Da violação positiva do contrato e da eficácia ulterior das obrigações (responsabilidade pós-contratual)

Por Vitor Borges da Silva | 15/08/2012 | Direito

DA VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO E DA EFICÁCIA ULTERIOR DAS OBRIGAÇÕES (RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL)

 

Autor: Vitor Borges da Siva. Bacharel em Direito pela UFES. Analista Judiciário do TRT da 17ª Região.

 

1. VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO

 

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

À alteração do momento de verificação do adimplemento soma-se uma transformação de ordem funcional.

 

A perspectiva da obrigação como processo e como totalidade concreta conduz, por um lado, à superação da ideia de que o adimplemento se esgota na  realização pontual da prestação principal e, por outro, à consagração da concepção que exalta o caráter funcional daquele.

 

Atrelado ao atendimento dos efeitos essenciais do negócio jurídico celebrado pelas partes, o adimplemento “dirige-se não à satisfação arbitrária do credor, mas ao atendimento da função sócio-econômica, identificada com a própria causa do ajuste estabelecido entre ambas as partes”.[i]

 

Quer-se dizer, com isso, que o adimplemento não é orientado à satisfação do interesse unilateral do credor; mais do que isso, vincula-se ao atendimento da causa concreta da avença, concebida por Maria Celina Bodin de Moraes como o “encontro do concreto interesse das partes com os efeitos essenciais abstratamente previstos no tipo (ou, no caso de contratos atípicos, da essencialidade que lhe é atribuída pela autonomia negocial)”.[ii]

 

Foi sob tais bases que, em 1902, o alemão Hermann Staub utilizou a expressão “violações positivas do contrato” para referir-se a diversas situações práticas de descumprimento contratual que guardavam uma característica fundamental em comum, qual seja, não serem passíveis de configurar nem mora tampouco inadimplemento absoluto.

Cumpre assentar que tal conceito foi talhado sob a constatação de que o Código Civil alemão (BGB), ao disciplinar as hipóteses de inadimplemento contratual, deixou lacunas. Staub verificou que o BGB regula, em seu §280, aobrigaçao do devedor de indenizar o credor cuja prestação imposibilite e, de outro lado, no §286, ade indenizar o credor pelos danos provenientes de sua mora.

 

É dizer que, consoante a doutrina staubiana, apenas estão disciplinados em tais artigos os casos em que o devedor não efetua a prestação ou a realiza em atraso; restam esquecidas aquelas situações em que o devedor realiza o que deveria se omitir ou executa o comportamento devido, mas de modo inadequado ao alcance da finalidade da avença, da causa concreta da mesma.

 

Ulteriormente à publicação de sua obra, demasiadas críticas foram endereçadas à tese aventada por Staub. Alegava-se que era insustentável a admissão da violação positiva do contrato como uma categoria conceitual autônoma, já que não haveria uma unidade interna entre os casos que estariam albergados na figura.

 

Afirmava-se, desse modo, que o conceito de violação positiva do contrato não apresentava contornos precisos, só podendo ser definido por exclusão, isto é, o instituto abarcaria a generalidade das violações culposas de um vínculo obrigacional que não pudessem ser enquadradas nem nas hipóteses de impossibilidade absoluta, tampouco nas de mora do devedor.

 

De outro giro, também não faltaram críticas que negassem a existência de lacuna no BGB e, por tal razão, que negassem a origem da construção teórica desenvolvida por Staub. Dizia-se, então, que as diversas realidades unificadas por Staub e seus seguidores poderiam ser recunduzidas a diversas disposições legais do Código Civil alemão.

 

De toda sorte, “as críticas severas a Staub e à violação positiva do contrato só ganhariam peso decisivo se lhe fossem contrapostas construções alternativas”. [iii] Com efeito, a doutrina das violações positivas desenvolveu-se e foi aceita seguramente “não pela existência ou ausência de uma unidade entre os casos que se subsumem no conceito, mas pela uniformidade de princípio de seus efeitos”. [iv]

 

 

1.2 DAS VIOLAÇÕES POSITIVAS CONTRATUAIS EM ESPÉCIE

 

De acordo com Jorge Cesa Ferreira Silva [v], são quatro as hipóteses referidas por Staub como agrupáveis pela figura da violação positiva do contrato: o descumprimento de obrigações negativas, o descumprimento de deveres laterais, o negligente cumprimento de deveres de prestação e o mau cumprimento de obrigações duradouras, pondo em risco os fins do contrato.

 

Registre-se que os efeitos decorrentes dessas formas de descumprimento contratual irão diferencia-se de acordo com a gravidade da infração e sua conseqüência sobre o vínculo.

 

Logo, se a violação causar prejuízos ao credor, assistirá a este o direito à reparação de tais danos suplementares. Poderá o credor, outrossim, conforme a situação fática, abster-se de cumprir a sua prestação, opondo a exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) ou não cumprido satisfatoriamente (exceptio non rite adimpleti contractus). Faculta-se, ainda, a resolução do contrato, se a infração contratual observada no caso concreto lesar consideravelmente os interesses do credor e a confiança entre os contratantes.

 

Consoante Staub, as situações de descumprimento de obrigações negativas estariam desprotegidas pelo BGB, que a elas não dedicaria um regramento, embora preveja, em seu § 241, que a obrigação possa consistir em uma omissão.

 

Registre-se, no entanto, que a violação de deveres laterais de proteção, lealdade e informação é, sem dúvida, o terreno mais fértil de aplicação do instituto da violação positiva do contrato no direito alemão. Em tais hipóteses, é bem de ver que o dever descumprido não é aquele que levou às partes a contratarem; por isto, os danos verificados não são os mesmos gerados pelo inadimplemento absoluto ou pela mora. É dizer que esses danos são subsequentes e decorrem da infração à cláusula geral da boa-fé, a qual impõe aos contratantes a obrigação de zelar pelos interesses e pelo patrimônio da contraparte.

 

Staub, nesse ponto, reúne dois exemplos. O primeiro é o do fabricante e vendedor de material brilhante que vende o produto para um comerciante. O produto continha um composto explosivo, mas tal característica não foi informada ao adquirente, que sofrera, com a explosão, significativos danos à sua integridade física. O outro caso é o respeitante a uma empresa que presta à outra informação falsa sobre a solvabilidade de um de seus mais conhecidos clientes, acarretando a ela graves danos.

 

O negligente cumprimento dos deveres de prestação também figura, como visto, dentre as possíveis violações positivas do contrato. [vi] Afirmava Staub que não havia disciplina para esta modalidade de inadimplemento no BGB, porquanto, neste caso, o devedor cumpre sua obrigação, mas o faz com negligência. Logo, não seria possível falar em impossibilidade, visto que é possível ao devedor realizar a sua prestação, tanto que o fez. Tampouco seria possível enquadrá-lo como mora, pois a prestação foi executada no momento devido.

 

No que atine ao mau cumprimento de obrigações duradouras, é indispensável investigar se essa infração perturba os fins da relação jurídica global. Ilustrativamente, tem-se o caso do dono de um restaurante que tem contratado com dada cervejaria, por vários anos, o fornecimento exclusivo de cerveja. Em algumas prestações, no entanto, são entregues cervejas azedas, provocando, evidentemente, reclamações dos consumidores.

 

Aduzia Staub que, nesses casos, o inadimplemento não poderia ser identificado como mora ou como impossibilidade. De fato, o descumprimento não decorreu do atraso e, de igual modo, não se pode dizer que houve impossibilidade, já que as prestações se realizaram faticamente e o fornecimento da cerveja de qualidade era, sem dúvida, plenamente possível.

 

 

1.3 A RECEPÇÃO DA VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO PELO DIREITO BRASILEIRO

 

A recepção da violação positiva do contrato como outra modalidade de inadimplemento no ordenamento jurídico nacional não é unânime, fundamentalmente porquanto existem doutrinadores que entendem que o art. 394 do Código Civil brasileiro (CCB) ampliou o conceito de mora, tornando-o apto a abarcar todas as hipóteses acima expostas como abrangidas pela figura sobre a qual aqui se discorre.

 

Nesse contexto, impende trazar à baila a linha do art. 394 do CCB, que assim versa:

 

Art. 394 Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

Vê-se, pois, que o legislador civilista brasileiro fez opção por uma terminologia extensiva, adaptável, em tese, a diversas circunstâncias fáticas. Com efeito, para alguns doutrinadores brasileiros, a mora abrangeria os casos em que a prestação é realizada intempestivamente e, também, aquelas situações em que, malgrado ter sido adimplida de maneira tempestiva, foi prestada em local ou de forma diferente da acordada.[vii]

 

Não obstante, tal posição é majoritariamente refutada, na medida em que mora é, essencialmente, atraso no pagamento. É dizer que

 

Apesar dos termos da definição legal, a mora no direito brasileiro continua vinculada exclusivamente ao tempo da prestação. [...] As hipóteses vinculadas ao lugar e à forma da prestação, assim, somente ensejarão mora na medida em que provocarem atraso no prestar ou no receber a prestação, ou seja, não são elas suficientes, individualmente, para caracterizar a mora.

 

O argumento principal a sustentar a tese supraexposta é a compreensão de que a mora é necessariamente temporária. Basta rememorar que, tradicionalmente, o que a distingue do inadimplemento absoluto é, justamente, a possibilidade do adimplemento.

 

Destarte, admitir-se que o cumprimento da prestação em localidade diversa da pactuada é, por si só e independetemente de qualquer vinculação temporal, mora, é o mesmo que aceitar que se encontra eternamente em mora o devedor que, ilustrativamente, entrega certa mercadoria em sede diferente daquela que foi combinada com o credor quando da celebração do contrato.

 

Ora, é bem de ver, que a aceitação téorica da mora eterna é insustentável, razão pela qual o correto é afirmar que esse devedor estará em mora até que a prestação seja corretamente realizada. A vinculação temporal é, pois, inevitável.

 

Aliás, considere-se a situação em que um devedor entrega uma mercadoria na sede de uma empresa diversa da contrantante, empresa esta que, de boa-fé, consome o produto. Em tal caso, como se vê, a prestação foi realizada fora do local fixado na avença. Debruçando-se sobre a literalidade do art. 394 do CCB, concluir-se-ia que a situação caracterizaria, em tese, a mora. No entanto, tendo-se em conta que a prestação, que não foi realizada, não poderá mais sê-lo, não seria mais correto classificá-la como inadimplemento absoluto?

 

Enfim, quer-se afirmar que, no direito brasileiro, a mora se vincula, induvidosamente, ao aspecto temporal, “consubstanciando um atraso relativo à prestação devida”. [viii] Pensar o contrário implica admitir ou a viabilidade teórica de uma mora eterna, ou a existência de situações nas quais não há como distinguir a mora do inadimplemento absoluto, como acima exemplificado.

 

Por tal razão, não se mostra plausível a alegação de que a recepção da violação positiva do contrato pelo ordenamento jurídico brasileiro restaria inviabilizada pela formulação legislativa abrangente da mora, que supostamente congregaria todo e qualquer descumprimento do dever obrigacional que não configurasse inadimplemento absoluto.

 

Isto posto, vencido tal obstáculo inicial à recepção do instituto aqui retratado, é mister examinar, pontualmente, a compatibilidade com o direito nacional de cada uma das situações referidas por Staub como configuradoras de violação positiva do contrato.

 

Em relação ao descumprimento de obrigações negativas, a melhor compreensão é a que se está diante de uma situação que não apresenta especificidades tão profundas a ponto de se afastar, a priori, das figuras tradicionais de inadimplemento. De fato, conforme o caso concreto, podem consubstanciar ou mora ou impossibilidade absoluta. Vale dizer, o contratante que consentira em não revender, em determinado lugar, certo produto e o faz, descumpre absolutamente o contrato; o representante que consentira em se ausentar de uma determinada praça a partir de do mês de abril e só o faz em julho, encontra-se induvidosamente em mora.

 

Por outro lado, no âmbito do descumprimento dos deveres laterais não diretamente vinculados à prestação (como os deveres de proteção em sentido estrito, v.g), a recepção da violação positiva do contrato pelo ordenamento jurídico brasileiro resta, de fato, viabilizada e bem-vinda.

 

É que mesmo na hipótese de descumprimento desses deveres, é possível e absolutamente provável que a prestação tenha sido corretamente prestada, sem quaisquer reparos, restando inviabilizada a classificação desses casos dentre as figuras tradicionais de inadimplemento.

 

Digno de nota é, porém, que o simples fato de o Código de Defesa do Consumidor brasileiro (CDC) dedicar, nos artigos relativos à responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, uma tutela contra vícios passível de identificação com os deveres de proteção, não pode conduzir à conclusão de que, por tal expressa previsão, restaria desnecessário o recurso à figura da violação positiva do contrato.

 

Isso porque a diferenciação entre os deveres laterais e os deveres decorrentes das previsões de vícios contidas nos arts. 12 e seguintes do CDC é de rigor.  A bem da verdade, a construção teórica dos deveres laterais foi sendo desenvolvida na esteira das relações contratuais; em contrapartida, os citados dispositivos da legislação consumerista escoram-se no desenvolvimento da responsabilidade civil pelo fato da coisa, concepção esta que, desde a origem, sempre prescindiu da existência prévia do liame obrigacional, já que se trata de um dos primeiros desdobramentos da responsabilidade objetiva.[ix]

 

Corroborando tal posicionamento, Jorge Cesa lapida:

 

Como se constata, pode-se facilmente separar os deveres laterais das regras sobre o fato do produto ou do serviço pela percepção de que estas só atuam no âmbito da reponsabilidade civil, a posteriori, portanto, ao passo que os deveres laterai têm uma direta incidência sobre os destinos contratuais. A simples previsão legal da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço não tem o condão de, por exemplo, sustentar a resolução contratual, ou de dar ensejo à oposição do contrato não cumprido. Atua ela somente no campo indenizatório, campo que, algumas vezes, sequer é tocado pelos deveres laterais.[x]

 

Dessa forma, resta indubitável a diferenciação de conceituação e atuação existente entre os deveres laterais e os deveres resultantes dos arts. 12 e seguites do Código de Defesa do Consumidor, motivo por que é absolutamente plausível a aceitação, pelo direito brasileiro, da necessidade de se recorrer à da figura violação positiva do contrato para os casos de infração aos deveres laterais desvinculados da prestação principal.

 

De igual modo, no que atine ao negligente ou “mau cumprimento” dos deveres de prestação, a doutrina brasileira e a jurisprudência, inclusive, têm aceitado o emprego da violação positiva do contrato, desde que presentes, no entanto, quatro condicionantes, quais sejam: a realização da prestação; a realização de forma defeitusosa; a não-regulamentação da hipótese de mau cumprimento pelas regras sobre vícios; e a existência dos pronunciados danos típicos.[xi]

 

Destarte, primeiramente, exige-se que a prestação tenha de ser realizada pelo devedor. A realização da prestação, a seu turno, deve ser procedida de forma a indicar, ainda que perfunctoriamente, que há adimplemento. Ademais, imprescinde-se que tal prestar tenha sido feito de forma defeituosa, vale dizer, exige-se que, por culpa, haja uma desconformidade entre aquilo que é prestado e o que deveria sê-lo.

 

Sublinhe-se que esse cumprimento defeituoso, por sua vez, não pode implicar a incidência das regras sobre vícios - seja de direito (evicção), seja do objeto (vícios em sentido estrito) -, já que há regulação específica quanto a estes.

 

Derradeiramente, exige-se, outrossim, a presença dos pronunciados danos típicos, isto é, danos não comuns aos casos de mora e de inadimplemento absoluto. Ilustrativamente, é o que se verifica nos emblemáticos casos da entrega de maçãs contendo bichos que acabam por contaminar as demais frutas do adquirente, ou da forragem contendo grãos venenosos que levam à morte os cavalos do adquirente e, ainda, do dentista que, ao proceder à extração de alguns dos dentes do paciente, compromete culposamente a arcada do mesmo.

 

É bem de ver que em todos os exemplos colacionados os danos são bem distintos daqueles supostamente decorrentes da não-entrega ou entrega tardia do bem ou da não-realização ou realização tardia do fato.

 

Nesse ponto, importante é registrar que o interesse do credor já não mais se prende à realização do objeto da prestação (nova forragem, novas maçãs ou extração de dente), e sim à plena reparação dos danos decorrentes da prestação.[xii]

 

Com relação ao descumprimento de uma prestação nos contratos de fornecimento sucessivo, trata-se de hipótese de inadimplemento absoluto ou mora. No entanto, deve-se investigar o efeito dessa transgressão sobre o vínculo contratual, ou seja, se a infração ocorrida é apta a romper a relação de confiança que une os contratantes. Caso a resposta seja afirmativa, estar-se-á diante de uma violação positiva do contrato por descumprimento de deveres laterais. Assim, para a parte lesada abrem-se três opções: o pedido de indenização pelos danos especificamente sofridos; a pretensão de indenização pelo inadimplemento contratual e o direito de resilição.

 

Do cotejo da jurisprudência pátria, constata-se que raros são os arestos que contemplam as violações positivas do contrato. Vejamos alguns selecionados:

 

 

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL POR MÁ EXECUÇÃO DE CONTRATO (VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO). Instalação de piso laminado. Defeito do produto (afundamento de miolo). Problema detectado em dois ambientes (sala e dormitório). Receio fundado de que o problema se expanda por outras peças a recomendar o desfazimento do negócio, com a restituição do preço pago, devidamente corrigido. Sentença de procedência mantida. Recurso desprovido. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Terceira Turma Recursal Cível. Recurso Cível Nº 71000626697. Novo Piso S/A Engenharia e Revestimentos e Delca Amabile Burtet Martins. Relator: Desembargador Eugênio Facchini Neto. Porto Alegre, 29 mar. 2005)

 

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. INFRAÇÃO A DEVER INSTRUMENTAL DE INFORMAÇÃO, DERIVADO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO. É crível, assim, a versão da autora de que não teria se interessado na locação, caso soubesse que haveria um número tão grande de stands locados. Ainda que não houvesse a afirmação inicial, enganosa, de que haveria um número reduzido de stands, impunha-se aos requeridos prestar a informação aos interessados quanto ao número de stands que se pretendia instalar. Trata-se do dever instrumental, anexo ou lateral, de informar ao outro contratante todas as circunstâncias que possam influir no processo de tomada de decisão de contratar ou de fixação das cláusulas do contrato. Não houve propriamente inadimplemento contratual dos requeridos, pois locaram os stands e efetivamente os dispuseram aos locatários. Trata-se, porém, do fenômeno denominado de violação positiva do contrato, instituto que não configura nem mora, nem inadimplemento, mas adimplemento defeituoso por não cumprimento de deveres anexos, laterais, decorrentes do princípio da boa-fé, em sua função de proteção ou tutela. Sentença de procedência mantida. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Terceira Turma Recursal Cível. Recurso Cível Nº 71000603332. Marketing e Cia e Eva Silva da Costa. Relator: Desembargador Eugênio Facchini Neto. Porto Alegre, 14 dez. 2004)

 

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA - CONTRATO DE EMPREITADA - MOVEIS PARA LOJA - AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DO VALOR CONTRATADO - DESCUMPRIMENTO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO - DEFEITOS DE ACABAMENTO - CARACTERIZAÇÃO - ABATIMENTO DO PREÇO - POSSIBILIDADE - VALOR NECESSÁRIO PARA REPARAÇÃO DO DEFEITO - APURAÇÃOEM LIQUIDAÇÃO. Restandodemonstrado nos autos que houve cumprimento parcial do contrato, haja vista a constatação de defeitos no seu objeto está-se diante da hipótese de "descumprimento de obrigação positiva", sendo possível a alegação da exceptio non rite adimplenti contractus. Uma vez acatada a exceção do contrato cumprido de forma defeituosa possível é, em sede de ação de cobrança, o abatimento do preço inicialmente avençado da quantia necessária a reparação do(s) bem(s), valor este que deve ser apurado em liquidação de sentença por arbitramento. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível 2.0000.00.512685-4/000(1). Renata Araújo Notini e Richard Antônio Masrtins. Relator: Desembargador Dídimo Inocêncio de Paula. Belo Horizonte, 18 ago. 2005)

 

Da leitura dos acórdãos colacionados, constata-se que, muitas vezes, o recurso à figura da violação positiva do contrato é feito de maneira indiscriminada, inclusive em casos para os quais há dispositivos legais específicas sobre vícios, quando, então, a aplicação do instituto aqui discutido restaria, como visto, desnecessária.

 

Depreende-se, pois, que o acerto jurisprudencial na aplicação da figura da violação positiva do contrato imprescinde de uma aprofundamento doutrinário acerca da adaptação de tal instituto ao direito nacional.

 

2 EFICÁCIA ULTERIOR DAS OBRIGAÇÕES

 

2.1 DEVERES ANEXOS PÓS-OBRIGACIONAIS COMO FUNDAMENTO DA CULPA POST PACTUM FINITUM

 

Consoante já exposto, na perspectiva tradicional, o vínculo obrigacional e, com ele, a responsabilidade do devedor, extinguir-se-iam com a pontual realização da prestação principal. Em contrapartida, sob a ótica da moderna releitura do direito das obrigações, a fase do adimplemento obrigacional não só começa muito antes do concreto cumprimento da prestação, mas também se protrai para além deste ato, exigindo a conservação dos seus efeitos e a sua concreta utilidade.[xiii]

 

Reconhece-se, com efeito, a existência de uma responsabilidade pós-negocial, que atinge as partes da relação obrigacional no momento que sucede à realização da prestação principal.

 

Cuida-se de responsabilidade fundada na culpa post pactum finitum, a qual corresponde à projeção simétrica da culpa in contrahendo no período pós-contratual. Vale dizer, se para JHERING e seus seguidores seria possível, antes de concluído um contrato, constituir-se, em desfavor de um dos contratantes, um dever de indenizar por culpa pré-contratual, o inverso também é admissível: após a extinção de um processo contratual, pelo cumprimento ou por outra forma, subsistiriam alguns deveres para os ex-contratantes.

 

Em verdade, entende-se que, malgrado cumpridas as prestações principais, impõe-se aos contratantes o dever de absterem-se de condutas susceptíveis de colocar em perigo ou prejudicar o fim do liame abirgacional.[xiv]

 

Está-se a admitir, portanto, a eficácia ulterior dos deveres anexos, depois de extinto o contrato com o adimplemento, de maneira que a relação jurídica obrigacional passe a sobreviver tão-somente em relação a tais deveres, mormente quando ela condense uma pletora de deveres instrumentalmente voltados a propiciar e conservar o escopo do contrato.[xv]

 

Diz-se que a redução dogmática da culpa post pactum finitum operou-se posteriormente à sua consagração na jurisprudência, porquanto sua formação não derivou de “locubrações teoréticas centradas em postulados aximáticos centrais, mas sim da necessidade vivida de solucionar questões periféricas”.[xvi]

 

Afirma-se que, por tal razão, há um certo “amorfismo acrítico” no estudo do instituto, que acarreta o inconveniente de considerar como fruto da culpa post pactum finitum todas as manifestações de juridicidade que sobrevêm depois de extinta uma obrigação.

 

Alude Menezes Cordeiro, nesse passo, à pós-eficácia aparente e à pós-eficácia virtual, as quais não se confundem com a pós-eficácia em sentido estrito, esta sim aludida como fielmente decorrente da culpa post pactum finitum.

 

A pós-eficácia aparente tem ocorrência quando a lei associa, expressamente, certos deveres à extinção das obrigações, isto é, a pós-eficácia é previamente determinada em lei.

 

Ilustrativamente, podem-se apontar como representativos da pós-eficácia aparente, orientando-se a partir do Código Civil brasileiro (CCB), a obrigação dos herdeiros do mandatário, na hipótese de morte deste, de noticiar o mandante e praticar os atos necessários para a realização do negócio (art. 690), bem como a obrigação de prestação de alimentos entre os cônjuges, que persiste mesmo após a dissolução do matrimônio, somente extinguindo-se com o novo casamento, a união estável ou o concubinato do ex-cônjuge credor da prestação alimentícia (art. 1708).[xvii]

 

Nesses casos, como se vê, há sempre uma norma legal que determina a produção de efeitos posteriores ao cumprimento da obrigação.

 

De outro giro, a pós-eficácia virtual diz respeito a situações jurídicas complexas que prevejam, desde o início, prestações secundárias que somente se manifestam na extinção da obrigacional principal. Recorde-se, por exemplo, a obrigação do advogado de, após a extinção da relação profissional estabelecida com o cliente (prestação principal), devolver todos os documentos que lhe foram entregues por seu constitutinte (prestação secundária). Ou, ainda, a obrigação do locatário de restituir a coisa, a qual somente surge no fim da avença. Isto é, não basta apenas o pagamento do último aluguel no prazo ajustado no contrato de locação (prestação principal), mas é necessária a restuição da coisa (prestação secundária).

 

Assinale-se que todas as hipóteses de pós-eficácia até aqui indicadas têm uma conotação ampla e não representam situações em que se possa adotar, tecnicamente, a teoria da culpa post pactum finitum, uma vez que esta não está alicerçada em deveres impostos por uma norma jurídica (pós-eficácia aparente), tampouco em prestações secundárias que sobrevêm posteriormente ao cumprimento da prestação principal (pós-eficácia virtual).

 

Em verdade, a configuração da pós-eficácia em sentido estrito, na qual se assenta a teoria aqui aventada, está umbilicalmente ligada à eficácia ulterior de deveres anexos de conduta não previstos expressamente em lei ou num contrato.

 

Também nesse sentido manifesta-se Rogério Ferraz Donnini, senão vejamos:

 

[...] tem aplicação a teoria da culpa post pactum finitum e, como consequência, gera a pós-eficácia obrigacional em sentido estrito e, de forma menos abrangente, a responsabilidade pós-contratual, somente esses deveres acessórios não previstos em lei ou numa avença. Se, eventualmente, estiver disposto num contrato um dever acessório, seu descumprimento resultará, para a parte que o causou, o dever de reparar possível prejuízo. Nesse caso, a responsabilidade seria contratual e não pós-contratual, pois estar-se-ia diante de uma obrigação estipulada contratualmente.[xviii]

 

O marco do acolhimento da responsabilidade pós-contratual, sob a denominação culpa post pactum finitum, no direito estrangeiro, foi uma decisão do Tribunal Superior Alemão, em 1925, o qual decidiu que, após o término de uma cessão de crédito, o cedente deveria continuar a não impor obstáculos ao cessionário.

 

A mesma Corte, no ano seguinte, encampando novamente a teoria que aqui se discorre, decidiu o caso dos herdeiros do escrito francês Flaubert, em litígio com uma editora alemã, entendendo-se que, mesmo que findo o contrato de edição, os herdeiros, titulares dos direitos autorais, estariam impedidos de fazer concorrência com a editora, enquanto não esgotadas as edições anteriores, remanescendo o dever de solidariedade.[xix]

 

Rememora Antonio Junqueira de Azevedo outros três casos da jurisprudência alemã que se tornaram emblemáticos no trato da doutrina da culpa post pactum finitum. [xx]

 

No primeiro caso, uma proprietária de boutique encomendou a uma confecção de roupas a feitura de 120 (cento e vinte) casacos de pele. A confecção fez os casacos encomendados, vende-os e entrego-os à dona da boutique. Executado o contrato, a mesma confecção providenciou a feitura de mais 120 (cento e vinte) casacos idênticos àqueles e vende-os à dona da boutique vizinha. Ainda que o contrato não contivesse a cláusula de exclusividade, a autora, alegando deslealde e falta de boa-fé, logrou êxito em sua demanda judicial.

No segundo caso, um proprietário de um imóvel vende-o e o comprador que o adquiriu, por ter o terreno uma bela vista sobre um vale muito grande, construiu ali uma bela residência, cujo valor superava em seis vezes o preço do solo. Anos depois, o ex-proprietário do terreno, o vendedor, que sabia da proibição pela municipalidade de se contruir elevada construção no imóvel em frente ao anteriormente vendido, adquiriu assim mesmo o imóvel e, em seguida, conseguiu na prefeitura a alteração do plano da cidade, para que fosse permitido ali fazer uma construção. Noutras palavras, ele construiu um prédio que anulava a vista do próprio terreno que havia vendido ao outro. Faltou, é bem de ver, com a lealdade no contrato que já estava acabado, perturbando, inequivocamente, a satisfação do comprador resultante do contrato já executado. Por tal razão, a corte alemã entendeu evidenciada a falta de boa-fé post pactum finitum.

 

Por último, no terceiro caso, um proprietário de um hotel adquiriu de uma fornecedora um carpete para revestir o piso de seu empreendimento. A fornecedora procedeu à entrega da mercadoria, mas, por não realizar o serviço de colocação do carpete, indicou o nome de uma pessoa que já vinha realizando tal colocação para a empresa. A fornecedora, contudo, não informou a essa pessoa que o carpete fornecido ao dono do hotel era de um tipo novo, diferente. Por tal razão, o colocador do carpete fez uso de uma cola inadequada para o carpete fornecido e, algumas semanas depois, todo o carpete estava deteriorado. Para a Corte alemã, a fornecedora não agiu com a diligência imposta pela boa-fé, pois, no mínimo, deveria ter alertado a propósito do novo produto.

 

2.2 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE PÓS-OBRIGACIONAL E SUA CONFLUÊNCIA COM O DIREITO BRASILEIRO

 

A escassa doutrina brasileira que se dedica à temática que aqui se discorre não se furta à análise da recepção pelo sistema jurídico brasileiro da teoria da culpa post pactum finitum e, em última análise, da responsabilidade pós-contratual.

 

Na visão de Rogério Ferraz Donnini, malgrado o art. 422 do CCB preveja que a noção de probidade e boa-fé deva estar presente na conclusão e execução da avença, “por se tratar de uma cláusula geral (aberta), essa atitude dos contratantes deverá ser seguida não somente durante a fase contratual, mas também antes e após a extinção do pacto”.

 

Corroborando tal entendimento, Paulo Luiz Netto Lôbo assim se manifesta:

 

[...] O Código Civil não foi tão claro em relação aos contratos comuns, mas, quando se refere amplamente (art. 422) à conclusão e à execução do contrato, admite a interpretação em conformidade com o atual estado da doutrina jurídica acerca do alcance do princípio da boa-fé aos comportamentos in contrahendo e post pactum finitum. A referência à conclusão deve ser entendida como abrangente da celebração e dos comportamentos que a antecedem, porque aquela decorre destes. A referência à execução deve ser também entendida como inclusiva de todos os comportamentos resultantes da natureza do contrato. Em suma, em se tratando de boa-fé, os comportamentos formadores ou resultantes de outros não podem ser cindidos.[xxi]

 

Percebe-se, pois, que apenas sob uma interpretação cega, que privilegiasse a literalidade do art. 422 do CCB em detrimento de toda uma realidade que chama a boa-fé objetiva a depor, seria possível afastar a aplicação da responsabilidade pós-contratual pelos tribunais brasileiros.

 

Destaca-se, nesse passo, que, a par dos elementos que tradicionalmente integram a generalidade dos tipos de responsabilidade, quais sejam, o dano, o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano e o fator de atribuição da responsabilidade (culpa ou risco da atividade), a caracterização da culpa post pactum finitum, no nosso sistema jurídico, imprescinde da concorrência de outros dois requisitos: a extinção do contrato pelo adimplemento e a prática de uma ação ou omissão em si lícita, mas que viole um dever anexo pós-eficaz.

 

Nesse passo, é importante registrar que se o contrato for extinto por outra forma que não seja o adimplemento, não há por que se falar em culpa post pactum finitum, tendo em vista que o fundamento da manutenção da eficácia de certos deveres anexos de conduta é, induvidosamente, garantir a fruição e o bom proveito do resultado desejado e obtido pelas partes com o cumprimento do contrato.

 

Ademais, consoante ressalta Marco Antonio Trevisan

 

[...] O adimplemento ruim que deflagra o sistema de garantias legais (v.g,  evicção, art. 447 do CC; vícios redebitórios, art. 441 do CC; indenização por perdas e danos, art. 389 do CC) ou, eventualmente, contratuais (v.g, multa, garantia contratual contra  defeitos de fabricação, assistência técnica etc. ) não incita o surgimento da culpa post pactum finitum, pois se trata de eficácia continuada de deveres secundários que já se faziam presentes e previstos na fase de execução do contrato.[xxii]

 

Consoante acima exposto, a configuração da responsabilidade pós-contratual requer a prática de uma ação ou omissão lícita em si, uma vez que se a conduta, analisada isoladamente, for ilícita na forma do art. 186 do Código Civil brasileiro, não subsistiria razão para o recurso à teoria da culpa post pactum finitum, já que o apelo àquela regra se revelaria suficiente para ensejar a responsabilidade e, com efeito, o dever de indenizar.

 

No entanto, caso o comportamento de um dos contratantes, lícito se examinado isoladamente, se manifeste contrário ao dever anexo de conduta que se manteve eficaz ulteriormente à extinção do contrato, há que se considerá-lo ilícito sobre esse prisma, caracterizando, assim, a responsabilidade pós-contratual.

 

Pelos motivos até então expostos, urge salientar que o julgado a que a doutrina brasileira alude como a pioneira decisão da jurisprudência brasileira a acatar a doutrina da culpa post pactum finitum não representa uma genoína aplicação de tal teoria. Vejamos a ementa de tal decisão:

 

COMPRA E VENDA. RESOLUCAO. CULPA POST PACTUM FINITUM. O vendedor que imediatamente apos a venda torna inviável a compradora dispor do bem, ameaçando-a de morte e a escorraçando do lugar, para aproveitar-se disso e vender a casa para outrem, descumpre uma obrigação secundaria do contrato e dá motivo a resolução. Princípio da boa-fé. Preliminar de nulidade rejeitada. Apelo provido em parte, apenas para suspender exigibilidade dos ônus da sucumbência. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Quinta Câmara Cível. Apelação Cível Nº 588042580. Zilma da Silva Cândido e Carlos Antônio de Lima Gonçalves. Relator: Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Porto Alegre, 16 ago.1998)

 

 

Cuidava-se de um contrato de compra e venda já encerrado pelo adimplemento, ou seja, pela entrega da res e pelo pagamento do preço, do qual, posteriormente, se arrependeu o vendedor, tendo em vista que lhe fora oferecida uma proposta mais vantajosa. No afã de afastar a compradadora do imóvel, o vendedor passou a ameaçá-la de morte e a escorraçou do apartamento, devolvendo, no entanto, o preço por ela pago.

 

O desembargador relator do acórdão, Ruy Rosado de Aguiar, em seu voto, invocou a teoria da culpa post pactum finitum para impor ao devedor o dever de indenizar, sob o pálio de que o vendedor violou o dever anexo de “não tomar nenhuma medida suficiente e capaz de inviabilizar para a compradora o uso e o gozo do bem adquirido”, tornando “inviável, com o seu comportamento, [...] a perfectibilização do negócio, na sua continuidade”.

 

Todavia, a bem da verdade, no caso relatado, a conduta do vendedor, examinada isoladamente, já se revela ilícita, perfazendo, assim, o suporte fático de incidência do art. 186 do Código Civil Brasileiro, tendo em vista que ofende, ab initio, o direito de propriedade da compradora. Assim sendo, a alusão à responsabilidade pós-contratual não seria, tecnicamente, a decisão mais correta.

 

Destaca-se, por fim, no seio da jurisprudência trabalhista, a existência de outros julgados que encampam a responsabilidade pós-contratual, senão vejamos:

 

RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL DO EMPREGADOR. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. A responsabilidade pós-contratual decorre da culpa “in contrahendo” de uma das partes e na violação do dever de boa-fé, vista aqui sob o prisma objetivo, alusiva ao dever recíproco dos contratantes de se comportarem com lealdade. O desrespeito a esse princípio da boa-fé é que vai constituir o elemento primeiro da responsabilidade pós-contratual e, na hipótese, vai autorizar a condenação da Demandada a indenizar os prejuízos morais sofridos pelo Autor que, mesmo depois de ser dispensado pela ré, tem o seu nome utilizado ilicitamente como responsável técnico dos projetos da empresa, dando ensejo à reparação pretendida". (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Quinta Turma. Recurso Ordinário 00175-2007-016-03-00-0. Telemar Norte Leste S/A e Carlindo José Wayrer Brito. Relator Convocado: Juiz Eduardo Aurélio Pereira Ferri. Belo Horizonte, 06 out. 2007)".

 

A responsabilidade pós-contratual tem sua origem no Direito Alemão, "quando o Reichsgericht (RG) decidiu que, após o término de uma cessão de crédito, o cedente deveria continuar a não impor obstáculos ao cessionário" (Rogério Ferraz, DONNINI. Responsabilidade pós contratual no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, pág. 86, São Paulo, Saraiva, 2004), constituindo mero desdobramento do princípio da boa-fé, que deve reger as relações jurídicas. Assim, ofende cabalmente o princípio da boa-fé e à responsabilidade pós-contratual das partes, oferecer aos aposentados a adesão a um plano de complementação cuja correção é efetuada índice IGP-DI da FGV e aos seus dissidentes, que optaram receber a complementação de aposentadoria de acordo com o aumento salarial previsto em norma coletiva ao pessoal da ativa, obstar a correção do benefício, congelando-o por diversos anos, através de meio escuso, qual seja, a concessão de benefícios não remuneratórios aos empregados em atividade. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Décima Segunda Turma. Recurso Ordinário 02544200502102009. Relator: Desembargadora Vânia Paranhos. São Paulo, 25 jul. 2008)

 

Registre-se que nos casos versados nos acórdãos acima colacionados o comportamento de um dos contratantes mostra-se lícito, se examinado isoladamente, mas destoa do dever anexo de conduta que se manteve eficaz ulteriormente à extinção do contrato, sendo de rigor considerá-lo ilícito sob tal ângulo, caracterizando, assim, a responsabilidade pós-contratual.

 

 

 

 

 

 

 


[i] SCHREIBER, 2007, p. 15.

 

[ii] MORAES, Maria Celina Bodin de. A Causa dos Contratos. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, vol. 21, p. 109, jan./mar.2005.

 

[iii] CORDEIRO, 2007, p. 599.

 

[iv] SILVA, 2007, p. 216.

 

[v] Ibid., p. 207.

 

[vi] Para esse grupo de exemplos, Staub alude ao caso do sócio que é responsável por apresentar, durante certo período de tempo, o balanço financeiro de uma dada sociedade. Ele o faz, durante o período exigido, mas negligentemente. O resultado do balanço se apresenta, desse modo, desconectado da verdade, de sorte que os demais sócios, não cientes de tal fato, acabam adotando várias medidas baseadas no balanço errôneo. No entanto, após a adoção dessas medidas, porém ainda durante o período possível de entrega, o sócio apresenta novo balanço, agora em consonância com o verdadeiro estado financeiro da empresa. Vê-se, assim, que jamais foi impossível ao devedor realizar corretamente a prestação, tanto que o fez ulteriormente. Da mesma forma, não se pode falar em mora, visto que ambas as apresentações do balanço foram efetuadas durante o período de tempo estabelecido para a entrega (SILVA, 2007, p. 219).

 

[vii] Cf. Kratz, Gustavo Gazelle. O conceito de mora na teoria contratual moderna. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

 

[viii] BITTAR, Carlos Alberto. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 161.

 

[ix] Cf. SILVA, 2007, p. 239.

 

[x] SILVA, 2007, p. 242.

 

[xi] RIGHI, 2008, p. 108.

 

[xii] Jorge Cesa destaca que “[...] os danos típicos da impossibilidade e da mora relacionam-se, fundamentalmente, com o objeto da prestação. O interesse do credor, nesses casos, diz respeito à realização da prestação. Já os danos típicos da violação positiva do contrato extrapolam o interesse da prestação, tendo nesta, apenas, o seu suporte causal.” (SILVA, 2007, p. 227)

 

[xiii] SCHREIBER, 2007, p. 23.

 

[xiv] COSTA, Mario Julio de Almeida, 2004, p. 323.

 

[xv] TREVISAN, Marco Antonio. Responsabilidade Pós-Contratual. Revista de Direito Privado, n.16, p. 206, out./dez. 2003.

 

[xvi] CORDEIRO, 2007, p. 626.

 

[xvii] Exemplos extraídos de DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual: no novo código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 120.

 

[xviii] DONNINI, 2004, p. 123.

 

[xix] RGZ 113 (1926), Ibid., p. 86.

 

[xx] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências, deficiências e desatualização do projeto de código civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v.1, p. 148, jan./mar. 2000.

 

 

[xxi] LÔBO, 2005, p. 84.

 

[xxii] TREVIZAN, 2003, p. 213.