DA VIOLÊNCIA LIBERTADORA A OUTRAS VIOLÊNCIAS: SOCIOLOGIA HISTÓRICA DO HAITI

Por JEAN FABIEN | 30/10/2017 | História

Resumo

Amiúde as pessoas se perguntam se o ser humano nasce violento ou se ele o se torna? Ou, será que é normal ser violento? Devemos entender, primeiro, que ser violento é um estado latente e uma escolha que as circunstâncias impõem. Se a violência é vista como comportamento social anormal é que a sociedade em si é anormal, pois, a história da humanidade demonstrou que a violência é um fato social que se inscreve numa dinâmica negacionista da palavra e do discurso e responsiva pela libertação do ser oprimido da escravidão por exemplo. O objetivo deste artigo é discutir o aspecto libertador da violência e pensar a violência libertadora como exclusivamente reservada à liberdade, e, quando é usada a outro fim, o resultado pode ser nefasto. A formação social e histórica da sociedade haitiana comprova isso. Palavras-chave: Violência. Liberdade. História 

É indiscutível que Haiti tenha uma história fascinante de revolução social e política marcada tanto por momentos tristes e gloriosos quanto por conflitos e violências intestinos, na qual se entremeiam violência e escravidão, fatos sociais inseparáveis. Tudo começou no século XV quando o mundo estivesse assistindo com cumplicidade a exterminação maciça e sistemática de três milhões[1] de Índios na parte oriental da ilha do Ayiti. A ínfima quantidade que sobreviveu deste genocídio – não menos do que 2000 – se refugiou nas montanhas. Lá eles morreram resistindo (NAU, 1854, p. 200- 217). Era o triunfo da barbárie sobre a humanidade. Com efeito, da resistência indiana até a proclamação da independência nacional em 1804 passando, com certeza, por todas as formas de luta possível: suicídio coletivo[2], revolta geral, quilombola, rebeliões sucessivas, lutas clandestinas, Haiti permanece a terra da melhor lição de resistência, de esperança e de liberdade. No seu sofrimento, se entrecruzam duas raças humanas (africanos e europeus) em conflitos, mas condenados a partilhar uma história ancorada de violências, de lutas, de crimes, mas também de glória e de heroísmo.

Os escravos africanos, ao substituírem os Índios, demonstraram que tinham capacidades físicas, humanas e materiais para levar uma luta violenta de dois séculos e meio pela liberdade, pelo direito e pela dignidade humana. Uma violência libertadora nasce num momento crucial em que esta raça enérgica, incansável e inesgotável, que nunca se deixou dizimada pela escravidão apesar de ser feroz e mortífera, se convenceu da sua força física e quantitativa de lutar (NAU, op. cit. p. 26-27). Toda forma de violência era necessária para sair desta opressão escravagista. A logica da colônia quer que a liberdade triunfe da violência e dos conflitos. Máquina de sangue, a escravidão criou no escravo um ser violento. Nesse sentido, Madiou declarou: Les colons, les capitaines-généraux Leclerc et Rochambeau avaient exercé tant de cruautés sur les indigènes, que ceux-ci se faisaient, pour ainsi dire, une vertu de rendre aux Français crime pour crime. Ils étaient devenus aussi féroces que leurs persécuteurs. Peut-on s´étonner des vengeances exercées par celui que l´esclavage a rendu cruel? Mais quant au général Rochambeau, il appartenait à un peuple vieilli dans la civilisation[3] (MADIOU, 1989, p. 129). Tal é a característica da violência libertadora e emancipadora pouco tratada na problemática das violências sociais. O mérito cabe, no entanto, a Frantz Fanon (1961) por chamar atenção do mundo sobre o fato de que a violência do oprimido é libertadora e não é nada que uma resposta proporcional à violência do cólon. Aqui não se trata da dimensão devastadora e destruidora da violência nem da sua apologia, mas do seu aspecto revolucionário e emancipador. Duas palavras resumem então as cenas de violência e de conflitos na vida social dos escravos africanos na colônia de Santo Domingo: opressão e libertação, ambos impregnados de contradição, rivalidade e conflito de interesse e de classe. Tanto na opressão como no processo de libertação a violência é absoluta e impiedosa. Na colônia de Santo Domingo violência e conflito eram frequentes e andavam juntos.

No contexto histórico-colonial de violência feroz, o pessimismo jamais acaba com o otimismo dos escravos que, em resposta a esta violência, organizam, clandestinamente, suas lutas pacíficas antes de recorrer à violência pela recusa definitiva da metrópole de abrir mão. A política colonial de não dialogar era a causa fundamental da amplificação e da multiplicação das violências dos escravos, mas era também um elemento catalisador da sua libertação. De fato, as guerras revolucionárias ocorreram num contexto decisivo, de um lado, do enfraquecimento da metrópole tanto em matéria de quantidade dos soldados cujo estado de saúde era caótico quanto em matéria de munições, do número incalculável de escravos que aderiram às lutas revolucionárias pela liberdade. Tal liberdade adquirida nas guerras precisará, logo depois, ser consolidada e protegida contra os conflitos políticos e violências sociais internos...

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