Dando nota

Por NERI P. CARNEIRO | 11/08/2016 | Filosofia

Dando nota

De onde vem a corrupção que nos envolve, nos sufoca e faz de nós uma população desnorteada e com padrões éticos comprometidos e questionáveis? Por que condenamos e desprezamos a corrupção e temos certeza que o mar de lama social, econômico e político está deformando os indivíduos e o povo? Onde nascem os atuais padrões que corrompem a sociedade instalando valores antagônicos àqueles desejados pela sociedade?

Se quisermos uma explicação simplória, podemos dizer que tudo isso vem da educação.

Mas se queremos aprofundar a explicação, somos obrigados a dizer que nós, os adultos, estamos educando nossas crianças e jovens para serem isso que abominamos.

Que significa isso? Significa que somos, simultaneamente, produtores e resultado do meio em que nos desenvolvemos. Somos a nossa essência e o resultado cultural de nossa sociedade. Trazemos em nós aquilo que é de nossa natureza e, ao mesmo tempo, aquilo que nossa família, nossos amigos e o ambiente escolar produziu e inculcou em nós.

Qual é a nossa essência? O que somos nós, os seres humanos?

Claro que a esta resposta exige mais do que uma simples afirmação de que somos racionais, pois até nossa racionalidade é questionável.

Onde está a racionalidade disto: será que já nos demos conta de quantas vezes agimos por instinto ou por que estamos acostumados a fazer algo? Quantas vezes por dia nossas atitudes são instintivas? Sejamos honestos e admitamos que muitas vezes sabemos o que é certo e intencionalmente agimos a partir de outras motivações. A racionalidade está em nós, mas não é ela que caracteriza ou determina nossas atitudes e o que somos cotidianamente.

Então, podemos dizer, somos o conjunto de várias características e a maldade é uma delas. Somos maus e ensinamos isso aos nossos filhos e alunos. E isso pode ser comprovado até pela bíblia. Jesus (no evangelho de Lucas 11,13) falando sobre a bondade de Deus e a maldade humana diz: “Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!”

Então voltemos ao nosso tema. Você que é pai ou mãe, pare e pense: quantas vezes você viu seu filho pequenino fazendo algo incorreto e riu e achou uma “gracinha”? Nesse momento, de alguma forma, ele ficou sabendo que esse ato te deixou feliz e repeti-lo-á vida afora. Seu filho fez algo reprovável e você no máximo disse que “isso não se faz”, mas não o fez corrigir o erro. Também dessa forma você o ensinou a desenvolver uma duplicidade de caráter: saber que não se deve fazer algo, mas ser capaz de realizar o ato condenado.

E no ambiente escolar a situação é mais alarmante de deformador: os pais não mais querem saber do aprendizado passando a exigir que o professor aprove ou “de nota” para os alunos. E nós, professores, somos tão pressionados por pais, gestores, sistema educacional e legislação que somos envolvidos na mesma ciranda e damos a nota para evitar “dor de cabeça e cobranças”. Com isso os alunos aprendem que não precisam estudar. Há uma charge que mostra isso (http://iesambi.org.br/noticias_arquivos/que_notas_sao_essas.htm). Os pais de alguns anos atrás, ao pegar o boletim do filho com notas baixas dirigem-se ao filho em tom de reprovação: “que nota é essa?”. E nos dias atuais os pais olham para as notas baixas e se dirigem, em tom de reprovação, ao professor: “Que nota é essa?”.

Antes o estudante tinha que se explicar diante da nota baixa. Tinha que estudar para ter nota e assim aprendia a matéria e um comportamento moral. Atualmente sistema escolar e os pais educam seus filhos para querer nota sem aprendizado. O aluno não vai bem na escola: sistema escolar e pais querem que o professor se explique dando uma nota não merecida.

Aqui é o professor explicando: atitudes dessa natureza – evidentemente ao lado de outras – estão criando em nossa sociedade esse mar de corrupção!

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura – RO