino de Filosofia pela experiência concedida. Agradeço aos familiares e amigos por todo amor e carinho, e por entenderem os momentos de ausência. Aos colegas de sala que com o tempo tornamo-nos irmãos, muito obrigado pela ajuda em vários momentos de dificuldade. Aos demais que directa e indirectamente contribuíram para a minha formação e conclusão desta Monografia Científica. Muito obrigado a todos vós!












 

Resumo
Das Controvérsias da Democracia à Governação Federal: Reflexão Filosófica a partir da Teoria Política de Severino Elias Ngoenha, é o tema que discorre dentro da monografia, no qual apresentamos sua teoria política num contexto em que urge a necessidade de uma reflexão sobre os conceitos de Democracia, Governação, Liberdade, Federalismo. Usamos o método hermenêutico textual e a técnica de pesquisa bibliográfica. Ngoenha anuncia a sua teoria política, encarando a democracia como sendo a inserção de cada indivíduo no seio da comunidade e na participação integral na vida daquela. Ngoenha acrescenta que Moçambique deve construir um modelo de governação que responde as reais necessidades dos cidadãos, que é de ocupar um lugar privilegiado na decisão da coisa pública. Ora, a definição do distrito como pólo de desenvolvimento, não deve servir apenas como um slogan político, mas, usado como uma realidade concreta e imperiosa para o progresso do país. Esperamos que a partir da tese do federalismo desenvolvido por Ngoenha, incitar os políticos a não só assumir os cargos públicos que tanto almejam com tendências de suprimir as necessidades individuais, mas de estarem comprometidos com o distrito, que conheçam os planos e os projectos e que as suas projecções reflictam as devidas necessidades da sociedade. Esperamos de igual modo que o federalismo venha exactamente responder as necessidades mais crescentes de realizar o casamento entre o poder e os cidadãos, visto que estes tendem a caminhar separadamente, ao menos que seja o momento de se exercer o direito e dever de voto, como também de reconciliar as políticas junto dos cidadãos, ou seja, que esta constitua a forma ideal para a busca duma verdadeira democracia, isto é, em que o poder esteja vinculado ao povo. Em termos descentralizadores, o federalismo não é uma distribuição particular de autoridade entre governos, mas sim, um processo estruturado por um conjunto de instituições por meio do qual a autoridade é distribuída e redistribuída.
Palavras-Chave: Democracia, Governação, Política, Liberdade e Federalismo.







 

Abstract
The Controversies of Democracy to the Federal Government: Philosophical Reflection from the Political Theory of Severino Elias Ngoenha, is the theme that discusses within the monograph, in which we present his political theory in a context in which the need for a reflection on the concepts of Democracy, Governance, Freedom, Federalism. We use the textual hermeneutic method and the literature search technique. Ngoenha announces his political theory, viewing democracy as the insertion of each individual within the community and integral participation in its life. Ngoenha adds that Mozambique should build a governance model that responds to the real needs of its citizens. The definition of the district as a development pole should not only serve as a political slogan, but as a concrete and compelling reality for the country's progress. We hope that from Ngoenha's thesis of federalism, we will encourage politicians not only to take on public office that they so desire to suppress individual needs, but also to be committed to the district, to know the plans and projects and that your projections reflect the appropriate needs of society. We also hope that federalism will respond precisely to the growing needs of marrying power and citizens, of reconciling policies with citizens, that is, the ideal way to pursue a true democracy. In decentralizing terms, federalism is not a particular distribution of authority among governments, but a process structured by a set of institutions through which authority is distributed and redistributed.
Keywords: Democracy, Governance, Politics, Freedom and Federalism.










 

Introdução
A presente Monografia visa reflectir sobre: “Das Controvérsias da Democracia à Governação Federal: Reflexão Filosófica a partir da Teoria Política de Severino Elias Ngoenha”. A questão relativamente à democracia, remonta desde os primórdios, quando o Homem começou a tomar consciência de se relacionar com o outro no meio social. O tema se enquadra na linha de pensamento da Filosofia Política.
O motivo pelo qual nos levou a debruçar em torno deste tema foram as leituras feitas nas obras do autor em questão, tendo encontrado no seio de suas reflexões a questão da liberdade política mediada por um modelo governativo. No entanto, este modelo governativo trouxe consigo certas restrições naquilo que é a participação popular na coisa pública. Ademais, é imprescindível não deixar de lado a questão do desequilíbrio em termos de distribuição económica para diferentes províncias, verifica-se um alto nível de corrupção nas repartições públicas e privadas, desigualdades de oportunidades entre os do sul e norte numa mesma nação. Importa referir que Ngoenha já havia referenciado que a diversidade cultural enquanto tal não deve ser o motivo de impedimento da criação de uma nação. Aliás, não há nenhuma contradição em ser Macua, Chope ou Ndau e ser cidadão moçambicano.
A soberania implica liberdade de expressão; implica participar; implica planificar; implica elaborar os programas de governação; ouvir e ser ouvido; dar opinião; exercer um determinado cargo político; implica respeito; implica decidir sobre o rumo do seu país, portanto, falar da soberania e liberdade implica muito mais que estar na urna e votar. O país precisa de facto dum modelo que poderá garantir o exercício pleno dos direitos e deveres plasmado na CRM (Constituição da República de Moçambique) e que caracteriza a verdadeira democracia. Mas a questão é: Será que o federalismo constitui uma alternativa viável para consolidação da prática democrática diante da problemática da inserção do povo na política moçambicana hoje?
É impossível pensarmos no futuro sem pensarmos nos projectos políticos que, a bom fim, regem a nossa existência enquanto sociedade, constata o autor. Ngoenha entende que o momento da democracia é um momento de se confiar ao povo o poder, em termos práticos, de decidirem pelo tipo de projecto político que querem, destacando também que a democracia é por excelência um problema filosófico. Para o autor, quando em Outubro de 1994 realizam-se as primeiras eleições em Moçambique, levantava-se um aspecto importante, a questão da escolha adequada de um projecto político que norteasse o país.
Ngoenha, entende que quando damos o nosso voto a um partido significa que nós nos identificamos ou pensamos que, entre os projectos políticos que se nos apresentam sob forma de partido, aquele que escolhemos é o mais adequado para levar a, bom fim, as vontades do povo. Para elaboração desta Monografia, usamos o método hermenêutico textual, que consiste na leitura e interpretação das obras de Severino Elias Ngoenha. Também seguimos a técnica de consultas bibliográficas, que se baseou na elaboração deste trabalho a partir do material já publicado, constituído principalmente de livros.
Num verdadeiro Estado de Direito, os governados caso se acham injustiçados, ou se sentem limitados no exercício dos seus direitos (liberdade) podem limitar os excessos desencadeados por diversos modelos de governação. Todas as acções dos governos flutuam sobre sujeitos livres que dispõem de uma pluralidade de possibilidades e alternativas, essas alternativas, se estendem desde a aceitação de uma determinada condução que culminará com o estabelecimento dos modos como ela é exercida.
O autor observa que os países africanos optaram por variados modelos para o desenvolvimento social e económico, entretanto, pouco funcionou e, na sua maioria, os níveis de vida das sociedades que neles habitam ainda são muito baixos.
Ngoenha acredita que o federalismo constitui um pressuposto ideal para que os homens tenham oportunidade de exercer livremente os seus direitos e decidirem sobre o que lhe vem na alma, exprimir os seus sentimentos, as suas esperanças e aspirações. Se a existência do homem em sociedade implica a existência de alguns atritos e erros, então, é preciso atenuar a invasão da vontade do poder humano na gestão das coisas públicas, e o remédio de evitar é preveni-la limitando e dividindo o poder através dum modelo que garante a participação de todos nas mesmas circunstâncias e oportunidades.
No âmbito académico, estamos seguros que a partir desta reflexão, abriremos outros horizontes de pesquisas nas academias, assim como nas escolas. Sendo uma questão em que as suas manifestações verificam-se na actualidade, acredita-se que este tema irá alavancar as barreiras científicas e vai enriquecer as capacidades intelectivas dos pesquisadores vindouros. Não obstante, com a concretização desta singela monografia, a sociedade como um todo terá mais participação nos assuntos políticos, haverá mais desenvolvimento sociopolítico e económico.
A monografia tem como objectivo de investigar a teoria política Severino Ngoenha voltada ao projecto federalista como uma possível alternativa às controvérsias da democracia na actualidade. Distinguir os conceitos de democracia nas mais diversas perspectivas dos autores e discernir o desenvolvimento da liberdade como um dos factores que condiciona a concretização do federalismo.
Sob o ponto de vista estrutural, esta monografia encontra-se constituída por três capítulos. O primeiro fala sobre “Biografia de Severino Elias Ngoenha”. O segundo versa sobre o “Quadro Referencial Teórico da Democracia e Suas Controvérsias” e finalmente o terceiro, que é o âmago da nossa reflexão onde vamos tratar do Federalismo como uma Possível Alternativa para a Consolidação da Prática Democrática Hoje, e por sinal, é a parte em que incidimos sobre o objecto da nossa pesquisa.












 

CAPÍTULO I: BIOGRAFIA DE SEVERINO ELIAS NGOENHA
Neste capítulo pretendemos abordar em torno da vida, principais obras e as influências que Severino Elias Ngoenha teve durante o seu percurso académico, religioso, assim como filosófico.
1.1. Vida
Severino Elias Ngoenha nasceu em Maputo, no ano de 1962. Concluiu os seus estudos no Liceu Josina Machel. Sua devoção pela vida religiosa fê-lo optar pelos estudos teológicos, com particular interesse pela “Teologia da Libertação”. Sendo assim, em 1981 ingressou para o Seminário Pio X em Maputo numa formação sacerdotal em Teologia – Filosofia. Três anos depois, concretamente em 1984 Ngoenha ganha bolsa para continuar seus estudos em Roma, onde obteve o grau de Bacharelato em Filosofia pela Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma (NGOENHA, 1993, p. 04).
Três anos depois, em 1988 alcançou o grau de bacharel em Sacra Teologia na mesma Universidade. No mesmo ano obteve também o grau de Licenciatura em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
Dois anos depois, isso em 1990 obteve o grau de Doutoramento em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Foi Professor no Seminário Filosófico – Santo Agostinho da Matola – Maputo. Em 2010, integrou-se ao Departamento de Filosofia da Universidade Pedagógica de Moçambique, é Professor na Universidade Eduardo Mondlane. No estrangeiro é Professor convidado pelas Universidades Italianas de Bolonha e de Roma. É ainda Professor convidado pela Universidade Estadual da Bahia, no Brasil. Foi Professor associado ao Departamento de Antropologia e Sociologia da Universidade de Lausanne, na Suíça. Suas pesquisas situam-se principalmente na área de Antropologia, Pensamento Africano, Filosofia da Educação, Filosofia da História e Interculturalidade (2009, p. 01).
1.2. Principais obras
1.2.1. Por uma Dimensão Moçambicana da Consciência Histórica (1992)
Ngoenha exorta-nos nessa obra a pertinência da tomada de consciência com relação a historicidade, com principal enfoque na evolução histórica de Moçambique e de África em geral. Debruça-se também na obra sobre a questão do fim da história proferido por Francis Fukuyama e as suas implicações para o homem africano, visto que a história ocupa um lugar primordial entre os problemas que atormentam Moçambique, atendendo e considerando que será apartir dela irá se olhar o passado para melhor entender o presente, com mais conhecimento de causa e orientar-se para o futuro (NGOENHA, 1992, p. 07).
1.2.2. Das Independências às Liberdades (1993)
A obra surge num contexto em que urge a necessidade de uma reflexão sobre os conceitos Liberdade e Independência no panorama do pensamento africano, Severino Ngoenha discute a liberdade como a base da historicidade dos africanos, assinalando-a, também, como característica humana por excelência. O autor pretende, ao mesmo tempo, debater a questão do futuro nas sociedades africanas, num contexto em que os próprios africanos são chamados a ser mestres dos seus destinos, responsáveis pela construção de um futuro diferente. O autor enaltece o papel da filosofia num contexto incipiente como o das nações africanas, marcado ainda pela dependência ideológica e, sobretudo, económica (1993, p. 08-09).
1.2.3. Os Tempos da Filosofia: Filosofia e Democracia Moçambicana (2004)
Com esta obra, Ngoenha pretende responder uma das questões que lhe fora colocada na Academia de Filosofia – Matola sobre qual seria o papel de um filósofo numa sociedade democrática. Para ele o papel do filósofo seria o de contribuir com ideias e reflexões para o melhoramento da sociedade. Desta forma, o autor nos traz a tona sobre os fundamentos de um pensar filosófico sobre a democracia em Moçambique, olhando para aquilo que é o processo político na sua actualidade. É nesta obra onde ele começa a trilhar a sua reflexão sob um Moçambique numa perspectiva democrática, Ngoenha inspirado nas ideias da coruja, vem a responder quase cinco anos depois, nas vésperas de outras eleições. Ngoenha precisava de tempo para pensar os fundamentos viáveis para tais respostas, porque a actividade filosófica é como a coruja, não é imediata, demora a chegar, mas quando chega, vem com boa nova, aliás, o mesmo aparece como uma das corujas da Minerva para iluminar a caminhada dos moçambicanos para a maior maximização das liberdades individuais e colectivas (2004, p. 08). 

1.2.4. Machel: Ícone da Primeira República? (2009)
Esta obra mostra-nos uma concepção do passado e do presente de Machel, com a pretensão de colocá-lo na prateleira filosófica e trazer os fundamentos contundentes para julgá-lo, por aquilo que ele foi ou por aquilo que ele representa na história moçambicana. Na sua íntegra, a obra pretende ser um julgamento de Machel. Com esta obra, Ngoenha pretende ressuscitar Machel para que seja julgado e para isso, ele solicita a deusa Maat do antigo Egipto, visto que fazia muito tempo que esta justiceira não era acordada do seu sono secular para um julgamento. Contudo, a mesma não julga os homens pelos seus factos, mas pela sua magnitude, que incarnam a verdade e o espírito de toda uma época (NGOENHA, 2009, p. 09).
1.2.5. Intercultura, Alternativa à Governação Biopolítica? (2013)
Na obra em destaque, Ngoenha brinda-nos com dois percursos na política moçambicana: a que nos leva do Liberalismo ao Neoliberalismo e a que nos leva aos questionamentos e construções filosóficas moçambicanas sobre o significado da inserção de Moçambique na rota de Liberalismo, ou melhor, do Neoliberalismo, com o problema do sistema centralizado da política e da economia ao que, nas palavras de Ngoenha, Foucault chamou de Biopolítica. Os teóricos do liberalismo ou Neoliberalismo procuram fundir, na acepção de Ngoenha, o económico e o político. A entrada de Moçambique na nova fase de globalização não pode ser entendida sem as metamorfoses da economia-mundo, onde o indivíduo é interpretado como capital-humano e empreendedor, já que a força motora da globalização real é a economia, o que torna difícil imaginar uma alternativa para ela (2013, p. 05).
Portanto, Ngoenha acredita que a única saída para toda essa problemática é o “diálogo intercultural”, em que não procuramos combater a globalização, mas encontrar uma globalização alternativa onde as conquistas sociais sejam mantidas e garantidas. Mas para que este diálogo ocorra o ocidente deve abandonar o seu etnocentrismo. (Ibidem, p. 107-114).
1.2.6. Terceira Questão: Que leitura se pode fazer das recentes eleições presidenciais
e legislativas? (2015)
Nesta obra, Ngoenha reflecte em torno das políticas de um Moçambique actual, isto é, a forma de governação, características e traz a luz um estudo sobre as condições que de certa maneira garantem a convivência pacífica entre diferentes grupos sociais, políticos, étnicos, etc. Na mesma, o autor desenvolve argumentos com inúmeras variedades de amostras que ilustram o funcionamento e o não funcionamento da política em outros países (2015, p. 01).
1.2.7. Resistir a Abadon (2018)
Ngoenha apresenta-nos um conceito de liberdade optimizado relativamente as suas primeiras propostas apresentadas no final do século XX. Para ele, nesta nova proposta hermenêutica, a liberdade é vista, num primeiro momento, como distanciamento em relação as modas e correntes da época, e ainda mais, como um sonho de prosperidade e harmonia futura, pro isso, como paz e desenvolvimento. Nesse caso, liberdade seria a condição de distanciar-se dela, da violência. Com isso, ele apresenta uma reflexão indicativa de que o percurso libertário poderia ser uma contra-argumentação ao que essencialmente caracterizou a história da humanidade, violência, ou como pretendiam referir os estóicos, a busca incessante pelos prazeres (2018, p. 32).
1.3. Influências de Severino Elias Ngoenha
1.3.1. Jürgen Habermas
Filósofo, Sociólogo alemão e representante da segunda fase da escola de Frankfurt. Influenciou significativamente Severino Elias Ngoenha no que concerne aos conceitos de Comunicação e Diálogo. Tendo em conta que Moçambique encontra-se mergulhado numa crise político-social, Ngoenha herda e reformula os dois conceitos acreditando que uma das formas com a qual Moçambique pode superar os obstáculos actuais, seria encorajar as partes conflitantes em pautar por um discurso argumentativo e a acção comunicativa, pois numa conversa, se todos os participantes se colocarem na pele do outro, se consegue resolver conflitos de maneira pacífica e cordial (NGOENHA, 2015, p. 08).
1.3.2. Karl Marx (1818-1883)
Filósofo, Historiador, Sociólogo, Economista e Intelectual revolucionário alemão. Este economista, como ele mesmo preferiu ser chamado no seu leito de morte, influenciou Severino Elias Ngoenha no conceito de Filosofia, isto porque assim como Marx, ele acredita numa visão interventiva e não contemplativa da Filosofia. Ou seja, a Filosofia não só deve interpretar o mundo, como Hegel prefere acreditar, mas ela deve principalmente transformar o mundo, isto é, oferecer aos homens alternativas viáveis para interpretar e agir sobre a sua história (NGOENHA, 2004, p. 09).
1.3.3. Martin Heidegger (1889-1976)
Filósofo existencialista alemão, com a publicação da sua magna obra intitulada Ser e Tempo faz-nos perceber que a hermenêutica não só tem a ver com questões metodológicas ou regra de interpretação textual, como também está implicitamente ligada ao esclarecimento fenomenológico da própria existência humana, ou seja, Heidegger usa a fenomenologia como um meio de revelação do ser, a hermenêutica deve interpretar o ser em toda sua facticidade histórica, no contexto do mundo vital em que cada um existe. É nesta senda que Ngoenha herda o conceito de hermenêutica, sustentando que essa é do futuro e busca para colocá-la como síntese do debate sobre validade do estatuto do património da sabedoria africana. Com o fundamento da hermenêutica, deve-se efectuar a releitura da tradição, não com pretensões de reconstruir o pensamento antigo, mas para actualizá-lo dentro do contexto actual (NGOENHA, 1993, p. 105).
1.3.4. Cheik Anta Diop (1923-1986)
Filósofo senegalês. Influenciou Severino Elias Ngoenha no âmbito da identidade africana, que é encarada como uma personalidade colectiva que é constituído por três factores: histórico, linguístico e psicológico. No entender de Diop, o factor histórico é a base cultural que liga os elementos dispersos de um povo para torná-lo um todo, a partir de um sentimento de continuidade histórica, vivido por toda sua colectividade. Ngoenha herda o conceito de identidade cultural como sua base de fundamentação para ilustrar que existem duas identidades: individual e colectiva, para posteriormente reflecti-los na perspectiva moçambicana. Ngoenha salienta que ter consciência da própria cultura seria o mesmo que ter consciência da sua identidade, integridade territorial e política, ou seja, da colectividade (NGOENHA, 1992, p. 29).
1.3.5. Yoshihiro Francis Fukuyama
Filósofo, Economista, Político nipo-estadunidense e é uma importante figura do neoconservadorismo, Ngoenha herda o conceito do fim da história, mas ele radicaliza-se das suas visões: Fukuyama emerge sua tese partindo da disputa que existia entre o liberalismo e comunismo, onde Hegel concebia o fim da história como ponto de chegada do processo histórico, e terminaria com triunfo do liberalismo, a supremacia da raça ariana concretamente na nação germânica. Contrariamente a Hegel, Marx, era o comunismo. Fukuyama transfere para a democracia americana (Ibidem, p. 09).
Ao desenvolver suas abordagens filosóficas, Ngoenha contraria a concepção de Fukuyama, ao afirmar que, o fim da história significa não continuar a exaltar as divisões, lutas, crimes e violências. Em suma, os contra valores. A marcha da humanidade, a qual cada grupo, tribo, etnia do nosso povo pertence, não pode ser reduzida a ideias de sofredores, a violência e a brutalidade (NGOENHA, 1992, p.10).
1.3.6. Michel Foucault (1926-1984)
Filósofo francês, que exerceu grandes influências sobre os intelectuais contemporâneos, influenciou Severino Elias Ngoenha no que diz respeito ao conceito de Biopolítica. Segundo Foucault (2004, p. 55-57. Apud. Ngoenha, 2013, p. 85), tem a ver com a especificidade que o neoliberalismo toma em relação ao liberalismo, isto é, o facto de que a vida dos sujeitos se tenha tornado objecto, quer de instituições internacionais específicas, quer das práticas discursivas. Ngoenha viceja que a expressão biopolítica quer significar uma confluência de práticas institucionais e discursivas orientadas a transformar todas as dimensões de vida dos indivíduos, em termo de prova, de experimentação e de técnica governamentais, aptas a promover os comportamentos que se retém conforme a realidade económica. Como alternativa deste mal, Ngoenha propõe um debate intercultural, ou simplesmente, interculturalidade.
Com as premissas acima referenciadas, poderão desenvolver-se no próximo capítulo as fundamentações do conceito de democracia e suas mais profundas denominações históricas, seus valores e virtudes para as sociedades, seus defeitos e posteriormente, suas possíveis alternativas.




 

CAPÍTULO II: QUADRO REFERENCIAL TEÓRICO DA DEMOCRACIA E SUAS CONTROVÉRSIAS
Neste capítulo, pretendemos abordar sobre o conceito de democracia e suas controvérsias, que constituem clivagens, desde antiguidade até actualidade. É certo que a referência à democracia parece ser indispensável à fundamentação legítima do direito e da política na actualidade.
2.1. Conceito de Democracia
Norberto Bobbio pensa que a democracia pode ser compreendida como uma forma de governo caracterizado por um conjunto de regras que permitem a mudança dos governantes sem necessidade de usar a violência. Sendo assim, ela é também considerada, uma forma que possibilita a livre e pacífica convivência dos indivíduos numa sociedade. O autor acrescenta que a democracia seria nada mais que um mecanismo para eleger e autorizar governos, possibilitando a alternância das elites no poder. Não é um ideal utópico, mas uma prosaica técnica para a organização do Estado, centrada em estabelecer não já o que se deve decidir, mas somente quem precisa decidir como e quem deve governar (BOBBIO, 2000, p. 30-31).
Neste sentido, a democracia acaba sendo reduzida a uma simples técnica de auto – reprodução das relações de poder e de separação entre representantes e representados, por via da representação.
Segundo Ngoenha (2004, p. 188), a problemática da democracia não pode ser reduzida em simples questões de eleições de partidos ou de presidente que possa representar a sociedade civil. A democracia consiste na inserção de cada indivíduo no seio da comunidade e na participação integral na vida daquela. Por isso temos que encontrar um espaço institucional adequado para a implementação democrática e para um diálogo de reconciliação. E este espaço encontra-se prescrito em duas perspectivas: na perspectiva sociológica, apela que o espaço de reconciliação democrática deve ser uma unidade de pequeno número de membros, dos quais vão necessariamente defender a participação política dos cidadãos e, na perspectiva política, o espaço democrático deve de certa forma, permitir um diálogo contínuo e sistemático entre o Estado e as culturas.
Na República, Platão acredita que a democracia, apesar de sua ideologia estar extrinsecamente envolvida com princípios humanitários, estaria sem dúvida fragilizada, permitindo com que os mais poderosos se aproveitem dos mais pobres. Em hipótese alguma estaríamos aqui incentivando uma monarquia. Pois Platão apela que pautemos pela Sofocracia, que teria no seu auge o filósofo-rei, homem dotado de sabedoria para organizar o Estado Ideal. Na esteira de Sócrates, Platão pensa, assim, a praxis política a partir das exigências da racionalidade, articulando intrinsecamente o exercício do poder à posse de uma competência epistémica, o que o conduz à necessária proposição da sofocracia como o único regime legítimo (PLATÃO, 2001, p. 358).
Ora, não é de admirar que Platão note na democracia uma forma política problemática e, no limite, irracional, cujo funcionamento permite que a multidão se aproprie indevidamente do poder e da administração da cidade, sem nenhuma aptidão intelectual para tal. Nesse sentido, a democracia, em sua forma extrema, seria o regime que, ao ver de Platão institucionalizaria o amadorismo e o diletantismo como práticas políticas correntes e quotidianas, instaurando um governo dos ineptos que põe em risco a ordem moral e institucional da sociedade.
Não obstante, seu discípulo Aristóteles, na sua obra intitulada A Política, chama atenção sustentando que, não podemos simplesmente conceptualizar a democracia como governo em que a maioria domina, até porque nas próprias oligarquias ou em qualquer outra parte, é sempre a maioria que se sobressai. Entretanto, o governo oligárquico também é denominado pela maioria, a diferença é que esta maioria é os da elite, ou seja, ricos, deixando de lado os pobres, mesmo que fossem livres. Assim, Aristóteles concebe a democracia, como sendo um estado em que os homens livres e pobres governam (ARISTÓTELES, 2001, p. 72).
2.2. Advento histórico da democracia
Segundo Sartori (1994, p. 34), O conceito de democracia foi cunhado há cerca de 2 400 anos. Embora tenha sumido por um tempo muito longo, ainda assim continuou fazendo parte do vocabulário político. Deste período até então, com certeza ela acabou adquirido significados diferentes, olhando para diferentes contextos históricos em que a mesma encontrava-se inserida. No entanto, falar de democracia hoje, nos remonta passar por cima de mais de dois mil anos de mudanças.
É importante salientar que a democracia antiga era entendida numa profunda relação intrínseca com a polis. E a polis grega não tinha nada de Cidade-Estado como estamos acostumados a chamá-la, pois não era, em nenhum sentido, um Estado. A polis era uma cidade comunidade. Enfim, os homens é que são a cidade.
A democracia tem suas origens nos antigos Estados, do qual se destaca o Estado Ateniense. Acredita-se que foram os atenienses que pela primeira vez optaram pela democracia como uma forma de governo, onde esta era idealizada e praticada de forma directa, isto é, com a participação efectiva do povo nos assuntos políticos na ágora. A palavra democracia na concepção dos antigos pode ser interpretada de uma forma literal como sendo o poder do demos, ou povo, embora que na época, muitas pessoas era excluídas da esfera pública, como é o caso dos escravos, os estrangeiros, assim como as mulheres.
De um ponto de vista ideal, a democracia implica a unidade perfeita do povo como sujeito e objecto do poder do Estado. Obviamente que essa unidade se for reflectida minuciosamente na ideia da vontade popular, é algo que não se apresenta concretamente na prática e no mundo dos factos. Mas é certo que a democracia em Atenas sofreu algumas evoluções e revoluções, tendo em conta alguns reformadores da democracia. Durante esse percurso da democracia em Atenas, encontramos alguns reformadores políticos, dos quais se destacam: Dracon, Sólon, Clístenes e Péricles.
Sólon por exemplo, um homem sábio de Atenas, criou algumas reformas, procurando solucionar as discórdias entre a nobreza e povo, cujas principais mudanças foram: Acabou com a escravatura por insolvência de dívidas; Criação de senados e Direito de acesso de todos os cidadãos à Assembleia Popular.
No entanto, essas reformas desenvolvidas por Sólon não agradavam a todos, principalmente os da nobreza, que nesse processo perderam muitos escravos e assim rejeitavam as reformas considerando-as muito liberais. Entretanto, as reformas continuaram, mas desta vez com Clístenes, chefe do partido popular que implantou a democracia em Atenas e restaurou o poder popular trazendo a baila as seguintes reformas: As reformas sociais, organizando as classes sem a preocupação dos bens de cada um, etc (PRELOT, 2000, p. 53).
Com Péricles, Atenas começou a alcançar uma verdadeira democracia, devido novas reformas sociais e políticas. Pois, o povo obteve direitos extraordinários: todos os cidadãos eram iguais e podiam desempenhar funções públicas. Assim como Clístenes, Péricles deu mais possibilidades aos mais pobres de exercerem cargos públicos, determinou também que o Estado desse dinheiro aos mais necessitados para lhes permitir a sua entrada nos espectáculos.
Contudo, a democracia não só estava reinando no âmago dos atenienses, como também engendra nas reflexões dos mais conhecidos e respeitados, como Platão, Aristóteles, Demóstenes e outros. Mesmo assim, Ngoenha pensa que o próprio Péricles acabou demonstrando-se pouco democrata, pois não assumiu as implicações ético-sociais da maneira como este introduziu a sua democracia em Atenas. Também se deve justamente porque Atenas não soube revelar o desafio do balanceamento constante entre os interesses individuais e as necessidades colectivas (NGOENHA, 2015, p. 129).
Já no período medieval, a discussão sobre a democracia estava virado na disputa entre o Papado e o Império pela plenitude do poder, questão que está génese da própria separação entre a Igreja e o Estado. No que tange ao poder, havia uma divisão de responsabilidade com o poder eclesiástico, cabia à autoridade eclesiástica a orientação espiritual, e o monarca temporal a garantia da paz e a supressão de mal através do uso da força (VILANI, 2000, p.38).
Desta feita, a soberania era partilhada por duas monarquias de origem divina, o Papado e o Império, cuja principal função era dirigir o corpo social no caminho da salvação eterna (VILANI, 2000, p.13).
Desta feita, tanto do Imperador quanto do Papa, é Deus, e sua origem imediata é o povo. Cabe assim à vontade popular não só conferir o poder, mas controlá-lo e, se for o caso, destituir quem o exerce. Para Marsílio e Ockham, não há autoridade política que não seja fundada na vontade do povo. Ambos propõem, nessa linha, uma concepção ascendente de poder, que não vem de Deus directamente ao Imperador e ao Papa, mas ao povo, que o transmite a estes (Ibidem, p.73).
A democracia como é entendida hoje, nasceu na idade moderna, pois, negativamente pela necessidade de se libertar dos regimes monárquicos e eclesiásticos que tinham caracterizado a vida política na idade média; positivamente, pela necessidade de encontrar um sistema que garantisse as liberdades dos indivíduos. A solução da modernidade como já havia sido antecipado por Hobbes, era o nascimento de um Leviatã em que a ele, todos os cidadãos alienariam suas liberdades e direitos para o alcance da paz, visto que não precisariam nunca mais de lutar contra o outro para garantir sua propriedade. Este acto não tem nada a ver com espírito democrático, mas existe lá uma imposição de maneira autoritária. Mas é óbvio que a democracia vai mais, além disso, ela procura um sistema jurídico capaz de fazer leis cada vez mais próximas da justiça social.
Hoje, a actuação dos cidadãos nas decisões políticas é exercida por meio da representatividade. Aliás, o instrumento do sufrágio só foi colocado em prática no mundo a partir do XIX, mas, a contribuição dos gregos para o desenvolvimento da democracia foi o estabelecimento da noção de que todos devem participar das decisões políticas, independentemente da cor, raça e condições da classe social.

2.3. As aporias da democracia representativa
Para Bobbio (2000, p. 28), a democracia representativa pode ser compreendida como deliberações colectivas, cujas mesmas não são tomados por aqueles que fazem parte dela, mas por pessoas eleitas para tal finalidade, ou seja, o Estado representativo é aquele no qual as principais deliberações políticas são tomadas por representantes eleitos, importando pouco se os órgãos de decisão são o parlamento, o presidente da república, os conselhos regionais.
Entretanto, para que a representação seja eficaz Bobbio viceja que o representante deve pertencer a mesma categoria do representado, por exemplo, o operário pode facilmente representar os operários, o médico os médicos, o professor os professores, o estudante os estudantes, e assim por diante. Assim, o representante estará mais bem informado das reais problemáticas que apoquenta seus representados. Acredita-se ser este problema que assola os Estados com o sistema representativo, como Moçambique por exemplo (Idem).
Hamilton & Madison em “O Federalista” apresenta o governo representativo como um dispositivo adoptado no lugar da democracia directa, porque seria impossível reunir um grande número de pessoas em um único lugar. A representação é assim um substituto para o encontro pessoal dos cidadãos. Os dois federalistas acreditam que a democracia representativa faz coexistir algo maior e mais objectivo, o bem público. A representação é superior à democracia directa precisamente porque pode assegurar eficazmente o bem público sem a distracção de vários interesses particulares conflitantes, ou melhor, facções. Uma facção é, como os próprios autores avançam, “uma quantidade de cidadãos que pode constituir a maioria ou a minoria do todo, que são unidos e actuam por algum impulso comum de paixões ou de interesses, contrário aos direitos dos outros cidadãos, ou ao interesse permanente e agregado da comunidade” (2003, p. 42).
Rousseau manifestou o seu descontentamento pelo sistema representativo. O filósofo francês acredita que é evidente que o público tem que ter vários magistrados que os representa, exercendo tarefas administrativas, judiciais e executivas, mas o Povo em sua função legislativa não pode ser representado. No momento que o povo introduz a representação legislativa, ele deixa de ser livre, aliás, O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento, uma vez eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos da sua liberdade, o uso que dela fez, mostra que merece perdê-la (1974, p. 260-261).
Muamar Qathafi em seu “Livro Verde, pensa que a assembleia parlamentar é uma representação enganadora do povo e os regimes parlamentares constituem uma solução enganadora do problema da democracia. A assembleia parlamentar se apresenta fundamentalmente como representante do povo, mas este fundamento em si, não é democrático porque para este a democracia significa o poder do povo e não o poder de um substituto (2005, p. 11).
O próprio facto da existência de uma assembleia parlamentar significa ausência do povo. Pois, a verdadeira democracia só se pode estabelecer pela participação do próprio povo e não através de actividades desses substitutos.
Ora, o autor vai mais além quando afirma que as assembleias excluem as massas do exercício do poder e ao devorarem a soberania em seu proveito, tornam-se num obstáculo legal entre o povo e o poder. Tudo quanto resta ao povo é simplesmente aquela aparência de democracia glorificada pelas longas filas de eleitores de baixo do sol radiante vindos para depositar na urna o seu humilde boletim de voto (Ibidem, p. 12).
Segundo Ngoenha (2004, p. 53), a democracia representativa também pode ser designada democracia parlamentar. O filósofo moçambicano acredita que é nessa democracia onde se encontra assembleia de homens escolhidos por sabedoria, dos quais, se espera a deliberação de melhores decisões para a comunidade na sua colectividade. Na visão de Ngoenha, para que o parlamento se torne democrático, é necessário levar em consideração três princípios que para o mesmo, são fundamentais: Princípio da Tolerância – o Estado é de certa maneira obrigado a assegurar sobre o seu solo um ambiente de liberdade (de proferir suas crenças políticas, filosóficas, religiosas), de modo que, os que são lesados pela ausência desse princípio, não se tornem ameaça a ordem pública, pelo que se verifica nalguns casos o surgimento do fundamentalismo religioso; Princípio da Justiça – o Estado tem a missão de impedir o desenvolvimento de desigualdades (de género, de oportunidades, etc) no seio da nossa sociedade e; Princípio da Separação de Poderes – poder de fazer as leis (legislativo) fazê-las aplicar (executivo) e punir as infracções cometidas contra as leis (judiciário). Quanto ao poder judicial, Ngoenha insiste que este deve ter o poder de agir de forma autónoma.
Mesmo com os argumentos acima expostos, Ranciére não esconde o seu profundo desprezo pelas democracias actuais, sentimento esse que o levou a publicar a sua magna obra intitulada “O ódio à democracia”. O filósofo francês acredita que não estamos a viver em sociedades puramente democráticas, aliás, a democracia para ele não constitui a forma melhor de Estado, existem regras que definem que o sistema representativo se declare democrático, dos quais encontramos: mandatos eleitorais curtos, não acumuláveis, não renováveis, redução no mínimo de campanhas e gastos com campanha (RANCIÉRE, 2014, p. 94).
Com o pensamento de Ranciére, fica óbvio que não estamos vivendo em puras democracias, visto que essas estão ligadas ao apetite insaciável das oligarquias, ou seja, vivemos de certa maneira em Estado de direitos oligárquicos, isto é, em Estado em que o poder é limitado pelo duplo reconhecimento da soberania popular e das liberdades individuas. Mas o que seria uma democracia afinal?
Para Ranciére, uma democracia seria de maneira resumida, uma oligarquia que dá a democracia espaço suficiente para alimentar sua paixão. Os espíritos melancólicos invertem o argumento. O governo pacífico da oligarquia desvia as paixões democráticas para os prazeres privados e as tornam insensíveis ao bem comum (Ibidem, p. 96-97).
2.4. Democracia directa: Alternativa à democracia representativa?
Segundo Hannah Arendt (1965, p. 239), o fundamento da representação é uma das questões cruciais e mais problemáticas da política moderna desde as revoluções do século XVIII e esta por sua vez implica nada menos que uma decisão sobre a dignidade do próprio domínio político. Apenas a participação democrática directa proporciona uma alternativa real para o dilema entre mandato ou independência, no qual o representante ou é um mero agente de interesses privados ou é um usurpador da liberdade popular periodicamente eleito.
Seguindo a trilha de Rousseau, aliás, este considerado um dos pais da democracia moderna, em O Contrato Social, ele formula as primeiras críticas à democracia representativa. Rousseau radicaliza o debate sustentando que: É nula toda lei que o povo directamente não ratificar; em absoluto, não é lei (ROUSSEAU, 1974, p.108).
Se analisarmos a fundo, a crítica de Rousseau à democracia representativa pressupõe que o simples acto de votar em eleições não traduz a expressão da vontade popular. O autor aponta os limites da democracia representativa e propõe como eixo do que viria a ser o fundamento das exigências democráticas contemporâneas: a participação popular. Na sua perspectiva, era necessário construir uma democracia directa, na qual o povo fosse capaz de expressar realmente a sua vontade, em contraposição à democracia representativa que a restringia.
A defesa da participação directa, como única forma de expressão da soberania defendida por Rousseau, não se aplica em sociedades complexas como as do final do século XX. O próprio Rousseau, já em sua época, tinha a compreensão de que: “Jamais existiu, jamais existirá uma democracia verdadeira” (ROUSSEAU, 1974, p. 84).
Para o filósofo francês, essa forma de governo exigiria certas condições difíceis de serem construídas: um Estado muito pequeno, uma grande simplicidade de costumes, bastante igualdade entre as classes e as fortunas, e pouco ou nada de luxo. Sugere ainda o autor que: “Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Governo tão perfeito não convém aos homens” (Ibidem, p. 86).
Desta feita, é preciso reconhecer que as adopções de mecanismos de participação directa da população precisam ser reconstruídos de acordo com as circunstâncias presentes, com vistas à consolidação da democracia possível. Nesses termos, a democracia directa não deve ser colocada como uma alternativa à democracia representativa, mas como algo complementar.
2.5. A democracia como doutrina liberal: um fundamento contemporâneo
Embora na democracia o povo seja o soberano, ele no contexto das sociedades liberais é limitado em sua actuação. Ele não pode em sua tomada de decisão ferir ou desrespeitar os direitos subjectivos de sequer uma pessoa. Isto significa respeitar a dignidade de todos. Além disso, como é todo o povo que governa, não há um soberano que sobrepuje a todos em autoridade. Todos são igualmente cidadãos, e, por isso, o poder político deve ser distribuído igualitária ou equitativamente entre todos. Isto, por sua vez, significa respeitar a igual cidadania.
No liberalismo, ou seja, nas sociedades liberais, normalmente, a democracia é concebida como um sistema político onde as decisões são tomadas mediante a deliberação e votação dos agentes racionais, limitados pelos direitos fundamentais, em âmbito institucional, tendo como base a regra da maioria, ou seja, a regra que prescreve que a decisão de todos é aquela endossada pela maioria dos cidadãos.
Conforme observa Rawls (2008, p. 197), a democracia em uma sociedade bem-ordenada envolve os seguintes elementos que são necessários para assegurar igualdade política de seus membros. Em primeiro lugar, diz ele, os cidadãos devem ter um direito igual de participar do processo constituinte que define as leis às quais devem obedecer, bem como seu resultado final. Aqui, ao ler participar, entenda-se tanto participar directamente como ser representado, pois, tal como caracteriza Rawls, a autoridade de decidir as políticas sociais básicas nas democracias liberais pertence a um corpo de representantes escolhido para exercer mandatos delimitados durante um período determinado, por um eleitorado aos quais esses representantes devem prestar contas. Em segundo, as eleições devem estar livres de corrupções, elas precisam ser limpas. Em terceiro, deve haver rigorosas protecções constitucionais para determinadas liberdades, principalmente para a liberdade de expressão e de reunião e para a liberdade de formar associações políticas.
Sendo assim, isto nos leva a crer que as discordâncias quanto às convicções políticas devem ser aceitas como algo normal da actividade política pública, posto que, tal como ele assevera, a falta de unanimidade faz parte das circunstâncias da justiça. Além desses, outro elemento que deve estar presente é a oportunidade que pelo menos em um sentido formal deve ser igual a todo cidadão, de se filiar a um partido político, de se candidatar a um posto de autoridade, a um cargo público, obviamente de ser eleito pelos outros cidadãos.
Para Rawls (2008, p. 273-274), a ninguém pode ser negada essa oportunidade. E, por fim, também deve ser igual a oportunidade de influenciar o processo político, pois, sendo tal processo público, todos devem ter o direito de nele e sobre ele opinar autonomamente e, mais do que isso, de tentar obter, para uma proposta sua, o apoio da maioria de seus concidadãos. A esses elementos Rawls acrescenta ainda a chamada regra da maioria.
Segundo Dworkin (2005, p. 503), embora os indivíduos devam ter iguais direitos fundamentais garantidos através de uma constituição, um governo democrático não deve se reduzir a isso. Sob ele deve haver também uma preocupação por garantir que todos possam compartilhar das actividades políticas, isto é, que todos possam ter iguais oportunidades de serem activos politicamente em sua comunidade.
É importante realçar o facto de que Dworkin, assim como Rawls separam as práticas políticas das outras práticas da vida, apesar de vincular uma à outra. Para ele, a vida colectiva da comunidade é apenas a sua vida política formal, não todas as actividades colectivas dos indivíduos. Assim, partindo da ideia de que o bem-estar de cada um provém do bem-estar de sua comunidade política, ele defende que a melhor compreensão do governo democrático é aquela que, assegurando a inviolabilidade dos direitos fundamentais a cada um, possibilite ao povo agir em conjunto como parceiros plenos e iguais no empreendimento colectivo do auto-governo.
No entender de Walzer (2008, p. 134), a política tem outros valores além da razão, alguns dos quais, frequentemente se encontram em tensão com ela: a paixão, o comprometimento, a solidariedade, a coragem e a competitividade. Afinal de contas, nos debates políticos as pessoas normalmente já estão engajadas em suas posições, com convicções e interesses já estabelecidos. A racionalidade aparece como apenas mais um dos componentes do debate político. Assim, considerando que há nas democracias mais do que a deliberação racional, mas também a negociação, a influência, a persuasão, a pressão, etc. Parece difícil negar que o respeito a todos no exercício do poder político passará necessariamente pela publicidade das actividades em questão.
Em outras palavras, seja qual for a actividade política, deliberativa ou não, ela deverá aparecer de forma clara e aberta, de modo que todo cidadão tenha igual oportunidade de clareza ao participar do debate público, seja quem for, com os bens ou a formação escolar que tiver.
2.6. Da Democracia Deliberativa à Democracia Líquida: Continuidade ou Ruptura?
Habermas ao elaborar o conceito de democracia discursiva/deliberativa, preocupa-se com o modo com a qual os cidadãos fundamentam racionalmente as regras do jogo democrático. Entretanto, para a teoria democrática convencional a fundamentação do governo democrático se dá por meio do voto. Dado que esse instrumento não é suficiente para legitimar a democracia, a teoria do discurso propõe um procedimento ideal para a deliberação e tomada de decisão, que seguindo esse autor avançaria em termos de fundamentação e legitimação das regras democráticas.
A operacionalização desse procedimento ideal de deliberação e tomada de decisão, ou seja, as políticas deliberativas dependem, segundo a teoria de discurso, da institucionalização dos procedimentos e das condições de comunicação, bem com da inter-relação de processos deliberativos institucionalizados com as opiniões públicas informalmente constituídas (HABERMAS, 1997, p. 21).
Para Forst (2010, p. 153), a ideia de uma democracia deliberativa apresenta uma alternativa para as teorias liberais e comunitárias de legitimação pública.
Nesta democracia, a formação da vontade e da opinião democrática está vinculada ao poder administrativo, este por sua vez, monitora o exercício do poder político, bem como a realização de programas. A opinião pública, transformada em poder comunicativo, segundo os procedimentos democráticos, não pode reger o sistema administrativo, mas pode direccioná-lo (Op. Cit, 1997, p. 23).
Se olharmos bem no fundo, a imagem que Habermas nos oferece para explicitar os processos de comunicação e de decisão do sistema político é aquela que retrata uma relação do tipo Centro-Periferia. No centro localiza-se a administração, o judiciário e a formação democrática da opinião e da vontade (parlamentos, eleições, políticas, partidos) que formam o núcleo do sistema político. Na periferia, encontra-se a esfera pública composta por associações formadoras de opiniões, especializada em temas e em exercer influência pública (grupo de interesse, sindicatos, associações culturas, igrejas, etc).
Tendo em mente a tal imagem, Habermas define a política deliberativa por meio de duas vias: a formação da vontade democraticamente constituída em espaços institucionais e a construção da opinião informal em espaço extra - institucionais. É a partir da inter-relação entre esses dois espaços que se encontra a possibilidade de um governo legítimo.
Já para Cohen, a democracia deliberativa está ligada ao ideal intuitivo de uma associação democrática, na qual a justificação dos termos e condições da associação procede através dos argumentos públicos e do raciocínio entre cidadãos iguais. O mesmo acredita que a proposta de Habermas para personalizara democracia discursiva baseada no fluxo de comunicação que tem origem em uma rede dispersa de cidadãos e que se dirigem para o legislativo e para a administração com o intuito de influenciá-los no processo de tomada de decisão lhe parece uma dissolução desencorajadora da soberania popular (COHEN, 1998, p. 21-35).
Para este autor, a proposta discursiva de Habermas torna a democracia estranha às rotinas institucionais estabelecidas pela política moderna, na medida em que ela valoriza condições excepcionais de influência das associações que se localizam fora do círculo institucionalizado do poder, ou seja, das regras do sistema.
Para colmatar esse erro cometido por Habermas, Cohen propõe a ideia de PDD, que seria a forma de institucionalizar soluções de problemas directamente pelos cidadãos e não simplesmente promover discussão informal com promessas de influências possíveis na arena política formal, como Habermas dissera. Na PDD, as decisões colectivas são tomadas através de deliberação pública em arenas abertas aos cidadãos que utilizam serviços públicos ou que são regulados pelas decisões públicas (Ibidem, p.38).
Em suas mais recentes reflexões, Chingore pensa que a principal problemática da democracia não reside na institucionalização da opinião pública, mas no próprio Estado, ou seja, no modelo democrático em que sem a educação para maioria da população que reside nos países do Terceiro Mundo, a deliberação proposta por Habermas, Cohen e outros podem fracassar devido o défice da capacidade argumentativa destes cidadãos para o debate sobre a coisa pública. Daí que urge uma necessidade de uma reavaliação da concepção democrática que possa legitimar a opinião pública. Democracia representativa cooperativa, que traz no seu âmago a ideia de uma boa representação ao povo. O caminho que se pretende com esta democracia é que haja mais democracia na sociedade, mais participação cooperativa dos cidadãos, o que é viável e prático na dimensão local. Aliás, Chingore assevera que:
A liberdade do indivíduo depende das relações comunicativas, cada cidadão só pode atingir autonomia pessoal em associação com outros, mas o indivíduo só atinge a liberdade quando actua comunicativamente para resolver um problema colectivo, o que exige necessariamente forte cooperação, e esta por sua vez deve ser voluntária. Portanto, subsiste uma relação triádica entre liberdade, democracia e cooperação (CHINGORE, 2017, p. 287).
Todavia, na democracia cooperativa, a esfera pública é encarada como uma instância em que a sociedade tenta experimentalmente, explorar, processar e resolver seus problemas de coordenação da acção social.
No entanto, para que a democracia actual se torne credível, Chingore propõe uma nova concepção democrática denominada democracia líquida. A democracia líquida oferece aos cidadãos a liberdade de decidir seu nível de envolvimento, enquanto se torna capaz de mudá-la a qualquer momento. Na democracia líquida há cooperação e não competição como acontece nas democracias actuais (2017, p. 293).
Contudo, nota-se que se herda da democracia deliberativa a questão da participação através da relação intersubjectiva, fundamentando-se na comunicação, que na concepção Chingoriana é a cooperação, mas, para que essa comunicação ganhe a sua plenitude é necessário que haja o factor de educação.
Diante das grandes manifestações democráticas, Ngoenha pensa que o mais importante seria questionar: “sobre o que os cidadãos deliberarão?”. O filósofo pensa assim porque acredita que o debate público é caracterizado sob dois prismas essenciais: primeiro, a organização desse debate e a maneira de concluí-lo com um acto de poder, segundo, a gestão da cidade e os objectivos que lhe foram confiadas. Desta feita, a organização e a maneira como os cidadãos podem participar no debate público é já um acto político (NGOENHA, 2004, p. 41-42).
Portanto, todo este debate ou controvérsias que se verificam na história, envolvendo o conceito de democracia, é na verdade uma incessante busca para encontrar o lugar adequado, onde o povo possa de maneira óbvia e transparente participar na coisa pública, ou seja, é uma tentativa de encontrar uma esfera pública vibrante e participativa.
Por um lado a esfera pública democrática é considerada um meio para a realização do auto-governo de uma comunidade política, e por outro ela é entendida como procedimento no qual a sociedade tenta resolver problemas políticos racionalmente de maneira legítima. Pensasse que é necessário apontar outras formas de participação que realizem de facto, a promessa da democracia radical e com isso do governo legítimo. É necessário que haja ocasiões mais institucionalizadas, regularizadas para a participação dos cidadãos na tomada de decisões colectivas e talvez, ao fazer isso, aumentar a qualidade do discurso na esfera pública informal (SOUSA, 2001, p.34).
Assim sendo, a partir destas reflexões, iremos apresentar no próximo capítulo a fundamentação sobre o federalismo e suas mais diversas manifestações.

CAPÍTULO III: FEDERALISMO COMO UMA POSSÍVEL ALTERNATIVA PARA A CONSOLIDAÇÃO DA PRÁTICA DEMOCRÁTICA HOJE
Neste capítulo serão apresentados aspectos inerentes ao Federalismo, suas mais diversas manifestações, assim como a possibilidade da sua inserção num Moçambique actual.
3.1. O Federalismo e os seus pressupostos
O federalismo tem como origem nos Estados Unidos, em 1787, depois da proclamação de independência das 13 colónias britânicas da América, que ocorreu no ano de 1786. Nasce através de um contrato político entre os estados membros, assim constituíram-se os estados unidos como uma nação. Na primeira fase, o federalismo nasce como o elo entre os estados, para defenderem-se contra a corroa inglesa (WEFFORT, 2011, p. 190).
O termo federalismo vem do latim “faedus”, que significa contrato. Em sua dimensão histórica o termo diz respeito a contratos estabelecidos por unidades políticas para diversos fins. Especificamente, as primeiras experiências federativas do mundo tinha como objectivo aumentar a capacidade de defesa militar e potencializar as condições de concorrências económicas de determinadas sociedades políticas. Em ambos os casos, pretendia-se fortalecer a defesa contra a dominação inglesa e criar condições mais propícias ao crescimento económico (SIMEON & TURGEON, 2006).
Ademais, esses contratos procuram também viabilizar a convivência de comunidades políticas constituída por diversidades de motivos, como identidades cultural, linguística, étnica e regional. Esses acordos colectivos estabelecem obrigações mútuas entre os seus componentes. Em seu sentido mais contemporâneo, o federalismo envolve a articulação de partes em “uma forma de organização territorial do poder, de articulação do poder central com os poderes regional e local”, que consiste em “um conjunto de complexas alianças, que buscam a compatibilização de valores e interesses entre atores políticos” (AFFONSO, BARROS & SILVA, 1995, p. 57).
Montesquieu, referindo-se às “repúblicas federativas” de seu tempo, afirma que o federalismo é uma “sociedade de sociedades”, que pressupõe “uma convenção pela qual vários corpos políticos consentem em tornar-se cidadãos de um Estado-maior que querem formar” (1979, p. 125).
Tal definição enfatiza a possibilidade de expressão das vontades dos participantes envolvidos no acordo federalista. Em outras palavras, o federalismo deve envolver a partilha de poder entre níveis de governo, pois se o governo central pode tudo, não faz sentido falar em relação contratual ou federal. Sendo assim, “significa que para algum subconjunto das decisões ou actividades do governo central, torna-se necessário obter o consentimento ou a cooperação activa das unidades subnacionais” (RODDEN, 2005, p. 17).
Nesse aspecto, o federalismo se relaciona positivamente com uma ideia específica de democracia, pois visa garantir a expressão e a autonomia de vontades e interesses não do povo genericamente, mas de grupos parciais.
Uma característica central do federalismo é garantir simultaneamente a unidade e a diversidade. Ao mesmo tempo em que envolve uma unidade de partes que pactuam uma acção comum, estabelece um espaço para a afirmação dos valores e interesses de cada uma delas. Nesse sentido, o federalismo é fundado em uma ambiguidade, já que a dimensão da unidade se estabelece no contexto da diversidade. São dois processos que se desenvolvem simultaneamente: a disposição de se unir para propósitos comuns, mantendo ao mesmo tempo a integridade das partes. Para Elazar, essa ambiguidade significa “querer ter um bolo e comê-lo ao mesmo tempo” (1987, p. 64).
O federalismo é baseado em um particular tipo de estrutura constitucional, que define a distribuição de poder entre um governo central e os governos intermediários - sejam os estados, no caso do Brasil, as províncias, no caso do Canadá, os landers, no caso da Alemanha, e os cantões, no caso da Suíça e, em casos raros, os governos locais por exemplo, os municípios, no Brasil (Ibidem, p. 65).
Obviamente que quando mais o poder é distribuído pela Constituição para os poderes periféricos, maior o seu grau de center-constraining (restrição de centro).
Entretanto, no Estado federal, os entes descentralizados detêm, além de competências administrativas e legislativas ordinárias, também competências legislativas constitucionais, o que significa que os Estados-membros elaboram suas próprias constituições estaduais sem a intervenção do parlamento nacional para sua aprovação.
O federalismo apresenta diversas características, dentre os quais podemos destacar: Seus cidadãos são possuidores de uma mesma nacionalidade decorrente do Estado federal, Sua unidade é perpétua e A autoridade da federação tanto se verifica em negócios internos como em negócios externos.
Contudo, o federalismo responde à realização do princípio da descentralização vertical e pluralidade democrática. Este fato pode ser verificado na divisão vertical de poderes. A descentralização política e a tendência pluralista tornam este modelo mais democrático.
3.2. Separação de Poderes e a Natureza Humana
Nesta perspectiva, busca-se reflectir sobre a necessidade de suprimir as tendências naturais humanas (Ambição, vingança, etc.), através da separação de poderes. Criando-se instituições governamentais, cuja sua função é de garantir o respeito e exequibilidade dos princípios legais, para evitar conduzir o Estado a um regime despótico ou tirânico. (WEFFORT, 2011, p. 191).
Como terá dito Hamilton (2003, p. 78), em “O federalista viceja que “Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos”. Não obstante as linhas anteriores, Madison, substancia a ideia de Hamilton, de que os homens não são governados por anjos, mas sim por outros homens. Eis a razão pela qual os governantes devem controlar os governados, sobretudo controlar-se a si próprios.
Madison, vai mais longe ao apontar que todo aquele que detiver o poder em suas mãos, tende a dele abusar. Sendo que o poder é por natureza usurpador, o que estiver sobre a posse da mesma, tende a ultrapassar os limites que lhe foram fixados. Para travar esta tendência de abuso de poder, é necessário segundo o autor, o outro poder que goze de autonomia suficiente para evitar a arbitrariedade. Nessa vertente, o federalista se aproxima do Montesquieu, visto que, estas reflexões desaguam na teoria de separação de poderes (Idem).
3.3. Será Necessário um Estado Federal para um Moçambique actual?
A democracia deveria assegurar a subordinação do governo ao conjunto de direitos populares, exercidos periodicamente através dos votos. Com estas, a sociedade civil tentaria subordinar e controlar o processo decisional público para torná-lo mais aderente às necessidades da sociedade. Porém, todo o vasto mundo da implementação administrativa, das políticas públicas fica sem controlo e sem discussão pública. As liberdades individuais e mesmo a acção colectiva, parecem mudas e impotentes diante da articulação concreta da vida do Estado. Mas é exactamente aqui, na articulação da vida do Estado, que as liberdades individuais e dos grupos, e portanto, a democracia, tem um dos seus principais pontos de verificação (NGOENHA, 1993, p. 157).
Isto exige que a democracia vá para além do processo eleitoral e que se designem formas de participação e de controlo social através dos quais os direitos individuais e de grupos encontrem o seu terreno de realização. Isto vale, não simplesmente para o sistema administrativo, mas para todos os outros sistemas sociais, do económico, ao científico, até ao cultural. Uma tal concepção de direitos individuais e de grupos, tem consequências objectivas quer sobre a estrutura formal do ordenamento jurídico, como sobre a organização institucional. Existe em Moçambique e em todos os países da África, uma grande distância entre a realidade social e a realidade política. A reconstituição do fundamento moral da política passa necessariamente através da reconstrução da comunicação entre os participantes da associação política.
O problema principal das sociedades africanas de hoje, não é a escolha entre um partido de esquerda ou um partido de direita; não é o capitalismo ou o socialismo, não é a tradição ou o progresso. O problema real consiste em dar ao povo a possibilidade real de escolher os próprios ideais, os próprios fins, não por intermédio de um partido, de um presidente, mas directamente (Ibidem, p. 158).
Ademais, fazendo retrospectiva da sociedade actual, Debord assevera na sua obra intitulada A Sociedade do Espectáculo, que antigamente as relações sociais eram mediadas pela política, mas actualmente a política é mediada por imagens, as próprias relações são mediadas por imagens, as nossas sociedades se transformaram em um palco de realizações de espectáculos (principalmente políticos) e o povo torna-se um mero espectador, deixou de ser sujeito da própria história, mas sim, objecto dela (2003, p. 113-114).
Entretanto, do que o povo tem necessidade, é antes de mais, de apropriar-se do próprio destino, e de assumir e guiar a própria história. O objectivo é a construção de uma sociedade que não tenha os seus princípios num decreto de uma ciência, nem nos programas de um partido novo ou velho que seja; o objectivo é a construção de uma sociedade onde as fórmulas não sejam ditadas do alto, nem desçam da capital, mas se inventem, se improvisem ao nível das escolhas quotidianas, e se ordenem segundo as leis da liberdade (NGOENHA, 1993, p. 158-159).
Kant em sua Paz Perpétua estabelece o reconhecimento dos direitos da pessoa em todo mundo. Exige uma constituição republicana (separação de poderes e representação popular) no interior dos Estados. Avança que: Não deve considerar-se como válido nenhum tratado de paz que se tenha feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra futura” (2004, p. 110).
No entender de Norberto Bobbio, o projecto de Kant, sobre a paz perpétua, fundamenta-se em quatro aspectos principais: os Estados nas suas relações externas, vivem num Estado que não se deve por enquanto considerar jurídico, pelo que é provisoriamente jurídica; Um Estado em guerra é um Estado de injustiça, assim como é injusto entre os indivíduos do estado de natureza; Porque o estado da natureza é injusto, então, é imperioso que se saia do mesmo, para fundar uma federação de Estados, através de um pacto social. Quer dizer, uma união dos povos, onde estes estariam proibidos a intrometer-se nos problemas internos uns dos outros, mas juntos unidos para proteger-se dos inimigos externos; Para essa federação, não há instituição de um poder soberano, ou seja, não há um Estado acima dos outros Estados. Mas assume-se a figura de associação, onde cada Estado permanece num nível de colaboração entre iguais (1995, p. 159-160).
Para Kant (Op. Cit, p. 162), a federação é a melhor forma de governo, porque oferece uma relação positiva entre o Estado e os cidadãos e também entre o Estados. Melhor do que qualquer outra forma de governo, esta proporciona a liberdade internamente e externamente a paz, sendo que a paz constitui o ideal moral da espécie humana. A concepção republicana, na visão kantiana baseia-se na separação dos poderes (Executivo e legislativo) e na representação popular.
Para Brazão Mazula, a condição necessaria para que se acabe com os sistemáticos conflitos pós-eleitorais em Moçambique é a federacão.
O primeiro aspecto que Mazula aponta como elemento preponderante para o estabelecimento do federalismo em Moçambique, é facto de Moçambique ser um país multicultural, e cada cultura possui visões diferentes. Por isso cada província devia nomear os seus próprios governadores através de eleições directas, assim como os deputados das assembleias provinciais. Mas também haveria uma legislação que garantiria a unidade do país.
3.4. Federalismo em Moçambique: Alternativa ao modelo de governação ou Utopia?
Para Ngoenha (1993, p. 156-157), o federalismo é o pressuposto ideal para que os homens tenham a possibilidade de exercer os seus direitos, com isso decidir sobre o que lhes convêm e de exprimir as suas aspirações. No seu entender, o federalismo é um sistema jurídico, baseado no respeito dos valores da liberdade, da diferença, da igualdade política e da participação efectiva.
Segundo Ngoenha, o federalismo é um projecto viável, porque o motivo é a edificação de uma sociedade onde as formulas não seriam ditadas do alto, nem desceram das capitais, mas serão a partir das raízes das famílias, aldeias, das povoações, dos distritos. Ora, nenhum candidato se quer deverá apresentar-se da sua dedicação ao serviço público, ao bem comum, à moralidade e aos valores do próprio grupo (NGOENHA, 1994, p. 124).
Ezio Bono opõe-se veementemente ao posicionamento de Ngoenha, examinando o federalismo como uma solução ineficiente e talvez insustentável para Moçambique. O federalismo viabilizaria o desenvolvimento de múltiplas forças centrífugas (desvia-se do centro) e de tendências contrárias à democratização, que se traduziriam sob forma de novos regimes de partidos únicos, ou ainda partidos-estados dominados pelas etnias maioritárias de cada região. Assim, para o federalismo funcionar é necessária uma tradição de estado economicamente forte, capacidade que ainda não existe em África (BONO, 2014, p. 31).
Outro factor que demonstra a insustentabilidade do federalismo em Moçambique aloja-se na falta de mecanismos para a delimitação dos espaços socioculturais e à territorialização da etnicidade. Seriam de deveras importâncias a referência territorial das etnias: i) A territorialização alicerçada numas localizações bem delimitadas e homogéneas dos grupos socioculturais como por exemplo: dos ba-tswana, em Botswana, dos ba-chopes em Moçambique (Ibidem, p. 32).
Ao permitir a representatividade dos grupos étnicos, segundo respectivos espaços geográficos e dimensões, encerra o problema de exclusão de etnias cujas áreas de povoamento são dispersas e que potencialmente constituem razões de conflitos entre os grupos sociais dominantes e minoritários. Portanto, o ideal federalista em Moçambique traduziria a expressão da vontade de algumas elites locais em homogeneizar sua base social, o que de certa forma não tem nada a ver com a democratização. Entretanto, seria desejável a reformulação dos limites das regiões a fim de se estabelecer a sua correspondência dos espaços étnicos ou grupos socioculturais. A actual divisão com configuração administrativa de Moçambique foi definida segundo os ditames políticos do Estado colonial e não apresenta qualquer relação com a distribuição espacial dos diferentes grupos socioculturais. Desta feita, olhando para as reflexões de Bono, fica óbvio que o federalismo só pode ser encarado numa perspectiva utópica, nada mais além disso.
Na mesma linha de pensamento, Tocqueville viceja que o sistema federativo não estava ao alcance de todos os povos, sendo seu sucesso em solo norte-americano acreditável a traços particulares daquele povo (TOCQUEVILLE, 1998, p. 184).
Cistac em suas ilustres análises concorda até certo ponto com Ngoenha, avançando que;
“Em Moçambique deve-se rever as estruturas de planificação, dar mais importância ao distrito do que a província. O país já implementou várias políticas que visavam a redução ou eliminação da pobreza, porém, essas políticas resultaram num fracasso. O país não conseguiu transformar as políticas em acções viáveis para a redução da pobreza. As existências de políticas nacionais não são sinónimas de serem eficazes, visto que, elas só se tornariam eficazes a partir do momento que se reconhece a colaboração do cidadão local na tomada de decisão”.
Obviamente que o problema dos insucessos da boa governação no país não é justamente a falta de política, mas, o espaço que se dá ao cidadão na tomada de decisão. O cidadão moçambicano, principalmente o distrital deve ser dado a oportunidade ou o lugar que merece na vida política nacional. Ele é quem realmente vê as suas verdadeiras necessidades e meio com a qual se possa chegar a resolução dos mesmos, dai que, é necessário que se crie um modelo que possa responder as tais necessidades.
Todavia, Ngoenha acredita que este modelo é o Federalismo, é de extrema importância e ela apresenta imensas vantagens, como: Criação de oportunidades para que os cidadãos discutirem, cooperar, solidarizar-se; É o lugar ideal da participação por excelência e onde a palavra ganha o seu sentido. Ora, isso só é efectivo a partir do momento em que o cidadão tem o poder de escolher os órfãos colegiais da sua própria comunidade, partindo dos objectivos e dos projectos socioeconómicas propostas (1993, p. 162).
3.5. A Distribuição Económica no Estado Federal
A forma de Estado adoptada pela Constituição Federal pode instituir a competência tributária de cada um dos Entes da Federação, sendo que a União detém uma concentração maior de competência tributária, de modo a garantir o exercício da competência tributária que a Constituição distribuirá aos Estados, Distrito Federal e aos municípios, é indispensável que os mesmos contenham recursos próprios. Tal autonomia financeira viabiliza a efectivação dos poderes de auto-organização, normatização, auto-governo e auto-administração (OLIVEIRA, 2011, p. 97).
Todavia, diante da necessidade de melhor maneira de distribuição da parcela dos tributos arrecadados, notamos, assim, que a repartição sempre ocorrerá do maior Ente da federação para o menor, ou seja, a União repartirá algumas de suas receitas com os Estados, Distrito Federal e Municípios, e os Estados distribuirão parte de suas receitas tributárias com os Municípios.
Não obstante, em uma relação obrigacional tributária existem dois sujeitos. De um lado o sujeito passivo onde chamamos de contribuinte, que é aquele que paga os tributos e de outro os sujeitos activos que são os Entes da federação nos quais conhecemos como sendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Essa relação própria dá alguma autonomia a esses Entes federados para estabelecer certa independência orçamentária e financeira. Apesar disso, é importante lembrar que mesmo a divisão de competência tributária cria desigualdades, apesar de também descentralizar o poder político. Essas hipóteses de incidência dão origem a uma relação tributária entre ente político e contribuinte (ATALIBA, 1969, p. 50).
A instauração do sistema federal permitiria às regiões económicas uma autogestão das próprias estruturas produtivas, e escapar as imposições de outras regiões económicas, privilegiadas pela sua situação geopolítica.
3.6. A Questão da Liberdade
A tese sobre a liberdade foi compreendida ao longo dos tempos de diferentes modos e em contextos divergentes, desde os gregos até aos nossos dias. O conceito de liberdade foi manifestado com clareza por Aristóteles, onde demonstrou que o mérito ou o demérito não podem ser atribuídos senão a certos actos que se é livre de executar ou de não executar. Razão pela qual, para os estóicos, a liberdade é uma adesão espontânea a necessidade natural (LOBO, 1999, p. 99).
Em outras instâncias, a liberdade também é encarada num sentido político, onde as liberdades dizem respeito aos diferentes domínios tais como, (físico, de expressão, de consciência assim como de pensamento), onde o indivíduo não tem que aturar controlo do Estado, na medida em que ele respeita as leis. Foi apenas neste sentido que os antigos discutiram sobre a liberdade tendo em conta que, ser livre é fruir das instituições de uma cidade (polis), não ser escravo (DUROZOI, 2000, p. 236).
Berlin, em sua magna obra “Dois Conceitos de Liberdade”, diferencia a existência de dois sentidos políticos de liberdade, expressos tanto em formas do governo quanto em discursos e análises políticas. O primeiro sentido diz respeito à liberdade negativa, que é a possibilidade de cada indivíduo escolher o que é melhor para si mesmo, sem qualquer tipo de interferência externa, seja de governos ou outros indivíduos. Por esta razão, o autor realça que, os defensores da liberdade negativa se importam com a área em que o sujeito está livre da interferência dos outros (BERLIN, apud. HARDY, 2002).
Em contrapartida, o sentido positivo da liberdade tem origem a partir dos desejos dos indivíduos ou grupos de se auto-governar, correspondendo para os defensores da liberdade positiva, com uma necessidade dos indivíduos a participarem activamente da vida social. Entretanto, a acção por meio da participação, marca o sentido positivo, diferindo da não acção e não interferência, relativa a liberdade negativa (Ibidem).
Portanto, pode se compreender que para Berlin, só podemos falar da liberdade no sentido negativo, uma vez que o conceito de liberdade só pode ser compreendido à medida que não existem impedimentos para a escolha individual; ou seja, o indivíduo só é livre quando não existe interferência sobre as suas vontades.
Ngoenha, no entanto, acredita que, não podemos pensar sob ponto de vista político e filosófico perdendo de vista o paradigma libertário que deve ser a referência e o critério de julgamento das nossas meditações intelectuais e das nossas políticas, visto que, as independências nacionais em África ainda não conferiram historicidade aos africanos, pelo facto de elas estarem desfalcadas da liberdade, primordialmente de carácter político (NGOENHA & CASTIANO, 2011, p. 202).
A verdadeira política como a entende Ngoenha, não se faz nos palácios governamentais à nível nacional, mas nas pequenas comunidades como os distritos. A Democracia, liberdade, dignidade humana, nível de vida são inerentes à pessoa humana, porém podem ser compreensíveis antes em pequenos grupos. Isto faria com que, os candidatos assim como seus projectos saíssem do distrito susceptíveis de ser compreendidos e avaliados pelas populações, isto permitiria que a Democracia não seja um jogo de minorias privilegiadas, citadinas, e escolarizadas.
Análise Crítica e Actualidade do Tema
Actualmente, as estruturas básicas dos governos encontram-se em processo de transformação, à medida que a autoridade política e os recursos migram do controlo dos governos centrais para sub-nacionais. A ideia do Federalismo vem justamente para responder as necessidades mais crescentes de aproximar o poder junto dos cidadãos, de aproximar as políticas junto dos cidadãos, ou seja, esta constitui a forma ideal para a busca duma verdadeira democracia.
Assim como o autor destaca, este tema é de suma importância na actualidade, visto que o federalismo cria oportunidades para os cidadãos discutirem, cooperarem e solidarizarem-se. É o lugar ideal da participação por excelência e onde a palavra ganha o seu sentido. Elas servem como escolas de autonomia, isso só é efectivo a partir do momento em que o cidadão tem o poder de escolher os órgãos colegiais da sua própria comunidade, partindo dos objectivos dos projectos socioeconómico proposto é relevante olhar o federalismo no âmbito descentralizador, atendendo e considerando que ela não é uma distribuição particular de autoridade entre governos, mas sim, um processo estruturado por um conjunto de instituições por meio do qual a autoridade é distribuída e redistribuída.
Ademais, podemos constatar que, o que se observa no mundo contemporâneo, em relação ao federalismo, é, em verdade, algo dúbio. De um lado, temos a constatação de problemas concretos, problemas de aplicação dos ideais federais, indicando a crise de que se falou. Do outro lado, há um sincero e não menos concreto movimento pela valorização do federalismo e, o que é ainda mais interessante, inserindo num contexto de vivência destes ideais de uma forma diferente, rompendo com algumas características.
Esta pesquisa, tem um valor primordial nas sociedades contemporâneas, principalmente num contexto em que a uma necessidade da liberdade política andar de mãos dadas com a democracia, visto que, um Estado só pode ser considerado democrático se garante liberdade política aos seus cidadãos; também neste aspecto mostra a importância na medida em que, a liberdade consiste nas oportunidades que as pessoas têm para determinar que devem governar com base em alguns princípios; permite também que os cidadãos participem do governo do seu País, Estado ou Município, colaborando para a discussão assim como formulação e implementação de políticas, decidindo prioridades e valores a serem seguidos.
É fácil denotar que o federalismo Ngoenheano é bastante forte quando se trata de levar as pequenas unidades territoriais a ser de facto espaços de fecundidade de dons, capacidades, ritmos e exigências singulares. Elas são o espaço de participação, de solidariedade e de amor. Se a responsabilidade política e socioeconómica estiver na responsabilidade das pequenas unidades territoriais (distritos), então poderia possibilitar que as respectivas comunidades criem meios para ter um bom e funcional sistema de infra-estruturas sociais, de transportes, uma produção económica equilibrada e suficiente, de defender os seus próprios interesses, preservar os seus próprios bens históricos, culturais, ambientais, sociais e demais.
Um dos pontos fracos que é digno de realce no federalismo avançado por Ngoenha é a questão da soberania, tendo em conta que ela cabe única e exclusivamente ao Estado Federal quando da criação do mesmo, o que de certa forma faz com que os Estados membros tenham seus governantes, legisladores e membros do poder judiciário, mas tudo deve ser guiado conforme o quanto for permitido pela Constituição Federal.
Portanto, relativamente à fixação dos níveis de competência entre União e Estados membros é preciso que a Constituição delimite o campo de actuação a cada um, sem que haja o rompimento do equilíbrio que proporciona a Federação e umas das formas seria a criação das constituições autónomas.
 

Considerações finais
A reflexão em destaque debruçou-se sobre as Controvérsias da democracia, isto é, o debate que gira em torno do conceito de democracia que posteriormente terminamos por trazer a tona o conceito do federalismo como tentativa de resolução desta problemática. Essas controvérsias, porém, estavam revestidas de um pano de fundo que é a busca incessante de um espaço viável para a participação clara e óbvia dos cidadãos na esfera pública, fazer dos mesmos, sujeitos do próprio destino, como Ngoenha prefere designar.
Ao longo da história, a democracia deparou-se com vários entraves, dado que este modelo de governação jamais foi concretizado num sentido pleno e tradicional da palavra Demos. Desde a sua magna implementação na Grécia antiga, ela estava revestida de uma característica bastante peculiar, a participação directa dos cidadãos na esfera pública, ou simplesmente na agora, como alguns preferem designar a praça. Na verdade, nem todos tinham o privilégio de participar na vida política. De um tempo para cá, ela acabou se transformando num modelo representativo, isto é, a actuação dos cidadãos nas decisões por meio da representação, tanto que o instrumento do sufrágio universal foi colocado a baila no mundo a partir do século XIX.
Esta ideia da representatividade, porém, não agradou a todos, como é o caso de Norberto Bobbio. Este filósofo italiano acredita que o modelo representativo actual mostra falhas, isto porque os representantes não se identificam com os representados. Para ele a representação seria eficaz se o representante pertencesse a mesma categoria do representado, isto é, os operários seriam facilmente representados por um operário, visto que o mesmo saberia as reais problemáticas que apoquenta aqueles. Mas Ngoenha diz que isso não é tão prescindível, o importante é que os parlamentaristas devem ser democráticos, isto é, cultivar de forma incansável os três princípios básicos: o da tolerância, justiça e da separação dos poderes.
É claro que o conceito de democracia não parou por aí, ela transcendeu até chegar a sua designação de democracia deliberativa, que foi fluentemente debatido por Habermas e outros pensadores, os mesmos salientam que esta preocupa-se com o modo que os cidadãos fundamentam racionalmente as regras do jogo democrático. Todavia, as mais diversas formas de manifestações da democracia foram na verdade tomadas como controvérsias, que de alguma forma precisava de uma forma de Estado melhor para o seu melhor exercício parte dos cidadãos.
Ngoenha ressalva que a principal problemática das sociedades africanas de actualmente, não é a escolha entre um partido de esquerda ou um partido de direita, não é o capitalismo ou o socialismo, não é a tradição ou o progresso. O verdadeiro problema está intrinsecamente em dar ao povo a possibilidade real de escolher os próprios ideais, os próprios fins, não por intermédio de um partido, de um presidente, mas de maneira directa.
Ficou claro que a política implica a liberdade de escolha e que os indivíduos fazem dos seus fins e na invenção de meios para os atingir. Deve-se definir os fins comuns a atingir e os meios a partir dos quais vamos atingir os fins que nos propusemos. Isso implica a criação de pequenas unidades compreensíveis por meio de pequenas acções múltiplas. O federalismo proposto por Ngoenha, a ser implementado poderia minimizar as falsidades perpetradas pelos governantes. A democracia estaria a reflectir a vontade expressa pelo povo não apenas no voto mais no desenho do projecto que ele mesmo assume como seus e ideais.
Neste contexto, a democracia deixaria de ter o sentido clássico da coisa “arte de governar” e passaria a ser vista como previsão e orientação do poder e as suas consequências. A verdadeira democracia assume-se quando renunciamos o nosso legado e passado histórico das nossas independências e assumirmos a liberdade como o futuro. Precisamos de construir uma nova sociedade virada a um corpo social unida, que renuncia os seus apetites pessoais e transforma-os em colectivos, solidários e comprometidos com a própria vida.
Assim como Ngoenha, Kant também acredita que a federação é a melhor forma de governo, porque consagra uma relação positiva entre o estado e os cidadãos e também entre o estados. Entretanto, mas do que qualquer outra forma de governo, esta propicia a liberdade intrínseca e extrínseca a paz, sendo que a paz constitui o ideal moral da espécie humana.
Notamos que o federalismo proposto por Ngoenha foi alvo de crítica, a mais notável foi a do Ezio Bono, em suas reflexões chegou a concluir que o federalismo como uma solução inoperante e insustentável para Moçambique. O federalismo viabilizaria o desenvolvimento de múltiplas forças centrífugas e de tendências contrárias à democratização, que se traduziriam sob forma de novos regimes de partidos únicos, ou ainda partidos e Estados dominados pelas etnias maioritárias de cada região. Portanto, Ngoenha pensa que o federalismo poderá facilitar a criação de oportunidades para que os cidadãos discutirem, cooperar, solidarizar-se, etc.

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